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"Dizem que sambar é pecado": o processo de incorporação de ritmos brasileiros na música evangélica brasileira

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Academic year: 2021

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Priscila Limas da Silva

“DIZEM QUE SAMBAR É PECADO”: O PROCESSO DE INCORPORAÇÃO DE RITMOS BRASILEIROS NA MÚSICA

EVANGÉLICA BRASILEIRA

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Santiago Pich

Florianópolis 2018

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus. Minha maior conquista foi ter chegado até aqui e agradecê-lo.

À minha Família. O apoio, o cuidado e a confiança que depositaram em mim. Aos meus pais e avós, esta pesquisa se iniciou nas músicas de vocês em nossas reuniões de família.

Aos professores, que me ajudaram na trajetória acadêmica. Primeiramente, ao orientador deste trabalho Prof. Dr. Santiago Pich,a sua paciência e auxílio foram fundamentais para a concretização deste trabalho. E, especialmente, ao Prof. Dr. Rogério Santos Pereira, ao Prof. Dr. Francisco Emílio de Medeiros e à Profª Drª Iracema Munarim. As palavras gentis e de incentivo de vocês semearam este sonho em mim.

Aos amigos, as palavras de encorajamento e fortalecimento. Guardo comigo cada uma.

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Dizem que sambar é pecado,

Dizem que sambar não é bom, não é bom. Eu acho isso um tanto equivocado: O Criador amado dando pra gente esse dom Pra deixarmos meio jogado

Na gaveta fria de uma opinião Que deixa tanta alegria de lado

Deveria ser dado a ele mesmo, em adoração. BORGES, Gerson. 2016

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RESUMO

O crescimento do número de evangélicos no Brasil resultou na inserção destes em vários setores da sociedade, destacando-se na mídia, através das rádios e TVs evangélicas, dos artistas, apresentadores, jogadores de futebol evangélicos; assim como na política, com o surgimento da bancada política evangélica. Dentre as muitas coisas a surgir no Brasil em versão evangélica ou gospel, destaca-se a música gospel. Os evangélicos têm uma forma peculiar de lidar com a cultura brasileira, e, muitos são os elementos da cultura brasileira que, ao longo dos anos, foram demonizados. No âmbito da música, muitos instrumentos e gêneros musicais são considerados profanos ou demoníacos. Por isso, o surgimento de música cristã evangélica em gêneros musicais brasileiros, como o samba, por exemplo, gerou resistência, boicote e censura por parte de alguns setores evangélicos. Para investigar como acontecem no meio evangélico os processos de incorporação de gêneros musicais brasileiros na música evangélica brasileira, assim como, quais são os discursos que suscitaram resistências ou transigências à música brasileira, nesta pesquisa, consideramos a carreira musical de dois músicos evangélicos que trabalham com gêneros musicais brasileiros, os cantores João Alexandre e Waguinho. A partir de material encontrado na internet, analisamos letras de suas músicas, assim como suas falas em: entrevistas, vídeos de apresentações musicais, matérias de sites especializados na música gospel. A partir desta pesquisa percebemos que a legitimação destes gêneros musicais se deu de duas maneiras diferentes, pautados por duas teologias distintas. No âmbito de teologia reformada o conceito de Graça Comum opera como legitimador, enquanto no âmbito de teologia pentecostal, conceitos da teologia da Batalha Espiritual permitem a incorporação de gêneros musicais brasileiros na música evangélica. Palavras-chave: Evangélicos. Música evangélica brasileira. Pentecostalismo.

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ABSTRACT

The growth of the number of evangelical people in Brazil resulted in their insertion in many sectors of society, standing out in the media, through the radios and evangelical TVs, artists, presenters, evangelical football players; as in politics, with the emergence of the evangelical political party. Among the many things to appear in the evangelical fild in Brazil, the highlight is the gospel music. The evangelical people have a special form to deal with the brazilian culture, and, many are the elements of brazilian culture that, over the years, have been demonized. In the scope of music, many instruments and musical genres are considered profane or demonic. So, the emergence of evangelical Christian music in brazilian musical genres, like samba, developed resistance, boycott and censorship by some envagelical sectors. To investigate how the processes of incoporation of brazilian musical genres in brazilians evangelical music take place in the evangelical environment, as, which are the speeches that have provoked resistance or compromise to the brazilian music, in this research, we consider the musical career of two evangelical musicians that work with brazilian musical genres: the singers João Alexandre and Waguinho. From the material found in the internet, we analyzing song lyrics and also interviews, videos of musical presentations, article on sites specializing in gospel music. From this search we notice that the legitimation of these brazilian musical genres came from distinct theologies. In the scope of reformed theology the concept of Common Grace operates as a legitimator, while the scope of Pentecostal theology, concepts of Spiritual Battle Theology allow the incorporation of the brazilian musical genres into evangelical music.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...15

2 O QUE É RELIGIÃO ...21

3 O CENSO E O CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO ...25

3.1 AS OUTRAS RELIGIÕES ...27

3.2 SEM RELIGIÃO ...28

3.3 CATOLICISMO ...31

3.3.1 Carismatismo Católico Brasileiro ...33

4 EVANGÉLICOS ...37

4.1 PENTECOSTALISMO ...43

4.2 EVANGÉLICOS E A MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA...49

5 MÚSICA EVANGÉLICA ...57

5.1 MAS, O QUE É MÚSICA PARA OS EVANGÉLICOS? ...64

5.2 A INCORPORAÇÃO DOS GÊNEROS MUSICAIS BRASILEIROS NO MEIO EVANGÉLICO...70

6 JOÃO ALEXANDRE ...99

6.1 CARREIRA MUSICAL ...99

6.2 MÚSICAS ANALISADAS...106

6.3 FALAS DE JOÃO ALEXANDRE - “Não existe um Ré Menor profano e um Mi Maior Divino...isso é uma bobagem!”...117

6.3.1 Relação institucional com a Igreja evangélica...118

6.3.2 A respeito do conceito de música...119

6.3.3 A respeito da música secular...125

6.3.4 Sobre a música de João, os gêneros musicais que ele faz e suas influências...132

6.3.5 Sobre trabalhar com música brasileira no meio evangélico...141

6.3.6 João e o Mercado Gospel...145

7 WAGUINHO ...151

7.1 CARREIRA MUSICAL ...151

7.2 MÚSICAS ANALISADAS...155

7.3 FALAS DE WAGUINHO: “Eu decidi pegar no microfone só pra louvar e adorar o nome do Senhor Jesus!”...164

7.3.1 Relação institucional com a Igreja evangélica...165

7.3.2 Origem familiar e relação com o samba...170

7.3.3 Conversão ao Pentecostalismo...174

7.3.4 Despedida do Secular...180

7.3.5 Carreira Gospel...184

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...195

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1. INTRODUÇÃO

Ao entrar no Mestrado em Educação eu estava disposta a continuar a investigar e pensar a Educação Física na Educação Infantil, agora sob um outro olhar. Depois da experiência na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis, esperava que me direcionar para outra área de conhecimento ampliaria minha formação de forma significativa. Nem sequer suspeitei os caminhos que eu viria a percorrer.

Ao ingressar no Programa de Pós-graduação em Educação, fui atrás do currículo de meu orientador, Pr. Dr. Santiago Pich, a fim de conhecer melhor seu trajeto acadêmico e em que temas desenvolve suas pesquisas. Ao me deparar com sua Tese – “Extra corporem nulla salus: a encruzilhada entre corpo, secularização e cura no neopentecostalismo brasileiro” (2009), um novo mundo se abriu para mim. Conforme eu lia sua Tese, mais crescia em mim a insatisfação pela pesquisa no tema da Educação Física na Educação Infantil. Angústia.

Eis que começam a surgir diversos questionamentos, “poderia eu pesquisar algo ligado à temática pentecostal em um Mestrado em Educação? ”, “se sim, que objeto me seria interessante e desafiador? ”, “evangélico, pode ser pesquisador do meio evangélico? Haveria validade nisso? ”. É claro que hesitei. O período que vivemos no país, com os evangélicos ainda em expansão, crescendo em influência social, sendo objeto de estudo de pesquisas em variadas áreas de conhecimento. Fora da academia, o Brasil partindo-se em blocos ideológicos. O bloco cristão declarando oposição e “guerra santa” aos “outros”, e os evangélicos – este grupo social multifacetado, desarmônico, dissonante; inserindo-se em tantos espaços, protagonizando tantas polêmicas, provocando tantos repúdios. “Quem ouviria uma evangélica falando acerca de: evangélicos? ” “Quem ouviria as reflexões de um evangélico acerca de qualquer coisa?” Eu me questionava. Angústia.

Primeiramente, tratei de procurar o que me interessava em todo esse campo. Lembro-me de duas coisas que me chamaram a atenção na época. Soube da existência de uma “Igreja da Criança” em uma igreja no Estado do Mato Grosso, um ambiente lúdico, um culto voltado às crianças, espaço aberto, sem cadeiras; interessou-me. Naquele período de grande dúvida, soube também que um amigo de infância de meu pai, Gerson Borges, músico e pastor, havia lançado um livro nomeado “Ser evangélico sem deixar de ser brasileiro”. O livro é uma reflexão acerca de toda a tensão, disputa e confronto existente entre a cultura evangélica e cultura brasileira. O autor questionou “O que faz o brasileiro, brasileiro? O que faz o evangélico, evangélico? E como ser o segundo

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sem deixar de ser o primeiro? ” No livro, estava a letra da canção “Dizem que sambar é pecado”. Li o livro e ouvi a canção. Por fim, tive certeza das minhas incertezas acerca desta relação complicada, complexa entre evangélicos e Brasil, entre o Brasil e os evangélicos. Isso mais que me interessou, arrebatou-me.

Eu – quinta geração de uma família de evangélicos, dentre eles, muitos músicos, decidi pesquisar justamente a música evangélica. Esta, que fez parte de minha formação. Em minha trajetória tive a influência de meus avós maternos – que formam uma dupla e que na década de 1980 chegaram a gravar um LP Gospel juntamente com minha mãe. Também, a influência de meus pais – que cantam e cantaram tantas canções de seu tempo. Saliento a influência de meu pai, que em sua formação musical teve muito contato com música brasileira – cristã e secular, e que, nos últimos anos, me acompanha no violão quando canto na igreja.

Francamente, tive dificuldades. Até aqui tive o constante exercício de afastar-me de mim. Tirar o agasalho e os tênis da Educação Física. Despir-me da toga do canto gospel. Colocar os óculos de pesquisadora, estranhar o familiar, para enxergar o objeto naquilo que me era comum. A proximidade com o objeto carrega esta complexidade, mas a pesquisa acadêmica tem permitido a descoberta de que nem tudo é “natural”.

Do campo religioso brasileiro pude aprender, através dos Censos realizados pelo IBGE, que nas últimas décadas houve uma queda no número de pessoas que se declaram como católicas – 73,8% em 2000, 64,6% em 2010; um aumento, ainda que menor do que nos outros Censos, do número de evangélicos – 15,4% para 22,2%; e o aumento do número de pessoas que se declararam como sem religião – 7,3% para 8,1%. Segundo os números do Censo de 2010 do IBGE, o Brasil ainda é um país de maioria cristã (86,8% da população), com cada vez menos católicos e com o aumento de pessoas sem religião, em transformações acerca da religiosidade e com intensificação de um senso religioso desinstitucionalizado.

Referente aos evangélicos, vi a multiplicidade do campo ao me deparar com as inúmeras classificações referente às igrejas evangélicas. Uma forma de começar a caminhada para entender o meio evangélico brasileiro poderia ser dividindo entre evangélicos reformados e evangélicos pentecostais. As igrejas reformadas são aquelas que tem suas raízes na Reforma Protestante do século XVI, chegando ao Brasil através da migração ou de missionários. Como representantes destas temos as igrejas Luterana, Anglicana, Reformada, Congregacional,

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Presbiteriana, Metodista, Batista, entre outras. As igrejas pentecostais igualmente têm suas raízes na Reforma, contudo também guardam relação com o Evento de Pentecostes e com o pentecostalismo norte-americano do século XX. Se caracterizam pela crença em um segundo batismo, o do Espírito Santo, identificado pela glossolalia. Entre as igrejas pentecostais temos a Congregação Cristã no Brasil, a Assembleia de Deus, Igreja do Evangelho Quadrangular, Igreja o Brasil para Cristo, Igreja Pentecostal Deus é Amor, Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Renascer em Cristo, Igreja Bola de Neve, entre muitas outras.

Mixadas, misturadas e confundidas. Muitas vezes se fala de Igreja Evangélica como se a expressão correspondesse a uma instituição coesa e harmônica, mas a “Igreja Evangélica”, na verdade, são muitas. Ainda dentro da divisão entre Igrejas Evangélicas Protestantes e Igrejas Evangélicas Pentecostais, podemos ver em cada uma dessas classificações uma grande quantidade de igrejas. Alguns autores buscaram formas de classificar estas igrejas evangélicas, a fim de distinguir as singularidades das tendências de uma identidade evangélica mais generalizada. Cunha (2004, 17-18) realizou algumas sínteses que permitiu uma classificação do Protestantismo brasileiro: Protestantismo Histórico de Migração, Protestantismo Histórico de Missão e Protestantismo de Renovação ou Carismático. Do meio Pentecostal, temos a classificação do Freston (1994), que nomeou as três ondas do pentecostalismo brasileiro. Já Mariano (1999) trabalhou com os nomes de Pentecostalismo clássico, Deuteropentecostalismo e Neopentecostalismo. Em meio a tantas classificações, é importante ressaltar que o meio evangélico brasileiro é dinâmico e que novas igrejas continuam a surgir, assim como, muitas das já existentes continuam a se modificar. Ocorrem influências em muitos sentidos e há uma tendência de algumas igrejas sempre tentarem se afinar segundo a “nova onda” que esteja surgindo, se sintonizando às novas abordagens, roupagens, movimentos e ações que possam render novos adeptos.

Fala-se muito sobre um processo em específico na literatura acadêmica: a pentecostalização do campo religioso brasileiro. O pentecostalismo, devido ao seu crescimento numérico e de influência, tem causado transformações em outras igrejas evangélicas e até mesmo em outras religiões. Muitas igrejas evangélicas hoje estão na mídia, na política, tem sua gestão institucional à semelhança do modelo empresarial e se utilizam das mais diversas e criativas estratégias proselitistas. Isso tem atraído o olhar de pesquisadores de diversas áreas de conhecimento para o campo religioso brasileiro, e, para as possíveis influências que os evangélicos brasileiros possam estar exercendo sobre

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a religiosidade e cultura dos brasileiros. Dentre todas as formas das igrejas e dos evangélicos proclamarem sua fé cristã, a música tem se destacado como forma de proselitismo.

“Solfejando” as ideias, postura e cultura evangélica pelos quatro cantos do Brasil, a chamada música gospel tem sido um fenômeno nas últimas décadas. São cantores, bandas, trios, quartetos e grupos vocais, corais, rappers e instrumentistas, produzindo música com temática cristã nos mais variados gêneros musicais.

Lá, no meio de todo este universo gospel, há quem faça samba, chorinho, baião, bossa nova gospel. Há ainda quem, antes mesmo da explosão do gospel nos anos 1990, já fazia o que pode ser chamado de música cristã brasileira, referindo-se àquelas produções musicais que buscaram descolar-se da influência trazida pelos missionários estrangeiros.

Situando-se entre os conceitos de sagrado e profano, entre as muitas e diversas significações dadas à música pelos evangélicos, considerando os movimentos de acomodação ou resistência da cultura brasileira, este trabalho teve por objetivo investigar como se dá no meio evangélico os processos de incorporação de gêneros musicais brasileiros na música evangélica brasileira. Quais são os discursos que suscitam resistências ou transigências aos gêneros musicais brasileiros? E o que pode significar a positivação da identidade brasileira na formação da identidade do cristão evangélico brasileiro?

Esta pesquisa também buscou: compreender a percepção de músicos evangélicos ligados a gêneros musicais brasileiros, como Bossa-Nova, Samba, MPB, acerca da postura evangélica mediante estes gêneros musicais; identificar as influências do discurso religioso na produção de música evangélica em gêneros musicais brasileiros.

Nos questionamos se, no processo de acomodação da cultura brasileira musical pelos evangélicos, houve diferenças na incorporação de gêneros musicais brasileiros nos meios protestantes reformados e pentecostais? Será que a incorporação destes gêneros se deu embasada em um discurso de valorização, afirmação e defesa da identidade, cultura e música brasileira?

Considerando a demonização da identidade cultural brasileira que ocorreu nos setores pentecostais, será que a incorporação de elementos de gêneros musicais brasileiros ocorreu de maneira explícita? Ou será que se deu de maneira disfarçada – como se fosse uma produção cultural descolada da realidade brasileira, desconsiderando as influências autóctones e, principalmente, as diretamente ligadas à cultura afro-brasileira?

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Apesar de toda a produção musical evangélica em gêneros como samba, MPB, Bossa Nova, Axé, será que ainda perdura entre os evangélicos o discurso que demoniza estes gêneros musicais? E se há aceitação destes gêneros musicais brasileiros, eles entram no meio evangélico apenas para proselitismo e entretenimento ou chegam a fazer parte da liturgia de cultos e reuniões?

É importante ressaltar que o processo de incorporação de gêneros musicais brasileiros no meio evangélico não é algo dado, que já está consolidado. Trabalhar com música brasileira no meio cristão evangélico ainda hoje pode despertar críticas e resistências. Em muitas igrejas, tanto reformadas quanto pentecostais, ainda não é permitido determinados ritmos e instrumentos, e estas proibições podem ou não estar ligadas à teologia da igreja. Isso porque em muitas igrejas o pastor local tem uma maior independência, podendo ser mais ou menos rígido em relação as suas escolhas sobre o que irá fazer parte das reuniões e dos cultos. Para além disso, ainda é recorrente entre os cristãos evangélicos o pensamento de demonização da cultura brasileira, assim como, a música brasileira.

De início, para tentar compreender como acontece o processo de sacralização de gêneros brasileiros incorporados à música evangélica no contexto brasileiro optou-se pela utilização da História Oral Temática. Como colaboradores do nosso trabalho, seriam entrevistados dois músicos evangélicos ligados à produção musical em gêneros musicais brasileiros, de modo a sondar as disputas, os confrontos e os discursos que se estabeleceram, ou foram superados, no processo de sacralização de gêneros musicais brasileiros.

Entramos em contato com três cantores, e obtivemos respostas positivas de dois. No entanto, após mostrarem-se favoráveis a participar de entrevista, não recebemos mais respostas. Por este motivo, não conseguimos realizar as entrevistas e mudanças metodológicas tiveram que ser feitas na pesquisa.

Recorremos ao estudo e análise da trajetória musical e religiosa, da produção musical e depoimentos de dois músicos evangélicos que tem sua identidade musical marcada pelos gêneros brasileiros. O material foi colhido da internet e os cantores observados foram João Alexandre, músico presbiteriano, e Waguinho, cantor pentecostal, que estavam entre os três selecionados anteriormente. A preferência pelos dois cantores se deu por se tratar de duas vias distintas de legitimação dos gêneros musicais brasileiros no contexto evangélico. Como também, por motivo de que ambos os cantores trabalham com música brasileira e tem certa popularidade entre os evangélicos e entre os músicos

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evangélicos. Os dois cantores têm carreira gospel já consolidada, fazem parte do processo de incorporação de gêneros musicais brasileiros no meio evangélico brasileiro, e contribuem, cada um à sua maneira, para a construção de uma identidade cristã evangélica e brasileira. A opção por estes cantores se deu também pela maior disponibilidade de material para ser analisado.

As canções escolhidas para a análise estão entre as músicas mais populares destes cantores, ou músicas que tratam de temas relacionados à cultura brasileira, neste caso, independendo da popularidade destas músicas. Foi realizada uma análise das letras das músicas a fim de identificar elementos da brasilidade, como também, recursos utilizados para a construção de uma legitimidade dos gêneros musicais brasileiros no meio evangélico.

Como fonte de dados exploramos entrevistas destes músicos – em sites/texto, em rádio/áudio e em programas/vídeo; assim como, vídeos de programas que eles participaram; críticas e matérias de páginas e portais especializados na música gospel a respeito dos músicos. Observamos vídeos de apresentações em shows e de apresentações em cultos e reuniões em igrejas. Os sites e as redes sociais dos músicos foram acompanhados, bem como sites de instituições às quais eles se vincularam ao longo de sua carreira. Vídeos de regravações das músicas de autoria destes músicos também foram fonte de informações.

De João Alexandre, analisamos as músicas “Pra cima, Brasil”, “Em nome da justiça”, “João Brasileiro” e “Folião”. Destacamos em seis categorias suas falas sobre: sua relação institucional com a igreja evangélica; seu conceito de música; seu conceito de música secular; sobre sua produção musical, suas influências musicais; sobre trabalhar com música brasileira no meio evangélico e sua relação com o mercado Gospel.

De Waguinho, as músicas “Mulher Santa”, “Sou Pagodeiro”, “Samba adorador” e “Pão com Jesus” foram analisadas. Foram elencadas cinco categorias das falas de Waguinho sobre: sua relação institucional com a igreja evangélica; sua origem familiar e relação com o samba; sua conversão ao pentecostalismo; sua despedida do secular e sua carreira gospel.

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2. O QUE É RELIGIÃO?

Neste trabalho, utilizaremos o conceito de Religião desenvolvido por Geertz (1989), que se apresenta como:

(1) Um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem da existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas.” (GEERTZ, 1989, p. 104-105)

Onde símbolo significa “[...] qualquer objeto, ato, acontecimento, qualidade ou relação que serve como vínculo a uma concepção - a concepção aqui é o “significado” do símbolo” (GEERTZ, 1989, p. 105). Sendo assim, os símbolos são como “formulações tangíveis de noções”, através dos quais as concepções da experiência firmam-se em formas perceptíveis.

Para o autor, os padrões culturais são sistemas ou complexos de símbolos que se configuram como fontes extrínsecas de informações. “Extrínseco” porque, diferente dos genes, são externos ao organismo do indivíduo, e “fontes de informação” porque, assim como os genes, eles “fornecem um diagrama ou gabarito em termos do qual se pode dar forma definida a processos externos a eles mesmo.” (GEERTZ, 1989, p. 106) As fontes de informação extrínsecas tornam-se vitais para o homem, pois, diferentemente dos outros animais, o comportamento humano é “frouxamente” determinado pelas fontes de informações intrínsecas. Desta forma, os Padrões culturais tornam-se como “modelos”, modelos de “realidade”, modelos para “realidade”.

Este sistema de símbolos atua de forma que estabelece nos homens disposições e motivações. Estas disposições tem uma variabilidade de intensidade e não levam a coisa alguma, surgindo em determinadas circunstâncias, sem responder a quaisquer fins, “como neblina, elas apenas surgem e desaparecem; como aromas, elas se espalham e evaporam” (GEERTZ, 1989, p. 112). As disposições tornam-se significativas a partir das condições por meio das quais se concebe que elas surjam. É possível interpretar as disposições em termos das suas fontes. Já o motivo configura-se como uma tendência persistente, uma propensão duradoura e crônica para efetuar certos tipos de atos e experienciar determinadas espécies de sentimentos em certos contextos. As motivações tornam-se significativas “no que se refere aos

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fins para os quais são concebidas e conduzidas”. Interpreta-se os motivos em termos da sua consumação. (GEERTZ, 1989, p. 122)

A formulação de conceitos de uma ordem da existência geral é que permite o estabelecimento das disposições e motivações no indivíduo. E a formulação de uma ordem de existência geral ocorre porque há no homem uma dependência em relação aos símbolos e sistemas simbólicos, pois são decisivos para sua viabilidade como criatura, e porque há no homem a quase incapacidade de deixar sem esclarecimento os problemas de análise não esclarecidos. O autor aponta que o “caos ameaça o homem” e isso se aplica em três aspectos. Em primeiro lugar, nos limites da sua capacidade analítica, diante da perplexidade, os símbolos religiosos proporcionam uma garantia cósmica para que o homem compreenda o mundo, de forma que os recursos simbólicos são empregados para a formulação de ideias analíticas que resultam em uma concepção autoritária da forma total da realidade.

Em segundo lugar, nos limites do seu poder de suportar – o sofrimento. A religião atua, não para evitar o sofrimento, mas como fazê-lo algo suportável. Desta forma, os símbolos religiosos permitem uma compreensão de mundo que proporcionam uma “precisão ao sentimento”, há uma adequação dos recursos simbólicos para o controle da vida afetiva, definindo as emoções e permitindo tolerar o sofrimento.

Por fim, nos limites da introspecção moral, há a adequação dos recursos simbólicos para a disponibilização de um conjunto manipulável de critérios éticos e guias normativos que governem a ação humana.

A estranha opacidade de certos acontecimentos empíricos, a tola falta de sentido de uma dor intensa ou inexorável e a enigmática inexplicabilidade da flagrante iniquidade, tudo isso levanta a suspeita inconfortável de que talvez o mundo, e portanto a vida do homem no mundo, não tenha de fato uma ordem genuína qualquer – nenhuma regularidade empírica, nenhuma forma emocional, nenhuma coerência moral. A resposta religiosa a essa suspeita é sempre a mesma: a formulação, por meio de símbolos, de uma imagem tal de ordem genuína do mundo, que dará conta e até celebrará as ambiguidades percebidas, os enigmas e paradoxos da experiência humana. O esforço não é para negar o inegável – que existem acontecimentos inexplicáveis, que a vida machuca ou que a chuva cai sobre o justo - mas para negar

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que existam acontecimentos inexplicáveis, que a vida é insuportável e que a justiça é uma miragem. (GEERTZ, 1989, p. 123- 124)

O Problema do Significado em cada um desses aspectos, permite a afirmação ou o reconhecimento de que a ignorância, a dor e a injustiça são inevitáveis no plano humano, contudo, ao mesmo tempo se nega que essas sejam características do mundo como um todo. (GEERTZ, 1989, p.124) Há a percepção de uma desordem que é experimentada, ao mesmo tempo em que há uma certa convicção de que haja uma ordem fundamental.

Estas concepções vestem-se com uma “aura de fatualidade” na medida em que o complexo específico de símbolos, “da metafísica que formulam e do estilo de vida que recomendam”, é infundido de uma autoridade persuasiva, de forma que, a crença religiosa implica na aceitação prévia da autoridade. Neste sentido, é no ritual, nas realizações religiosas que se manifesta essa autoridade fortalecendo no homem a perspectiva religiosa do “verdadeiramente real”, e estabelecendo nele as disposições e motivações induzidas pela religião. O ritual torna “real”

aquilo que a religião afirma ser real. Estas disposições e motivações se manifestam também para além

dos limites do ritual, pois, quando o homem “mergulha” no complexo de significados que as concepções religiosas definem e depois, ao término do ritual, retorna para o mundo do senso comum, o homem modifica-se. O homem modificado pelo ritual, agora muda o mundo do senso comum, pois, na sua concepção o mesmo se tornou apenas uma parte de uma realidade maior que atua corrigindo e completando esta parte.

A religião é sociologicamente interessante não porque, como o positivismo vulgar a colocaria, ela descreve a ordem social (e se o faz é de forma não só muito oblíqua, mas também muito incompleta), mas porque ela – a religião – a modela, tal como o fazem o ambiente, o poder político, a riqueza, a obrigação jurídica, a afeição pessoal e um sentido de beleza. (GEERTZ, 1989, p. 136)

Contudo, essa ação da religião sobre a ordem social, de correção e essa complementação da vida comum, não se apresenta de forma idêntica em todo lugar e em toda religião. Há uma variabilidade da natureza do bias que cada religião imprime à vida comum, tudo muda de acordo com as concepções específicas que o crente passa a aceitar, conforme as disposições que são incutidas nele. (GEERTZ, 1989, p. 139)

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É justamente essa particularidade do impacto dos sistemas religiosos sobre os sistemas sociais (e sobre os sistemas de personalidade) que torna impossível uma avaliação geral do valor da religião em termos tanto morais como funcionais. (GEERTZ, 1989, p.139)

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3. O CENSO E O CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO:

Desde 1872, de 10 em 10 anos1 é feito no Brasil o recenseamento abordando a pertença religiosa da população brasileira. Os dados obtidos ao longo dos anos pelo Censo do IBGE têm sido fundamentais para as discussões acerca das transformações do campo religioso brasileiro, e, dentre elas, vemos através dos dados que uma tendência tem se fortalecido a partir da década de 1980: a diminuição no catolicismo e o aumento de evangélicos (principalmente os pentecostais), assim como os sem religião.

Entre 1980 e 2010, os católicos declinaram de 89,2% para 64,6% da população, queda de 24,6 pontos percentuais, os evangélicos saltaram de 6,6% para 22,2%, acréscimo de 15,6 pontos, enquanto os sem religião expandiram-se num ritmo ainda mais espetacular: quintuplicaram de tamanho, indo de 1,6% para 8,1%, aumento de 6,5 pontos. O conjunto das outras religiões (incluindo espíritas e cultos afro-brasileiros) dobrou de tamanho, passando de 2,5% para 5%. De 1980 para cá, portanto, prosperou a diversificação da pertença religiosa e da religiosidade no Brasil, mas se manteve praticamente intocado seu caráter esmagadoramente cristão. (MARIANO, 2013, p.119.)

Houve um aumento de interesse da academia, dos setores políticos e dos religiosos nos dados do Censo do IBGE acerca da religiosidade dos brasileiros. Desta forma, os resultados do Censo de 2010, que evidenciou mudanças substanciais no campo religioso brasileiro, geraram diversas interpretações e debates, inclusive, acerca da própria metodologia do Censo do IBGE. No Censo do IBGE é realizada apenas uma pergunta referente à pertença religiosa: “Qual a sua religião ou culto?”, o que muitos consideram insuficiente para uma melhor compreensão da realidade religiosa da população. Há uma inexatidão em relação às respostas, não só por se tratar de apenas uma pergunta referente à religião ou culto, mas também porque o campo religioso brasileiro é nebuloso.

1 Ao longo do tempo, em alguns anos houve impossibilidades na realização do Censo. Por exemplo, por motivos políticos e econômicos, o Censo 1990 não aconteceu, sendo realizado em 1991. (SANTOS, 2014).

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Clara Mafra (2013) apresentou a relevância do Censo IBGE no âmbito do estudo do campo religioso brasileiro, pois, em países como a França e EUA, o Estado deixou de fazer o levantamento censitário sobre a filiação religiosa; também reconheceu o “trabalho monumental” que exige a obtenção de dados sobre pertença religiosa no Censo do IBGE, pois, o fato de o respondente poder indicar livremente o nome da sua religião ou do culto ao qual faz parte gera um contingente enorme de respostas2, permitindo a identificação do surgimento de novas religiões, igrejas ou seitas. Contudo, Mafra aponta para a "escassez de informações empíricas do Censo sobre religião e como isso produz desvios na análise”, e, como proposta para números mais precisos serem obtidos através do Censo, a autora sugere um “leque fechado de alternativas” na questão de pertencimento a religião ou culto, assim como a inclusão de uma questão que dê indicação da prática religiosa através da frequência de participação (MAFRA, 2013, p. 16).

Assim como Mafra, outros autores têm chamado a atenção para um maior conhecimento a respeito da metodologia de pesquisa do IBGE no levantamento de dados, por considerarem que a falta de conhecimento afeta as interpretações sobre o que tem acontecido no campo religioso brasileiro; havendo também diversas sugestões de mudanças no modo do IBGE abordar a pertença religiosa do brasileiro. (MAFRA, 2013; MARIZ, 2013; MARIANO, 2013; entre outros)

Cecília Mariz (2013) destacou o benefício da questão em aberto, que é permitir a inclusão de novas religiões, e as desvantagens da pergunta única “qual é a sua religião ou culto?”, que não permitiria captar a dinâmica no meio evangélico e o surgimento de novas igrejas. Apresentando situações em que os recenseadores foram além da orientação para realizar apenas a pergunta do questionário, a autora indica que a solicitação por parte de estudiosos e até lideranças religiosas de reformulação da pergunta ou o acréscimo de outra, talvez, não seja algo tão custoso a ser feito para o IBGE, dado que, o acréscimo de questões possivelmente já esteja sendo feito devido à liberdade dos recenseadores. (MARIZ, 2013, p.56)

Contudo, as mudanças do campo religioso brasileiro evidenciadas no Censo de 2010 não devem ser desprezadas, e por isso, foram abordadas sob as mais diversas interpretações que buscaram investigar

2 No Censo de 2000, por exemplo, foram coletados mais de 15 mil nomes de religiões de pertencimento, estas sendo classificados depois em 144 categorias. Já no Censo de 2010 os diversos nomes de religiões foram categorizados em 66 categorias. (MAFRA, 2013, p. 15-16)

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as complexas relações que envolvem a queda numérica do catolicismo; o aumento dos evangélicos e dos sem religião.

3.1. AS OUTRAS RELIGIÕES

Excluindo as categorias “católicos” (64,6%), “evangélicos” (22,2%) e “sem religião” (8%), todas as outras religiões representam apenas 5% da população brasileira (MARIANO, 2013). Apesar de os dados do Censo de 2010 mostrarem a força do cristianismo na sociedade brasileira (86,8%), eles também apontam para o início de uma intensificação da pluralização religiosa.

Os dados do Censo revelaram um aumento do número de espíritas, de 1,3% em 2000 para 2.0% em 2010, e a categoria apresentou os melhores indicadores de educação, ao ter em si o maior número de pessoas com nível superior completo (31,5%). Bernardo Lewgoy falou a respeito do processo de transformação que o espiritismo brasileiro passou nas últimas décadas, indo de “minoria religiosa para alternativa religiosa”, apresentando-se como doutrina que se pretende religiosa e científica ao mesmo tempo. (LEWGOY, 2012). O autor fala a respeito de uma “ressonância social” do espiritismo que faz com que as crenças e práticas espíritas transbordem para espaços não espíritas, assim como, que haja uma grande circulação de pessoas não espíritas em centros espíritas. Esta “ressonância social” do espiritismo também pode significar uma dupla pertença religiosa, o que nos leva a fazer a ressalva em relação a uma possível inexatidão dos dados do Censo que, para muitos estudiosos, não consegue captar de forma satisfatória a presença espírita na sociedade brasileira. A respeito desta presença das crenças ou práticas espíritas em outros espaços religiosos, o autor faz menção à cultura popular religiosa brasileira, lembrando que tanto no espiritismo, quanto nas religiões afro-brasileiras, e até mesmo no neopentecostalismo, o transe e a possessão são compreendidos como elementos centrais.

Gilberto Velho já havia chamado atenção, há vários anos, para esse ecumenismo alternativo da linguagem dos espíritos na sociedade brasileira, onde o transe e a presença dos mortos no cotidiano resistem fortemente a uma ideia linear de modernização e desmagificação do mundo, sendo este um aspecto cultural próprio do Brasil. (LEWGOY, 2012, p. 65).

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Com relação ao conjunto das religiões afro-brasileiras, o Censo de 2010 demonstra a continuidade do declínio de número de adeptos. Ao longo dos anos, os Censos demonstraram os seguintes números para o conjunto: 1980 – 0,57%; 1991 – 0,44%; 2000 – 0,34% e 2010 – 0,30%. Prandi (2012) enfatiza que, os números devem ser considerados melhorados, no sentido de serem mais correspondentes à realidade a cada censo. Isso devido a um aumento constante da liberdade religiosa no Brasil, assim como dos processos de dessincretização, que fazem com que os adeptos das religiões afro-brasileiras deixem de escudar-se como sendo católicos ou espíritas, passando a afirmarem sua identidade religiosa sem maiores constrangimentos. Ao considerar isso, Prandi percebe que a diminuição de adeptos é ainda mais acentuada.

Segundo o autor, esta diminuição no número de adeptos das religiões está baseada principalmente na queda de seguidores da umbanda, que sofre uma “dupla ofensiva”: de “fora”, vindo dos evangélicos que declararam “guerra santa” e visam a conversão dos adeptos das religiões afro-brasileiras, e de “dentro”, por parte do candomblé, pois muitos dos seguidores do candomblé foram antes umbandistas. (PRANDI, 2012).

Apesar dos baixos números censitários, as religiões afro-brasileiras têm grande importância na cultura nacional:

Em termos de Brasil, a importância dessas religiões de origem africana não pode ser medida simplesmente pelo minúsculo tamanho de seus contingentes, mas pela sua participação na formação da cultura nacional não religiosa, com presença marcante na literatura, no teatro, cinema, televisão, nas artes plásticas, na música popular, sem falar do carnaval e suas escolas de samba, da culinária originária da comida votiva e, sobretudo, da sua especial maneira de ver o mundo. Com isso têm ganhado visibilidade, prestígio social e respeito. Talvez seja isso uma das razões pelas quais o candomblé tem atraído adeptos brancos de boa renda e alta escolaridade, que se juntam nos terreiros aos extratos mais pobres da população brasileira, os negros, conforme atestam os dados do censo demográfico de 2010. (PRANDI, 2012, p.62).

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A categoria dos sem religião tem se destacado nos Censos do IBGE com uma parcela crescente da população brasileira se auto identificando assim.

Demograficamente insignificantes até 1970, quando eram apenas 0,8% dos brasileiros, os sem religião dobraram de tamanho entre 1970 e 1980, subindo para 1,6%. Saltaram para 4,7% em 1991, para 7,3% em 2000 e para 8,1% em 2010, chegando a 15,3 milhões a proporção dos que afirmam não possuírem filiação religiosa e que admitem publicamente isso. Quintuplicaram de tamanho entre 1980 e 2010, formando o terceiro maior “grupo religioso” do país. Apesar disso, sua expansão perdeu fôlego na última década: foi de apenas 0,8 ponto percentual contra os elevados 3,5 pontos obtidos entre 1980 e 1991 e os 2,5 entre 1991 e 2000. (MARIANO, 2013, p. 123) O grupo dos sem religião3 é heterogêneo, sendo possivelmente composto por ateus, agnósticos e pessoas que se declararam como sem filiação religiosa. Contudo, estes últimos indivíduos têm representado uma incógnita para os estudiosos, quem seriam estes que se auto identificam como “sem religião”?

Um aspecto salientado por Cecília Mariz é que os números de ateus/agnósticos podem estar subestimados, uma vez que, ao se fazer a pergunta “qual sua religião e/ou culto?” os ateus e agnósticos poderiam responder como sendo sem religião, porque nem o ateísmo nem o agnosticismo são religiões ou cultos. Para a autora, porém, isso não significa que a categoria de sem religião seja composta em grande parte por ateus e agnósticos. (MARIZ, 2013, p. 53). Mafra (2013) apresentou o argumento de Cecília Mariz sobre a possibilidade de uma parcela destes indivíduos evidenciarem que um novo sentido de “religião” pode estar se consolidando no Brasil:

Foi Cecília Mariz quem lançou uma hipótese bem interessante para o caso: ela sugeriu que esta declaração de “sem religião” tem a ver com um novo sentido de “religião” que tende a se estabelecer no país em função de uma influência mais alargada dos evangélicos (MARIZ, 2012). Esses jovens, pondera ela, que estão na base da

3 É importante destacar que apenas a partir do Censo de 2010 ateus (615.096) e agnósticos (124.436) passaram a ser discriminados como subcategoria. (MARIANO, 2013; SANTOS, 2014).

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pirâmide (como boa parte dos pentecostais), que são de cor parda (como boa parte dos crentes), que têm baixa escolaridade (como a maioria dos pentecostais), muito provavelmente são considerados “desviados” no meio em que habitam. Desviado é a categoria nativa pentecostal para falar de alguém que conheceu a doutrina evangélica e depois se afastou da igreja. Como boa parte dos jovens das periferias tem sido criada aos cuidados de uma mulher evangélica, eles tendem a aprender com suas mães/avós/tias que “ter religião” é sinônimo de “frequentar uma igreja”. Como esses jovens não frequentavam uma igreja na época da aplicação do Censo, eles se autodeclararam “sem religião”. (MAFRA, 2013, p. 21)

Isto nos leva a considerar uma possível mudança da concepção popular sobre o que é ter religião. Este novo sentido de religião estaria relacionado a ser ativo ou não na prática religiosa e à frequência com que essa prática se dá. A partir destas considerações vemos uma possível relação do crescimento e influência de uma cultura evangélica sobre a categoria dos sem religião. Outras relações entre evangélicos e sem religião foram feitas:

Em seu artigo sobre os sem religião, baseado em dados de pesquisa do CERIS (Mobilidade Religiosa no Brasil, 2006), Silvia Fernandes (2008, p.36) observa que há percentualmente mais indivíduos que se declaram sem religião que indicaram que sua última religião foi evangélica (44,5%), considerando históricos e pentecostais em conjunto, do que católicos. O percentual dos que disseram que sua última religião foi católica era um pouco menor, 42,01%, mas comparando ambos percentuais dessas religiões com seus percentuais no total da população, essa diferença se torna significativa. Por outro lado, é importante notar que 60% dos sem religião, à época da pesquisa, declararam que já tinham sido católicos em algum momento de suas vidas. Comparando com o total da população católica e evangélica, fica evidente uma tendência de que os sem religião tenham vindo do mundo evangélico. Pessoas criadas católicas parecem ter passado por igrejas evangélicas antes de optar por ficar sem

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religião. Esses dados são coerentes com o fato de que, segundo o censo, se observa uma similaridade entre o perfil social dos sem religião e o dos evangélicos, e também para o fato de que cidades e estados com maior proporção de evangélicos são os que têm também maior proporção de sem religião. (MARIZ, 2013, p.56) Diante disso, vemos mais claramente a possibilidade de que parte dos indivíduos auto declarados como sem religião não sejam exatamente pessoas sem influência de crenças religiosas, pelo contrário, o conjunto de crenças da fé evangélica pode ser, entre outros fatores, responsável pela própria concepção do que é ser “sem religião”. Neste grupo ainda podem estar presentes as pessoas que autodeclaradas como “sem-religião” e que “militam” contra a instituição religiosa. Vemos então, a disseminação da ideia de “crer sem pertencer”, através da recusa da lógica institucional na relação com o sagrado.

3.3. CATOLICISMO

Os dados do Censo de 2010 mostram uma constante diminuição de declaração da crença católica. Este declínio vem acontecendo mais intensamente a partir do Censo de 1980, quando os indivíduos autodeclarados como católicos somavam 89,2% da população. A partir daí os números foram decrescendo: em 1991 – 83,3%; em 2000 – 73,8%; em 2010 – 64,6%. Segundo o que diversos autores constataram a respeito do trânsito religioso, é principalmente do catolicismo que outras religiões arrebanham novos adeptos.

A redução católica ocorreu em todas as regiões do país, sendo a queda mais expressiva registrada no Norte, de 71,3% para 60,6%. O estado que apresenta o menor percentual de católicos continua sendo o do Rio de Janeiro, com 45,8% (uma diminuição com respeito ao censo anterior que apontava 57,2%). O estado brasileiro com maior percentual de católicos continua sendo o Piauí, com 85,1% de declarantes (no censo anterior o registro era de 91,4%). Os dados indicam que o Brasil continua tendo uma maioria católica, mas se a tendência apontada nesse último censo continuar a ocorrer teremos em breve uma significativa alteração no campo religioso brasileiro, com impactos importantes em vários campos. (TEIXEIRA, 2012, p. 12)

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Mariano (2013) elenca como motivos para a redução da hegemonia católica “o crescimento acelerado de seus concorrentes religiosos, sobretudo das igrejas pentecostais”, assim como a progressão dos sem religião. Isso significa que:

[...] a desmonopolização e a destradicionalização religiosas estão associadas à pluralização religiosa e à intensificação da concorrência no e por mercado religioso, mas também à crescente opção individual de não filiar-se ou de se afastar de instituições religiosas. (MARIANO, 2013, p.120) Segundo Mafra, o catolicismo passou de uma “religião dos brasileiros” para uma “religião de maioria” (MAFRA, 2012 apud MAFRA, 2013), de modo que a queda numérica do catolicismo implica em uma mudança na configuração da concepção do que é ser brasileiro.

Não deixa de ser curioso que em plenos anos 80, justamente no momento da arrancada desse processo de destradicionalização, pluralização e concorrência religiosa, o clero católico ainda se mantivesse ferreamente convicto na existência de uma indissolúvel “aliança mística Igreja-Nação”, ou entre igreja católica, povo e nacionalidade brasileira, segundo a qual, supostamente, estaríamos “condenados ao catolicismo” (Pierucci, 1986, p. 80). Escudado numa dominação religiosa secular, o clero parecia desatento aos efeitos (sobre sua hegemonia religiosa) do processo de modernização socioeconômica e cultural e, especialmente, do avanço da liberdade religiosa, do pluralismo religioso, da consolidação de um mercado religioso em solo nacional, da capacidade organizacional e da eficiência proselitista de alguns de seus concorrentes religiosos. (MARIANO, 2013, p. 120-121)

Isso se aliou ao fato de que filiação religiosa progressivamente deixa de ser considerada predominantemente como herança familiar, se tornando tema de escolha individual e voluntária, como algo de “questão de preferência ou opinião pessoal e como experiência privada e subjetiva.” (MARIANO, 2013, p. 121).

Pierre Sanchis (1994), abordou a ideia de “cultura católico-brasileira”, e apresenta a construção de uma ideia de Brasil como um país intrinsicamente católico. Para exemplificar o pensamento católico, cita o Pe. Júlio Maria, que afirmara “O catolicismo formou nossa

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nacionalidade...Um ideal de Pátria brasileira sem a fé católica é um absurdo histórico tanto como uma impossibilidade política” (SANCHIS, 1994, p. 35). O autor argumenta que a construção desta consciência surgiu com a intenção de alcançar o Brasil popular.

Esta cultura católico-brasileira se manifesta de forma sincrética, e Sanchis chega a falar de uma “cegueira institucional católica” frente à realidade dos fiéis, que, por exemplo, se identificavam como católicos ao mesmo tempo em que participavam de religiões afro-brasileiras, coexistindo duas identidades religiosas nos fiéis denominados “católicos”. Haveria no catolicismo uma tendência ao sincretismo, que se manifestaria historicamente de maneiras diferentes, de acordo com o lugar e o momento histórico.

É necessário salientar o perfil plural do catolicismo brasileiro e a sua “malha larga” – que permite a presença de outras religiões no seu interior. O catolicismo popular tradicional, segundo Oliveira (2012), “mostra muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre”. O autor explica esta frase, que mostra a tradição católica popular caracterizada como uma religião familiar, na qual o catolicismo era praticado em casa na devoção aos santos e a frequência nas igrejas era apenas para receber os principais sacramentos.

Teixeira (2014) afirma que o catolicismo brasileiro é característico por acolher e conviver uma diversidade:

[...] “em que Deus pode ter muitos rostos”. Sublinha-se que “talvez seja o exemplo mais fiel de uma tradição religiosa – dentro e fora do cristianismo – de um sistema de sentido pluri-aberto, multi-cênico e em constante transformação” (BRANDÃO apud TEIXEIRA, 2014, p 38)

São três as modalidades que o censo distingue na Católica: “Católica Apostólica Romana”, “Católica Apostólica Brasileira”, “Católica Ortodoxa”. Há ainda a existência do movimento de Renovação Carismática Católica – RCC dentro da igreja Católica Apostólica Romana.

3.3.1. Carismatismo Católico Brasileiro

Responsável por diversas “inovações” no meio católico, a RCC desenvolve um papel ambivalente no catolicismo, pois, ao mesmo tempo em que é considerada positiva por aproximar os fiéis à religião de origem tornando-os mais praticantes, por envolver a juventude católica e

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por disputar em igualdade com os pentecostais; pode causar a recriminação de setores católicos mais tradicionais, e até o afastamento dos fiéis, justamente por sua semelhança ao pentecostalismo. (FERNANDES, 2014).

Maués em seu estudo a respeito de algumas técnicas corporais na Renovação Carismática Católica destacou as técnicas que ele observou ao longo de seu trabalho:

[...] entre as várias técnicas da Renovação Carismática, as seguintes: o toque corporal, que pode ocorrer de diferentes maneiras, como, por exemplo, o aperto de mão e, muitas vezes, o abraço fraterno como forma de saudação; a imposição de mãos que, também, apresenta muitas variações, incluindo o próprio toque corporal; gestos corporais variados, como colocar as palmas das mãos para cima e para fora (do corpo), tremer as mãos e/ou agitá-las – com os braços estendidos para o alto, para baixo ou para a frente – de um lado para outro; palmas e aplausos, que também ocorrem em várias situações, durante os cantos, na ocasião da missa, em vários momentos de louvor etc.; a dança, com a execução de várias coreografias; a oração, que pode ser feita de diferentes maneiras, inclusive através do exercício da glossolalia; e, finalmente, o “repouso no Espírito”, em que a pessoa, de olhos fechados, cai, bruscamente, para trás, ficando deitada sobre o chão, às vezes durante muitos minutos; (MAUÉS, 2000, p.123-124) Maués salienta que Movimento de Renovação Carismática se difere do Movimento Carismático norte-americano ao recusar o título de "pentecostalismo católico" e por ter deixado de lado a inclinação ecumênica que o Movimento Carismático estadunidense tinha, no entanto, mesmo a RCC brasileira recusando esse nome ligado ao pentecostalismo, as técnicas corporais destacadas pelo autor se assemelham muito das que ocorrem no pentecostalismo brasileiro.

Entre as características que aproximam o carismatismo do pentecostalismo também estão o rigorismo com relação à sexualidade, a utilização do corpo como instrumento de culto e louvor, a visão acerca do Espírito Santo, e a importância dada à música, tanto no momento de culto, quanto na sua relevância em ações de proselitismo. A RCC é considerada como a reação católica ao crescimento do pentecostalismo no Brasil, e as estratégias da RCC também se assemelham às das igrejas

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e pastores pentecostais: o uso da mídia e a produção de música através dos padres cantores e bandas católicas.

A força da mídia católica é muito grande hoje e não perde para o uso pentecostal dos meios. Os grupos evangélicos em geral têm certa vantagem nas formas de divulgação e disseminação da fé e na inovação. Mas essa vantagem é logo eliminada, pois o catolicismo também incorpora os novos métodos. Na televisão, o uso católico é tão evidente e significativo quanto o evangélico. (FRESTON, 2012, p. 97)

Cada vez mais alguns cantores ou bandas carismáticas se destacam para além do ambiente da RCC. Entre os destaques estão os padres cantores que conquistam, de diversas religiões, seguidores, admiradores e consumidores de seus produtos (CD’s, DVD’s, livros, entre outros). Há também bandas que alcançaram visibilidade em outros setores religiosos, ou até se destacando no gênero musical que produz, como o caso da banda Rosa de Saron4.

A ação da RCC através da música, à semelhança da música dos evangélicos, tem como um dos objetivos alcançar a juventude, e isso parece ter sido atingido em certa medida. Maués (2000) destacou, ao descrever algumas das reuniões que esteve presente, a forte presença de jovens nestes momentos, seja na equipe que promovia o evento, como também entre os iniciados ou neófitos.

Intensificando-se ao longo do tempo, vemos um trânsito de cantores de “louvor”, carismáticos e pentecostais, nos espaços dentro do “espírito pentecostal” de maneira supradenominacional. A música tem funcionado como lugar de diálogo e reconhecimento entre os diferentes grupos religiosos cristãos, no entanto, isso se dá mais pela via mercadológica, de consumo de produção musical religiosa, e não pela

4 Ao longo da vida conheci pessoas que eram seguidores do trabalho da banda Rosa de Saron. Quando estava na escola, tinha uma amiga que era fã da banda, principalmente do vocalista, tal qual uma fã de qualquer outra banda de rock. O interesse não era pelo conteúdo religioso. Em outro momento, uma colega evangélica, ao me sugerir “boas bandas de rock evangélicas” citou a banda Rosa de Saron. Ela escutava as música sem saber que eram carismáticos, e não esboçou reação quando soube. Essas duas ocorrências podem dar indícios de que há elementos em comum entre a música gospel evangélica e a carismática, como também, de que a circulação da música religiosa transcende o âmbito denominacional e insititucional.

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via institucional, dado que há sempre uma disputa por fiéis no campo religioso.

No mês de Abril, na conferência em comemoração dos três anos de sua igreja, o Cantor-Pastor5 Kléber Lucas convidou o Padre-Cantor Fábio de Mello para estar entre os pregadores do evento. Tanto o Padre quanto o pastor publicaram em suas redes sociais acerca do dia, afirmando que foi momento de “estabelecer a comunhão” e que “Cristo destruiu o muro” que havia entre católicos e evangélicos.

A música parece estar se consolidando como ferramenta encurtadora de distâncias entre os evangélicos e os católicos – e porque não de outras religiões também. Nos últimos anos, vimos a união de músicos e cantores provenientes de diferentes vertentes do cristianismo brasileiro, dentre estas uniões, destacamos o projeto Loop Sessions Friends, que uniu em sua primeira versão Mauro Henrique – vocalista do Oficina G3, importante banda de rock gospel, Guilherme Sá – vocalista da banda de rock carismática Rosa de Saron e Leonardo Gonçalves – cantor adventista. Os três realizaram em diversos lugares pelo Brasil apresentações nas quais os três cantores dividiam no palco suas respectivas canções e compartilhavam experiências com o público através de bate-papo. No ano de 2017 Leonardo Gonçalves deu uma pausa na carreira para um ano sabático, e foi substituído no projeto por Eli Soares – cantor pentecostal mais orientado para a black music.

Recentemente, tivemos uma canção lançada pela cantora católica carismática Adriana Arydes, com a participação do cantor evangélico Eli Soares, do Padre-cantor Fábio de Melo e do pagodeiro secular Thiaguinho. A música é como uma oração a Deus em favor do Brasil, e a união de músicos – secular, católicos e evangélico na canção parece querer simbolizar a união da nação em favor do Brasil. A música foi lançada no canal do YouTube da cantora6 uma semana antes do início da Copa do Mundo de 2018.

5 Mais à frente iremos abordar acerca dos Cantores-pastores no meio evangélico.

6 ARYDES, Adriana. Adriana Arydes - Sara Brasil ft. Thiaguinho, Eli Soares, Padre Fábio de Melo. YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ODP2M0m7GNQ>. .A música chegou a 1.735.823 visualizações em cerca de três meses ( acesso no dia 08/09/2018).

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4. EVANGÉLICOS

O perfil socioeconômico dos evangélicos diverge entre evangélicos protestantes e evangélicos pentecostais, estes têm grande parte se seus adeptos provenientes dos estratos mais vulneráveis da população, enquanto os protestantes têm níveis de renda e escolaridade maiores do que a média nacional. (MARIANO, 2013)

O pentecostalismo, portanto, continua se expandindo nos estratos econômica e socialmente mais vulneráveis da população, concentrando-se nas periferias urbanas das capitais e das áreas metropolitanas e nas fronteiras agrícolas das regiões Norte e Centro-Oeste. Expande-se, sobretudo, em territórios pobres e desassistidos, onde, a partir de 1980, tornou-se epidêmica a violência entre jovens do sexo masculino e disseminaram-se gangues e facções armadas, locais geralmente em que tanto a presença católica quanto a dos poderes públicos é rarefeita. (MARIANO, 2013, p. 125)

Comparado às décadas anteriores, há uma queda na expansão dos evangélicos no Brasil, no entanto, o crescimento deste grupo ainda apresenta números significativos. Segundo os dados do Censo de 2010, de 2000 a 2010, os evangélicos foram de 26,2 para 42,3 milhões, apresentando o acréscimo de 16 milhões de adeptos e um crescimento de 61,4%, chegando à marca expressiva: 22,2% da população brasileira declararam-se evangélica.

Os 42,3 milhões de evangélicos são apresentados em três categorias: evangélicos de missão, pentecostais e evangélicos não determinados. Os evangélicos de missão são 7,7 milhões e cresceram apenas 10,8% no Censo de 2010, um número bem inferior aos 58,1% apresentado na década anterior. Os pentecostais apresentaram uma expansão de 44%, o que também é inferior ao crescimento apresentado nas décadas anteriores, quando entre 1980 e 1991 aumentaram em 111,7% (sendo 8,8 milhões) e, na década seguinte, até o início dos anos 2000 cresceram 115,4 % (avançando para 17,7 milhões). (MARIANO, 2013, p. 124).

Já a categoria de evangélicos não determinados representa 9,2 milhões de evangélicos, expressou o valor significativo de compreender 21,8% de todo o contingente evangélico e 5% de toda a população brasileira, e despertou as mais diversas interpretações de possíveis causas para isso. Campos (2012), por exemplo, relaciona os evangélicos

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não determinados à evolução da “igreja eletrônica” e ao crescimento dos “desigrejados”.

Porém, há um crescente número de evangélicos que não mais se adapta às estruturas burocráticas (que exigem arrecadação de dízimos e ofertas) e preferem limitar a frequência aos cultos a alguns dias por ano, aumentando a prática do lazer, ou até fazendo parte do que temos chamado de “paróquia virtual”, praticando uma religiosidade evangélica na rede mundial de computadores. Como prova disso, aumenta o número de igrejas que transmitem seus cultos pela internet, chegando os pastores ao agradecimento pelas visitas presenciais e invocando uma bênção especial para os que acompanham o culto virtualmente. Talvez esses evangélicos não determinados sejam uma expressão dos “desigrejados” que nos EUA ou Europa são muitos, nestes tempos de individualismo e de formação de um rebanho virtual. (CAMPOS, 2012, p. 59)

Houve ainda, entre 2000 e 2010, uma queda numérica em sete igrejas evangélicas, à essa queda numérica é relacionado o crescimento da categoria de evangélicos não determinados. A perda de números significativos de fiéis era algo, até então, novo na história dos evangélicos no país. São elas:

[...] a Congregação Cristã no Brasil passou de 2.489.079 para 2.289.634 adeptos (perda de 8%); a Igreja Universal do Reino de Deus, de 2.101.884 para 1.873.243 adeptos (-10,8%); a Casa da Bênção, de 128.680 para 125.550 (-2,4%); a Igreja Evangélica Luterana, de 1.062.144 para 999.498 (-5,9%); a Igreja Evangélica Congregacional, de 148.840 para 109.591 (-26,4%); a Igreja Evangélica Presbiteriana, de 981.055 para 921.209 (- 6,1%). (MARIANO, 2013, p. 126)

Alguns questionamentos foram levantados sobre o aumento da categoria dos evangélicos não determinados. Mariano (2013), por exemplo, supõe que parte dos que foram classificados dentro da categoria de evangélicos não determinados sejam pessoas que estejam filiadas ou frequentem igrejas protestantes ou pentecostais, que por algum motivo não declararam a instituição. Como um possível sinal

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disso ele aponta as similaridades entre o perfil de escolaridade e renda de evangélicos não determinados e de evangélicos de missão e pentecostais. Contudo, ele admite que a categoria de evangélicos sem vínculo institucional vem crescendo, e que tem a tendência de crescer ainda mais.

Mariz (2013) salienta que do censo de 2000 para o censo de 2010 houve uma mudança7 na forma de nomear a mesma categoria, os evangélicos que não destacavam a que igreja pertenciam eram computados como sem vínculo institucional. A autora considera a nova categoria: evangélico sem declaração de denominação como mais precisa, pois, expressa melhor que tipo de evangélico o dado representa – aqueles que “omitiram a sua pertença denominacional”. Mas a autora nos alerta para algo importante: o motivo de tal omissão é algo que os dados não apontam, e que, portanto, sobre eles não é possível afirmar muita coisa, pois, sem novas questões e sem novas pesquisas não é possível saber quem são os evangélicos que não declararam sua denominação. Contudo, com a consciência deste problema, foram formuladas diversas hipóteses na literatura acadêmica.

Como a pergunta era apenas qual sua “religião e/ou culto”, pode se pensar que muitos preferiram responder apenas a religião por economia de tempo, por privacidade ou por tantos outros motivos, e não necessariamente por não ter nenhuma prática e denominação religiosa. Dessa forma, entre esses podem estar muitos evangélicos praticantes ligados a qualquer igreja, que não vamos saber quais, e pode haver os sem igreja também, mas não temos informações sobre isso no censo. Portanto, não se pode supor que essa categoria exclua evangélicos que têm denominação. São assim categorias que se

7 Dentro da religião evangélica, no censo de 2000, havia a subcategoria sem vínculo institucional que recebeu uma nova nomeação, a de evangélico sem declaração de denominação. Segundo a autora, os técnicos e auditores do IBGE “Chegaram à conclusão de que nomear essa subcategoria como sem vínculo estava errado, pois em suas respostas os entrevistados, que aí estavam contabilizados, tinham dito apenas que sua religião era evangélica e nada mencionavam sobre ter ou não vínculo institucional, nem ter ou não participação em alguma igreja. Como não foram perguntados a que igreja eles pertenciam, podiam ter achado que não precisariam ou não deveriam informar a sua denominação.” (MARIZ, 2013, p.47)

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sobrepõem e não excludentes. (MARIZ, 2013, p.48)

Isso nos leva a perceber que a resposta “sou evangélico” pode responder muito bem à pergunta “qual sua religião e/ou culto? ”. Isso se dá porque, no senso comum, a religião é evangélica, e, as diversas igrejas são diferentes ramos de uma mesma religião, de uma mesma identidade religiosa. Os estudos a esse respeito devem considerar que a pergunta está bem respondida quando o respondente não fala a qual a denominação pertence.

O se definir como evangélico não significa negar o pertencimento a uma denominação, já que a pergunta era apenas “qual sua religião e/ou culto?”. O recenseador foi instruído para não refrasear a questão, não dar mais esclarecimentos e não solicitar mais detalhes ou informações diante de qualquer resposta dos recenseados. Mas será que todos fizeram isso mesmo? Será que os dados foram afetados por alguma variação na forma como os dados foram coletados? (MAFRA, 2013, p 42-43)

Conscientes das limitações8, os estudiosos da religião têm especulado acerca dos diversos e possíveis razões responsáveis pelo aumento de evangélicos não determinados. Mariano (2013) fala sobre a “desvinculação destes religiosos de suas igrejas”, situação que faz com que o crente mantenha a identidade, as crenças e as práticas religiosas (ao menos em parte) externamente a qualquer instituição. Outras possíveis razões são elencadas pelo autor:

Várias razões podem estar contribuindo para seu avanço, entre as quais: a massiva difusão do individualismo, responsável aqui e alhures pelo paulatino desmanche dos coletivos sociais; a busca de autonomia pessoal em relação a poderes hierocráticos e à tentativa de imposição institucional de moralidades tradicionalistas e de costumes sectários; a avaliação, por um lado, como sendo excessivos os custos de tais laços e

8 Ricardo Mariano (2013) e Cecília Mariz (2013) apoiam a proposta de Clara Mafra (2013) de reivindicar aos dirigentes do IBGE o acréscimo de novas questões no Censo referentes a religião, e também salientam como dificuldade o fato do Censo não perguntar a que igreja o respondente pertence. A ausência da pergunta impossibilitaria saber se os evangélicos não determinados possuem ou não filiação institucional com alguma igreja.

Referências

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