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Deste corpo que dança ... : o significado da dança para o individuo portador de lesão medular

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Academic year: 2021

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(1)

INSTITUTO DE ARTES

Mestrado em Artes

DESTE COKPO QUE DAN{:A ...

0

significado da danc;a para o

individuo portador de lesao medular.

ARABEL ISSA VIEIRA

Dissertagao apresentada ao Curso de Mestrado em Artes do I nstituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, como requisito parcial para a obtengao do grau de Mestre em Artes sob a orientagao da ProF D~

Maria da Consolagao Gomes Cunha Fernandes 1Tavares.

t/

(2)

V673d

Vieira, Arabel lssa

Oeste corpo que dan~a ... : o significado da dan~a

para o individuo portador de lesao medular I Arabel lssa Vieira. -- Campinas, SP : [s.n.], 1997.

Orientadora: Maria da Consola~ao Garnes Cunha Fernandes Tavares.

Oisserta~ao ( mestrado)- Universidade Estadual de Campinas. lnstituto de Artes.

1. Dan~a:< 2. Fenomenologia~ 3. Deficientes

flsicos:r-1. Tavares, Maria da Consola~ao Gomes Cunha Fernandes. II. Universidade Estadual de Campinas. lnstituto de Artes. Ill. Titulo.

(3)
(4)

Wilson e c?lnnn por estnrem sempre no meu

Indo npoinnllo inconllicionnlmente meus

son/Jos e l!esejos.

Ollri!JRIIR

por

existirem.

(5)

E'xistem co1sas que niio se explicam nem se mensuram, que as

palavras niio conseguem

abrange~

mas, de alguma forma encontra.m-se

entre nos.

For estas, agrade9o com todo carinho:

A

mi11ha orientadora, Prof.". Dr.

1

'

Maria da Consola9iio Gomes

Cunha Fernandes Tavares, pela

sua dedica9iio, competencia e pelos

sig11ificativos ensinamentos de vida.

Ao Pmf. D1: Edison Duarte pelo i11ce11tivo i11icial dado ao meu

tra.balho, me impulsio11ando para curso de p6s-gradua9iio.

A

Prof.·' Dr.·' Marilia de Andrade par acreditar 110 meu trabalho, 110

meu corpo da119a11te, ajudando, mesmo sem

sabe~

o meu crescimento

pmfissional Obrigada por f011alecer em mim o desejo de continuar na

"danf!a'~

A

Prof." Dr.

1

'

Silvana Veniincio pelas conversas que travamos e, par

me mostrar o caminho a

segui~

fundamental para a realiza9iio desta

pesquisa.

Aos professores do Departamento de Atividade Motora Adaptada da

Faculdade de £'duca9iio Ffsica (U11icamp): Pmi '' Ana Isabel Figueiredo,

Prof. jose Luiz Rodrigues, Prof. Dr. jose julio Gaviiio e Prof. Dr. Paulo

Ferreira de Araujo, par todas as oportwzidades e pelo apoio ao meu

trabalho de dan9a.

Aos alu11os pm1icipantes do ''Atividades ffsicas e esportes para

pessoas p011adoras de defieiencia" e, em especial aos meus alunos de

dmz9a, par me mostrarem um novo universo com seus sozTisos, seus

co1pos ... compartilhando mome11tos de descobe11as, de trocas, de didlogos

(6)

depositada.

Aos sujeitos desta pesquisa pelos belos e grandiosos discursos.

Ao Grupo de Estudos em Fenomenologia da Faculdade de

Educa~riio

Fisica (Unicamp) pelas ricas discussi5es que muito contlibuiram para as

reflexi5es contidas nesta

disserta~riio,

e por deflagrar em mim um novo

olhar para o corpo e para o mundo.

Aos professores do Instituto de A1tes da Unicamp por todos os

ensinamentos.

Aos meus inniios, meus

"Brothers'~

Wilson e Andre Luiz por me

protegerem, com cminho, em todos os momentos dificeis,

por

compalt1lharem

dos

momentos

"'fdceis"

e

por incentivarem

incondicionalmente as minhas escolhas.

A minha av6 Zenith, a minha madrinha Yan1 e a tia Margo pela

for<,.'tl das

ora~raes

que tanto me ajudaram neste caminho.

A

Valeda Maria Chaves de Figueiredo por todos os momentos que

compaltilhamos. Pela amizade, pelo carinho, pela

for~ra.

A

Malina Barbieri FeJTari pela sua enorme sensibilidade sendo meu

polto seguro de todas as horas, e pelas longas conversas que tornaram

mais fdceis as dificuldades encontradas.

A

Kitia Calegari, que na "beleza" do seu ser e na sincelidade da

sua amizade, me deu a tranqiiilidade e a

for~ra

prossegwr.

que necessitei para

Ao Prof. Dr. Paulo Salles de Oliveira pelo jeito carinhoso de ser, e

pelo apoio a minha escolha profissional. Um grande amigo.

(7)

Ao Guilhe1me Schulze pela possibilidade de compartilhar

momentos de reflex6esJ de duvidas; que tanto auxiliaram no meu

crescimento profissional

A

Cnstiane Ker de Melo pela forr;:aJ pelas impress6es.

A

Andrea SelioJ Henrique Amoedo e Kosiingefa Bernabe pefas

significativas discuss6es e pela contlibuir;:iio

a

danr;:a com portadores de

deficiencia fisica.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientffico e Tecno16gico

(CNPq)J por apoiar e possib1litar esta pesquisa.

Aos funcionarios do Instituto de Artes pela atenr;:iio e pelo carinho

que sempre me dispensaram.

Aos funciomilios da Faculdade de Educar;:iio Fisica pelo carinho e

pela ajuda sempre que necessana.

Ao Chlistian e a Yvone pela e dedicar;:iio na digitar;:iio deste trabalho.

(8)

0 objetivo desta pesquisa e buscar compreender 0 significado da dan9Cl para os indivfduos portadores de lesao medular que dan9Clm. Abordamos os dois universos em questao, discorrendo sobre os indivfduos e as caracterfsticas da lesao; as transforma<;:6es sofridas pela dan<;:a e seus corpos dan9Clntes; bern como alguns aspectos da ayao educacional e artistica da dan9Cl desenvolvida com estes individuos. Realizamos uma pesquisa qualitativa na perspectiva da abordagem fenomenol6gica, utilizando a Analise da Estrutura do Fen6meno Situado. Refletimos sobre o fen6meno a partir dos discursos obtidos em entrevistas individuais, atraves da seguinte questao interrogadora: "0 que

e

estar danqando para voce?" As analises ideografica e nomotetica convergiram

para a reflexao sobre as transforma<;:6es ocorridas no seu ser e na sua relayao com o que o cerca. Desta forma, dividimos a discussao dos dados em: 0 desvelar do corpo, Entre corpos e Abrindo as cortinas.

(9)

The aim of this study is trying to understand the significance of dancing for individuals with medullar injury who are dancing. We approached the two referred universes, discussing the individuals and the characteristics of the injury; the transformations they suffered through dancing and their dancing bodies, as well as some aspects of the educational and artistic action of dancing we developed with these individuals. A qualitative study was carried out, under the perspective of a phenomenological approach, using the Situated Phenomenon Structure Analysis. The phenomenon was discussed based on the discourses obtained through individual interviews. The following question was being asked: "What does it mean to you, to be dancing?". The ideographic and nomotetic analysis converged 1nto the discussion about the transformations occurred in their being, and in their relationship with what surrounds them. Therefore, we the discussion of the results was divided into: The unveiling of the body, Between bodies, and Opening the curtains.

(10)

1- Do inicio ...

1

/. 1 - 0 CONTEXTO ... 2

1.2- 0 ENCONTRO DOS NOSSOS CORPOS ... 4

II - Dos universos em questao ...

9

1/.1- SOBRE INDIV{DUOS PORTADORES DE LESAO MEDULAR ... 10

11.2- DA DAN9A ... 14

II. 3 - DOS LIMITES FfSICOS A DAN9A. . ... 18

Ill -

0

"trilhar" metodol6gico ...

22

Ill. 1 -A METODOLOGIA ... 23 111.2- A QUESTAO INTERROGADORA ... 28 111.3 - OS SUJEITOS ... 29 111.4- A COLETA DE DADOS ... 30 111.5- DESCREVENDO OS MOMENTOS ... 32 /11.5.1-A DESCRI9A0 ... 32 111.5.2- A REDU9A0 ... 33

111.5.3 - COMPREENSAO (OU INTERPRETA9AO) ... ... 34

111.5.3. 1- ANALISE IDEOGRAFICA ... 34

111.5.3.2 -ANALISE NOMOTETICA ... 35

IV -A pesquisa e

seus

momentos ...

36

V- Uma compreensao do fenomeno ...

109

V. 1 - 0 DES VELAR DO COR PO ... 111

V. 2 - ENTRE CORPOS ... 117

V.3- ABRINDO AS CORTINAS ... 121

V.3.1- "DA DESCOBERTA DO CORPO A DAN9A CENICA" ... 121

V.3.2- "DO PULSAR A VIDA" ... 124

VI -

A

Juz

dos

corpos que dam;am ...

127

VII- Anexos ...

132

VII. 1 - GRAFICO DE CONVERGENCIAS DAS UNIDADES DE SIGNIFICADO .. .. .. .. . .. . 133

Vll.2- FIT A ViDEO ... 134

(11)
(12)

1.1 - 0 CONTEXTO

"Tua fimitaqao nao deve ser teu limite"

Beth Caetano

0 mundo, com seu dinamismo, e urn contfnuo de descobertas e surpresas, que se apresenta como urn eterno convite

a

criar;ao. 0 homem procura a cada memento diferentes formas de interar;ao, e a invenr;ao de novos signos capazes de exprimir o que existe de significative de cada epoca. A criatividade, potencial inerente ao homem, se revela no campo artfstico, nas experiencias do quotidiano, em todos os mementos de sua vida.

"Ao exercer seu potencial criador, trabalhando, criando em todos os ambitos do seu fazer, o homem configura a sua vida e the da um sentido" 1

A arte, por ser uma experiencia presente em nossas vidas, reflete atraves de suas manifestar;oes

o

que se presencia deste mundo.

E

a exterioriza<;:iio do homem por meio da encarnar;ao visfvel e tangfvel nao s6 de seus sentimentos e emor;oes, mas dele em relaqao ao que

o

cerca.

1

(13)

Enquadrando-se em uma totalidade, a arte manifesta-se de forma intuitiva e sintetica atraves de formas sensiveis. 0 homem percebe a realidade, nao imitando-a ou tornando-a uma replica, mas descobrindo-a e dando-nos uma nova configurac;:ao da mesma. A conexao do homem com o mundo se estabelece nas suas experiencias, atraves de um olhar aberto para o que o mundo lhe oferece, percebendo-o e apreendendo-o. Assim, ap6s reelaborar a realidade, devolve-a ao mundo com uma linguagem artistica.

"0 ver do artista

e

sernpre urn transforrnar, urn cornbinar, urn repensar os dados da experiencia sensfvel." 2

Na arte nao se cria do nada e o gesto do artista esta impregnado de certa forma das circunstancias hist6ricas, sociais e culturais da qual faz parte.

DUFRENNE nos alerta para o fato de que a "arte recebe seu

rnovirnento rnais da cultura e da visao do rnundo do qual

e

a expressao, do que

de si rnesrna, de urna exigencia intrfnseca"a

lnseridos na cultura e na sociedade, uma pequena parcela da populac;:ao vern conquistando de forma significativa espac;:os neste contexto artistico: os individuos portadores de lesao medular. lndividuos que se mostram capazes de compreender a totalidade do mundo e nele se expressar.

Assim sendo, entram na arte. Na arte que tern o corpo como "materia" 4 de expressao: A DANCA. Fruto da historicidade dos dais universes (danc;:a e individuos portadores de lesao medular), este encontro ao repercutir em varios paises, torna-se conhecido e concretiza-se no final deste seculo.

A abertura de valores esteticos, a liberdade de criac;:ao e o ecletismo de ideias encontradas na danc;:a da atualidade, associados

a

maior participac;:ao destes individuos enquanto membros da sociedade, descortinam a possibilidade de tornarem-se reconhecidos como corpos danc;:antes.

E

passive! explorarmos o potencial artistico de cada individuo dentro de suas

2

Alfredo BOSI , Reflexoes sabre a arte, p.36. 3

Mikel BUFRENNE, Estetica e Filosofia, p.41

4

Segundo Pareyson, materia da arte sao "os materiais llsicos de que se servem os artistas vistos na sua condi9iio natural, no seu uso comum e na sua destina9ao artistica". Luigi PAREYSON, Os problemas da arte, p.121. Entretanto, ressalto que esta "materia " e carregada pela dimensao de um corpo engajado no mundo atraves de suas experi6ncias.

(14)

caracterlsticas e, a partir disto, compreendermos que indivlduos portadores de lesao medular, que tern redu9ao da motricidade voluntaria de alguns segmentos do seu corpo e, portanto, uma diferencia9ao de padrao de movimentos, possam, atraves da exploravao de suas potencialidades tornar-se interpretes da dan9a.

Hoje, contrapondo-se

a

ideia de corpos danvantes que possufamos, vista que na hist6ria da danva s6 encontramos referencias a corpos ditos "normais", este novo corpo que se expressa sabre rodas ou no chao, compondo duos ou solos, ou estabelecendo-se num grupo, faz parte do mundo.

Fechar os olhos para o indivfduo portador de lesao medular danvando nao implicara o seu desaparecimento. Nao ha como travar os canais para esta experiencia que se faz viva e presente. E por que trava-la, se o significado da arte e o sentimento que ela anima caminham de forma inseparavel e estao presentes na vida de todos os homens, sem distinvao?

A dan9a, ao nutrir-se das experiencias do nosso tempo, delega aos homens a possibilidade de interagir com a emergencia de uma realidade poetica: a dan9a e os indivfduos portadores de lesao medular.

Neste sentido, este fen6meno se mostrou diante de mim, levando meu corpo avido de interesse ao seu encontro, instigando-me a tentar desvelar a questao que me incomodava: o que e estar dan9ando para estes indivfduos?

Uma nova realidade descortinava-se

a

minha frente.

1.2 - 0 ENCONTRO DOS NOSSOS CORPOS

Nao e possfvel falar deste encontro sem antes retroceder na minha hist6ria com a dan9a, ja que este se fez atraves dela.

Pensar na dan9a que vivi suscita em mim mem6rias corporais. Dor, alegria, suor, desilusao, calo, prazer e sensa9ao de incapacidade misturavam-se na busca de urn corpo virtuoso que me era exigido. Sensa96es

(15)

que hoje coloco em palavras neste papel, mas que se encontram registradas no meu corpo.

Meu percurso na dan9a se deu na pluralidade de estilos que vivenciei simultaneamente como o bale classico, o jazz, o afro, o sapateado, a dan9a flamenca, a dan9a moderna. Dentro destas tecnicas e suas peculiaridades, fui levada a perceber meu corpo e neste encontro conhece-lo. Sensa96es nao lineares, mas contfnuas e simultaneas, me mostraram um corpo em modifica96es e que atingia a cada minuto dimensoes que eu nao imaginava possuir. Estas memorias eram o substrata da forma9Eto do meu ser, do meu corpo, do meu "corpo-eu".

Apos um tempo como bailarina profissional, comecei a perceber que o aprisionamento dentro de tecnicas rfgidas de padrao de movimento e beleza, corpos virtuosos e performances muitas vezes mecanizadas, nao mais refletiam o que eu acreditava ser a dan9a.

Uma lacuna abria-se diante de mim.

0 corpo que me solicitavam estava distante do corpo que eu sentia, pois percebia-o nao como mero repetidor de passos, mas como um corpo que por si poderia se fazer "dan9a". Sem moldes para se enquadrar, sem espelhos para se fixar, sem padr6es a copiar. Mas um corpo que flufa em movimentos, por sentir e perceber o que estava por dentro e por fora em um incansavel transito. Assim, buscava, de forma intuitiva, na minha pratica como bailarina, professora e coreografa, encontrar a natureza de um movimento que julgava ser "espontaneo" de um corpo que se fazia presente.

Este conflito travado, entre um corpo repleto de memorias e um corpo que buscava a si proprio como expressao, me impulsionava a abandonar os antigos paradigmas e me lan9ava na procura de novos conhecimentos. Envolvida nesta rede de encontros e desencontros corporais, me senti encorajada a sentir e perceber as mudan9as que afetavam a minha rela9ao com a dan9a, e com meu proprio corpo. Os alicerces que sustentavam minha forma9ao tomaram novos contornos.

Estas quest6es que ebuliram em mim, e as pequenas e progressivas modifica96es que gradativamente sofri, abriram espa9o para o

(16)

que encontraria mais

a

frente. Ao refocalizar a dan<;:a, fui impelida para uma nova realidade.

Em 1993, ap6s fechar a escola de dan<;:a que dirigia, parti para Campinas, na tentativa de ampliar meu universo de conhecimento e assim elucidar minhas questoes. Neste mesmo ano, ingressei como aluna especial na discipline Educa<;:ao Ffsica Adaptada, ministrada pelo Prof. Dr. Edison Duarte. Pouco mais tarde, a convite do mesmo, entro em contato com o projeto "Atividades fisicas e esportes para pessoas portadoras de deficiencia", desenvolvido na Faculdade de Educa<;:ao Ffsica da UNICAMP, sob a orienta<;:ao de alguns professores do departamento de Atividade Motora Adaptada.5

0 contato com estes individuos portadores de deficiencia que participavam de atividades motoras se estabeleceu atraves do movimento, levando-me a retomar as discussoes sobre corpo, dan<;:a e motricidade.

Estas questoes aumentaram sua significancia quando, a convite dos professores, comecei a ministrar dan<;:a para indivfduos portadores de deficiencia ffsica, nos minutos finais de suas atividades.6

0 momenta das atividades do projeto e, principalmente, estes minutos finais tornaram-se especiais, ao estabelecerem urn elo de rela<;:ao e trocas corporais e, assim sendo, afetivas, descortinando diante de mim urn universo novo e desconhecido, repleto de significa<;:6es. As vezes me sentia paralisada por nao saber o que fazer, ou como fazer. Aos poucos eles me mostravam as peculiaridades da sua existencia e me deixando

a

vontade ao seu lado, participavam das minhas duvidas e inquieta<;:oes. Duvidas compartilhadas, visto que "o dan<;:ar'', para eles, tambem significava uma novidade. Descobriamos juntos a possibilidade dos movimentos, da dan<;:a e dos nossos corpos. Dan<;:ando, nos tocavamos e aos poucos nos conheciamos.

Ser alvo de urn olhar curiosa, de descren<;:as na sua capacidade, de dificuldades no "ir e vir'', de estigmas, tornaram-se para mim familiares

5 Professores responsaveis pelo projeto: Edison Duarte, Jose Julio Gaviao de Almeida, Jose Luis Rodrigues, Maria da Consolaqao G.C.F. Tavares, Ana Isabel Figueiredo Ferreira e Paulo Ferreira de Araujo.

(17)

atraves do conhecimento do cotidiano destes individuos. Estes corpos estao no mundo, e como tal deveriam vivenciar tudo o que este lhes oferece. Nao deveriamos fazer-lhes restric;:oes na manifestac;:ao de uma existencia.

Ao pensar na danc;:a, me senti atada num emaranhado de reflexoes, por perceber que em toda a sua hist6ria, seu referencial se encontrava em corpos ditos "normais". As perguntas que invadiam minha mente iam ao encontro do que acreditava ser a danc;:a.

Ao meu ver a danc;:a transcendia a ideia de corpos perfeitos, idealizados e virtuosos, por ser a possibilidade de manifestac;:ao da existemcia do homem. Sem distinc;:ao.

Acreditando nisso, refletia sobre como seria a danc;:a para pessoas portadoras de deficiencia fisica (me interessando em especial pelos individuos portadores de lesao medular), do ponto de vista destas pessoas. Surgiam em mim questionamentos, tais como: Seria possfvel? Qual o significado da danc;:a para os portadores de lesoes medulares? Estaria a danc;:a enfatizando suas limitac;:oes, ou oportunizando novos "olhares" para este corpo? Tais inquietac;:oes me fizeram perceber que o meu interesse era compreender o que era para eles "estar dan<;:ando".

lnserida no programa de p6s-gradua<;:ao do Institute de Artes, vivenciei juntamente com a Prof. Dr". Maria da Consolac;:ao G. C. F. Tavares estes conflitos. Nossos encontros eram alimentados por trocas de experiencias e pelo conhecimento gradativo que adquiria frente a este universo novo que percebia diante de mim, mediante as significativas informac;:oes que ela me oferecia.

Ao adubar o meu desejo de conhecer, fertilizava minhas questoes e permitia o "brotar" dos conflitos. Conflitos que juntas vivenciamos e tentamos solucionar, procurando uma dire<;:ao.

Neste momento, encontramos a Prof. Dr". Silvana Venancio e, por seu intermedio, tivemos nossos primeiros contatos com a fenomenologia. Os dialogos que travavamos, ao mesmo tempo que suscitavam a admirac;:ao por uma nova forma de "olhar" o mundo, me levavam a crer que a fenomenologia poderia auxiliar-me no desvelamento das minhas questoes. Por sugestao da mesma professora, comecei a fazer parte do Grupo de Estudos

(18)

em Fenomenologia da Faculdade de Educa9ao Ffsica na UNICAMP7• 0

desconhecido me assustava, ao mesmo tempo que me seduzia e me instigava a torna-lo conhecido. Minhas questoes emergiam de um silencio gritante, fazendo-me perceber atenta o que vivia.

Nao mais. podia e nem desejava recuar desta realidade, pois eles (portadores de deficiencia ffsica) ja faziam parte do meu mundo vivido_a

Encontrava-me dentro desie fen6meno, vivendo a cada momento o que entrava pelos meus poros, tocava meus sentidos e se mostrava para mim: indivfduos portadores de lesao medular dan9ando.

Fez-se necessario entrar nestes dois universos distintos, dan9a e indivfduos portadores de lesao medular, e num processo de desnudamento dos me us "a priores", tentar compreendeHos.

7

Sob a responsabilidade do Prof. Dr. Wagner Wey Moreira. 8

Mundo vivido

e

um aqui entendido como " ... horizonte permanente de min has cogitationes e como uma dimensao em rela9ao a qual eu nao deixo de me situar." Maurice MERLEAU - PONTY, Fenomenologia da percepgao, p.9

(19)

Dos universos em

questiio

(20)

"Entretanto, h8 tantos corpos; como

ha

corpost

E h8 tantas possibilidades; como

ha

possibilidades!"

Claudia Maria Guedes

11.1- SOBRE INDIViDUOS PORT ADORES DE LESAO MEDULAR

A existencia de indivfduos acometidos por les6es medulares remonta a era primitiva, sendo caracterizada no transcorrer da hist6ria por formas diferenciadas de tratamento, dada pelas diversas culturas. Atitudes de rejei<;ao e elimina<;ao, aliadas as complica<;6es decorrentes da lesao (como infec<;6es urinarias e respirat6rias e ulceras de decubito) foram responsaveis pela curta sobrevida.

A partir do Renascimento, com a busca do reconhecimento do homem, derivado da filosofia humanista, e com os avan<;os das ciencias medicas, encontramos os primeiros passos para a modifica<;ao desta realidade. Entretanto, este quadro s6 foi modificado de forma significativa a partir da II Guerra Mundial, com a descoberta de novas tecnicas de tratamento. 0 advento de quimioterapicos e antibi6ticos contribuiu para a diminui<;ao das complica<;6es advindas da lesao, levando ao declinio significative da mortalidade.

Segundo a ONU (Organiza<;ao das Na<;6es Unidas) estima-se que 10% da popula<;ao de pafses em desenvolvimento sejam portadores de

(21)

defici€mcia, sendo que 2% sao portadores de deficiencia ffsica. 1 Destes, um considen3vel numero apresenta comprometimento medular. Aos indivfduos portadores de lesao medular, que ocupam uma parcela significativa da sociedade, dirigimos o foco do nosso olhar. Ele, individuo que ama, sofre, grita, e aos poucos supera seus obstaculos e conquista seus espayos e que nos interessa, e nao o caso clfnico consequente a lesao medular. Entretanto, esta faz parte da sua existencia, sendo algo do qual nao pode se distanciar.

Ao modificar a condiyao corp6rea deste indivfduo, que e a sua propria permanencia no mundo, a lesao medular coloca a sua frente uma nova realidade irrigada de experiencias diferenciadas. Assim, buscamos compreender o que e uma lesao medular, as consequencias causadas no corpo do indivfduo, e as transformayoes que esta acarreta na sua vida.

lnstalando-se de forma congenita ou adquirida, as lesoes medulares podem provocar deficits neurol6gicos permanentes, resultando em um quadro irreversfvel. Os transtornos pelos quais e responsavel sao particularmente graves devido ao limitado poder de regenerayao da medula, e as complicay6es associadas.2 Mudanyas nas relay6es sociais e alteray6es econ6micas e psicol6gicas somam-se as alterayoes sens6rio-motoras.

Um indivfduo pode tornar-se portador de uma lesao medular traumatica atraves de um acidente de trabalho, mergulho em agua rasa, trauma ocorrido durante a pratica de esportes (tais como h6quei, rugby), quedas acidentais nao relacionadas com trabalho, ferimento com armas brancas, de fogo ou projeteis que incidam sobre a coluna, sendo a causa mais frequente os acidentes automobilfsticos.

Este trauma e ocasionado por uma forya direta ou indireta sobre a coluna vertebral, que pode sofrer fraturas com deslocamentos, fratura dos corpos vertebrais, desalinhamento do canal vertebral, herniayao de discos ou fragmentayao de ossos. Em consequencia podem ocorrer contusao, distensao,

dilacerayao ou esmagamento da medula3

1

Apol6nio CARMO, Deficiencia Fisica: a sociedade brasileira cria, recupera e discrimina, p.28.

2 Robert SALTER, Transtornos e lesiones del Sistema musculosqueleticc, p.275.

3

(22)

Podendo atingir qualquer nfvel da coluna vertebral, o trauma medular

e

mais comumente encontrado nas 5•s e 6as vertebras cervicais e nas

11 as e 12as vertebras toracicas.

A existemcia de processes tumorais, infecciosos e vasculares, mas formac;:oes congenitas, doenc;:as degenerativas e outras, pode acarretar uma lesao medular nao-traumatica.

As conseqOencias clfnicas que se manifestam no indivfduo ap6s a lesao medular se referem as func;:oes motoras, sensitivas e auton6micas. De acordo com LIANZA, estas conseqOencias dependem do tempo de instalac;:ao, grau de traumatismo e nfvel de lesao4

Em relac;:ao ao tempo de instalayao, o mesmo autor coloca que, diante de um mesmo grau de lesao, "o quadro clfnico inicial sera tanto mais

severo quanta mais rapido seja sua instalaqao (. . .) quanta mais tempo

e

transcorrida a lesao sem o aparecimento de sinais de recuperaqao sensitiva elou motora, maior

e

a probabilidade de ser uma interrupqao anat6mica completa".5

A lesao medular pode ser completa (paralisia ou plegia) ou incompleta (paresia). A ausencia da func;:ao motora ou sensitiva abaixo do nfvel da lesao, caracteriza a lesao medular completa, enquanto que a existencia de alguma func;:ao residual motora ou sensitiva abaixo do nfvel da lesao e denominada lesao incompleta.

0 nfvel de lesao e estabelecido pelo ultimo segmento da medula que tern preservadas suas func;:oes sensitivas e/ou motoras. 0 comprometimento das extremidades superiores, tronco e extremidades inferiores, consequente de uma lesao medular acima do segmento T 1.

denomina-se tetraplegia. A paraplegia se refere

a

perda da mobilidade e da sensibilidade de membros inferiores e em todo ou parte do !ronco, em virtude de uma lesao medular dos segmentos a baixo de T 1. 6

As paralisias podem ser espasticas ou flacidas, acarretando manifestac;:oes diferenciadas. As paralisias espasticas sao caracterizadas pelo

4 Sergio LIANZA et alii, Lesao Medular, p.267.

5 ibid. 6

(23)

predomfnio da espasticidade com evidente hipertonia, hiperreflexia e tendencia em manter os membros inferiores em extensao. Nas paralisias onde ocorre a lesao ao nivel da unidade motora, encontramos uma paralisia flacida com arreflexia profundae hipotonicidade acentuada.7

Entretanto, as modificac;:oes no corpo do individuo nao se resumem

a

motricidade e

a

sensibilidade. Adicionadas aos prejufzos das func;:oes motoras e sensitivas, encontramos outras conseqOencias importantes da lesao medular, como: disfunc;:oes vesicais, intestinais, respirat6rias, sexuais e de regulac;:ao termica, predisposic;:ao para infecc;:oes urinarias e ulceras de decubito e osteoporose em determinadas regioes.

0 numero possfvel de variac;:oes nas lesoes e de sintomas decorrentes e praticamente ilimitado, tornando OS indivfdUOS portadores de les5es medulares muito diferentes entre si. Em virtude da lesao e suas conseqOencias, passam a ter experiencias diferenciadas em relac;:ao ao seu corpo e ao mundo, vista que se veem cerceados nao s6 pela sua limitac;:ao motora, como pela postura de uma sociedade que, ao discrimina-los, contribui para a sua exclusao social e para a permanencia do estigma sabre sua capacidade produtiva. Deparam com obstaculos diversos que vao desde a impossibilidade de deslocamento provocado pelas barreiras arquitet6nicas

a

dificuldade de integrac;:ao social.

Uma vida diferente descortina-se

a

sua frente sem pedir permissao, fazendo-os conviver com as mudanc;:as no seu corpo, as perdas, o estigma, o preconceito, a exclusao ... os olhares para seu corpo diferenciado.

Entretanto, portadores de lesao medular ou nao, temos a diferenc;:a como "marca" do nosso ser-no-mundo. Somos todos diferentes do outro pelas nossas caracteristicas hereditarias e/ou adquiridas, pelas nossas vivencias e pelo nosso olhar para o mundo. Estas diferenc;:as garantem a "riqueza" das relac;:Oes e a certeza de que somos, pel a diferenc;:a, unicos.

Nas palavras de um dos sujeitos:

"Se eu aceitar

o

meu padrao de movimento, eu vou aceitar o seu. Eu vou ser um indivfduo socialmente falando. Eu vou ter

a

minha individualidade."

(24)

Aceitar as diferen<;:as, em n6s e nos outros, nos permite perceber que somos "iguais" por possuirmos em comum a diferen<;:a. Diferen<;:a que se reflete na forma singular de interagirmos com o que nos cerca. A "facticidade" 8 do ser transparece na singularidade com que habita o mundo.

11.2. DA DANCA

Antes de construir armas e maquinas, de elaborar conceitos e c6digos, o homem criou mitos, pintou imagens e dan<;:ou. Fruto da necessidade de expressao e comunica<;:ao, a danya esta presente no homem quando atraves de uma representa<;:ao corp6rea este estabelece uma relayao consigo, com outros homens e com o que ha ao seu redor. Tradutora dos acontecimentos de cada epoca, vem juntamente com ele construindo um passado, uma hist6ria.

As modifica<;:6es da sua forma de expressao espelham as mudan<;:as sofridas pelo homem que, inserido no seu contexto socio-cultural, descobre a todo instante novas formas de ser, de se expressar e contatar com o mundo. Este processo contfnuo de mudan<;:a, presente ate os dias atuais, revelou diferentes formas de expressao dos seus corpos dan<;:antes.

Dos corpos que dan<;:avam munidos de espontaneidade e liberdade de expressao, aos corpos esculpidos e marcados por c6digos de movimento (no Renascimento), encontramos o distanciamento da possibilidade de se expressar livremente com movimentos espont€meos e naturais. Distanciamento caracterizado no momenta em que a dan<;:a se resume ao virtuosismo de corpos que, como objetos mecanicamente preparados para uma melhor performance, se esmeram apenas em lan<;:ar as pernas em direyao aos ceus, em inumeros giros e saltos. Perfodo da hegemonia do bale classico.

8 Facticidade - "segundo a maneira de ser no mundo, sujeito as contingencias como um ser que

e

1an9ado ao mundo, mundo que o precede e alcanga, no qual o homem, ao ver-se como tal, precisa lutar para encontrar-se ." Joel MARTINS, Urn enfoque fenomenol6gico do curriculo: educagao como poiesis, p.51.

(25)

Segundo BOURCIER, a danga neste momento se traduz em "arte artificial e

rigorosa em que o significante tern mais importancia que o significado, e o gesto mais importancia que a emoqao que produz." 9

Na virada deste seculo, emergem sinais de uma nova revolu<;ao estetica, mostrando a necessidade de buscar novas significagoes e linguagens. 0 homem, ser criativo por excelemcia, procura escapar do aprisionamento em normas e r6tulos padronizados de movimento que contribuem para a restrigao da sua criatividade. A criagao se encontra fora da convengao, e e neste espago que ela se desenvolve. A ordena<;ao e a codificagao dos movimentos, e a enfase do virtuosismo em detrimento do conteudo, que restringem a vivencia da danga a apenas alguns corpos privilegiados, nao mais refletiam o desejo desta epoca.

Neste contexto, que afeta todas as esferas artisticas, como pintura, musica, teatro e danga, Isadora Duncan10, ao expressar-se de forma

contraria ao academicismo vigente e aos seus c6digos imutaveis de movimento, aponta os caminhos da liberdade de expressao e a possibilidade do renascimento da dan<;a em sua essencia. Ao empenhar-se em devolver

a

dan<;a o seu poder de comunicagao e comunh8o, Isadora converge com as grandes correntes da arte moderna da Alemanha, para qual a missao da arte era fazer com que penetrassemos na essencia do ser11 . GARAUDY coloca

que:

" ... Isadora se sente e se manifesta como um ser que participa de um todo que o transcende. 0

individuo que se funde no todo: tal e 0 designio da especie, que Isadora torna visivel pelo simbolismo do corpo, em uma /inguagem anterior e superior

a

da razao analitica,

a

de pa/avras e

a

de suas mimicas." 12

Segundo este autor, Isadora estabeleceu o "principio da

expressi-vidade do movimento sobre o qual toda a danqa moderna esta fundada"13

9

Paul BOURCIER, Opus 86: Hist6ria da dan9a, p. 113.

10

Isadora Duncan (1878-1927), dan9arina norte-americana, considerada a pioneira da dan<;a moderna.

11

Roger GARAUDY, Dan9ar a vida, p.60.

12

ibid, p. 64.

13

(26)

A danga moderna, ao compor o movimento como expressao de um significado interne, unindo forma e conteudo, aponta para a superagao do div6rcio entre corpo e mente. Seus corpo dangantes, refletem a expressao do homem na sua interagao com o mundo. A beleza das formas do corpo em movimento nao mais responde a um modele previamente estabelecido, ao contrario, "um movimento sera belo ou nao, em relar;ao com a finalidade expressive e com a veracidade de resposta dada ao sentimento que

o

origina".14

Rudolf von Laban, atraves dos seus estudos sobre o movimento do corpo, deu contribuic;:6es significativas para danga. Acreditando que por meio dos movimentos nos relacionamos com o mundo, "recebemos de fora impressoes que nos fazem reagir e, assim mesmo, projetamos para fora

nossos impulsos internes espontaneos ... " 15, prop6e uma tecnica de danc;:a livre, capaz de possibilitar a vivencia de uma gama de movimentos, isenta de moldes propostos segundo normas especfficas.

Diante desta perspectiva, a negayao do culto da forma pela forma e o resgate da liberdade de expressao, nos arriscamos a dizer que encontramos o primeiro passo em direyao

a

possibilidade de corpos livres de

estere6tipos tornarem-se corpos dangantes.

A danr;a, como representagao dos mementos vividos pelo homem, desencadeia uma permanente busca de novas formas, ideias, concepg6es de movimento. Hoje, final do seculo XX, nos deparamos com uma pluralidade de formas de expressao. Novas experiencias sao realizadas ligadas ao contexte atual, revelando uma epoca onde a multiplicidade estetica prevalece sobre a unilateralidade de estilo e faz emergir novas configurag6es. Neste sentido, a liberdade criativa e as inumeras possibilidades de representar o ecletismo de ideias, que transparecem no amplo espectro de esteticas, configuram a danga dos dias atuais.

14

Paulina OSSONA, A educa<;:ao pela dan9a. p.14.

15

Rudolf LABAN, Danqa Educativa Moderna, p.1 08. Dentro destas contribui96es ressaltamos o desenvolvimento de um sistema de notaqao, denominado "Labonotation", capaz de registrar os movimentos do corpo .

(27)

Contn3ria a nega9ao do "antigo", ou do que esta em vigor, caracterlstica do moderno, encontramos como tra9o da p6s-modernidade a convivencia entre diversas tendencias, tecnicas e formas de ver e representar o mundo, sem que para isso ocorra a supera9ao de uma sabre a outra16. A

supera9ao da Iugar a adi9ao. Varias linguagens corporais coexistem, revelando muitas vezes a hibrida9ao de algumas tecnicas na forma9ao do interprete e do produto artistico.

0 carater de mutabilidade, intrinseco da dan9a, denuncia o seu dinamismo e impulsiona o surgimento de corpos dan9antes diferentes dos vistas ate este momenta. Pina Bausch, expoente da dan9a alema, subverte a estetica convencional destes corpos ao utilizar nas suas obras atores-bailarinos apresentando uma barriga proeminente, costas curvadas ou usando 6culos. A diversidade dos corpos cenicos, encontrados hoje, se refere nao s6

a

variedade de tecnicas utilizadas e de gestualidade que geram diferentes esteticas, como tambem ao proprio "fisico" dos dan9arinos.

Corpos dan9antes, que nao mais restringem a sua expressao

a

habilidade e

a

plasticidade ffsica, nos mostram que a unifica9ao da forma e do conteudo e que verdadeiramente traduz o significado desta arte.

Percebemos que, em todo decorrer da hist6ria, ditamos a dan9a sob a referencia ao corpo dito "normal", "bipede", que se expressa sabre duas pernas que o fazem girar e saltar no ar ou lan9ar-se ao chao e possuidores da motricidade voluntaria de todas as partes do seu corpo. Corpos andantes, enquadrados dentro de uma tecnica codificada ou nao, mas com habilidade motora para realiza9ao dos movimentos exigidos, constituiram os corpos dan9antes ate entao.

Hoje, podemos encontrar no trabalho de "improvisa9ao", utilizado como um dos caminhos para a cria9ao, o respeito pelas diferentes formas de manifesta9ao dos interpretes, onde a contribui9ao de cada membra de um grupo torna -se essencial para a cria9ao da obra.

(28)

Na perspectiva que privilegia o indivlduo no processo de cria<;ao e resgata a liberdade de expressao do homem, descortina-se a possibilidade de o portador de lesao medular dan<;ar. A restrigao da sua motricidade nao os impede de perceber, ver e sentir o mundo, assim como de, atraves da exploragao de suas potencialidades, revelar-se em gestos expressivos dentro da linguagem da dan<;a. Dandeker, referindo-se aos dangarinos portadores de deficiemcia fisica, coloca que " voce nao deveria ter que justificar-se por estar no palco porque voce tem uma inabilidade.

E

a sua habilidade que conta". 17

Ao homem e permitido transcender na sua representagao, libertando-se de c6digos previamente estabelecidos, e a padroniza<;ao de corpos da Iugar

a

diversif1ca<;:ao, visto que se respeita o indivfduo e sua singularidade como materia do processo criativo. Sao corpos tradutores de ideias e sentimentos atraves do uso da sua propria linguagem corporal, singular e (mica.

A multiplicidade das formas de representa<;:ao e consequente-mente de cria<;:ao, aliada a diferentes corpos dan<;:antes nos faz crer no enriquecimento da dan<;:a enquanto manifesta<;ao artfstica.

11.3. DOS LIMITE$ FiSICO$

A

DANf;A

0 interesse pela dan<;a com os individuos portadores de deficiencia tern crescido nestes ultimos anos, seja com enfoque terapeutico, educacional ou artfstico. Se porum lado a dan<;a vern ampliando o espectro de possibilidades de expressao, por outro, estes indivfduos, caminham no sentido de conquistar espagos antes nao permitidos. Encontram novas formas de

17

Celeste Dandeker e dan9arina (portadora de lesao medular) e juntamente com o core6grafo Adam Beijamin

e

fundadora e diretora artistica da Candoco (Can do Company). Celeste DANDEKER In: Peter STANFORD, Weeler dealers of dance floor [s.d.]

(29)

vivenciar os movimentos do seu corpo, sem o compromisso direto com a aquisil(aO funcional de movimentos do quotidiano.

Nos anos 80, na East Carolina University, foi iniciado um trabalho de danl(a criativa com indivfduos portadores de lesao medular, que nao tinha, como objetivo a performance artfstica. Laborat6rios foram realizados usando a exploral(ao da forma, do movimento e do espal(o, num processo continuo de conexao entre os corpos. Mike Hamer refletindo sobre o processo criativo, descreve a vivencia como "o caminho para entrar em contato com alguns

sentimentos de dentro do seu corpo e expressa-los sem restric;oes impostas

I

t

"18

pea men

e

.

Dan9ar sem

o

domfnio de partes do seu corpo, ao contrario da ideia de dan9a que possufmos como sendo a arte do movimento, pode parecer a princfpio um paradoxa. Como e possfvel danl(ar, quando as pernas nao obedecern e o !ronco nao se equilibra, a locomocao se estabelece sabre rodas e o corpo nao apresenta a aparencia e a mobilidade desejada? Enfim, que danl(a seria esta? Estas questoes encontram respostas ao pensarmos na danl(a enquanto expressao do homem, capaz de contemplar as diversas possibilidades de manifestal(ao. Dan9a que, enquanto vivencia unificada do sensfvel e do inteligivel, do sentir e do saber, revela a significayao de um ser interagindo com o mundo que o cerca.

Se existe para o individuo portador de lesao medular a restril(ao motora e conseqOentemente uma diminuil(ao na quantidade de movimentos do seu corpo, podemos encontrar, nos mesmos, a possibilidade da descoberta de uma forma criativa de expressar-se em gestos nao convencionais.

Dentro desta perspectiva, o trabalho de dan9a a ser desenvolvido busca permitir que este individuo se aventure, explore e descubra os caminhos do desenvolvimento do seu dominio corporal e da sua forma de expressao, ao contrario de permanecer sujeito a movimentos predefinidos. Um trabalho que o permita transpor as fronteiras corporais, ser "desafiado" na sua propria

16 Mike Hamer e portador de lesao medular traumatica. Mike Hamer apud. Boni BOSWELL, Dance as

creative expression for the disabled, Palestra: the forum of sport phisical education and recreatio for the disabled, p.30.

(30)

pesquisa de movimentos e de interpreta9ao e ser respeitado na sua singularidade de expressao. Onde o interesse esteja voltado para o que o individuo sabe e/ou pode fazer, e nao para o que ele nao pode.

As aulas de dan9a com o individuo portador de lesao medular transcorrem como uma aula de dan98, com todos os conteudos a serem desenvolvidos e objetivos propostos. Desta forma, permitem a presen98 de individuos sem sequelas ffsicas, e a diferencia9ao no seu decorrer, encontra-se somente na forma de execu9ao das propostas por parte dos indivfduos portadores da lesao, devido a suas pr6prias peculiaridades.

Diante da propria especificidade do individuo portador de lesao medular, a aula de dan98 pode ser realizada no solo ou na cadeira de rodas, visto que e atraves dela que estes se deslocam no espa9o. A cadeira de rodas tem sua fun9ao redimensionada, podendo transformar-se em um elemento cenico, a medida que novas formas de utiliza-la no espa9o sao descobertas.

Na descoberta das possibilidades do seu corpo, cabe9a, bra9o, mao, tronco, quadril, perna e pes recebem aten9ao quanto a sua textura, temperatura e estrutura. Este conhecimento (ou "re-conhecimento"}, atraves de movimentos ativos e autopassivos, abrange todos os membros do seu corpo, respeitando as suas possibilidades.

A possibilidade de dan9ar, sem a imposi9ao de movimentos padronizados, como autor do processo de cria9ao, possibilita ao indivfduo portador de lesao medular o redimencionamemto das suas limita96es corporais. Estas, ao contrario de serem encaradas como "limitadoras", podem ser reconhecidas como indicadoras de uma situa9§o que, ap6s identificada, oferece a possibilidade da descoberta de novas situa96es. lsto e, o desequilfbrio do tronco e/ou uma queda inusitada, podem deflagrar um movimento desconhecido e transformar o que seria um "insucesso" em possibilidades de cria9ao. Os "acasos" podem funcionar para a movimenta9ao subsequente.

0 trabalho de "Contact Improvisation" demostra ser um campo prollfero de possibilidades. No toque das maos, na pressao exercida no encontro dos bra9os, na firmeza necessaria para auxiliar o equilibria do tronco,

(31)

encontramos corpos que, em ressonancia, se conhecem ao mesmo tempo que se tornam conhecidos. Na explora<;ao de movimento e espayos, na busca do apoio e /ou suporte para o outro, podem criar diferentes formas para o seu "danyar''.

A companhia de danya CandoCo coloca que, independentemente do nfvel de habilidade ffsica alcan<;ado, o foco do seu trabalho educacional e ajudar os estudantes a estabelecerem o real entendimento do dialogo ffsico, encorajar a honestidade de resposta e a plenitude do envolvimento corporal, tanto nas improvisay6es como nas montagens19.

A danya cenica requer do danyarino um aprimoramento das suas habilidades ffsicas e desenvolvimento do seu potencial expressivo, a fim de auxilia-lo a criar e responder com seu corpo as multiplicidades da epoca em que vive. Este aprimoramento pode ser adquirido atraves da sensibilizayao e da conscientizayao do seu corpo, do domfnio corporal e do desenvolvimento da sua capacidade interpretative. As aulas incluem exercfcios ffsicos, trabalhos de improvisayao e de criayao. A tecnica utilizada para estes fins incide diretamente na formayao do interprete e define o produto artfstico realizado.

Acreditamos que a danya moderna, ao contemplar a liberdade de expressao do homem, rege a danya desenvolvida com os indivfduos portadores de lesao medular. Entretanto, as diversas tendencies e a hibridayao de estilos e tecnicas, que refletem a danya da atualidade, tornam diffcil, ao nosso ver, definir, categorizar ou generalizer a danya com portadores de lesao medular em uma tecnica especifica. Ela se encontra na contemporaneidade. Compreendemos que e, antes de tudo, DANCA, e seus danyarinos sao portadores de lesao medular como poderiam ser deficientes visuais ou mentais, idosos, pessoas ditas "normais".

19

CandoCo (Can do company) foi fundada em Londres no anode 1991. E formada por 8 dan9arinos, sendo 3 deles portadores de deficiencia If sica. CandoCo Dance Company, [s. n].

(32)

0

~~trilhar:~:~

(33)

111.1 -A METODOLOGIA

"Quer se trate do corpo do outro ou de meu proprio corpo, nao tenho outro meio de conhecer o corpo humano senao vive-lo, quer dizer, retomar por minha conta o drama que o transpassa e confundir-me com ele."

Maurice Mer/eau-Ponty

A dan<;:a

e

uma experiencia que se configura no momento em que

dan<;:amos. Experiencia vivida de um homem que singularmente se manifesta e

interage com o mundo tornando-se, na visao de GARAUDY, "um modo de

existir." 1

Neste sentido, pensar neste homem como um ser dicotomizado, possuindo um corpo inv61ucro de uma alma, submisso a uma mente e objeto

mensuravel na sua constitui<;:ao biol6gica nao reflete

o

nosso entendimento

sobre ele. Este corpo, Ionge de ser apenas um conjunto de ossos, musculos e

nervos, efetuador de movimentos mecanicos

e,

a propria existencia do homem

no mundo.

1

(34)

Na busca da compreensao deste corpo que dan<;:a, e que se faz dan<;:a, necessitamos ir ao encontro de perspectivas que pudessem elucidar a complexidade da questao.

No seculo XX, a fenomenologia originada do pensamento de Husser! vem redimensionar alguns postulados ao lan<;:ar novos olhares para o homem e o mundo. Em sua tentativa de superar a dicotomia corpo-mente, se contrapoe as ciencias positivistas do sEkulo XIX.

A fenomenologia busca a essencia, e todos os seus problemas, segundo ela, resumem-se em definir essencias como: essencia da percep<;:ao, da consciencia.

E

considerada a filosofia que repoe as essencias na existencia. Existencia que comporta o sentido da situa<;:ao do mundo tal como ele e vivido pelo sujeito que percebe e da sentido ao seu ser-no-mundo.2

Desta forma, a fenomenologia acredita s6 ser possfvel compreender o homem eo mundo a partir da sua "facticidade", da sua maneira de ser no mundo, com todas as situa<;:5es que lhe sao dadas e por ele percebidas de um mundo, que se esconde e se doa a percep<;:ao do homem, travando com ele uma infindavel comunica<;:ao, e que se encontra "ali" antes de qualquer reflexao.

Nas palavras de MERLEAU PONTY.

"0 mundo fenomenol6gico nao

e

o ser puro, mas o

sentido que transparece na interser;ao de minhas experi{mcias e na interser;fio de minhas experi{mcias com aquelas do outro ou pela engrenagem de umas

nas outras; ele

e

portanto inseparavel da subjetivi-dade e da intersubjetivisubjetivi-dade que formam sua

unidade pela retomada de minhas experiencias

passadas em minhas experiencias presentes, da

experiencia do outro na minha." 3

Perceber este mundo que se doa

e,

antes de tudo, nos colocarmos abertos para ele. Esta abertura ao mundo subentende uma consciencia que se da em dire<;:ao a algo, sendo sempre uma consciencia de ... uma consciencia intencional. Nesta intencionalidade, comunicamos com o

2

Antonio REZENDE, Concepgao fenomenol6gica da educa,ao, p.24. 3 Maurice MERLEAU- PONTY, Fenomenologia da percepgao, p.18.

(35)

mundo, num transitar dialetico, percebendo-o e apreendendo-o atraves do corpo e seus atos.

Ao explorar estes atos na sua estrutura essencial em oposiyao as investigal(6es emplricas, a fenomenologia prop6e encararmos o fen6meno como "uma estrutura reunindo dialeticamente na intencionalidade o homem e o mundo,

o

sujeito e

o

objeto,

a

existencia e

a

significaqao"4

Dentro deste entendimento da relal(ao homem e o mundo, a fenomenologia refocaliza a ideia de corpo, visto que a condil(ao corporal concretiza a existencia do ser. 0 corpo, permanencia do ser, nao e algo que pode ser fragmentado em partes, mas um corpo ao qual nao podemos dar as costas ou do qual nao podemos nos distanciar como se fosse um objeto que esta fora de nos e que usamos a qualquer instante desejado. Nao estamos nem diante, nem distante, nem dentro deste corpo, e sim somos o corpo.

No discurso de Merleau Ponty, este corpo, denominado corpo proprio, e o "meu meio de comunicaqao com o mundo, onde apreendo os sentidos, desperto a consciencia, a partir do momento em que desenvolvo relaqoes com outro e me confundo com o mundo" 5.

E

o proprio ser concreto, ligado a existencia, traduzindo-se nas experiencias com o mundo. Corpo este que, ao estabelecer um modo dialetico no interagir com o que o cerca, revela, na sua permanencia, uma teia de intenl(ao e significal(ao que se realiza a cada instante da existencia.

E ainda:

"Corpo cognoscente e reflexivo, m6vef, movido e movente, mas tambem se movente;tangivel, tangido e tangente, mas tambem se tangente; ouvfvef, ouvido e ouvinte mas tambem se ouvinte; visfvel e visto, mas tambem vidente que se ve a si mesmo vendo.''6

Assim,

somos

um corpo repleto de significal(oes, que interage intencionalmente com o mundo a medida que se dirige em sua direl(ao,

4 Antonio REZENDE, op cit p. 35.

5

Maurice MERLEAU-PONTY apud Claudia Maria GUEDES, Corpo: tradi9ao, valores, possibilidades no desvelar, p.83.

(36)

tocando-o e sendo tocado por ele. Corpo que e no corporificar das relac;:oes, sensivel por se sentir, ao sentir que sente.

Ao pensarmos no corpo que danc;:a percebemos que ele

e

no momento em que danc;:a a propria dam;a. Sem intermediac;:oes, temos atraves do corpo o acesso direto

a

experiencia vivida, visto que nele se consolida o "danc;:ar". Criador e criac;:ao contidos em um s6 corpo.

0 corpo apreende o que acontece ao seu redor manifestando-se na danc;:a de forma expressiva e simultaneamente o mundo se mostra para este corpo "inspirando-o" na sua criac;:ao. Neste transite de mao dupla, gestos e movimentos que estao no corpo, que sao o corpo, na inten«;:ao de manifestar seus desejos e necessidades, estabelecem significac;:oes, e tornam o ser uno e indivisivel.

Na danc;:a, encontramos sempre um corpo que, ao danc;:ar, situa-se no mundo e constitui um fen6meno. Segundo MARTINS e BICUDO a vivencia de um sujeito em uma situac;:ao e tambem entendida como uma experiencia percebida de modo consciente por aq que o executa, constituindo uma relac;:ao entre o fen6meno que s&"l·c,..~7" ,:; o sujeito que

experiencia? '

Compreender este corpo que danc;:a e, portanto, illergulhar no fen6meno na intenc;:ao de perceber o que a experiencia implica no momenta da sua vivencia, bem como encontrar a significac;:ao desta para o sujeito que desejamos compreender.

E.

habitar este universe diferenciado vivido pelo outro, que se ilumina e se mostra, sentindo pela luz do nosso olhar a sua complexidade.

GUEDES coloca que:

"A complexidade do existir humano se plenifica na

sua forma simb61ica de ser significado e significante

e ao mesmo tempo de dar significar;oes para as

coisas do mundo a partir da sua capacidade de

percebe-lo, antes de qualquer pensamento determi-nante."8

7

Joel MARTINS, Maria Aparecida BICUDO, A pesquisa qualitativa em psicologia, p.75.

8

(37)

Na perspectiva fenomenologica nao se pretende analisar nem explicar o fen6meno atraves de relac;:oes causais, mas compreende-lo no seu sentido. Para tal, e necessaria "ir a coisa mesma", focalizar e situar o que se

deseja compreender colocando em parenteses, ou "epoche" 9, as atitudes do

mundo natural, a fim de obter a descric;:ao direta da experiencia tal como ela e,

isenta de qualquer pressuposto ou preconceito.

E

a tentativa de esclarecer o

fen6meno como ele e e se apresenta na sua essencia.

A

luz das considerac;:oes sobre corpo proprio e sobre a

compreensao do homem e do mundo a partir de sua "facticidade", aliados ao nosso entendimento do corpo que danc;:a, acreditamos ter encontrado na fenomenologia a via pela qual podemos seguir para o desvelamento do

fen6meno que nos intriga: o significado da dan~a para os individuos

portadores de lesao medular.

Desta forma, na esteira da fenomenologia, optamos pela

modalidade da Analise de Estrutura do Fenomeno Situado como recurso de

interpretac;:ao do discurso.

Na busca de desvelar este fenomeno tendo como foco de interesse a experiencia do sujeito, acreditamos que, so ele, que vivencia a danc;:a, podera dar sentido a nossa inquietac;:ao. Lanc;:amos nosso olhar para o sujeito tentando compreender os significados por ele explicitados atraves do seu discurso.

Transparece na fala de urn danc;:arino:

"S6 quem danc;a quem pratica a danc;a

e

que sabe

0 que

e

danc;ar." 10

E esta experiencia vivida traz a significac;:ao de uma existencia. Atraves da sua linguagem, da sua fala, uma face do fen6meno pode ser revelada. Os anseios, desejos e vontades sao ouvidos por nos da fonte primeira: o proprio ser que vivencia a situac;:ao.

"(. . .) n6s temos a experiencia de n6s mesmos, dessa

consciencia que somos, e

e

a partir desta experien-cia que se medem todas as significac;oes da

9

Slgnifica colocar em suspensao as nossas cren<;as sabre a existencia do fenOmeno que esta sendo

interrogado. Joel MARTINS, Urn enfoque fenomenol6gico do curricula: educa9ao como poieses, p.56

1

°

(38)

linguagem,

e

justamente ela que faz com que

a

linguagem queira dizer a/go para n6s." 11

Assim sendo, faz-se necessaria uma questao interrogadora para que possamos ouvir os sujeitos e coletar seus discursos, na tentativa de nos aproximarmos o quanto possivel da sua complexidade semantica.

111.2- A QUESTAO INTERROGADORA

Procurando elucidar o tempo presente, ou seja, individuos portadores de lesao medular participando de atividades de dan<;:a, formulamos a seguinte questao interrogadora :" 0 que

e

estar dant;ando para voce?"

A interroga<;:ao do fenomeno pode nao revelar todas as questoes referentes a estes individuos, posto que o fenomeno nao se doa na sua totalidade. Entretanto, olhar para o fenomeno na perspectiva de quem a pratica pode fornecer um espectro de dados que venham contribuir para um redimensionamento sobre a questao.

que:

VENANCIO nos aponta as limita<;:oes da pesquisa quando coloca

" .. .por urn /ado, o pesquisador que observa e que, ao

dirigir atentamente seu olhar para uma determinada perspectiva, apreende uma faceta do fenomeno.(..) Do outro /ado, ha urn sujeito que responde

a

interrogaqao feita e que ao responde-/a, se coloca, nao como urn passado que foi ou urn futuro que

sera, mas como urn sujeito que se percebe hoje na sua condk;ao." 12

0 olhar do pesquisador e a apreensao do fenomeno

e

sempre perspectival na medida que percebemos e apreendemos uma face do fenomeno que se doa para n6s.

11

Maurice MERLEAU- PONTY, Fenomenologia da percep9ao, p.12.

12

(39)

111.3 - OS SUJEITOS

A possibilidade de dangar

e

um fen6meno recente na vida dos portadores de lesao medular. Vivenciar este fen6meno implica nao s6 o conhecimento de propostas de trabalho de danga neste sentido, a viabilidade do seu deslocamento para o local enfrentando barreiras arquitet6nicas, mas tambem a superagao de alguns preconceitos e obst<kulos.

Assim sendo, nao se encontra a todo momenta indivfduos portadores de lesao medular dangando e/ou frequentando escolas de danga.

Atualmente, superadas algumas dificuldades para seu ingresso na danga, percebemos a existencia de alguns dangarinos portadores de lesao medular, desenvolvendo trabalhos em clubes ou instituigoes. Fomos ao seu encontro.

Ao participarmos do I Workshop de atividades corporais e danga para portadores de deficiencia ffsica 13 em janeiro de 1995, e ao entrarmos em contato com o grupo de Azigo de UberiEmdia 14, em julho do mesmo ano,

tivemos acesso a estes indivfduos, que foram sujeitos da nossa pesquisa.

lntegrantes de grupos de danga com experiencias profissionais ou nao, participantes de aulas de danga ou profissionais sem vinculo com algum grupo, demonstraram interesse e disponibilidade em participar da pesquisa. Assim, os dangarinos do Grupo Giro sobre Rodas (Niter6i-RJ), Aquasul Cia. de Danga (Curitiba-PR), Grupo Azigo (Uberlandia-MG) e outros dangarinos portadores de lesao medular foram por n6s entrevistados.

Naquela ocasiao nao nos ocorreu fixar previamente nenhum limite quanta ao numero de sujeitos, e procuramos aproveitar a oportunidade do encontro para realizar o maior numero possfvel de entrevistas. Foram colhidos 15 discursos.

13 Evento realizado no Rio de Janeiro, promovido pelo grupo Giro sobre Rodas e a Sociedade Amigos do Deficiente Fisico (SADEF). Sendo um acontecimento de ambito nacional, reuniu individuos portadores de deficiencia fisica (incluindo portadores de lesao medular) de varios es!ados, com experiencias de dan9a diferenciados.

14

Este grupo encontra-se inserido no Programa de atendimento as pessoas portadoras de deficiencia fisica da Universidade Federal de Uberlandia.

(40)

Entretanto, no momenta da transcrigao percebemos que alguns dados se repetiam em discursos de varios sujeitos, tornando os discursos bastante semelhantes entre si. Em vista disto optamos por analisar 12 sujeitos por considerarmos uma amostra relevante frente ao conteudo que nos foi apresentado.

111.4- A COLETA DE DADOS

Na intengao de adentrar no fen6meno, necessitavamos que os individuos descrevessem em sua propria linguagem como estavam vivendo aquela situagao, ou seja, que falassem sobre sua experiencia vivida.

Entretanto, nao podemos entrar na casa de alguem que nao conhecemos ou que nao nos conceda permissao para tal.

E

necessaria estabelecer um contato que promova o conhecimento e uma empatia para que, abertas as portas, possamos entrar.

Assim, aconteceu o contato com os sujeitos da pesquisa (participantes do Workshop e do grupo Azigo). Nos aproximamos, os conhecemos e, aberta a porta, fomos em sua diregao.

No Workshop, este encontro se iniciou atraves de contatos corpora is, visto que diversas praticas como danga, "contact improvisation", capoeira, consciencia corporal foram por nos juntamente vivenciadas. Trocamos toques, impulsionamos mutuamente os nossos movimentos, fomos conectados atraves do olhar, do sorriso, ou pelas expressoes de surpresa causadas por um gesto inusitado... Enfim, dangamos juntos. Este "elo" alicergado via corpo permitiu nossa aproximagao e estabeleceu uma empatia.

Com o grupo de danya Azigo esta empatia originou-se da propria receptividade que encontramos no contato com o mesmo. Nao menos significative, este contato foi tragado ao percebermos, em seus olhos e fala, o prazer que sentiam na oportunidade de ter alguem que desejasse ouvir e ver as suas experiencias, na busca da sua compreensao.

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Concedida a autorizayao por parte dos responsaveis pelo evento e pelos grupos para a realiza9ao das entrevistas, estabelecemos contatos individuais com seus integrantes a fim de convida-los a participar da pesquisa, explicitando que o nosso objetivo era compreender o que e "estar" danyando na perspectiva das pessoas portadoras de lesao medular que dan9am.

Ap6s aceitarem a participayao na pesquisa e passado um certo tempo de convfvio, fizemos a interroga9ao:

"0 que

e estar dam;ando para

voce?",

deixando o sujeito

a

vontade para discorrer sobre ela. Gravamos seus

discursos individualmente em fitas magneticas (K7).

Apesar de apontarem a dificuldade em falar o que era "estar'' dan9ando, seus discursos eram bastante extensos. A vontade de dizer a experiemcia nova que viviam era para alguns dividida com uma certa "timidez", enquanto que para outros apresentava-se explfcita nas suas falas e em seus gestos. Falava-se da dificuldade, mas, de uma forma contida ou nao, muito se dizia. Os seus olhos, a entona9ao de suas vozes, os seus gestos, enfim, seu corpo fa lava ... e muito. Demonstravam em movimentos algumas experiencias vividas, nos fazendo descobrir a ausencia de imobilidade, e a presen9a de inumeras significa96es.

Suas experiencias, seus mementos, suas vontades, suas descobertas ... suas emo96es estavam cheias de movimento. Vfamos

a

nossa frente um corpo contador de sua hist6ria, aberto para descobrir e contatar com o mundo e disposto a superar os obstaculos para tal. Suas falas revelavam o modo de ser de cada um, e traziam

a

tona passagens de suas pr6prias vidas. Fomos conhecendo um a um, o que mais tarde aflorou no momenta da transcriyao quando, ao ouvirmos suas vozes, nos reportavamos

a

sua imagem em movimento.

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