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SINAES de regulação e SINAES de emancipação: o impacto da avaliação institucional no desenvolvimento da educação superior brasileira

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE MESTRADO E DOUTORADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

FÁBIO ROBERTO PILLATT

SINAES DE REGULAÇÃO E SINAES DE EMANCIPAÇÃO: O IMPACTO DA

AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL NO DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA

IJUÍ - RS 2017

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FÁBIO ROBERTO PILLATT

SINAES DE REGULAÇÃO E SINAES DE EMANCIPAÇÃO: O IMPACTO DA

AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL NO DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA

Texto de Tese de Doutorado encaminhado à Banca de Defesa Final de Tese para a obtenção do Título de Doutor em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, na linha de pesquisa 3 – Educação Popular em Movimentos e Organizações Sociais.

Orientadora: Profa. Dra. Helena Copetti Callai Co-orientadora: Profa. Dra. Anna Rosa Fontella Santiago

IJUÍ - RS 2017

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DEDICATÓRIA

Dedico esta tese à minha esposa, Líbera Raquel Bazzan Pillatt, e à nossa filha, Paola Bazzan Pillatt, pois sem o apoio, a compreensão e o carinho recebido de minha família este desafio seria bem mais difícil. Dedico ainda à Faculdade de Balsas - UNIBALSAS, por ter me confiado a oportunidade de cursar o doutorado. Tenho muito orgulho de participar de uma instituição que se faz ponte para o conhecimento e desenvolvimento regional.

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer, em especial, à minha esposa e filha que aceitaram enfrentar este desafio e que mudaram suas rotinas em função dele.

Às famílias Pillatt e Bazzan, pelo apoio e incentivo. É indescritível a sensação de sentir-se abraçado por estas duas famílias.

Aos mantenedores e diretores da Faculdade de Balsas, por concederem-me esta oportunidade de buscar novos conhecimentos e interpretações acerca da educação superior.

Aos professores, colaboradores do PPGEC, pela condução prazerosa dos ricos momentos de aprendizado vividos durante a realização deste curso.

Às minhas orientadoras, pelo incondicional apoio no processo de construção de uma tese de doutorado.

Aos meus colegas de curso, pela troca solidária e colaborativa de experiências e conhecimentos.

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RESUMO

Este trabalho concentra-se na análise dos caminhos percorridos pela educação superior brasileira e na maneira como as ações de ordem regulatória ou emancipatória propostas pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES estão conduzindo as Instituições de Educação Superior no processo de melhoria da qualidade educacional. O esforço investigativo se deu acerca da análise de quais aspectos do atual modelo avaliativo da educação superior brasileira são indutores para a geração de conhecimento de caráter regulatório e de quais aspectos são indutores para a geração de conhecimento de caráter emancipatório. O método de pesquisa utilizado foi o exploratório, de natureza qualitativa, realizando-se por meio das técnicas de triangulação metodológica e de dados. A tese aqui defendida foi de que a instrumentalização vigente do SINAES, contrariamente à sua ideologia conceptiva, tem conduzido a educação superior brasileira por caminhos essencialmente regulatórios, influenciado por uma racionalidade mercadológica neoliberal na construção de um modelo educacional tido como hegemônico e concluso.

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ABSTRACT

This work focuses on the analysis of the ways tried by Brazilian higher education and on the way in which the regulatory or emancipatory actions proposed by the National System of Evaluation of Higher Education - SINAES are leading the Institutions of Higher Education in the process of improvement of the educational quality. The investigative effort focused on the analysis of which aspects of the current evaluation model of Brazilian higher education are inductors for the generation of knowledge of regulatory nature and of which aspects are inducers for the generation of emancipatory knowledge. The research method used was the exploratory one, of qualitative nature, being realized through the techniques of methodological and data triangulation. The thesis is that the current instrumentation of SINAES, contrary to its conceptual ideology, has led Brazilian higher education through essentially regulatory paths, influenced by neoliberal market rationality in the construction of an educational model considered as hegemonic and conclusive.

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LISTA DE SIGLAS

AEB – Anuário Estatístico do Brasil

CAPES - Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior CE – Conhecimento Específico

CI – Conceito Institucional CC – Conceito de Curso

CCA – Comissão Central de Avaliação

CONAES – Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior CSA – Comissões Setoriais de Avaliação

CEA – Comissão Especial da Avaliação da Educação Superior CFE – Conselho Federal de Educação

CNE – Conselho Nacional de Educação

CNRES – Comissão Nacional para Reformulação da Educação Superior CPA – Comissão Própria de Avaliação

CPC – Conceito Preliminar de Curso DCNs – Diretrizes Curriculares Nacionais

ENADE – Exame Nacional de Desempenho de Estudantes ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio

ENC – Exame Nacional de Curso FG – Formação Geral

G20 – Grupo dos 20.

GERES – Grupo Executivo para Reformulação da Educação Superior IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDD – Indicador de Diferença dentre os Desempenhos Observado e Esperado IES – Instituição de Educação Superior

IGC – Índice Geral de Cursos

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB – Lei de Diretrizes e Bases

MEC – Ministério da Educação NCLB - No Child Left Behind

OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico OMC – Organização Mundial do Comércio

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PAIDEIA - Processo de Avaliação Integrada do Desenvolvimento Educacional e da Inovação da Área

PAIUB – Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras PARU – Programa de Avaliação da Reforma Universitária

PISA – Programa para a Avaliação Internacional dos Alunos PNE – Plano Nacional de Educação

PROUNI – Programa Universidade para Todos

REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SERES – Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior SESu – Secretaria de Educação Superior

SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior UNE – União Nacional dos Estudantes

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Modelos Regulatório e Emancipatório de construção do conhecimento .... 61

Figura 02: Modalidades de Avaliação ... 65

Figura 03: Concepção original do SINAES baseado no documento “Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES): Bases para uma Nova Proposta de Educação Superior” ... 87

Figura 04: Processo Regulatório proposto originalmente pelo SINAES ... 89

Figura 05: Instrumentalização atual do Processo de Avaliação do SINAES ... 91

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Evolução do Número de Instituições de Educação Superior por

Dependência Administrativa – Brasil 1985-2002 ... 39

Quadro 02: Evolução do Número de Cursos e Matrículas em Instituições de Educação Superior – Brasil 2002-2014 ... 42

Quadro 03: Comparação entre as principais propostas de avaliação da educação superior brasileira no contexto pré-SINAES ... 73

Quadro 04: Parâmetros de Conversão do NCc em Conceito Enade ... 94

Quadro 05: Composição do CPC ... 97

Quadro 06: Parâmetros de Conversão do NCPC em CPC ... 98

Quadro 07: Parâmetros de Conversão do NIGC em IGC ... 99

Quadro 08: Análise comparativa dos instrumentos utilizados na avaliação de cursos de graduação conforme normas estabelecidas pelo SINAES ... 102

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 15

1 A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: UMA REFLEXÃO HISTÓRICO-HERMENÊUTICA ... 22

1.1 A EDUCAÇÃO NO BRASIL COLONIAL (1500 A 1808) ... 22

1.2 O PONTO DE PARTIDA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO PERÍODO IMPERIAL (1808 A 1889) ... 25

1.3 AS REFORMAS EDUCACIONAIS DA REPÚBLICA VELHA (1889 A 1930) ... 27

1.4 AS MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA NA ERA VARGAS (1930 A 1964) ... 29

1.5 A EXPANSÃO DO SISTEMA DE EDUCAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA NOS GOVERNOS MILITARES (1964 A 1985) ... 33

1.6 A EDUCAÇÃO E A TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA (1985-2002) ... 37

1.7 A BUSCA PELA DIVERSIDADE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR (2002-2016)40 1.8 O CAMINHO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA NO CONTEXTO NEOLIBERAL ... 43

2 AVALIAÇÃO E CONCEPÇÃO EDUCACIONAL NO SÉCULO XXI ... 46

2.1 A CULTURA GLOBAL DE AUDITORIA COMO PROCESSO REGULATÓRIO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR ... 47

2.2 AVALIANDO A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO CONTEXTO DA “MODERNIDADE LÍQUIDA” ... 51

3 A DICOTOMIA ENTRE REGULAÇÃO E EMANCIPAÇÃO ... 60

3.1 O CONHECIMENTO COMO REGULAÇÃO E O CONHECIMENTO COMO EMANCIPAÇÃO ... 60

3.2 A AVALIAÇÃO REGULATÓRIA E A AVALIAÇÃO EMANCIPATÓRIA .. 63

4 O MODELO DE AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL BRASILEIRO E SEUS INFLUXOS ... 67

4.1 A AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA PRÉ-SINAES67 4.2 INFLUÊNCIAS EXTERNAS NA CONCEPÇÃO DO SINAES ... 75

4.3 O CONTEXTO SOCIOECONÔMICO ... 80

4.4 O SINAES ... 84

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4.4.2 Instrumentalização do SINAES até Outubro de 2017 ... 90

5 A REGULAÇÃO E A EMANCIPAÇÃO NO CONTEXTO DO SINAES 100

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 109 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 116

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INTRODUÇÃO

As Diretrizes e Bases da Educação Nacional, instituídas pela Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, chamada de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, destaca em seu Art. 3º, Parágrafo IX, que o ensino deve ser ministrado com base na garantia de padrão de qualidade. Os critérios e indicadores de qualidade da educação superior são atualmente definidos pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES, instituído pela Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. Portanto, cabe ao SINAES assegurar o processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes.

Na sua concepção, conforme descrito em INEP (2003), o SINAES sugere um sistema de avaliação integrador das energias emancipatórias e regulatórias, antes tidas como dicotômicas. Sendo assim, ao mesmo tempo em que propõe um processo emancipatório no qual, conforme sugere Saul (1988), é consentido aos sujeitos envolvidos em uma ação educacional escreverem a sua própria história e gerarem as suas próprias alternativas de ação, também o SINAES apresenta uma lógica intervencionista regulatória, a qual impõe dimensões e critérios a serem cumpridos pelos sujeitos. Sob essa perspectiva, alinha-se a tensão entre emancipação e regulação descrita por Boaventura Sousa Santos.

Segundo Santos (2002), a tensão entre regulação e emancipação social não é recente. Sua origem se dá no século XVI, com a imersão da modernidade ocidental. A partir do século XIX, com a consolidação do capitalismo, a tensão entre regulação e emancipação entrou num longo processo histórico de degradação, caracterizado pela transformação gradual e crescente das energias emancipatórias em energias regulatórias.

Ao dirigir o olhar para a história da educação superior brasileira, em especial para as recentes tentativas de implantação de um sistema de avaliação capaz de imprimir qualidade à universidade em consonância com padrões internacionais, percebe-se o constante esforço das políticas públicas na busca de um sistema avaliativo coerente com as exigências da contemporaneidade. No entanto, ao serem inseridos na complexidade da sociedade atual, os processos avaliativos acentuam a tensão entre regulação e emancipação descrita por Santos (2007). Somado a isto, a notória velocidade, instabilidade, ou ainda, segundo Bauman (2007, 2009), liquidez1 característica do cenário contemporâneo dificultam consideravelmente a

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Segundo Bauman (2009), “Líquido-Moderna” é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir.

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proposição de um sistema avaliativo capaz de mensurar os níveis de qualidade do modelo educacional de uma nação. De posse destas premissas, um questionamento norteador torna-se basilar para o delineamento da pesquisa aqui apresentada: O que aspiram a sociedade contemporânea e, em especial, as políticas públicas brasileiras em relação à sua educação superior?

Entende-se, todavia, que não há como pensar a educação, bem como seu processo (auto)avaliativo, de forma isolada do contexto sócio-político e econômico no qual ela se situa. Segundo Tommasi (2009), a análise econômica se transformou na principal metodologia para a definição das políticas educativas, influenciadas substancialmente pelas relações capitalistas de produção que passaram a determinar o cotidiano escolar. As políticas avaliativas e, consequentemente, as diretrizes educacionais brasileiras, seguiram fortemente esta tendência, especialmente a partir da década de 1990, quando, sob a influência de mecanismos internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, critérios como eficiência, eficácia e produtividade passaram a ser primordialmente observados na intenção de conduzir a escola para uma formação centrada na empregabilidade e na formação das competências requeridas pelo mercado de trabalho.

Segundo Apple (2005, 2007), uma cultura de auditoria, isto é, o uso de conceitos derivados da área de negócios, está globalmente implantada em todos os níveis da educação, inclusive na superior. Tal cultura promove uma ação intensamente regulatória, na busca de evidências de que o processo educativo está sendo desempenhado de forma “correta” e “eficiente”, conforme os ditames neoliberais. Tal natureza avaliativa e de mensuração impedem, ou dificultam, o desenvolvimento de outros conceitos de eficiência e democracia, desenvolvendo uma cultura punitiva, fundamentada em tabelas de aferições, com a intensão de medir de forma unicamente quantitativa o grau de eficiência de uma escola ou universidade.

Mensurar a “eficiência” de uma Instituição de Educação Superior requer uma prévia definição e elucidação de seu real papel no contexto social contemporâneo. A Universidade do Século XXI, segundo Santos (2011) e Demo (2011), gira (ou deveria girar) em torno de dois grandes desafios: (1) produzir conhecimento próprio e (2) formar profissionais que sejam capazes de produzir conhecimento, não apenas recebê-lo e aplicá-lo. Desta forma, as políticas públicas de um país não deveriam apenas estabelecer e regular diretrizes tidas como basilares no contexto educacional, mas também conceder à Universidade autonomia e liberdade para produzir novos conhecimentos, desvencilhando-se, mesmo que de forma parcial, da estrita regulação estatal ou do mercado. Assim, a educação não deveria ser condicionada

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exclusivamente aos interesses formativos de ordem econômico-mercadológica, mas ser vista como um bem de interesse público, em permanente construção.

Se o comportamento unicamente regulatório2 foi evitado no momento da concepção do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, em sua aplicação atual observa-se uma realidade diferente, conforme relatam Cardoso (2014a) e Sobrinho (2008a), um dos principais organizadores do SINAES em sua etapa constitutiva. Os autores criticam duramente a metodologia utilizada pelo Ministério da Educação na avaliação da educação superior brasileira a partir da etapa de instrumentalização do SINAES, iniciada no ano de 2004, especialmente em relação ao uso de indicadores estanques como forma de classificação dos cursos oferecidos pelas Instituições de Educação Superior, descaracterizando assim sua proposta original.

A implantação de uma avaliação solidária e não punitiva nas Instituições de Educação Superior com o sentido colaborativo, conforme propõe originalmente o SINAES, certamente traria para o setor respostas que impulsionariam o seu desenvolvimento. Por outro lado, é importante ressaltar que em um país com as dimensões do Brasil e com o número de cursos de graduação e IESs ativas, torna-se também importante a definição de diretrizes claras para o sistema de avaliação. Quanto maior a subjetividade do processo, mais complexa será sua implementação. A opção por um conhecimento regulatório ou por um conhecimento emancipatório requer a concepção e utilização de um modelo avaliativo adequado ao desejo de regular e/ou emancipar.

O problema é que o cenário não está tão claro na contemporaneidade. Ao mesmo tempo em que se prega uma formação emancipada, não unicamente profissional, mas também direcionada ao valor social, cultural e político do saber, as políticas neoliberais intentam para a produção de um “capital humano”, voltado para um comportamento consumista e com uma formação fortemente regulada e alinhada com as demandas mercadológicas definidas pela economia globalizada, conforme relatam Apple (2005), Laval (2004) e Bauman (1999). A sociedade contemporânea, como destaca Santomé (2013), está diante de uma grande encruzilhada: precisa decidir se deseja ser educada ou ser treinada. Diante disso, em um

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Os modelos Regulatório e Emancipatório de construção do conhecimento, assim como, seus respectivos sistemas avaliativos, são descritos no Capítulo 3 desta tese. É importante destacar que, no contexto do SINAES, são previstas ações regulatórias e emancipatórias. As ações regulatórias são direcionadas para a construção de conhecimentos e de processos preocupados com o estabelecimento da ordem, do controle, em prol de uma maior segurança. As ações emancipatórias, por sua vez, são direcionadas para a construção de conhecimento e de processos preocupados com o estabelecimento de um comportamento solidário, reflexivo, em prol de uma maior liberdade.

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cenário neoliberal fortemente globalizado, cada vez mais se questiona o papel assumido pelas instituições de ensino: se de autonomia ou de submissão em relação ao contexto.

Segundo Bauman (2008a), o âmago da sociedade neoliberal está intrinsicamente vinculado ao fortalecimento de uma identidade não-solidária consumista de seus cidadãos. Por outro lado, Santos (2007) afirma que a liberdade, a igualdade e a solidariedade continuam sendo uma aspiração dessa sociedade, mas a relação cultural imperial-colonialista ainda prevalece nos dias de hoje, não mais somente no âmbito político, mas também no sociocultural. A liquidez3 contemporânea traz uma falsa impressão de liberdade e emancipação, camuflada por um processo regulatório fortemente influenciado pela cultura imperialista, o que torna o atual cenário intensamente nebuloso. A discrepância entre experiências e expectativas se dá também no modelo educativo contemporâneo, no qual emancipação e regulação se confundem, por maior que seja sua dicotomia.

À medida em que se propõe um processo avaliativo a respeito da educação superior, no intuito de analisar se a mesma alcança seus objetivos, torna-se mister a dissolução de tal nebulosidade. Isso porque, sem essa prévia reflexão, não haverá consciência do objetivo a ser alcançado e, muito menos, será possível analisar fidedignamente o modelo educativo quanto a sua capacidade de garantir a conquista dos objetivos.

Em virtude disso, a primeira etapa da corrente pesquisa busca desvelar estas duas “metatendências” das políticas educacionais: uma baseada no conhecimento regulador, em uma política neoliberal direcionada às demandas mercadológicas, conforme descrevem, entre outros, Tommasi (2009), Laval (2004) e Giroux (2003); e outra, baseada no conhecimento emancipador, em uma política voltada às demandas sociais, conforme descrevem Santos (2007, 2009) e outros. A segunda etapa constitui-se de uma análise conjuntural sobre o processo avaliativo referente à atuação da educação superior no Brasil, suas influências e seus reflexos na construção do atual modelo educacional brasileiro.

O problema de pesquisa está delimitado na forma de implementação do atual Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, na tentativa de entender como ele pode influenciar para a construção/manutenção do modelo educacional superior brasileiro4. O objetivo principal que conduziu a investigação esteve centrado na análise de quais aspectos do

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Segundo Bauman (2001) a metáfora da liquidez está associada à mobilidade e à inconstância características da sociedade contemporânea.

4 Compreende-se como Modelo Educacional Superior Brasileiro a descrição das principais diretrizes e

normas que constituem, organizam e regulam a educação superior brasileira. A Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a Lei do SINAES, que institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, são algumas das principais leis que fundamentam este modelo.

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atual modelo avaliativo são indutores para a geração de conhecimento regulatório e quais aspectos são indutores para a geração de conhecimento emancipatório.

Uma profunda reflexão sobre as políticas educacionais brasileiras e de seu atual modelo avaliativo, permite provocar embates produtivos acerca da autonomia universitária no meio acadêmico, bem como, de seu papel e do lugar que ocupa no cenário nacional, seja por um caminho emancipatório, regulador ou ambivalente. Por essa razão, o esforço investigativo se assentou na hipótese de que a escolha e a forma de implantação de um modelo avaliativo da educação superior pode condicionar as ações para um modelo educacional com características mais emancipatórias ou mais reguladoras.

A tese aqui defendida é de que a atual instrumentalização do SINAES tem direcionado a educação superior brasileira para caminhos mais regulatórios, fundamentados em conhecimentos sólidos usados na formação de perfis profissionais tidos como estáveis, assumindo uma postura técnico-burocrática baseada em indicadores quantitativos de qualidade. O modus operandi do SINAES diverge de sua proposta conceptiva, especialmente quando assume o modelo educacional brasileiro como hegemônico e acabado, não observando com a devida importância a diversidade social, econômica e cultural característica do país e inferiorizando o comportamento líquido e instável que está instalado na sociedade contemporânea. Por conseguinte, acredita-se que o atual contexto social requeira, para este momento, um modelo avaliativo mais liberto, emancipatório, inacabado e participativo, a ser aplicado em um cenário de intensa volatilidade e construção, tendo como contrapeso a incisiva conjuntura regulatória presente no modelo vigente.

O método de pesquisa utilizado nesta ação investigativa é o exploratório, de natureza qualitativa, realizando-se por meio da técnica da triangulação que, segundo Triviños (1987), parte do princípio que é impossível conceber a existência isolada de um fenômeno social, sem raízes históricas, sem significados culturais e sem vinculações com uma macro realidade social, tendo como objetivo básico abranger a máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão do foco em estudo. Na corrente pesquisa foram utilizados dois tipos de triangulação: (1) a Triangulação de Dados que, segundo Fígaro (2014), trata das diferentes dimensões de tempo, de espaço e de nível analítico a partir dos quais o pesquisador busca as informações para sua pesquisa; e (2) a Triangulação Metodológica, que segundo Abdalla (2013), refere-se ao uso de múltiplos métodos para obter os dados mais completos e detalhados possíveis sobre o fenômeno.

Em virtude da forte influência de modelos avaliativos nacionais e internacionais sobre o atual sistema brasileiro de avaliação da educação superior, foram analisados, com base na

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técnica de Triangulação de Dados, além do SINAES, outros modelos de avaliação anteriormente implementados no Brasil, bem como, propostas avaliativas desenvolvidas em outros países e políticas internacionais direcionadas à educação, tais como o Tratado de Bolonha. Essa estratégia não foi utilizada com o intuito de comparar os diferentes modelos avaliativos, mas para proporcionar uma maior compreensão do background filosófico do SINAES e averiguar suas fontes nacionais e internacionais de inspiração.

A Triangulação Metodológica foi caracterizada pela combinação dos métodos de (1) observação, (2) análise documental e (3) análise bibliográfica, de forma a garantir a obtenção de dados mais completos e detalhados possíveis conforme suas raízes históricas, significados culturais e macro realidade social. Por já atuar como Pesquisador Institucional e Representante Legal de Instituição de Educação Superior junto ao Ministério da Educação, o pesquisador obteve amplo acesso às ferramentas e instrumentos de avaliação que são utilizados no processo de qualificação nacional da educação superior, facilitando a etapa de análise do atual modelo brasileiro.

O recorte temporal de estudo que orientou o desenvolvimento desta tese ocorreu a partir do período que antecedeu o SINAES, partindo para sua concepção, instrumentalização e encerramento, no mês de setembro de 2017. Alterações contextuais e legais ocorridas após esse recorte temporal não foram consideradas nas análises desenvolvidas nesta investigação científica.

Esta Tese de Doutorado está organizada em cinco capítulos, elencados a seguir:

Capítulo 1 – A Educação Superior no Brasil: Uma Reflexão Histórico-Hermenêutica. Nesse capítulo são analisadas as principais características da educação superior no Brasil, sua história, seu crescimento e suas diretrizes. A análise tem um escopo hermenêutico, no sentido de compreender e interpretar as marcas históricas que determinaram o modelo de educação superior brasileiro.

Capítulo 2 – Avaliação e Concepção Educacional no Século XXI. Nesse capítulo é introduzido o modelo educacional contemporâneo, no âmbito da educação superior, bem como, a ingerência dos processos avaliativos da qualidade na concepção e sustentação de tais modelos.

Capítulo 3 – A Dicotomia entre Regulação e Emancipação. Nesse capítulo os dois “meta modelos” educativos, regulador e emancipador, são analisados e tensionados.

Capítulo 4 – O Modelo de Avaliação Institucional Brasileiro e seus Influxos. O background filosófico do atual modelo de avaliação da educação superior brasileira é analisado nesse capítulo, bem como suas principais influências nacionais e internacionais.

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Capítulo 5 – A Regulação e a Emancipação no Contexto do SINAES. Com base na pesquisa realizada e à luz dos referenciais teóricos assumidos no processo investigativo, esse capítulo procede a análise de quão emancipatório ou regulatório se constitui o SINAES.

Por fim, nas considerações finais, são apresentadas as conclusões do referido processo investigativo, contribuições providas pelo mesmo, bem como possíveis atividades futuras a serem realizadas.

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1 A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: UMA REFLEXÃO HISTÓRICO-HERMENÊUTICA

O presente capítulo busca, de forma sucinta e concisa, situar a educação brasileira, fundamentalmente a superior, no intuito de proporcionar um maior entendimento em relação ao seu contexto histórico e atual. Também tem por objetivo servir de base para a análise das tendências desta etapa educativa, assumindo uma atitude hermenêutica e tendo a historicidade como um elemento importante para análises seguintes.

O ponto de partida desse estudo exploratório se configura no princípio do século XVI, tendo como ato inicial a chegada das embarcações portuguesas em terras brasileiras e o advento da Era Colonial no Brasil. Apesar de ter o século XVI como marco inicial deste estudo, não se pretende afirmar, contudo, que o período pré-colonial tenha sido desprovido de técnicas e métodos de educação, mas sim que o modelo trazido pelos portugueses fundamentou e ainda fundamenta as práticas educativas oficialmente utilizadas no Brasil.

1.1 A EDUCAÇÃO NO BRASIL COLONIAL (1500 A 1808)

As grandes transformações ocorridas nos séculos XI a XIV no continente europeu, incentivadas especialmente pelo renascimento comercial, pelas cruzadas, pela ascensão da burguesia e pelas teorias políticas mercantilistas, são o pano de fundo para a expansão comercial e territorial de Espanha e Portugal, pioneiros por sua posição geográfica privilegiada, voltada para o Oceano Atlântico. A chegada ao Brasil, no dia 22 de abril de 1500, representa um marco de fundamental importância frente às conquistas territoriais portuguesas e dá início a um processo de colonização que estabelece os pilares para a construção de uma nova sociedade, totalmente divergente da que estava estabelecida pelos nativos locais.

Segundo Abreu (2009), a sociedade colonial formada em terras brasileiras tinha caráter aristocrático e patriarcal, constituída de grandes proprietários rurais produtores e exportadores, oriundos das capitanias hereditárias que detinham todos os direitos e, por outro lado, de escravos e indígenas considerados peças de força de trabalho, bem como, trabalhadores livres5, os quais desempenhavam determinados ofícios necessários à sociedade vigente. Logo no início desse período, percebe-se que a manutenção do modelo colonial

5 Lavradores, artesãos, vaqueiros, pequenos comerciantes, funcionários públicos da baixa

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dependia de uma proposta de ensino que pudesse atender aos anseios da elite rural e, ao mesmo tempo, promover a catequização dos povos indígenas.

De acordo com Francisco Filho (2004), coube primeiramente aos jesuítas a tarefa de educar o povo brasileiro. Uma ordem religiosa que foi encarregada, pela coroa e pelo papado, de catequizar os indígenas, preparar os filhos dos grandes proprietários para que continuassem seus estudos no velho continente e aumentar o contingente de sacerdotes da ordem.

A cosmovisão católica serviu de ideologia adequada para a promoção e a defesa dos interesses da classe dominante, ao mesmo tempo em que fundamentava a legitimação, junto às camadas dominadas, dessa situação econômica e social (FRANCISCO FILHO, 2004, p. 24).

Ainda segundo Francisco Filho (2004), cada colégio da Companhia de Jesus, como eram conhecidas as escolas jesuíticas, tinha um reitor subordinado ao provincial, auxiliado por um prefeito de estudos, conhecedor da doutrina e com grande experiência no ensino — o qual também possuía auxiliares para tarefas menores. Havia encarregados da disciplina e todos seguiam os estudos determinados pelo Ratio Studiorum6 (ordem de estudos), constituído por quatro anos de Teologia, três anos de Filosofia e cinco anos de conteúdos humanistas que englobavam retórica, humanidades e gramática. O Ratio Studiorum imperou por quase a totalidade do período colonial, a manutenção do modelo era possível por meio do recolhimento de dez por cento dos impostos arrecadados pela Coroa, direcionados para os cofres da Companhia de Jesus.

No tocante à catequização indígena, foram constituídas as missões, ou seja, aldeamentos indígenas organizados pelos padres jesuítas e espalhados em vários pontos do território brasileiro, que tinham como objetivo convertê-los em cristãos e súditos do governo português. Para ajudar na catequese, os jesuítas utilizavam conhecimento de pintura, música, dança, teatro e festas católicas, ignorando quase que por completo a cultura nativa e impondo costumes europeus e cristãos aos indígenas. Segundo Francisco Filho (2004), não houve uma preocupação, por parte dos jesuítas, em catequizar os escravos de origem africana em virtude de que não havia, na época, uma posição definida por parte da igreja se eles eram ou não detentores de alma. Apesar da existência de dúvidas quanto à veracidade dessa informação, a simples menção da possibilidade de que os negros não tivessem alma potencializava ainda mais a discriminação social e racial já existente.

6 Organização do Plano de Estudos da Companhia de Jesus, publicado em 1599 e responsável por

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Durante esse período da colonização praticamente não existiu literatura direcionada ao Brasil colonial. As obras literárias eram escritas segundo moldes portugueses, mesmo que o assunto fosse referente às colônias. O desenvolvimento artístico acompanhava os ciclos econômicos vigentes, determinados por uma cultura imperialista europeia.

Nos dizeres de Ribeiro (1992), percebe-se que a orientação contida no Ratio Studiorum concentra sua programação nos elementos da cultura europeia. Evidencia, dessa forma, um desinteresse ou a constatação da impossibilidade de instruir também o índio.

Era necessário concentrar pessoal e recursos em pontos estratégicos, já que aqueles eram reduzidos. E tais pontos eram os filhos dos colonos em detrimento do índio, os futuros sacerdotes em detrimento do leigo, justificam os religiosos. [...] O plano legal (catequisar e instruir os índios) e o plano real se distanciam. Os instruídos serão descendentes dos colonizadores. Os indígenas serão apenas catequisados (RIBEIRO, 1992, p. 25).

Segundo Azevedo (1944) e Ribeiro (1992), em seu ápice, a ordem Jesuítica alcançou os números de trinta e seis residências, trinta e seis missões e dezessete colégios e seminários, sem contar os seminários menores e as escolas de ler e escrever. A importância social desses religiosos chegou a tal ponto que se transformaram na única força capaz de influir no domínio do senhor do engenho. Isso foi possível não apenas pelos colégios, mas por meio do confessionário, do teatro e, particularmente, pelo terceiro filho, que deveria seguir a vida religiosa (o primeiro seria o herdeiro, o segundo, o letrado).

Conforme Soares (2002), a formação intelectual oferecida pelos jesuítas, e, portanto, a formação da elite colonial, foi marcada por uma intensa rigidez na maneira de pensar e, consequentemente, de interpretar a realidade.

Para graduarem-se, os estudantes da elite colonial portuguesa, considerados portugueses nascidos no Brasil, tinham de se deslocar até a metrópole [...] a fim de frequentarem a Universidade de Coimbra. Essa Universidade, confiada à Ordem Jesuítica, tinha como uma de suas missões a unificação cultural do Império português. Dentro do espírito da Contra Reforma, ela acolhia os filhos da elite portuguesa que nasciam nas colônias, visando a desenvolver uma homogeneidade cultural avessa a questionamentos à fé católica e à superioridade da metrópole em relação à colônia. [...] Nela se graduaram em Teologia, Direito Canônico, Direito Civil, Medicina e Filosofia, durante os primeiros três séculos de nossa história, mais de dois mil e quinhentos jovens nascidos no Brasil (SOARES, 2002, p. 24-25).

Em 1759, Marquês de Pombal, primeiro ministro do rei de Portugal, D. José I, expulsou os jesuítas de todo o território português, sob alegação dos mesmos promoverem a subversão, trabalharem contra o império e terem responsabilidades sobre a fraca formação da elite portuguesa. O novo modelo implantado, conhecido como Aulas Régias (ou fase

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pombalina da educação colonial), não substituiu à altura o antigo e só foi reformulado com a chegada da família real ao Brasil, no ano de 1808.

Segundo Soares (2002), o desenvolvimento do sistema de educação superior no Brasil diferenciou-se do contexto latino-americano uma vez que as colônias espanholas receberam suas primeiras universidades ainda no século XVI. Já o Brasil colônia, não criou instituições de educação superior em seu território até o início do período imperial, ou seja, três séculos mais tarde. Isso ocorreu em virtude do modelo de colonialismo adotado por Portugal, o qual visava, prioritariamente, o extrativismo econômico e a conversão à fé católica no âmbito da Contrarreforma. Não havia interesse por parte da Coroa Portuguesa na formação cultural e intelectual do povo brasileiro, mas apenas a formação operacional necessária para mantê-los executando as práticas extrativistas de forma submissa à metrópole.

1.2 O PONTO DE PARTIDA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO PERÍODO IMPERIAL (1808 A 1889)

O século XIX sofreu a influência de vários movimentos, sendo alguns deles iniciados no final do século anterior. As intensas transformações políticas, econômicas e sociais foram fortemente influenciadas por movimentos como a Revolução Industrial, a Revolução Francesa, o Liberalismo, o Iluminismo, o Marxismo, o Positivismo, dentre outros. Nesse período as bases epistemológicas estavam prontas para a ascensão da burguesia.

No Brasil, o século XIX marca o período Imperial que começa a ser delineado em 1808, com a chegada da família real ao Brasil, inicia-se em 1822, com a proclamação da independência, e encerra-se em 1889, com a proclamação da república. O período Imperial brasileiro pode ser dividido em três momentos: o primeiro reinado de D. Pedro I (1822 a 1831), o período regencial (1831 a 1840) e o segundo reinado de D. Pedro II (1840 a 1889). Nesse período a educação superior no Brasil tem seu ponto de partida.

Segundo Ribeiro (1992), os primeiros cursos tidos como de instrução superior foram os cursos de Cirurgia e Anatomia, instalados em Salvador no ano de 1808, e os cursos de Anatomia e Cirurgia, no Rio de Janeiro, também em 1808. Ainda em 1808 é criada a Academia Real da Marinha e, em 1810, a Academia Real Militar a fim de que atendesse à formação de oficiais e engenheiros civis e militares. Em seguida são criados os cursos de Agricultura, Química e Desenho Técnico, todos distribuídos nos estados da Bahia e do Rio de Janeiro. A vinda da família real, isto é, da administração do Reino, para o Brasil motiva a

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criação desses cursos em virtude da necessidade de constituir os “quadros funcionais” necessários à administração.

Seria bom ressaltar, em primeiro lugar, que a expressão ‘curso’ não dá ideia precisa, uma vez que, em verdade, muitos correspondiam a aulas, como as de economia, anatomia, etc. Em segundo lugar que, pelas condições imediatistas a que teve de se subordinar, quase que exclusivamente se condicionou o prosseguimento de tais estudos conforme duas tendências que, de determinado ponto de vista, foram prejudiciais ao seu pleno desenvolvimento. Tais tendências são: organização isolada (não universitária) e preocupação basicamente profissionalizante. Entretanto, sob outro ponto de vista, tais criações se revestiram de um aspecto bastante positivo: o de terem surgido de necessidades reais do Brasil, coisa que pela primeira vez ocorria (RIBEIRO, 1992, p. 41)

Em 25 de março de 1824, foi outorgada a primeira constituição brasileira. A primeira Carta Magna torna a instrução primária gratuita, centraliza a administração do ensino ao governo central, institui o ensino da religião católica como parte obrigatório dos currículos e programas e prevê a criação no país de colégios e universidades. Segundo Francisco Filho (2004), grande parte do previsto na constituição federal de 1824 em relação ao ensino não passou de promessa.

Na prática, essa instrução pública gratuita abrangendo do ensino fundamental ao superior, fazia parte dos discursos políticos, sempre com uma oratória inflamada, para defender ideais civilizados, principalmente com a chegada das novas teorias que se multiplicaram durante o século XIX (FRANCISCO FILHO, 2004, p. 57).

Ainda no período Regencial, conforme menciona Soares (2002), foram criados os cursos de Direito em Olinda e São Paulo. As primeiras faculdades brasileiras — Medicina, Direito e Politécnica — eram independentes umas das outras, localizadas em cidades importantes e possuíam uma orientação profissional bastante elitista.

Segundo Ribeiro (1992), a educação superior foi o nível de instrução que mais interessou ao império uma vez que estava direcionado à classe aristocrática.

O curioso é que, pelo art. 83 da Constituição de 1824, ficava vedado às Assembleias Provinciais a proposição e deliberação sobre assuntos de interesse geral da nação. Isto parece indicar que a instrução, em seus níveis elementar e secundário, não era considerada como assunto de interesse geral da nação. [...] Quanto à instrução superior [...] ficando a cargo do governo central pelo Ato Adicional, demonstra ser este o nível que mais interessa às autoridades, isto é, aos representantes políticos da época. Eram os cursos que formariam a elite dirigente de uma sociedade aristocrática como a brasileira. (RIBEIRO, 1992, p. 47-48).

No entanto, no período imperial não foi criada uma universidade no Brasil, apenas cursos isolados de instrução superior. De Acordo com Soares (2002), isso talvez tenha

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ocorrido pelo alto conceito da Universidade de Coimbra, o que dificultava a sua substituição por uma instituição do jovem país. Segundo Teixeira (1989), houve múltiplos projetos, nos períodos colonial e imperial, para a implantação de universidades no Brasil, porém os mesmos não foram realizados. Presume-se que tal fato tenha ocorrido pela ideia enraizada de dependência cultural do país, que não se julgava capaz de constituir sua própria cultura, cabendo-lhe apenas recebe-la de fora, como quase tudo que consumia.

Cabe ainda destacar que a criação dos primeiros cursos superiores do Brasil durante esse período se deu mais pela necessidade de atender às demandas da família real e por pressão de sua corte, inseridas abruptamente no cenário brasileiro, do que por uma mudança de pensamento em relação à educação no Brasil Imperial por parte da Coroa. Talvez essa tenha sido a principal motivação pela escolha dos cursos isolados em detrimento à Universidade.

1.3 AS REFORMAS EDUCACIONAIS DA REPÚBLICA VELHA (1889 A 1930)

A influência positivista e a Política do Café-com-Leite7 marcaram os primeiros anos do Brasil República. O poder de decisão estava centralizado em alguns poucos estados e tinha como alicerce o coronelismo que nomeava autoridades e altos funcionários em troca de apoio aos candidatos da base governista. Em virtude disso, surgiram alguns movimentos importantes contrários a essa política, tais como os Movimentos Tenentistas8.

No que se refere às políticas de educação, segundo Cunha (1980), as transformações da educação superior nas primeiras décadas da República foram marcadas pela facilitação do acesso à educação superior em virtude das mudanças nas condições de admissão e da multiplicação das faculdades isoladas. Conforme Francisco Filho (2004), a primeira reforma da era republicana na área da educação aconteceu em 1890.

7 Arranjo político que vigorou no período da Primeira República (mais conhecida pelo nome

de República Velha), envolvendo as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais e o governo central no sentido de controlar o processo sucessório, para que somente políticos desses dois estados fossem eleitos à presidência de modo alternado. Assim, ora o chefe de estado sairia do meio político paulista, ora do mineiro (FAUSTO, 2008).

8 Tenentismo foi o nome dado ao movimento político-militar, e à série de rebeliões de jovens oficiais de

baixa e média patente do Exército Brasileiro no início da década de 1920, descontentes com a situação política do Brasil. Propunham reformas na estrutura de poder do país, entre as quais se destacam o fim do voto de cabresto, instituição do voto secreto e a reforma na educação pública. Os movimentos tenentistas foram: a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, a Revolução de 1924, a Comuna de Manaus e a Coluna Prestes. Destaca-se a Coluna Prestes que realizou uma incrível marcha pelo interior do país, percorrendo cerca de 25 mil quilômetros, partindo de Santo Ângelo-RS e sendo encerrada na fronteira com a Bolívia (FAUSTO, 2008)

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Benjamim Constant em 1890 rompeu com a tradição humanística, adotando em sua reforma princípios positivistas; começou a implantar um ensino enciclopédico, seriado, com obrigatoriedade e gratuidade. [...] Ao lado das disciplinas tradicionais, foram introduzidas estudos de Ciências, Noções de Sociologia, Direito e Economia Política. Dividiu-se o primário em dois graus e ao todo tinha duração de sete anos (FRANCISCO FILHO, 2004, p-73-74).

A atuação de Benjamim Constant teve reflexos na primeira Constituição da República, promulgada em 1891, que, entre outras questões, determinou ser laico o ensino nas escolas estatais e permitiu ao Congresso Nacional e às Assembleias Legislativas Estaduais a criação de escolas superiores. Conforme Cunha (1980), a Constituição de 1891 procurou ainda conciliar antigos projetos liberais de secularização e descentralização do ensino com as propostas positivistas de desligar o exercício das profissões dos privilégios concedidos pelos diplomas escolares.

Segundo Ribeiro (1992), após a primeira reforma de Benjamim Constant, uma série de outras reformas na organização escolar se sucedeu.

A série de reformas pelas quais passa a organização escolar revela uma oscilação entre a influência humanística clássica e a realista ou científica. O Código Epitácio Pessoa (1901) acentua a parte literária ao incluir a lógica e retirar a biologia, a sociologia e a moral; a Lei Orgânica Rivadávia (1911) retoma a orientação positivista tentando infundir um critério prático ao estudo das disciplinas, ampliando a aplicação do princípio de liberdade espiritual ao pregar a liberdade de ensino (desoficialização) e de frequência, abolindo o diploma em favor de um certificado de assistência e aproveitamento, e transferindo os exames de admissão ao ensino superior para as faculdades, com o objetivo de que o secundário se tornasse formador do cidadão e não do candidato ao nível seguinte. Os resultados, no entanto, foram desastrosos. Daí as reformas de 1915 (Carlos Maximiliano) e de 1925 (Luis Alves/Rocha Vaz) (RIBEIRO, 1992, p. 73).

A Lei Orgânica, conforme descreve Cunha (1980), retirou da União o monopólio da criação de instituições de educação superior, tornando possível a atuação da iniciativa privada. Conferiu ainda liberdade e autonomia às instituições para a condução da prática do ensino e de sua formalização. Ao mesmo tempo em que a Lei Orgânica promoveu um aumento expressivo da oferta de cursos superiores no Brasil, perdeu-se o caráter oficial do ensino e o controle da concessão de títulos e diplomas. Para conter esse expansionismo descontrolado, em um movimento de resistência à livre diplomação, foi promulgado, em 15 de março de 1915, o Decreto 11.530 que se justificava em razão da intenção de reorganizar a educação secundária e a superior em todo o país. Um dos pontos importantes dessa reforma foi a introdução dos exames vestibulares para a seleção dos candidatos à educação superior.

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Nos dizeres de Milanesi (1998), a última reforma para a educação secundária e superior da Primeira República foi a de 1925, conduzida por João Luis Alves e Rocha Vaz. Seu objetivo foi reforçar o controle do Estado, particularmente do Governo Federal, sobre o aparelho escolar, por meio da criação do Departamento Nacional de Ensino, órgão diretamente ligado e subordinado ao Presidente da República.

Nesse período, surgem também as primeiras Universidades, caracterizadas como um conjunto de faculdades ou escolas superiores. A primeira universidade brasileira a manter sua longevidade foi instituída pelo Decreto nº 14.343, de 07 de setembro de 1920. O Art. 1º do decreto determinava a junção da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, constituindo, assim, a Universidade do Rio de Janeiro. Por outro lado, o Art. 3º do mesmo decreto mantinha a autonomia didática e administrativa das três instituições.

Conforme Soares (2002), a Universidade do Rio de Janeiro reunia, administrativamente, Faculdades profissionais pré-existentes, contudo, sem oferecer uma alternativa diversa do sistema: ela era mais voltada ao ensino do que à pesquisa, elitista, conservando a orientação profissional dos seus cursos e a autonomia das faculdades.

O Decreto nº 14.343, que instituiu a Universidade do Rio de Janeiro, foi muito generalista e vago, sem dar uma noção clara quanto a orientação a ser seguida na concepção universitária. A política assumida na época foi de uma simples aglomeração de Faculdades isoladas já existentes, mantendo-se o caráter fragmentado das instituições e não se preocupando com atribuições essenciais para o conceito universitário, como, por exemplo, uma maior expansão e integração de suas áreas de conhecimento. O foco continuava sendo o ensino isolado de uma classe elitista, sem a preocupação de promover a inclusão social ou mesmo o desenvolvimento de atividades de pesquisa e extensão.

Segundo Favero (2007), não obstante à ocorrência de problemas existentes em torno da criação da Universidade do Rio de Janeiro, há de se destacar seu protagonismo e o mérito de reavivar e intensificar o debate em torno do problema universitário do país, o qual continuou a ser levantado na era Vargas, discutida a seguir.

1.4 AS MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA NA ERA VARGAS (1930 A 1964)

O movimento revolucionário de 1930, capitaneado por Getúlio Vargas, pôs fim à República Velha e à Política do Café-com-Leite. Vargas assumiu a presidência do Brasil em

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meio a uma recessão mundial gerada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York e governou o país por dezenove anos, utilizando-se, em grande parte, de um modelo populista ditatorial. A Era Vargas9 é tradicionalmente dividida em: Segunda República (1930 a 1937); Estado Novo (1937 a 1945); e Governo Eleito (1951 a 1954).

Segundo Francisco Filho (2004), o momento histórico vivido pelo Brasil no início da década de trinta tornava imperiosa a necessidade de mudanças no modelo educacional brasileiro. Em suas palavras, “Eliminar o analfabetismo passou a ser a palavra de ordem; era preciso preparar o trabalhador urbano para o concorrido mercado de trabalho. O sistema educacional existente era para atender a elite e não respondia às aspirações do momento” (FRANCISCO FILHO, 2004, p. 86).

Segundo Palma Filho (2005), foram muitas as iniciativas tomadas no terreno da educação durante o período chamado de Segunda República (1930 a 1937). Entre as principais, cita-se: (a) criação do Ministério da Educação e Saúde Pública; (b) Reforma da educação secundária e da educação superior; (c) manifesto dos pioneiros pela Educação Nova; (d) Constituição Federal de 1934; e (e) projetos de reforma educacional oriundo da sociedade civil.

Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, sendo nomeado Francisco Campos como seu titular. A reforma da educação secundária e da educação superior criou ainda o Conselho Nacional de Educação e procurou estruturar a educação no território nacional, em todos os níveis.

Em 1931 o Ministro da Educação, Francisco Campos, baixa o decreto 19.851 que traçou novos rumos para a educação secundária e a educação superior.

O decreto 19.851 fixou os fins para o ensino universitário: elevar o nível da cultura geral; estimular as investigações científicas, habilitar ao exercício de atividades técnico-científicas; trabalhar pela educação do indivíduo e da coletividade, levando ao aperfeiçoamento da humanidade e à grandeza da nação. No mesmo decreto previa-se a existência de reitoria, conselho universitário, corpos docente e discente, obrigação de cada universidade ter no mínimo três dos seguintes cursos: Medicina, Direito, Engenharia, Educação, Filosofia, Ciências e Letras. [...] A reforma do Ensino Secundário proporcionou que o mesmo fosse capaz de preparar o homem

9 Este período está sendo caracterizado como “Era Vargas” mesmo não tendo sido presidido, em sua

totalidade, por Getúlio Vargas. Ele está sendo assim identificado pelo fato de constituir-se de um período em que a sociedade brasileira se industrializa e urbaniza sob a direção de políticas estatais nacionalistas e de viés populista, numa pretendida política de alianças de classe. O interregno do governo de Eurico Gaspar Dutra, ou mesmo dos demais presidentes que sucederam Getúlio Vargas antes do período do regime militar, não produziu substancial mudança nas políticas públicas. O regime militar que se inaugura com o golpe de 1964 terá outro viés, caracterizado não somente pela repressão, mas especialmente pela subordinação aos interesses do capital internacional e por ações políticas excludentes.

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para o ensino superior e propiciar a formação do homem para todos os grandes setores da sociedade. Ficou estabelecido o regime seriado, com frequência obrigatória. O Grupo Escolar continuou com quatro anos de estudos; foi criado o primeiro ciclo do Ensino Secundário com duração de cinco anos, e o segundo ciclo, chamado de pré-universitário, tinha dois anos de estudos e habilitava para o ingresso no ensino superior (FRANCISCO FILHO, 2004, p. 87).

Em 1932, após conclusa a Conferência Nacional de Educação sem que seus membros conseguissem chegar a um consenso na elaboração de um projeto educacional para o país (conforme solicitado pelo presidente Getúlio Vargas), vinte e seis participantes do congresso encarregaram Fernando de Azevedo de escrever o que ficou sendo conhecido como “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”. Tal manifesto foi um ponto de partida para a elaboração do Plano Nacional de Educação e ainda é referenciado nos dias de hoje (BRASIL, 2014).

Segundo Palma Filho (2005), a Constituição Federal promulgada em 1934 veio ao encontro de muitas das questões levantadas no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. No plano educacional, a Constituição de 1934 adotou boa parte do ideário político educacional presente no “Manifesto dos Pioneiros”, consagrando todo um capítulo às questões educacionais. No entanto, algumas das conquistas alcançadas na Constituição Federal de 1934 foram perdidas na Constituição Federal de 1937.

Na Constituição Federal de 1937 um capítulo especial para a educação e a cultura é mantido. Entretanto, a obrigação do Estado em matéria de educação fica muito modesta. [...] Desaparece a exigência de um plano nacional de educação. A obrigação do poder público é, apenas, para aqueles que demonstrarem insuficiência de recursos para se manter numa escola particular. Nesse sentido, o ensino profissional passa a ser a principal obrigação do Estado em matéria de educação e destina-se as classes menos favorecidas. [...] Aquilo que na Constituição de 1934 era um dever do Estado passa, na Constituição de 1937, a uma ação meramente supletiva (PALMA FILHO, 2005, p. 94-95).

A partir do ano de 1942 foram publicados vários decretos-lei, conhecidos como Leis Orgânicas do Ensino. Segundo Palma Filho (2005), com essa legislação o governo explicitou firme intenção de estruturar o ensino técnico. A criação do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) foi uma maneira de incluir o empresariado nacional nessa proposta.

A ascensão industrial, o crescimento da população urbana e a necessidade de uma maior formação das camadas populares, foram determinantes para o direcionamento das atenções do governo na formação técnica profissionalizante. Era necessário suprir a forte demanda originada pelo crescimento industrial vigente, bem como incluir e capacitar o operariado que já sentia as consequências de um contexto ainda inicial de êxodo rural.

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Os Decretos Leis nº 4.073/1942 (que organizou o ensino industrial), 4.048/1942 (que instituiu o SENAI), 4.141/1943 (que reformou o ensino comercial), 8.621/1946 e 8.622/1946 (que criaram o SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), 9.613/1946 (que organizou o ensino agrícola), assim como a Lei nº 1.076/1950 (que instituiu a equivalência entre ensino técnico e secundário para fins de ingresso em cursos superiores), demonstram claramente que o foco principal do período foi o fortalecimento do ensino técnico profissionalizante, deixando a educação superior em um segundo plano.

Ainda segundo Palma Filho (2005), a Carta Constitucional de 1946 retomou muitas questões levantadas na Constituição de 1934 e que haviam sido revogadas na Constituição de 1937, como, por exemplo, a reafirmação da competência privativa da União em legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. O cumprimento deste dispositivo constitucional conduziu à elaboração do Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação que somente no ano de 1961 se converteria na primeira LDB brasileira, sob o nº de Lei 4.024.

A proposta da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira foi encaminhada ao poder legislativo em 1948, tendo sido aprovada somente no ano de 1961, ou seja, o projeto tramitou na câmara de deputados e no senado por treze anos. Os principais conflitos que motivaram esse longo caminho foram, substancialmente, a centralização ou descentralização da educação, o incentivo à iniciativa privada ou fortalecimento do ensino público gratuito. A disputa entre “Estatistas”, ligados aos partidos de esquerda, e “Liberalistas” ligados aos partidos de centro-direita e à igreja católica, buscava determinar os princípios filosóficos que serviriam como base para a elaboração da LDB. Os primeiros defendiam que só o Estado deveria educar, que escolas particulares poderiam existir, mas como uma concessão do poder público. Os segundos, por sua vez, sustentavam que o cidadão possuía direitos naturais e que não cabia ao Estado garanti-los ou negá-los, mas respeitá-los. Na opinião dos Liberalistas a educação seria um dever da família, detentora do poder de escolha entre uma variedade de opções de escolas, particulares ou públicas, cujas diretrizes do sistema educacional seriam traçadas pelo Estado.

A LDB de 1961 reforçou o modelo tradicional de instituições de educação superior vigente no País. Segundo Soares (2002), em termos organizacionais, a LDB manteve a cátedra vitalícia, as faculdades isoladas e a universidade composta por simples justaposição de escolas profissionais. Assegurou o direito a educação por meio do poder público e pela liberdade de iniciativa particular, desobrigando dos encargos da educação as famílias que comprovassem a insuficiência de meios para os alcançar. Sustentou uma maior preocupação com o ensino, sem focalizar o desenvolvimento de pesquisa. Concedeu autoridade ao

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Conselho Federal de Educação para autorizar e fiscalizar novos cursos de graduação, bem como deliberar sobre o currículo mínimo de cada curso superior. Dessa forma, fortaleceu a centralização do sistema de educação superior e assegurou ainda a representação estudantil nos colegiados universitários. Em sua maioria, a filosofia Liberalista prevaleceu sobre a Estatista.

Conforme descrito, muitas mudanças ocorreram no período de 1930 a 1964 no tocante ao processo educacional no Brasil. Grande parte das diretrizes educacionais vigentes foi delineada nesse período. O fortalecimento do ensino profissionalizante é considerado como um dos principais legados da Era Vargas. No entanto, é inegável que a ascensão da educação superior também tenha sido um fator característico do período. Segundo dados do Anuário Estatístico do Brasil – AEB (IBGE, 2013), no ano de 1933 foram realizadas, aproximadamente, 24 mil matrículas em cursos de educação superior no país. Já no ano de 1964 (período anterior ao regime militar), verificou-se o registro de, aproximadamente, 108 mil novas matrículas em cursos de educação superior, o que equivale a um aumento de, aproximadamente, 450%. Ainda considerando o descrito no Anuário Estatístico do Brasil, dos 1.310 cursos de graduação oferecidos no ano de 1964 no país, 616 deles eram oriundos de instituições públicas e 694 de instituições privadas. Com isso, o percentual de cursos oferecidos por instituições privadas já ultrapassava o de instituições públicas.

Outra característica marcante desse período foi o surgimento de movimentos e organizações sociais, com especial destaque para a UNE – União Nacional dos Estudantes, a qual passou a manter uma participação ativa na discussão da educação no âmbito nacional. Com o início do regime militar, em 1964, os movimentos sociais foram duramente perseguidos e as universidades passaram a sofrer uma ingerência direta do governo federal. A próxima seção deste capítulo contextualiza esse momento.

1.5 A EXPANSÃO DO SISTEMA DE EDUCAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA NOS GOVERNOS MILITARES (1964 A 1985)

O auge da guerra fria entre socialistas e capitalistas foi o plano de fundo para a ascensão dos militares ao poder no ano de 1964. A instabilidade política pós-renúncia de Jânio Quadros e a abertura às organizações sociais promovida por João Goulart causaram a preocupação das classes conservadoras quanto ao direcionamento do país para o lado socialista. No dia 13 de março, João Goulart realizou um grande comício na Central do Brasil, Rio de Janeiro, onde defendeu as Reformas de Base e prometeu mudanças radicais na

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estrutura agrária, econômica e educacional do país. Foi o estopim para o golpe militar, cujo regime foi instaurado no dia primeiro de abril de 1964 e perdurou até o ano de 1985.

O período foi marcado por uma forte ditadura à base da repressão. Segundo Milanesi (1998), é no contexto de repressão política que são lançadas as políticas sociais do governo militar, entre elas a política educacional, apesar da forte mobilização estudantil.

De acordo com Saviani (2008), o regime militar constituiu determinadas orientações educacionais para o Brasil cujos efeitos continuam impactando a situação social do país nos dias de hoje. No tocante à educação, os principais pontos citados foram: (a) vinculação da educação pública aos interesses e necessidades do mercado; (b) favorecimento da privatização da educação; (c) implantação de uma estrutura organizacional; e (d) institucionalização da pós-graduação.

Logo em seguida ao golpe militar, o Instituto de Estudos Políticos e Sociais (IPES), constituído por um grupo de empresários do eixo Rio-São Paulo e articulados com empresários multinacionais e com a Escola Superior de Guerra (ESG), organizaram uma série de fóruns com o intuito de discutir a reforma educacional. Essas discussões culminaram na aprovação da Lei da Reforma Universitária (Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968) e em uma nova versão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971), as quais direcionaram a educação pública aos interesses e necessidades do mercado. Entre as principais deliberações dessa reforma estão: a unificação do antigo primário com o antigo colegial criando o curso de 1º grau com oito anos, focado na realização de alguma atividade prática; direcionamento do ensino médio (2º grau) para a preparação dos profissionais necessários ao desenvolvimento econômico e social do país; e a atribuição à educação superior pela formação de mão de obra especializada e pela preparação do quadro de dirigentes do país (SAVIANI, 2008).

O favorecimento à iniciativa privada, especialmente na educação superior, pode ser considerado mais um legado do regime militar. A Constituição de 24 de janeiro de 1967 eliminou a vinculação orçamentária presente nas Cartas Magnas anteriores, que obrigava a União, os estados e os municípios a destinarem um percentual mínimo de recursos para a educação. Em consequência, o governo federal foi reduzindo progressivamente os recursos aplicados na educação. Em paralelo a isso, a Constituição de 1967 sinalizou claramente na direção do apoio à iniciativa privada, ao estipular no §2º do Art. 168 que “respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à iniciativa particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive bolsas de estudo”. Além disso, no §3º do mesmo artigo, foi relativizado o princípio da gratuidade da educação, presente em todas as Cartas

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Magnas anteriores: “sempre que possível, o Poder Público substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o posterior reembolso no caso de ensino de grau superior”.

De fato, ocorreu no período uma grande expansão do ensino superior. Entre 1964 e 1973, enquanto o ensino primário cresceu 70,3%; o ginasial, 332%; o colegial, 391%; o ensino superior foi muito além, tendo crescido no mesmo período 744,7%. O grande peso nessa expansão se deveu à iniciativa privada: entre 1968 e 1976, o número de instituições públicas de ensino superior passou de 129 para 222, enquanto as instituições privadas saltaram de 243 para 663. O significativo aumento da participação privada na oferta de ensino, principalmente em nível superior, foi possível pelo incentivo governamental assumido deliberadamente como política educacional (SAVIANI, 2008, p.300).

O número de matrículas, consequentemente, acompanhou o aumento da oferta de vagas. Segundo dados do Anuário Estatístico do Brasil – AEB - IBGE (2013), enquanto no ano de 1962 foram realizadas 107.963 matrículas em cursos de graduação, sendo 59.64% em instituições públicas e 40,36% em instituições privadas, no ano de 1984 esse número subiu para 1.399.539 matrículas, sendo 41% realizadas em instituições públicas e 59% realizadas em instituições privadas. O aumento no número de matrículas em cursos de graduação entre o período de 1962 a 1984 foi de aproximadamente 1.300%.

Outra questão herdada do regime militar foi a implantação de uma estrutura organizacional universitária, a qual se consolidou e continua em plena vigência. A separação entre curso e departamento, a matrícula por disciplinas e a adoção do regime de créditos semestral (ao invés do anual) foram as principais novidades.

Teoricamente, os meios, os conteúdos, as formas de produção e sistematização do saber, o aspecto científico, ficaram sob a jurisdição do departamento. Os objetivos, as finalidades, as formas de transmissão do saber, o aspecto pedagógico, a cargo da coordenação de curso. Paradoxalmente, acentuou-se o divórcio entre o ensino e a pesquisa, no momento mesmo em que a reforma proclamava sua indissociabilidade. [...] A estrutura universitária que nos foi legada pelo regime militar acarreta consideráveis dificuldades à qualidade do ensino, determinadas pelos seguintes fatores: eliminação das turmas/classes resultante da departamentalização aliada à matrícula por disciplina e ao regime de créditos, dificultando o trabalho dos professores junto aos alunos e desconsiderando as especificidades das diferentes carreiras profissionais na programação das disciplinas que integram os respectivos currículos; substituição do período letivo anual pelo semestral, reduzindo o tempo de trabalho pedagógico do professor com seus alunos, o que inviabiliza a superação das eventuais lacunas e dificulta a assimilação efetiva, pelos alunos, dos conhecimentos constitutivos das disciplinas consideradas indispensáveis à sua formação (SAVIANI, 2008, p. 305 e 307).

O último ponto citado por Saviani (2008) foi a institucionalização da pós-graduação, sendo direcionada estrategicamente para uma perspectiva de modernização da sociedade brasileira por meio do desenvolvimento científico e tecnológico. A estrutura organizacional

Referências

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