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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA - MG Rodrigo Otoni Nogueira. ESTUPRO DE VULNERÁVEIS Uma análise do consentimento dos vulneráveis e seu reflexo na esfera penal.. Monografia de conclusão de curso apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito da obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Pablo Farias Souza Cruz. Juiz de Fora 2010.

(2) Rodrigo Otoni Nogueira. ESTUPRO DE VULNERÁVEIS Uma análise do consentimento dos vulneráveis e seu reflexo na esfera penal.. Monografia de conclusão de curso apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito da obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Pablo Farias Souza Cruz. Banca Examinadora Aprovada em:__/__/__ ___________________________________ Prof. Pablo Farias Souza Cruz (Orientador) ___________________________________ Prof.ª Letícia Fonseca Paiva Delgado ___________________________________ Prof. Abdala Daniel Curi. Data: 26/11/2010 Juiz de Fora 2010.

(3) Dedicatória Dedico este estudo primeiramente aos meus pais, pois toda a ajuda que me deram ao longo do curso permitiu que chegasse ate aqui. Dedico. também. aos. mestres. que. me. ensinaram muito do pouco que sei sobre Direito. E dedico aos amigos de turma que estiveram presentes e que me acompanharam nesta jornada, compartilhando as angustias e conquistas. Por fim, dedico a todos aqueles que de alguma forma auxiliaram no meu aprendizado..

(4) RESUMO. O presente trabalho tem por finalidade analisar o estupro de vulnerável introduzido no ordenamento jurídico penal brasileiro pela Lei 12.015/2009, partindo da ótica da capacidade de consentir dos vulneráveis e sua interpretação à luz de princípios penais e constitucionais. Ao iniciar os estudos, passamos pelas legislações que trataram de forma direta ou indireta do assunto focando a análise na nova lei recentemente criada. A princípio, devemos nos ater à natureza jurídica de tal consentimento e a forma como ele pode influenciar a aplicação da lei penal. A partir de então, analisamos como a capacidade de consentir se aplica em cada uma das hipóteses do referido artigo não nos esquecendo de mencionar como a forma de interpretação pode refletir no cotidiano dos aplicadores do direito penal.. Palavras. chave:. Crimes. Sexuais.. Estupro. de. Vulnerabilidade. Princípios Penais e Constitucionais.. Vulnerável.. Consentimento..

(5) SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................................6 CAPÍTULO 1 - OS CRIMES SEXUAIS E A PROTEÇÃO DOS VULNERÁVEIS......11 1.1 - DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES: PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA NO CÓDIGO PENAL DE 1940.........................................................................................14 1.2 - DOS CRIMES CONTRA DIGNIDADE SEXUAL: CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEIS E O ARTIGO 217-A INTRODUZIDO PELA LEI 12.015/2009..........18 CAPÍTULO 2 - NATUREZA JURÍDICA DO CONSENTIMENTO DOS VULNERÁVEIS..........................................................................................................22 CAPÍTULO 3 - REPERCUÇÃO DA VALIDADE DO CONSENTIMENTO NAS HIPÓTESES DO ARTIGO 217-A DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO....................25 3.1 - O CONSENTIMENTO DOS INDIVÍDUOS MENORES DE 14 (QUATORZE) ANOS.........................................................................................................................25 3.2 - O CONSENTIMENTO DAQUELES QUE POSSUEM ALGUMA ENFERMIDADE OU DOENÇA MENTAL..............................................................................................29 3.3 - O CONSENTIMENTO DAQUELES QUE NÃO PODEM OFERECER RESISTÊNCIA............................................................................................................30 CAPÍTULO 4 - INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 217-A À LUZ DOS PRINCÍPIOS PENAIS E CONSTITUCIONAIS................................................................................32 CONCLUSÃO............................................................................................................39 REFERÊNCIAS..........................................................................................................41.

(6) 6. INTRODUÇÃO. A sexualidade humana sempre foi tratada como um assunto tabu ao longo de todas as épocas. Discutir as diversas formas de interação sexual e seu reflexo nas relações cotidianas sempre foi visto com certa desconfiança pela sociedade muitas vezes enrustida de uma moral religiosa quase inabalável. Porém, percebe-se ao longo das últimas décadas que ignorar as discussões a respeito do tema não tem sido a melhor escolha visto que as alterações de comportamento ocorrem rapidamente e que, dessa maneira, ou a lei acompanha as mudanças impostas pela sociedade ou torna-se obsoleta e sem qualquer aplicação. O legislador brasileiro, a fim de tentar adequar o velho Código Penal Brasileiro (CPB) de 1940 à realidade hoje vivida pela sociedade, editou a Lei 12.015 de 7 agosto de 2009. A nova legislação veio para tentar ajustar o velho CPB às transformações sociais ocorridas ao longo de mais de sete décadas, além de permitir uma maior adequação entre o Código Penal e a Constituição Federal de 1988. O Título VI do Código Penal, com nova redação dada pela Lei acima mencionada, passou a se chamar Crimes Contra a Dignidade Sexual, em contraposição à antiga redação Crimes Contra os Costumes. Isso reflete uma mudança quanto ao entendimento dos bens jurídicos à que a Lei pretende proteger. Agora, não se trata mais de proteger puramente o comportamento sexual das pessoas, mas sim sua dignidade sexual. Com isso, a fim de dar ao artigo 217-A do Código Penal Brasileiro, recentemente introduzido no ordenamento pela lei em epígrafe a melhor interpretação de acordo com os ditames precursores do direito penal e constitucional, o objeto do presente trabalho é o estudo sobre como a validade do consentimento das pessoas consideradas pela lei inaptas a manifestar aquiescência com o ato sexual pode interferir na aplicação da lei penal. A hipótese jurídica parte da idéia de que não se pode desconsiderar de forma absoluta a capacidade de consentir das pessoas consideradas vulneráveis sob pena de se afastar do verdadeiro comando normativo previsto pelo legislador ao criar o novo tipo..

(7) 7. As relações sexuais humanas sempre foram tema de debate e de alguma forma sempre tiveram seu lugar de destaque dentro das ciências jurídicas, em especial dentro dos estudos desenvolvidos na esfera penal. Contudo, existe uma linha tênue entre comportamentos que devem ser objeto de análise e estudo do Direito Penal e aqueles nos quais não há qualquer importância para o ordenamento jurídico repressivo. Nesses casos, devemos fazer uma distinção entre valores sociais que acarretam na busca da proteção de determinados bens jurídicos e que realmente carecem de proteção do ordenamento penal, daqueles comportamentos puramente imorais, mas que, a rigor, não ofendem qualquer bem jurídico penalmente relevante. Assim, assinalou Toledo (2007, p.16 apud Welzel) que “bem jurídico é, pois, toda situação social desejada que o direito quer garantir contra lesões”. Frise-se, contudo, que não são todos os bens carecedores de tutela penal. O Direito Penal possui um caráter limitado. Isso se deve a dois aspectos inerentes a esse ramo da ciência jurídica: “primeiro, o da subsidiariedade de sua proteção a bens jurídicos; segundo, o dever de estar condicionada a sua intervenção à importância ou gravidade da lesão, real ou potencial.” 1 As considerações a respeito de quais condutas devem ou não ser consideradas para fins de proteção do Direito e quais bens carecem de proteção variam não somente de sociedade para sociedade, mas também dentro da própria sociedade ao longo dos tempos. Assim, para definirmos o papel do Direito Penal na proteção dos comportamentos sexuais existentes na sociedade contemporânea, devemos nos ater a dois aspectos relevantes. Primeiramente, a idéia do bem jurídico penalmente tutelado e sua correta identificação. Segundo, aos princípios norteadores do diploma repressor, limitadores à aplicação da lei penal. Somente a partir dessas considerações, pode-se determinar com precisão o objeto de proteção da norma e, conseqüentemente, a melhor forma de interpretar a lei penal sexual no que tange ao consentimento da vítima. Durante muito tempo discutiu-se qual seria o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal quando da aplicação dos tipos que criminalizavam condutas sexuais repudiadas pela sociedade. Acreditava-se inicialmente que a proteção da liberdade 1. TOLEDO, Francisco de Assis Toledo, Princípios Básicos de Direito Penal, São Paulo, Saraiva, 2007, p.14..

(8) 8. sexual não seria o único bem tutelado, mas também a moral e os bons costumes seriam objeto de tutela deixando à margem da discussão a liberdade do individuo de, dentro do exercício de sua autonomia, dispor do corpo para a prática de relações sexuais. Analisando o bem jurídico penalmente tutelado nos crimes de natureza sexual, Rossi e Greco (2010, p.53) afirmam que “a liberdade sexual tem sido o bem jurídico aventado pela doutrina moderna como sendo o único digno de tutela nos crime sexuais, por não apresentar qualquer conotação moral”. O segundo aspecto a ser observado são os limites impostos pelo próprio Direito Penal à proteção dos bens juridicamente relevantes, limites estes traduzidos em princípios norteadores da aplicação da lei penal. O primeiro princípio no qual deve ser pautar o intérprete ao aplicar a lei repressora é o princípio da Intervenção Mínima. Esse princípio, (...) também conhecido como ultima ratio orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem Jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável.2. Segundo principio de grande importância é o da Ofensividade. Ele diz que não deve o Direito Penal ser utilizado para a resolução de todo e qualquer entrave social, devendo ser chamado a resolver somente problemas e conflitos de maior relevância, que realmente atentem contra a sociedade. Outro princípio de extrema relevância para o desenvolvimento do presente estudo é o princípio da Adequação Social. Segundo Bitencourt (2007, p.13 apud Welzel): (...) o Direito Penal tipifica somente condutas que tenham uma certa relevância social; caso contrário, não poderiam ser delitos. Deduz-se, conseqüentemente, que há condutas que por sua “adequação social” não podem ser consideradas criminosas. Em outros termos, segundo esta teoria, as condutas que se consideram “socialmente adequadas” não podem constituir delitos e, por isso, não se revestem de tipicidade.3. 2. 3. BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 13. Idem, Ibidem, p. 19..

(9) 9. Os princípios acima elencados, e outros que ainda serão colocados, serão de grande valia para a compreensão do trabalho a ser desenvolvido, vez que coadunam com interpretação que acreditamos ser a mais correta se levarmos em consideração as regras e princípios insculpidos na Constituição Federal. Com o intuito de se definir a melhor forma de interpretação do tipo, deve-se levar em consideração não somente o texto frio da lei, mas também a finalidade que se deseja alcançar com o comando normativo exarado. Dessa forma, ao se interpretar o artigo 217-A introduzido pela recém-promulgada Lei 12.015/2009, devese observar atentamente a vontade do legislador e identificar com precisão o bem jurídico tutelado. Só assim será possível alcançar a melhor e mais justa maneira de aplicar o novo tipo penal. Caso contrário, se interpretarmos a nova legislação com os olhos voltados somente a atender clamores sociais, sem definir com clareza o bem jurídico e os fins a que se destina a tipificação de tais ações, poderemos gerar graves problemas na aplicação da lei em virtude da distorção entre o comando normativo e a realidade social vivida no país. No que tange ao método de abordagem do presente trabalho, será o dedutivo, procurando coadunar a interpretação do tipo em estudo com todo o sistema penal e constitucional vigente. O tipo de investigação utilizado será o jurídico-teórico, procurando-se expor e enfrentar as posições teóricas face à realidade social vivida no País. No primeiro capítulo deste trabalho foi feita uma breve análise sobre as legislações penais que se basearam de forma direta ou indireta na capacidade de consentimento para a elaboração de tipos penais sexuais, abordando de forma um pouco mais aprofundada o Código Penal de 1940 e a recente alteração promovida pela lei 12.015 de 7 de agosto de 2009. No capítulo seguinte trataremos sobre a natureza jurídica do consentimento e aspectos relacionados ao consentimento da vítima no Direito Penal Sexual4, abordando as diversas posições doutrinárias a respeito do tema bem como a possibilidade de validação do consentimento das vítimas vulneráveis nos atos sexuais por elas e com elas praticados. 4. GRECO, Alessandra Orcesi Pedro. RASSI, João Daniel. Crimes Contra Dignidade Sexual, São Paulo, Atlas, 2010, p.22..

(10) 10. O capítulo três traz as implicações sobre como a validade de consentimento pode influir na aplicação do novo tipo penal introduzido no ordenamento brasileiro, podendo, até mesmo, gerar um efeito contrário ao desejado, acabando por prejudicar aqueles indivíduos aos quais o novo tipo pretende dar maior proteção. Por fim, o quarto capítulo pretende analisar a melhor forma de interpretar o tipo penal à luz de princípios penais e, sobretudo, constitucionais, de forma a garantir uma interpretação conforme a constituição. Destarte, pretende-se propor aos aplicadores da lei penal e juristas em geral, uma forma de analisar o artigo 217-A, recentemente introduzido no ordenamento jurídico penal brasileiro, levando-se em consideração a capacidade de consentir de tais pessoas, a fim de fazer uma interpretação conforme os ditames penais e constitucionais visando garantir de forma eficiente e justa aplicação do novo tipo penal..

(11) 11. 1. OS CRIMES SEXUAIS E A PROTEÇÃO DOS VULNERÁVEIS Os crimes sexuais sempre foram tema de estudo em todas as legislações penais pátrias e estrangeiras, levando a discussões intermináveis sobre a proteção da liberdade sexual dos indivíduos entendidos como incapazes de consentir com atos sexuais. Nesses casos, entendeu o legislador que os vulneráveis são pessoas que não teriam capacidade de consentir validamente com o ato sexual ou mesmo de oferecer qualquer resistência contra a sua prática. O primeiro ponto importante a ser considerado é que não se pode confundir a idade de consentimento para a prática de atos sexuais com outros limites etários estabelecidos, tais como, idade para casar, maioridade penal, maioridade civil ou até mesmo emancipação de menores. Cada um desses institutos prevê diferentes idades para o tratamento adequando aos fins de que destinam. No Brasil, o Código Penal do Império foi pioneiro ao tipificar a conduta em estudo de forma assemelhada à redação dada ao artigo 217-A do Código Penal. Assim previa o artigo em comento daquele diploma repressivo: Art. 219. Deflorar mulher virgem, menor de 17 anos. Penas - de desterro para fora da comarca, em que residir a deflorada, por um a três annos, e de dotar a esta. Seguindo-se o casamento, não terão lugar as penas.. Contudo, o Código Penal de 1890 foi o primeiro a tratar de forma explícita sobre a proteção de pessoas consideradas inaptas a consentir com o ato sexual, introduzindo a questão da presunção de violência, considerando como incapazes de manifestar anuência apenas pessoas menores de 16 (dezesseis) anos de idade, não fazendo qualquer menção a outra categoria de indivíduos nessa situação. A presunção pode existir de duas formas: absoluta e relativa. A presunção absoluta (iuris et de iure) pode ser definida como aquela na qual não é possível a produção de prova em contrário. Já a presunção relativa (iuris tantum) permite a produção de prova que vise contestar o fato descrito. Nesse contexto, durante muito tempo, entendeu-se que o legislador de 1940 teria optado pela presunção absoluta, com fins de proteger aqueles considerados inaptos de manifestar aquiescência com a prática do ato. Desse modo, cunhou-se a expressão violência ficta para referir-se a tais casos nos quais mesmo não havendo violência real, deve-se considerar como se dessa maneira houvesse ocorrido..

(12) 12. O Código Penal de 1940, aprimorando o instituto da legislação anterior, manteve a presunção de violência no ordenamento jurídico penal pátrio acrescentando outras duas categorias de indivíduos sobre os quais recairia a presunção e modificando, no que tange à idade, a hipótese já existente. Assim, no Código Penal de 1940, eram considerados vulneráveis a vítima não maior de 14 (quatorze) anos, alienada ou débil mental ou impossibilitada de oferecer resistência. Hoje, após a modificação feita pela lei 12.015/2009, tais hipóteses de presunção permaneceram no ordenamento com pequenas modificações. A exposição de motivos do Código Penal de 1940 demonstra o pensamento do legislador ao tratar sobre o assunto, demonstrando sua preocupação com o tema, levando-se em consideração as mudanças pelas quais passava a sociedade da época: Com a redução do limite de idade, o projeto atende à evidência de um fato social contemporâneo, qual seja a precocidade no conhecimento dos fatos sexuais. O fundamento da ficção legal de violência, no caso dos adolescentes, é a innocentia cosilii do sujeito passivo, ou seja, a sua completa insciência em relação aos fatos sexuais de modo que não se pode dar valor algum ao seu consentimento. Ora, na época atual, seria abstrair hipocritamente a realidade ao negar-se que uma pessoa de 14 (catorze) anos completos já tem uma noção teórica, bastante exata, dos segredos da vida sexual e do risco que corre se se presta à lascívia de outrem. Estendendo a presunção de violência. Estendendo a presunção de violência aos casos em que o sujeito passivo é alienado ou débil mental, o projeto obedece ao raciocínio, de que, também aqui, há ausência de consentimento válido, e ubi eadem ratio, ibi eadem dispositio. Por outro lado, se a incapacidade de consentimento faz presumir a violência, com maior razão deve ter o mesmo efeito o estado de inconsciência da vitima ou sua incapacidade de resistência resultante de causas mórbidas (enfermidade, grande debilidade orgânica, paralisia, etc.) ou de especiais condições físicas (como quando o sujeito passivo) é um indefeso aleijado, ou se encontra acidentalmente tolhido de movimentos).. No ordenamento penal brasileiro e também estrangeiro, das três hipóteses de presunção de violência, a mais discutida diz respeito à que trata sobre a incapacidade de consentir dos menores de idade, considerando-se, como já dito, não a maioridade penal, mas sim a maioridade que nos permite entender como válida a capacidade de consentimento. Diversas são as formas de tratar a questão, levando-se em consideração não somente aspectos biológicos, mas também aspectos psicológicos do ofendido..

(13) 13. Assim, algumas legislações como a brasileira, portuguesa, espanhola, dentre outras, acabaram por adotar o critério biológico, fixando uma idade limite para que ocorra a presunção de violência. Outras, tais como a legislação do Cantão de Zurique, adotam o critério da idade não amadurecida, cabendo ao juiz analisar o caso concreto e, se julgar necessário, aplicar a pena correspondente.5 Partindo do histórico acima apresentado, percebe-se que o legislador procurou criar e manter no ordenamento a presunção com fins de proteção, devendo o interprete considerá-la, então, absoluta. Em tais casos, entendeu não haver espaço para discussões, presumindo-se que o ato foi violento, independente de qualquer outra análise. A lei 12.015/2009, a mais recente a tratar sobre o assunto no Brasil, modificou o enfoque dado ao assunto ao suprimir o artigo 224 do Código Penal que se referia às hipóteses em análise como casos de presunção de violência ou violência ficta. Com isso, discute-se agora se ainda podemos considerar a presunção ao analisar o tipo ou se tal discussão seria morta vez que o legislador teria optado por simplesmente criminalizar de forma absoluta qualquer ato sexual praticado em desfavor daqueles considerados vulneráveis pela lei vigente, passando-se agora a falar em elemento objetivo do tipo6. Assim, com a nova redação, a simples prática do núcleo verbal seria suficiente para a adequação típica da conduta, não sendo permitida qualquer análise concreta das peculiaridades do caso. Se esse for esse o entendimento, não haverá qualquer espaço para debate sobre a validade do consentimento dessas pessoas consideradas vulneráveis pela legislação, o que teria sérias implicações na interpretação e aplicação do novo tipo em comento.. 5 6. GUSMÃO, Crysólito de. Dos crimes sexuais, Rio de Janeiro, 4ª edição, 1920, p. 129.. No tocante ao tipo podemos falar em elementos objetivos e subjetivos. A questão aqui discutida se restringe aos elementos objetivos. Elementos objetivos seriam referentes ao aspecto material do fato, sendo eles o objeto do crime, o lugar, o tempo, os meios empregados, o núcleo (verbo), etc. Tais elementos dividem-se em descritivos e normativos. Os descritivos são aqueles que têm a finalidade de traduzir o tipo penal, podendo ser interpretados sem necessidade de um juízo de valor; já os elementos normativos são aqueles criados e traduzidos por uma norma ou que, para sua efetiva compreensão necessitam de uma valoração por parte do intérprete..

(14) 14. 1.1 DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES: PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA NO CÓDIGO PENAL DE 1940. O Código Penal de 1940 previa a possibilidade de punição daqueles que praticassem atos sexuais, independentemente de que atos fossem, com pessoas consideradas impossibilitadas, por qualquer dos motivos elencados no artigo 224 do Código Penal, de oferecer resistência ou mesmo de consentir com a prática de tais relações. Contudo, não existia como hoje há, um tipo único que elencasse tais possibilidades, chegando-se a tal entendimento a partir da conjugação de diversos tipos penais. Assim, para reconhecer que a norma tinha como fim proibir a prática de atos sexuais com menores de 14 (quatorze) anos, alienados ou débeis mentais ou quaisquer outras pessoas que não pudessem, por qualquer outra causa, oferecer resistência, era necessário combinar a leitura do artigo 224 do Código Penal com algum outro tipo que descrevesse determinada conduta contra os costumes, surgindo assim, o comando normativo esperado. A redação, do hoje revogado artigo 224, assim dizia: Presunção de Violência Art. 224. Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de 14 (catorze) anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.. Nesses casos, entendia considerável parte da doutrina e jurisprudência, ao interpretar o comando normativo, que a presunção seria absoluta, não havendo qualquer possibilidade de consideração da aquiescência da vítima com ação praticada pelo ofensor. Assim, estaríamos diante não da ocorrência de violência real, mas sim de violência presumida. A primeira seria caracterizada por haver resistência da vítima ao ato praticado, tendo ela externado real discordância para com a prática da relação. No entendimento do legislador, os atos sexuais praticados contra os indivíduos elencados no artigo 224 do CP não teriam a necessidade de ocorrer com violência real, vez que devido às condições especiais elencadas no artigo, elas não.

(15) 15. poderiam manifestar qualquer tipo de resistência ou contrariedade a pratica do ato sexual. Teríamos assim, a violência presumida. Nessas situações entendia-se que, segundo o Desembargador Tadeu Costa, “a incapacidade das vítimas em consentir faria nascer um dever absoluto de abstenção aos destinatários da norma, sendo até mesmo irrelevantes a iniciativa ou a provocação das mesmas vítimas para o ato sexual.” 7 Durante muito tempo debateu-se sobre as hipóteses de presunção existentes e a real vontade do legislador ao presumir a violência. Muitas discussões foram travadas por doutrinadores e aplicadores do Direito, vez que parte considerável dos juristas entendia ser a presunção relativa, ou seja, não haveria violência presumida devendo tal circunstância ser analisada no caso concreto. A presunção dava aos órgãos acusadores a cômoda posição de não ter que produzir quaisquer tipos de provas quanto à materialidade da violência real, bastando à descrição da conduta típica, o que conduzia à violação de diversos princípios constitucionais. Assim, nenhuma possibilidade de defesa restaria, vez que a simples prova da ocorrência do ato seria suficiente para uma condenação. Contudo, diversos doutrinadores passaram a entender a presunção do artigo 224 como sendo relativa. Segundo Paulo Rangel (2007, p.434), (...) trabalhar com a idéia de que, só porque a lei não fala em prova em contrário, a presunção é absoluta, é erro grave e desconhecimento dos postulados garantidores do devido processo legal: o contraditório, a verdade processual e o livre convencimento do juiz.8. A discussão se dava, basicamente, no que diz respeito à capacidade das pessoas elencadas nas alíneas do tipo penal de manifestar sua vontade. A interpretação gerava dúvidas, vez que o artigo em comento, devendo ser analisado juntamente como outros previstos no ordenamento penal, abria margem para discussão sobre determinadas situações nas quais tais pessoas teriam livremente, agindo dentro de sua liberalidade, consentido com o ato. A redação do artigo 213 do Código Penal, que não sofreu alteração quanto ao núcleo verbal, tendo o legislador conservado o verbo constranger em sua estrutura típica, é “utilizado no sentido de forçar, obrigar, subjugar a vítima ao ato sexual” 9. 7. TJPR - Acórdão 10594 - Ap. Criminal. - 1ª Câmara Criminal - Rel. Des. Tadeu Costa - DJ 11.05.1988. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007, p. 434. 9 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Niterói, Impetus, 2010, p.450. 8.

(16) 16. Assim, “para que se possa configurar o delito em estudo é preciso que o agente atue mediante o emprego de violência ou de grave ameaça. Violência diz respeito à vis corpolis, vis absoluta, ou seja, a utilização de força física, no sentido de subjugar a vítima, para que com ela possa praticar a conjunção carnal (...)” 10. Como poderíamos então falar na existência de violência nos casos nos quais houve manifesto consentimento da vítima para com o ato? As discussões a respeito do tema chegaram a mais alta corte do País, e em 1996, sendo relator o Ministro Marco Aurélio, ao julgar um Habeas Corpus, o STF se manifestou sobre o tema: (...) A pouca idade da vítima não é molde a afastar o que confessou em juízo, ou seja, haver mantido relações sexuais com o paciente por livre e espontânea vontade. O quadro revela-se realmente estarrecedor porquanto se constata que menor, contando apenas com doze anos, levava vida promíscua, tudo conduzindo à procedência do que articulado pela defesa sobre a aparência de idade superior aos citados doze anos. A presunção de violência prevista no artigo 224 do Código Penal cede à realidade. Até porque não há como deixar de reconhecer a modificação de costumes havida, de maneira assustadoramente vertiginosa, nas últimas décadas, mormente na atual quadra. Os meios de comunicação de um modo geral e, particularmente, a televisão, são responsáveis pela divulgação maciça de informações, não as selecionado sequer de acordo com medianos e saudáveis critérios que pudessem atender às menores exigências de uma sociedade marcada pelas dessemelhanças. Assim, é que, sendo irrestrito o acesso à mídia, não se mostra incomum reparar-se a precocidade com que as crianças de hoje lidam, sem embaraços quaisquer, com assuntos concernentes à sexualidade, tudo de uma forma espontânea quase natural. Tanto não se diria nos idos dos anos 40, época em que exsurgia, glorioso e como símbolo da modernidade e liberalismo, o nosso vestusto e ainda vigente Código Penal. Àquela altura, uma pessoa que contasse doze anos de idade era de fato considerada criança e, como tal, indefessa e despreparada para os sustos da vida (...).. Continuado a exposição, foi enfático o Ministro ao entender que a sociedade passou por muitas mudanças e que para considerar uma pessoa incapaz de consentir com o ato sexual, deveria ser patente a ingenuidade e desconhecimento, ao menos teórico, sobre a prática de relações sexuais. Continuando a exposição, acentuou o Relator: Ora, passados mais de cinqüenta anos - e que anos: a meu ver, correspondem, na historia da humanidade, a algumas dezenas de séculos bem vividos -, não se há de igualar, por absolutamente inconcebível, as duas situações. Nos nossos dias, não há crianças, 10. Idem, Ibidem..

(17) 17. mas moças de doze anos. Precocemente amadurecidas, a maioria delas já conta com discernimento bastante para reagir ante eventuais adversidades, ainda que não possuam escala de valores definida a ponto de vislumbrarem toda sorte de conseqüências que lhes pode advir. (...) Portanto, é de se ver que já não socorrem à sociedade os rigores de um Código ultrapassado, anacrônico e, em algumas passagens, até descabido porque não acompanhou a verdadeira revolução comportamental assistida pelos hoje mais idosos. Com certeza, o conceito de liberdade é tão discrepante daquele de outrora que só seria comparado aos que norteavam antigamente a noção de libertinagem, anarquia, cinismo e desfaçatez (...). Alfim, cabe uma pergunta que, de tão obvia, transparece à primeira vista como que desnecessária, conquanto ainda não devidamente respondida: a sociedade envelhece: as leis não? Ora, enrijecida a legislação - que ao invés de obnubilar a evolução dos costumes, deveria acompanhá-la, dessa forma protegendo-a -, cabe ao interprete da lei o papel de arrefecer tanta austeridade, flexibilizando, sob o ângulo literal, o texto normativo, tornando-o, destarte, adequado e oportuno, sem o que o argumento da segurança transmuda-se em sofisma e servirá, ao reverso, ao despotismo inexorável dos arquiconservadores de plantão, nunca a uma sociedade que se quer global, ágil e avançada - tecnológica, social e espiritualmente (...). 11. Diversas vozes se levantaram contra a interpretação que presumia a violência, ao argumento de que violaria a presunção de inocência, principio constitucional norteador de todo o Direito Penal. Assim, estava-se diante do choque entre duas presunções. A primeira delas, a presunção de violência, insculpida no artigo 224 do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940), legislação infraconstitucional, confeccionada antes da promulgação da nova constituição. A segunda, a presunção de inocência, princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, insculpido no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 05 de outubro 1988. Diante desse choque e de tudo o que foi acima exposto, partindo-se de prevalência hierárquica da norma emanada pela Constituição Federal sobre as legislações ordinárias, optou-se por relativizar a presunção prevista no artigo 224 do CP, passando-se a entender tal presunção como iuris tantum. Contudo, mesmo diante do entendimento da suprema corte deste País, os tribunais pátrios continuaram divergindo a respeito do tema, ora considerando a presunção como absoluta, ora considerando como relativa. 11. HC 73662-9-MG - j. 21.05.1996, 2ª Turma - Relator Min. Marco Aurélio - DJU 20.09.1996..

(18) 18. Assim, com o fim de acabar com a discussão, entendeu por bem o legislador editar a Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, com o fim de dirimir qualquer discussão. Porém, como será demonstrado, a medida não pôs fim à controvérsia.. 1.2 DOS CRIMES CONTRA DIGNIDADE SEXUAL: CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEIS E O ARTIGO 217-A INTRODUZIDO PELA LEI 12.015/2009. A atual mudança legislativa trouxe, com a introdução do artigo 217-A em nosso ordenamento jurídico penal, o delito intitulado Estupro de Vulnerável. Abaixo, segue transcrito o tipo penal em comento: Estupro de Vulnerável Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de (14) catorze anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. §1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. §2º (VETADO) §3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. 4º§ Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.. O artigo acima mencionado não foi completamente inovador no tratamento do assunto, reproduzindo muito da antiga redação. É possível perceber que o legislador brasileiro ao reformar o Código Penal de 1940 criou tal figura em substituição às hipóteses de presunção de violência existentes no revogado artigo 224 do Código Penal. São considerados vulneráveis os menores de 14 anos, as pessoas que por enfermidade ou deficiência mental, não tem o discernimento para a prática do ato, ou que por qualquer outra causa, não possam oferecer resistência. Ou seja, são assim consideradas, de uma forma geral, as pessoas que não conseguem, de forma livre e consciente, manifestar aquiescência com a prática, por elas ou com elas, de qualquer tipo de relação sexual. Segundo Nucci (2010, p.33), devemos dar maior atenção às pessoas que não podem, de alguma forma, exprimir seu consentimento na realização do ato. Assim:.

(19) 19. A tutela no campo sexual estende-se, com maior zelo, em relação às pessoas incapazes de externar seu consentimento racional e seguro de forma plena. Para essas situações, não se pode pretender a tipificação perfeita no modelo comum de estupro, que significa ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso, com violência ou grave ameaça. Afinal, as pessoas incapazes podem relacionar-se sexualmente sem qualquer coação física, porém, teria ocorrido uma coação psicológica, diante do estado natural de impossibilidade de compreensão da seriedade do ato realizado.12. Dessa forma, o caput do artigo 217-A traz a primeira hipótese de ocorrência do estupro de vulnerável, considerando nesses termos a vítima menor de 14 (quatorze) anos. No primeiro parágrafo foram previstas outras causas nas quais a vítima encontra-se em estado de fragilidade/vulnerabilidade, ou seja, aquelas que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou a que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Defendem alguns doutrinadores pátrios que tal mudança sepultou de uma vez por todas a discussão sobre a presunção de violência, vez que agora, por uma opção de política criminal, o legislador quis, de forma enfática, proibir qualquer prática sexual não somente com menores de 14 anos, mas também com pessoas que possuem algum tipo de doença mental e aqueles em que, em determinadas situações, não possuem discernimento para consentir com o ato. Diversos são os argumentos sustentados pelos doutrinadores que defendem o fim da discussão sobre a presunção afirmando agora não haver qualquer espaço para dúvidas. Nesse sentido, ressalta Greco (2010, p.512), ao transcrever parcialmente a Justificação ao projeto que culminou com a edição da Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009, quando diz que: (...) o art. 217-A, que tipifica o estupro de vulneráveis, substitui o atual regime de presunção de violência contra a criança ou adolescente menor de 14 anos, previsto no art. 224 do Código Penal. Apesar de poder a CPMI advogar que é absoluta a presunção de violência de que trata o art. 224, não é esse o entendimento em muitos julgados. O projeto de reforma do Código Penal, então, destaca a vulnerabilidade de certas pessoas, não somente crianças e adolescentes com idade até 14 anos, mas também a pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não possuir discernimento para a prática do ato sexual, e aquela que não pode, por qualquer motivo, oferecer 12. NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes Contra Dignidade Sexual, São Paulo, RT, 2010, p.33..

(20) 20. resistência; e com essas pessoas considera como crime ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso; sem entrar no mérito da violência e sua presunção. Trata-se de objetividade fática.. Dessa forma, antes de passarmos à discussão sobre o consentimento dos vulneráveis e a manutenção da presunção de violência no ordenamento penal, devemos analisar a estrutura do tipo para constatarmos as mudanças realmente existentes. De acordo com a redação do caput do artigo 217-A, podemos encontrar os seguintes elementos: a) ter conjunção carnal; b) ou praticar qualquer outro ato libidinoso; c) com pessoa menor de 14 (catorze anos). No que diz respeito aos elementos caracterizadores do caput do tipo penal em estudo, Greco (2010, p. 514) afirmou que: O núcleo ter, previsto pelo mencionado tipo penal, ao contrário do verbo constranger, não exige que a conduta seja cometida mediante violência ou grave ameaça. Basta, portanto, que o agente tenha, efetivamente, conjunção carnal, que poderá até mesmo ser consentida pela vítima, ou que com ela pratique outro ato libidinoso. Na verdade, esses comportamentos previstos pelo tipo penal podem ou não terem sido levados a efeito mediante o emprego de violência ou grave ameaça, característicos do constrangimento ilegal, ou praticados com o consentimento da vítima. Nessa última hipótese, a lei desconsidera o consentimento de alguém menor de 14 (catorze) anos, devendo o agente, que conhece a idade da vitima, responder pelo delito de estupro de vulnerável.. Contudo, o tipo visa não somente a proteção dos menores de 14 (quatorze) anos. Consideram-se vulneráveis também pessoas que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário para o discernimento para a prática do ato. Nesse caso, devemos ter muito cuidado ao considerar a definição de enfermidade e deficiência mental. Devem-se considerar somente aqueles casos em que tais condições venham realmente impedir que pessoas com tais características não possam consentir com os atos sexuais por elas e com elas praticados. É importante observar que o legislador preocupou-se em padronizar os conceitos adotados pelo Código Civil de 2002 e a nova redação dada ao artigo 217A do Código Penal. O revogado artigo 224 falava em alienação e debilidade mental..

(21) 21. Diferentemente, o artigo em análise passou a adotar as expressões enfermidade e deficiência mental. A terceira hipótese de vulnerabilidade prevista pelo ordenamento penal diz respeito à incapacidade de oferecer resistência. Tal incapacidade poderia decorrer de causas mórbidas, ou seja, enfermidades, paralisia, etc., ou mesmo de condições físicas que impedissem a pessoa de consentir, como por exemplo, quando o sujeito encontra-se, por motivos acidentais, impedido de opor resistência ao ato. É possível citar como exemplo o caso do médico que sedava seus pacientes e com eles praticava atos libidinosos ou mesmo naquelas situações nas quais determinada mulher encontra-se embriagada de tal forma que não pode manifestar qualquer anuência com a prática do ato sexual (embriaguez letárgica). Dessa forma, em todas as situações elencadas pelo tipo penal em análise, percebe-se que a vítima não possui qualquer forma de manifestar seu real consentimento com o ato. Sendo assim, o comando normativo do tipo visa justamente proteger essas pessoas em situações consideradas de vulnerabilidade, punindo os agentes que atentem contra a norma. Assim, para os defensores da corrente da existência de presunção absoluta nos crimes sexuais, a mudança na legislação não teve o condão apenas de reescrever o tipo penal, mas sim de dirimir de uma vez por todas as dúvidas existentes na doutrina e jurisprudência acerca do tema. Agora, não há mais que se falar em violência presumida vez que o tipo penal criminaliza o simples fato de praticar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso com qualquer das pessoas elencadas, seja no caput do artigo 217-A, seja em seu parágrafo primeiro, tratandose agora de objetividade fática..

(22) 22. 2. NATUREZA JURÍDICA DO CONSENTIMENTO DO OFENDIDO.. O consentimento deve ser entendido como a permissão, a anuência, a tolerância com prática de algum ato. Assim, é necessário saber se os indivíduos elencados no artigo 217-A teriam, em algum momento, a despeito do que prevê o artigo, possibilidade de anuir com a prática de atos sexuais. Inicialmente, para se determinar a natureza do consentimento e sua aplicabilidade ao caso, cabe esclarecer a diferença entre autocolocação da vítima em risco e consentimento. Segundo Greco e Rassi (2010, p.80): (...) consentimento não se confunde com a autocolocação em perigo da vítima. Existirá autocolocação em risco se o indivíduo pratica condutas criadoras de um perigo a si mesmo ou se expõe a um perigo causado por terceiros, ao passo que haverá consentimento do ofendido quando a pessoa se expõe conscientemente ao perigo causado única e exclusivamente pelo terceiro. 13. A diferença entre as teorias consiste basicamente no fato de que, no caso da autocolocação, a vítima concorda em se postar diante de uma situação de perigo, que pode ou não levar à ocorrência do resultado. Diferentemente, no caso da teoria do consentimento, a vítima tem certeza da ocorrência do resultado e concorda com a ocorrência desse resultado antecipadamente previsto. Assim, para a análise do tipo em estudo, deveremos considerar a aplicação da teoria do consentimento, e não da autocolocação da vítima em perigo. A capacidade de consentimento vem sendo estudada ao longo dos tempos, havendo divergências quanto à sua natureza jurídica e, conseqüentemente, quanto à sua aplicação. Inicialmente, a doutrina discute a diferença entre acordo e consentimento, visto que resultariam em diferentes formas de enxergar a aplicação da lei penal. Segundo Greco e Rassi (2010, p.82), seriam três as posições doutrinárias a respeito do tema: (a) aquela que distingue acordo de consentimento, considerando o primeiro como causa de atipicidade e o segundo como causa de justificação (doutrina dualista); (b) a posição que considera supérflua a distinção entre acordo e consentimento, e considera que todo o 13. GRECO, Alessandra Orcesi Pedro; RASSI, João Daniel. Crimes Contra Dignidade Sexual, São Paulo, Atlas, 2010, p.80..

(23) 23. consentimento exclui o tipo (doutrina unitária ou da atipicidade); e (c) a corrente que distingue entre acordo (causa de atipicidade) e consentimento excludente do tipo, e consentimento excludente do tipo e consentimento excludente da antijudidicidade (doutrina diferenciadora).14. No Brasil, percebe-se a inclinação dos juristas pátrios pela teoria unitária, demonstrando prevalência pela aceitação de que o consentimento seria causa de exclusão de tipicidade e não causa de justificação. Segundo Bitencourt (2007, p.259) tipicidade é “a conformidade do fato praticado pelo agente com a moldura abstratamente descrita na lei penal”. Assim, a exclusão de tipicidade impediria, por algum motivo, a subsunção da ação do agente ao tipo penal. A causa de justificação atua em um momento distinto, estando ligada à antijuridicidade. Entende-se por antijuridicidade a violação da ordem jurídica com a prática da conduta descrita no tipo penal. A causa de justificação afasta a ilicitude do ato. Mesmo que a ação do agente esteja descrita no tipo penal, isto é, seja penalmente típica, a excludente afastaria o caráter ilícito da conduta. Greco e Rassi (2010, p. 92 apud Roxin), mostram que o argumento (...) que justifica a aceitação de todo o consentimento eficaz é causa de exclusão de tipicidade, está baseada na teoria liberal do bem jurídico, referida à pessoa humana. Para essa teoria, os bens jurídicos servem para o livre desenvolvimento de cada individuo no contexto social. Sendo assim, jamais poderá existir qualquer tipo de lesão ‘quando uma ação se baseia em uma disposição do portador do bem jurídico que não reduz seu desenvolvimento, senão, pelo contrário, constitui sua expressão’. Optar de forma contrária e confundir objeto material com bem jurídico’. 15. Continuando, os autores explicam a diferença entre consentimento como causas de exclusão de tipicidade e causa de justificação. Vejamos: Consentimento é causa de exclusão de tipicidade e não justificação, visto que a natureza jurídica do consentimento não é a mesma das causas de justificação. Lembra ROXIN que as causas de justificação descansam em princípios de ponderação de interesses e de necessidade: quando há uma situação de perigo, é legitimo o sacrifício de um interesse menos valorado pelo ordenamento jurídico se o sacrifício é necessário para salvaguardar um interesse maior. O mesmo não ocorre no consentimento, onde não está em jogo nenhum conflito de interesses entre aquele que atua e o que consente. Em 14 15. Idem, Ibidem, p.83. Idem, Ibidem, p.92..

(24) 24. acréscimo, não é possível uma distinção clara entre os casos de consentimento em relação aos de acordo. 16. Greco e Rassi (2010, p.93 apud Roxin) concluem que (...) o efeito excludente do tipo reside imediatamente da liberdade de ação garantida constitucionalmente, cujo exercício por parte de quem consente impossibilita a lesão simultânea de um bem jurídico que a ele corresponde e conseqüentemente a realização típica. A liberdade de ação por quem consente, garantia constitucional é o fundamento da exclusão do tipo. 17. Destarte, no que tange ao consentimento dos vulneráveis, deve-se entender que o consentimento por eles manifestado afasta a tipicidade da conduta, vez que há, como será demonstrado, em determinados casos, manifesta capacidade de compreensão e que, assim sendo, teriam plena capacidade de consentir.. 16. 17. Idem, Ibidem, p.93. Idem, Ibidem..

(25) 25. 3. REPERCUÇÃO DO CONSENTIMENTO NAS HIPÓTESES DO ARTIGO 217-A DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. A capacidade de compreensão dos vulneráveis repercute de maneira distinta considerando individualmente cada uma das três categorias elencadas pelo artigo 217-A. Isso porque o ato praticado implica em conseqüências diferentes na vida de cada uma das pessoas consideradas como vulneráveis, frente às diferenças biológicas e psicológicas de cada individuo. A interpretação rígida do artigo em comento pode gerar problemas inimagináveis, que virão a interferir de forma desnecessariamente negativa na vida desses indivíduos. O tipo penal prevê três categorias de pessoas que, a priori, não teriam qualquer capacidade de discernimento para concordar, de forma consciente, com a prática da relação sexual.. 3.1 - O CONSENTIMENTO DOS INDIVÍDUOS MENORES DE 14 (QUATORZE) ANOS. A primeira categoria de vulneráveis, que se encontra prevista no caput do artigo 217-A, são aqueles que possuem menos de 14 (quatorze) anos completos. É sobre esse grupo que recaem as maiores discussões sobre a capacidade de consentimento da vítima. O legislador de 1940, ao tratar sobre o assunto, reduziu a idade da presunção de dezesseis para quatorze anos, por entender que a sociedade passava por mudanças e que, diante disso, o adolescente que contasse com tal idade já possuía pleno conhecimento sobre assuntos ligados à sexualidade, não sendo necessário tal tipo de proteção. A lei em vigor procurou proteger os menores de 14 (catorze) anos, por considerar que tais pessoas, devido a pouca experiência de vida e pouco conhecimento sobre o assunto, não teriam capacidade de, livre e conscientemente, escolher se desejam ou não ter uma relação sexual. Para a corrente que defende a incapacidade de anuir de tais pessoas, a principal alegação é de que a vontade dos menores seria facilmente viciada e que isso colocaria pessoas de tenra idade sujeitas a todo tipo de violência. Contudo, entender a restrição de forma absoluta.

(26) 26. não coaduna com todas as mudanças sofridas pela sociedade desde a edição do Código de 1940. Atualmente, diante das transformações tecnológicas e culturais vividas, os adolescentes possuem grande acesso a todo tipo de informação. Com isso, não é mais possível dizer de forma absoluta e indiscutível que os adolescentes com menos de quatorze são destituídos de vontade e não tem qualquer capacidade de entendimento sobre os atos sexuais que porventura venham a praticar. O legislador percebendo toda essa evolução, passados cinqüenta anos da edição do Código Penal Brasileiro, procurou adaptar o ordenamento jurídico às transformações sociais criando o Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8.069/90). Segundo o Estatuto, em seu artigo 2º, “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade.” Na mesma lei, em seu artigo 103, temos a definição de ato infracional: “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.” Assim, conjugando-se os artigos 217-A do Código Penal com os artigos 2º e 103 do ECA chegamos à conclusão de que se um adolescente maior de quatorze mantém qualquer tipo de relação sexual com outro adolescente de doze ou treze anos, seria submetido à Vara da Infância de Juventude para a apuração da prática de ato infracional. Temos ainda outra situação que pode causar ainda mais estranheza. Suponhamos que um adolescente de treze anos pratique algum ato libidinoso com outro adolescente de 13 anos. Responderiam ambos por ato infracional? Manifestou-se Gomes (2001, p.40) a respeito da presunção prevista no revogado artigo 224, mas que, como visto, mantém-se coerente mesmo após a reforma: O reconhecimento legal de que o adolescente (entre doze anos e dezoito anos) está sujeito a medidas sócio-educativas (só formalmente diferente das sanções penais), inconfundíveis com as aplicadas ao menor (medidas de proteção), é prova mais que suficiente de que o legislador agora nele entreviu certa capacidade de discernimento, de compreensão. [...] Se se pretende conceber que o ordenamento jurídico, como um todo é algo coerente e sistemático e que as proposições jurídicas (particulares) devem ser compatibilizadas para se alcançar o maior nível de concatenação, lógica e segurança possíveis, nos parece muito evidente que a contradição estabelecida deva merecer consideração especial do interprete hodierno. Se um adolescente de treze anos pratica uma relação sexual com uma adolescente da mesma idade [...] há punição porque um deles tem.

(27) 27. consciência (embora restritivamente) do que faz; a punição, ademais, tem por fundamento a presunção de que o outro não sabe o que faz. Que paradoxo gritante!. A legislação estrangeira também discute a questão trazendo uma solução, se não definitiva ou mesmo plenamente satisfatória, ao menos mais coerente e adequada à realidade do século XX. No que tange aos menores de 14 (quatorze) anos, os estados americanos que punem o sexo sem violência entre adolescentes, criaram a chama “Romeo and Juliet Law”. A lei que entrou em vigor em 2007 nos estados da Flórida, Connecticut, Indiana e Texas, pode ser entendida como a “Exceção Romeo e Julieta”, e teve nítida inspiração no romance de Willian Shakespeare. Tal lei visa o não reconhecimento da presunção de violência quando a diferença de idade entre os envolvidos no ato seja igual ou menor de 5 (cinco) anos, considerando que ambos estariam vivendo um momento de descobertas no que tange à maturidade sexual e mesmo no que diz respeito ao próprio corpo, frente à fase da vida em que se encontram. E, assim sendo, em uma relação consentida por ambos, não há que se falar em crime. Segundo Saraiva (2009, p.12), a redação do artigo 217-A do Código Penal deve ser analisada levando-se em consideração a referida lei visto que entende haver exageros na redação do tipo penal: Exagerada a norma a fixar em 14 e não em 12 anos a idade limite, ao menos sem estabelecer uma regra como a “Exceção de Romeu e Julieta”. Em matéria de relacionamento sexual entre adolescentes, a nova regra do art. 217 exagera em face da realidade do País e de nossa adolescência, podendo criminalizar a conduta de muitos adolescentes e pré-adolescentes na descoberta de sua sexualidade. Vejam a hipótese de um namoro entre adolescentes ou préadolescentes, entre um menino de 13 anos e uma menina de 11 anos, que resolvam realizar “manobras sexuais investigatórias”, para colocar a questão em termos jurídicos. O que fazer? E se forem condutas homossexuais, que acabam produzindo as reações mais estapafúrdias dos pais e às vezes da própria escola chamando a polícia, criando escândalo, criminalizando a descoberta da sexualidade.. Nesses casos, a identificação do bem jurídico penalmente tutelado é de extrema relevância para o auxilio na interpretação da norma. Assim, segundo Guillamondegui (2010, p.6 apud Arocena e Roxin):.

(28) 28. Asimismo, (...) ‘la caracterizacion del bien jurídico es un importante instrumento de la interpretación teleológica de los tipos jurídicos penales, como así también um concepto de contenido liberal y limitador de la punibilidad’ a tal punto que ‘una conducta que cumpla el supuesto de hecho legal será atípica, a pesar de ello, si no lesiona el bien jurídico protegido por la ley’.(...) Así, y más allá de la subsunción de un hecho en el supuesto típico previsto en la norma penal, éste será atípico y sin intéres para el Derecho Penal en la medida que tal conducta no afecte o ponga en riesgo cualquiera de los bienes jurídicos, que el legislador pretendió tutelar. Ilustrando esta afirmación, en un caso de Abuso sexual con aprovechamiento de la inmadurez sexual de la víctima consentidora (Art. 120 C.P.), prescripción con la cual se pretende proteger la inexperiencia o inmadurez sexual de la víctima mayor de 13 y menor de 16 años, respecto de determinadas agresiones sexuales; si el sujeito passivo, por la circunstancia que fuere, posee experiencia o madurez práctica en el ámbito sexual, sin perjuício que la conducta imputada al autor concuerde con las exigencias típicas, el hecho no tendrá interés represivo para el Derecho Penal ya que no se ha vulnerado el bien jurídico protegido mediante la tipificación del delito.. Assim, não se pode entender a idade da vítima como um elemento de natureza absoluta, devendo ser interpretado juntamente com o conceito de bem jurídico e de acordo com todo o ordenamento jurídico penal. Segundo Greco e Rassi (2010, p. 103): Não se trata, contudo, de um de um elemento de natureza absoluta. Como elemento do tipo, ele é normativo e, no caso específico, poderá ser interpretado de acordo com o que foi estabelecido como critério legal de menoridade no Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, é considerado menor, ou criança, aquele que não atingiu 12 anos. A previsão estatutária de 12 anos abre ensejo para que o intérprete utilize do aspecto da sociologia da sexualidade (...).. Por isso, a obediência cega ao comando normativo poderia trazer mais problemas que soluções na busca pela proteção dessas pessoas que passam por uma fase única, e que necessitam de orientação, não de punição, para se tornarem pessoas conscientes e responsáveis pelos atos praticados. Punir adolescentes em momento de descoberta não deve ser a melhor solução para o problema. A conscientização dos jovens quanto à possibilidade de transmissão de doenças sexuais ou mesmo da possibilidade de uma gravidez na adolescência dizem respeito muito mais ao dialogo entre os jovens e a família do que a pura e simples criminalização da conduta pelo direito penal, o que viola princípios basilares tais como subsidiariedade, fragmentariedade e intervenção mínima..

(29) 29. 3.2 - O CONSENTIMENTO DAQUELES QUE POSSUEM ALGUMA ENFERMIDADE OU DOENÇA MENTAL. A segunda categoria são aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato. Greco (2010, p.52 apud Jairo Gomes) afirma que: Enfermidade é sinônimo de doença, moléstia, afecção ou outra causa que comprometa o normal funcionamento de um órgão levando a qualquer estado mórbido. Apresentado base anatômica, a doença enseja a alteração da saúde física ou mental. Pode ser provocada por diversos fatores, tais como: carências nutricionais, traumas decorrentes de impactos físicos ou emocionais, ingestão de tóxicos (drogas e álcool), parasitários (por ação de vermes, fungos), infecciosos (por ação de vírus, bacilos, bactérias), degenerativos (inerente ao próprio organismo, como arteriosclerose, tumores e cânceres em geral). Logo, por enfermidade mental deve-se compreender toda doença ou moléstia que comprometa o funcionamento adequado do aparelho mental. Nessa conceituação, devem ser considerados os casos de neuroses, psicopatias e demências mentais. Deficiência, porém, significa a insuficiência, imperfeição, carência, fraqueza, debilidade. Por deficiência mental entende-se o atraso no desenvolvimento psíquico.. Deve-se atentar que somente o critério biológico (enfermidade ou deficiência) é insuficiente para determinar que uma pessoa em tais condições seja incapaz de consentir com o ato. Deve ser analisado também se o indivíduo não tem a necessária capacidade de consentir com a prática da relação sexual (critério psicológico), da mesma forma que é feita a analise em relação aos inimputáveis. Nessa situação, o principal ponto a ser observado é se todas aquelas pessoas que possuem algum tipo de enfermidade ou deficiência mental seriam incapazes de consentir com a relação sexual. É sabido que diversas pessoas com algum tipo de debilidade levam uma vida normal, chegando a constituir família e viver, sem qualquer tipo de obstáculos, uma vida socialmente rica. Assim, segundo Nucci (2010, p.39), um ponto a ser considerado diz respeito ao erro de proibição. Segundo o renomado autor “o relacionamento sexual consentido, entre adultos, é ponto problemático. Nem todo mundo tem exata noção da vedação imposta pela lei”. Isso, segundo o próprio autor, se deve ao fato de que:.

(30) 30. O deficiente, em razão de Síndrome de Down, por exemplo, apresenta retardamento mental e necessita de muitos cuidados durante a maior parte da vida. Estaria privado de ter relação sexual? Alguns chegam a conviver com companheiros, em união estável. O mesmo se diga de uma pessoa com deficiência mental que se una a outra, considerada normal. Dir-se-ia ter feito o tipo penal referencia ao fato de o enfermo ou deficiente não possuir o necessário discernimento para a prática do ato. Em outros termos, então, a única interpretação que nos parece lógica e justa e conceber a possibilidade de divisão entre enfermos e deficientes mentais neste campo. Há os que são completamente impossibilitados de apresentar consentimento válido no contexto sexual de modo que a prática de qualquer ato libidinoso, em relação a eles seria considerada violenta, logo ilícita, bem como existem os que apresentam deficiência mental, mas que não lhes retira o desejo sexual e a vontade de se unir a outra pessoa, buscando inclusive atenuar o seu sofrimento, procurando a cura.. Devemos então observar o caso concreto, a fim de se decidir pela aplicação ou não do artigo. Dependendo do caso, perfeitamente possível a ocorrência do erro de proibição, afastando-se a culpabilidade do agente, de acordo com o artigo 21 do Código Penal Brasileiro. Proibir a pratica de atos sexuais em todas as situações, visando evitar abusos contra essas pessoas teria por fim um efeito indesejado. Acabaria por tolher-lhes a liberdade de escolher com quem se relacionar e a melhor forma de levar uma vida normal.. 3.3 - O CONSENTIMENTO DAQUELES QUE NÃO PODEM OFERECER RESISTÊNCIA. Por fim, a terceira categoria são aquelas pessoas que, por alguma causa específica, não podem anuir com os atos sexuais. O Código Penal de 1940 preleciona no item 70 de sua exposição de motivos as situações nas quais a incapacidade de oferecer resistência serve de base para a configuração do delito: (...) seja esta resultante de causas mórbidas (enfermidades, grande debilidade orgânica, paralisia etc.) ou de especiais condições físicas (como quando o sujeito passivo é um indefeso aleijado ou se encontra acidentalmente tolhido de movimentos).. Contudo, deve ser levado em consideração o grau de vulnerabilidade do indivíduo de oferecer resistência, podendo ser absoluta ou relativa..

(31) 31. Segundo. Nucci. (2010,. p.. 40),. “a. incapacidade. relativa. permite. a. desclassificação da infração penal para a figura do artigo 215. A incapacidade absoluta faz incidir o artigo 217-A, §1º.” Assim, para haver a aplicação do artigo 217-A, devemos estar diante de uma pessoa que esteja completamente impossibilitada de manifestar sua concordância com o ato sexual. Nos casos de embriaguez completa ou mesmo sob o efeito de drogas que retirem a capacidade de compreensão, correta seria a aplicação do artigo em comento. Nos casos de incapacidade relativa, não é correto aplicar o tipo penal em analise considerando que a parcial redução de entendimento não incapacita completamente a pessoa de manifestar anuência com o ato. Contudo, segundo Greco (2010, p. 517), “não importa que o próprio agente tenha colocado a vítima em situação que a impossibilitava de resistir ou que já a tenha. encontrado. nesse. estado.. Em. ambas. as. hipóteses. deverá. ser. responsabilizado pelo estupro de vulnerável.” Corroborando o que foi dito acima, tem-se o seguinte exemplo: Se o agente, completamente embriagado, sem discernimento, tem conjunção carnal com uma mulher, igualmente embriagada por completo, sem discernimento, num local de diversão publica qualquer, inexiste estupro. Desaparece qualquer ranço de violência, pois não há vulnerável a tutelar. A vítima embriagou-se para divertir-se; porém, se após a relação sexual caiu em si e não gostou do resultado, não se pode punir o agente por conta disso. Houve, no mínimo, consentimento do ofendido durante o ato sexual.18. Dessa forma, cada uma das hipóteses possui peculiaridades que devem ser analisadas caso a caso, a fim de evitar ingerências indevidas na vida de pessoas que, no caso concreto, têm plena capacidade de compreensão e podem conscientemente anuir com a relação sexual. Independente da hipótese de vulnerabilidade analisada, deve ser considerado que se houver, por parte da vítima, capacidade de compreensão e consciente anuência com o ato praticado, alternativa não. resta. senão. afastar a. tipicidade. da. conduta. e,. conseqüentemente,. desconsiderar a ocorrência do delito.. 18. NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra dignidade sexual, São Paulo, RT, 2010, p.41..

Referências

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