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Vista do DEMOCRACIA NA AMÉRICA LATINA: UMA BREVE ANÁLISE CRÍTICA | Acta Científica. Ciências Humanas

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DEMOCRACIA NA AMÉRICA

LATINA: UMA BREVE ANÁLISE CRÍTICA

Kristian Rodrigo Pscheidt1 Resumo: Os países latino-americanos possuem, historicamente, um modelo ímpar de democracia, estruturado na figura de um líder popular, consagrado como libertador das opressões dos países centrais. A concentração desmedida de poderes e prerrogativa concedidas ao chefe do Poder Executivo, que assume a posição de chefe de Governo e Estado, evidencia o direcionamento da con-dução do Estado por apena uma única pessoa, abrindo caminho para regimes autoritários e até mesmo ditatoriais.

Palavras-chave: Democracia; América Latina; Brasil; Presidencialismo.

LATIN AMERICA DEMOCRACY: A BRIEF ANALISYS

Abstract: Latin American countries historically have a unique model of demo-cracy, structured in the figure of a popular leader, consecrated as liberator of the oppressions of the central countries. The excessive concentration of powers and prerogative granted to the head of the Executive Power, who assumes the position of head of Government and State, shows the directing of the conduct

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of the State by only one person, opening the way for authoritarian and even dictatorial regimes.

Keywords: Democracy; Latin America; Brazil; Presidentialism.

Introdução

A democracia se constitui no mais avançado estágio social da civilização; pilar da liberdade e da igualdade. “Emergem os elementos liberdade e igualdade a nortear os rumos democráticos e a sua concretização mediante eleições livres e competitivas com amplos espaços para oposição” (CAGGIANO, 2011, p. 10).

Tem sua origem na participação direta do povo na tomada das deci-sões políticas. O “Governo do povo, pelo povo e para o povo”, no célebre discurso de Abraham Lincoln em Gettysburg, no dia 19 de novembro de 1863 (HOFSTADTER, 1958, p. 414). Giovanni Sartori (1987, p. 168) apre-senta como elementos a “opinião pública, as eleições, a participação e um povo que adota as decisões”.

Muitos são os fatores que identificam a democracia, tais como os re-quisitos indicados por Robert Dahl (1971), os quais podem ser resumidos da seguinte forma: (1) liberdade de associação, no sentido de criar associações e a essas se filiar; (2) liberdade de expressão; (3) direito de voto; (4) elegi-bilidade para cargos públicos; (5) direito dos líderes políticos disputarem respaldo popular; (6) fontes alternativas de informação; (7) eleições livres e competitivas; (8) instituições hábeis a assegurar à política governamental ressonância no âmbito do corpo eleitoral, expressa por via de sufrágio ou por outro meio de manifestação de preferências políticas.

Nas palavras de Monica Herman Salem Caggiano (1995, p 39): “envolve como fator primordial a liberdade individual, quer no plano da ação gover-namental, quer no concernente às inter-relações que se processam entre go-vernantes e governados”. Cada vez mais vem reclamando a democracia parti-cipativa, em que a “ideia de tomar parte na tomada de decisões coletivas, por intermédio de processos envolvendo o debate e deliberação” (CAGGIANO, 2011, p. 11). De tal forma, a democracia tem se apresentado com o regime universal da civilização atual.

O tema “democracia” não se esgota e, pelo contrário, tem demonstrado contemporânea importância, conquanto um terço da população mundial vive sob regimes autoritários, em que a democracia é lateral e ignorada como fator

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de desenvolvimento econômico.2 Com o declínio do neoliberalismo america-no, regimes autoritários floresceram. A China, com seu rápido crescimento com um governo central controlador, tornou-se mais agressiva e promissora ao assegurar virtudes para o desenvolvimento econômico, minando-se assim os movimentos da democracia plena preconizados pelos países ocidentais (KUR-LANTZICK, 2013, p. 117-134). Mas, e na América Latina, como se concretiza a democracia?

Nesse cenário que o presente artigo pretende verificar, ainda que em sin-gelas páginas e sem nenhum caráter exauriente, de que forma se constituiu e se desenvolve a democracia na América Latina, o que se faz com um olhar detido e sustentado essencialmente na visão de Luca Mezzeti (2009), além de extensa análise bibliográfica. Com isso delimita-se o escopo do presente estudo, preten-dendo-se desvendar como a democracia está sendo questionada em função de algumas atitudes autocráticas verificadas na história recente desses países.

Uma pequena incursão sobre democracia

A democracia surge como o elemento mais importante do estágio evo-luído do homem ganhando status e geração própria (BONAVIDES, 2008). “Apresenta-se neste momento como o standard maior da civilização

ociden-tal” (GICQUEL, 2002, p. p. 185) ou como uma verdadeira “febre democrática” (CAGGIANO, 2011, p. 09). Para sua aplicação prática, subsistem essencialmente

dois modelos quando se discute sobre a forma da participação popular no pleito democrático: a democracia direta/participativa e, de outro lado, a democracia indireta/representativa.

Parte da doutrina reconhece que só há participação política efetiva quan-do verificada a democracia participativa, ou seja, na medida em que o cidadão pode “apresentar e debater propostas, deliberar sobre elas e, sobretudo, mudar o curso da ação estabelecida pelas forças constituídas e formular cursos de ação alternativa” (FILLA; BATTINI apud LYRA, 1998, p. 11).

Além de atuar diretamente, surgem também os reclames de uma democracia deliberativa que “dimana também da crise que atinge a representação política e a figura do partido, que lhe serve de suporte operatório, bem assim da necessidade de se detectar uma solução adequada aos problemas de participação, asseguran-do-se aos representados, à comunidade, novos espaços de influência na produção das decisões políticas de índole comunitária” (CAGGIANO, 2011, p. 11).

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Tratar-se-ia de uma democracia-agricultora, porquanto atribui aos proce-dimentos democráticos e às instituições a tarefa de promover a evolução da “potencialidade dos princípios constitucionais fundamentais, respeitando a sua

identidade” (VIOLA, 2006, p. 5). Calcada sobre os pilares da liberdade e igual-dade, concretiza-se mediante eleições livres e competitivas com amplos espaços para oposição.

No entanto, por motivos de acessibilidade e eficiência, a democracia é exer-cida sob a forma representativa, em que o corpo de exer-cidadãos escolhe indivíduos ou grupos para atuarem em nome do povo as funções estatais. Para Pinto Fer-reira (1971, p. 203), “sobretudo porque o grande número der eleitores, beirando milhões […] não poderiam evidentemente acorrer à praça pública, reunidos para a discussão do povo”.

Surge em decorrência da massificação dos direitos democráticos, cre-ditado não só ao crescimento demográfico da sociedade, mas, fundamen-talmente, à ampliação do sufrágio para os mais diferentes grupos sociais. Ainda, é resultado da sociedade contemporânea apresentar-se “não só como

uma sociedade estruturada em pequenas, médias e grandes organizações nacionais e transnacionais”, mas, acima de tudo, por caracterizar-se como sociedades em que para conseguir-se qualquer bem, serviço ou realização de objetivo vital, faz-se necessária a mediação de uma ou de várias organi-zações (GARCÍA-PELAYO, 1986, p. 85).

Apesar das críticas realizadas sobre esse governo pela representação, pois o mecanismo da representação popular constituíra na realidade um claro impe-dimento à soberania do povo (COMPARATO, 2006), atende aos ensinamentos verificados desde Aristóteles em que povo não detém a sabedoria suficiente para proceder com as melhores decisões. A democracia representativa, dessa forma, conforme José Afonso da Silva (2006, p. 125), não é um valor-fim, mas meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem.

A democracia representativa, assim, é um instrumento capaz de permitir ao povo a tomada de uma decisão importante e fundamental para seu futuro: a eleição do representante político. Menos efetivo, ou talvez mero instrumento de dominação, é certo que se mostra a forma mais usual da democracia ocidental. A forma representativa da democracia encontra guarida no pensamento

for-mulado por Montesquieu (1962, p. 8), para quem “o povo é admirável quando escolhe aqueles aos quais deve delegar uma parte de sua autoridade. Ele deve ser determinado apenas por coisas que não pode ignorar e por fatos que se encon-tram à vista”. O povo detém capacidade de eleger, não decidir, porque é movido pela paixão e não pode governar.

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Apesar de muito criticado,3 é fato que a participação direta do povo nas decisões políticas tem encontrado resistência na doutrina. Como explica Benja-min Constant (1968), na busca do equilíbrio do Estado, para que a nobreza não subverta o controle do poder, deve impedir a democracia dos trabalhadores e o seu acesso aos poderes públicos, na medida em que seriam eles que conservam a autoridade para servir de apoio às forças burguesas frente à ameaça democrá-tica do povo. Bryan Caplan (2006, p. 12) explica que as eleições podem ser a raiz da má conduta dos que governam, pois ela surge para agradar muito mais os interesses individuais do que a coletividade.

Essa fórmula mostra-se bem atendida no contexto latino-americano, cujo modelo de proteção social tem como base a Constituição mexicana de 1917, em que há o reconhecimento dos direitos humanos. Apesar das leis terem demons-trado uma acentuada criatividade e inovação na criação de instrumentos de proteção do ser humano, o modelo presidencialista latino americano, diante de suas feições históricas, acaba por derrogar alguns elementos necessários e importantes à consecução da plenitude do controle dos poderes. Eis aí a origem das limitações democráticas nesses países, como será melhor explicado nos tó-picos que seguem.

A democracia latino-americana: a força presidencialista

Verifica-se nos países da América Latina um ponto comum na fase de tran-sição dos regimes militares dos anos de 1980 para o regime democrático atual, em especial na consolidação das Constituições. Com exceção do Brasil, o regi-me democrático foi constitucionalizado de forma abrupta (regi-menos de dois anos), por meio da eleição de uma Assembleia Constituinte (exceto Equador e Peru). Passou-se de um modelo autoritário, pautado pelo poderio militar, para um regime democrático em curto período de tempo, que reconhece o multicultura-lismo existente nos povos andinos.

Na visão de Manoel Bomfim (1993, p. 138), as populações nascem assim de-sunidas; crescem, e crescem com elas os ódios. Para o autor, “a vida é um conflito permanente, uma luta desordenada, com episódios de violência e barbaria, de crueldade bestial, de perversidade torpe. A luta começou no dia em que o pri-meiro aventureiro pisou a América, e ainda não cessou” (BOMFIM, 1993, p. 138).

3 Nesse sentido, Jean Jacques Rousseau critica a representação especificamente no tocante sobe-rano e sua função legislativa, explicando que somente o que for ratificado pelo povo sobesobe-rano em forma de sufrágio popular pode ser considerado lei. Dessa forma, o legislativo não pode ser representado, mas o executivo, que é submisso ao primeiro, pode (GOMES, 2006, p. 70-71).

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De tal forma, a transição para a democracia constitucional verificada nos países latino-americanos gerou o desafio de perpetuá-la no tempo e compatibi-lizá-la frente às crises político-econômicas globais. Com um modelo constitu-cional estruturado em um Estado Social de Direito, “atualmente nenhum dos ordenamentos latinos parece confiável no limbo do sistema pré-democrático” (MEZZETI, 2009, p. 468).

Essa conclusão é justificada na medida em que o modelo autocrático, que originou a democracia, estava calcado na figura de um líder, e esse formato transparece nos dias atuais (ex. vi. Venezuela com Hugo Chaves e Bolívia com Evo Morales), o que formatou uma aparente “ditadura democrática”. A evidên-cia mais latente dessa conclusão é a centralização e concentração do poder na figura do presidente. Com relação ao Brasil, Cláudio Lembo (1991, p. 27) bem enuncia que a construção da cidadania no Brasil ocorreu de modo lento e com “extremada centralização administrativa”, impregnando todo o processo de for-mação de uma sociedade que possui “um interior de forte aparato burocrático e mais rigoroso, ainda, instrumental de dominação religiosa”.

A centralização e concentração do poder na figura do presidente é um le-gado da ditadura, na qual os “partidos políticos são fracos, divididos e institu-cionalmente pobres” (MEZZETI, 2009, p. 470), e o sistema partidário com a incursão militar esgarça a participação popular na vida política.

Outrossim, no momento em que as Constituições latino-americanas asse-guram formalmente a autonomia do Judiciário e Legislativo, pautando por um sistema Republicano que torna o presidente em chefe de Governo e de Estado com eleições não concomitantes com o legislativo, dificultam que o mesmo te-nha colaboração da maioria legislativa. A complexidade social, frente às cres-centes tensões entre as disposições societárias e as instituições políticas, amplia a dificuldade na implementação da vontade popular, que sempre enfrentará um obstáculo na consecução prática de suas vontades.

Esse cenário torna o país ingovernável, não podendo o presidente então “contar com seu sustento na Assembleia, recorre ao procedimento excepcional para contornar o Poder Legislativo” (MEZZETI, 2009, p. 471). Há assim um bloqueio entre o Executivo e o Legislativo, revelando uma estrutura relacional que envolve representação de interesses de grupos de poder e uma distribuição não aleatória de vínculos democráticos, o que está sustentado pelas próprias instituições que a conformam o Estado.

Caracteres gerais das instituições latino americanas

Os países latino-americanos adotam um modelo presidencialista calcado nos Estados Unidos da América (EUA), que não foi capaz de consolidar uma verdadeira separação de poderes, mas sim uma aplicação deformada do regime

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presidencialista clássico. Verifica-se o prejuízo do Parlamento com a hipertrofia da figura do presidente.

Identificam-se algumas debilidades, na medida em que “a democracia pa-rece perder vitalidade […] conquanto o Estado é encarado com expectativa e receio ao mesmo tempo e, em alguns casos, o ímpeto democrático que caracte-rizou as últimas décadas parece estar se debilitando (PROGRAMA, 2004, p. 25). As razões para essa crítica advêm de uma análise mais aprofundada sobre o regime presidencialista aqui presente que, conforme Luca Mezzeti (2009, p. 473), o presidencialismo surge com as seguintes características:

• O presidente é eleito diretamente pelo povo, não havendo voto distrital ou representação indireta na eleição; tampouco a possibilidade de censura pelo Parlamento;

• Verifica-se uma grande concentração de poder na figura do presidente, assu-mindo a chefia de Governo e de Estado;

• Nem o Poder Judiciário nem o Legislativo controlam efetivamente o presi-dente. Não se efetiva a doutrina do check and balance tradicional, trazendo como consequência o predomínio de um poderio militar ínsito ao presidente, a figura de um líder/diretor, a exemplo do caudilhismo.

O poder do presidente ainda é mais preponderante, de acordo com Luca Mezzeti (2009, p. 473), quando verificado o sistema bicameral, permitindo um maior poder de manobra do Executivo. Forma-se um “mútuo bloqueio” de con-trole nos trabalhos do Legislativo, no seguinte sentido:

• O projeto de lei no Legislativo exige maioria absoluta, o que permite maior apelo do Executivo sobre os parlamentares;

• Se não aprovado nos termos da pretendidos, surge a figura do veto presiden-cial;

• Admite-se que o texto do projeto de lei sofra diversas emendas e, por vezes, seja deformado;

• O processo legislativo é tão complexo que permite manipulação em suas vá-rias etapas (troca de favores);

• Admite-se um fracionamento político, dificultando o surgimento de uma voz dissonante aos anseios do Executivo.

Esse desvirtuamento do poder em prol de determinado líder, próprio das nações latino-americanas, trazem no seu bojo um descrédito com as ins-tituições democráticas. Pertinentes são as lições de Pierre Rosanvallon (2007), que apresenta a ideia da “contra-democracia”, entendida como uma forma de

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democracia disseminada pelo corpo social, a democracia da desconfiança orga-nizada frente à democracia da legitimidade eleitoral.

Um cenário de perpetuação do poder na figura de um líder visa prolongar e ampliar os efeitos das instituições democráticas legais. De tal forma, não se vivencia um momento de apatia da sociedade civil, ou de declínio do papel da cidadania, mas de uma mutação no seu comportamento, que se funda agora em processos de controles sociais sobre os governos, de monitoramento das políti-cas, de revelar a sociedade a ela mesma, dando sentido e forma a um mundo no qual os indivíduos têm uma dificuldade crescente de se orientar (ROSANVAL-LON, 2007).

O papel das instituições, dessa forma, desvenda um papel central na con-formação do regime atual, calcado pela concentração dos poderes na figura cen-tral do seu presidente, eleito como líder pela população.

Instituições e o impacto democrático

A despeito de certos avanços, consideráveis em alguns casos, as democra-cias latino-americanas são em grande parte ainda caracterizadas pela falta de correspondência entre as instituições e as práticas sociais, entre a legalidade e a legitimidade, e entre a política e a cultura. Como afirmam Guimarães, Barros e Pinto (2014, p. 17): “Ao mesmo tempo, nota-se a falta de correspondência entre Estado e nação, entre território geográfico político-administrativo e identida-des histórico-culturais, entre direitos constitucionalmente previstos e direitos realmente vividos”.

Importante verificação, nesse sentido, deve ocorrer sobre o Federalismo latino-americano, como no caso do México, da Argentina, do Brasil e da Vene-zuela, tendo uma descentralização vertical em sistema Federal, Estadual e Local. Já os Estados unitários são encontrados na Colômbia, no Paraguai, no Uruguai, no Peru e no Equador, que atuam por meio da descentralização administrativa. O Federalismo está pautado, de acordo com Mezzeti (2009), pelas seguin-tes características: a) Autonomia formal (relativa) dos Estados membros; b) Estado membro com possibilidade de participação na Câmara Alta; c) Estado membro possui um poder residual; d) Estado membro detém recíproca inde-pendência federal; e) A fragilidade do Poder Judiciário impede que seja realiza-do um controle no equilíbrio das relações entre o Centro (União) e a periferia (Estados membros); f) Participação dos Estados membros na elaboração das Constituições; g) Possibilidade de intervenção da União nos Estados; h) Ve-rificação de uma progressiva erosão da autonomia financeira do Estado, com exceção do Brasil.

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Com tais características, conclui-se que há uma anomalia do sistema fe-derativo com o sistema tradicional, na medida em que as peculiaridades acima descritas (MEZZETI, 2009, p. 491):

• Criam uma instabilidade Constitucional do sistema político, com a concen-tração do poder no presidente;

• Permite a frequente instauração do regime militar e respectiva concentração do poder central em detrimento do Estado membros;

• A fragilidade da autonomia socioeconômica se agrava diante da pluralidade de atores envolvidos e isolamento de cada entidade federativa.

Outra instituição de grande relevo diz respeito ao Poder Judiciário, sendo que na América Latina pauta-se sobre a supremacia da Constituição, que pos-sui hierarquia superior e traça as diretrizes das demais leis infraconstitucionais, que recebem o nome de leis ordinárias. Essas legislações infraconstitucionais recebem os mais variados nomes: lei de revisão constitucional, lei orgânica, lei de planificação, leis de bases, leis complementares, leis de refundação, leis dele-gadas, decreto-lei legislativo.

Os países latino-americanos centram-se sobre uma Corte Constitucio-nal (Sala ConstitucioConstitucio-nal, Corte Suprema ou Supremo TribuConstitucio-nal). A eleição do Ministro possui uma natureza política, sendo aprovado pelo Congresso e pelo presidente, havendo uma pluralidade de jurisdições (administrativa, eleitorais, desportiva etc.). Vige o princípio da independência e autonomia do Poder Judiciário.

De mais a mais, a Assembleia Legislativa é composta de duas câmaras: Alta, representando os Estados membros, e a Baixa, em nome do povo. Permite--se o poder de veto e a possibilidade de legislar pelo presidente sem o Congresso.

Por meio do decreto, o presidente defende o status quo, consolidando um mo-delo dominante. O decreto regulamentar e a delegação de poderes não possuem uma limitação clara e expressa no texto constitucional, o que dá azo ao abuso do poder pelo presidente.

A forma de governo se constitui essencialmente em quatro tipos: a) a As-sembleia é eleita contemporaneamente ao presidente, que é eleito com maioria relativa; b) a Assembleia é eleita contemporaneamente ao presidente, que vem a ser eleito por maioria absoluta; c) assembleia e presidente são eleitos contempo-raneamente; d) formas peculiares verificadas na Argentina, na Bolívia, no Peru ou na Colômbia.

Com referência à forma de governo e ao sistema eleitoral, verificam-se tam-bém quatro perfis diferentes: a) duração do mandato presidencial: discute-se qual o período suficiente para permitir a implantação de um plano de governo

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e não muito extenso capaz de violar a periodicidade democrática; b) Eleições di-retas ou indidi-retas: somente a Argentina possui um sistema de eleições indidi-retas; c) Sistema eleitoral pelo presidente: em quase todos os países latino-americanos basta obter a maioria; d) Simultaneidade da eleição presidencial e parlamentar: na maioria dos países, são concomitantes, a exceção do Brasil e da Colômbia.

O modelo em que essas situações estão estruturadas reflete a possibilida-de da atuação do presipossibilida-dente com interferência direta na condução dos possibilida-demais poderes, fenômeno esse que recebe o nome de “decretismo” ou democracia de-legada (MEZZETI, 2009, p. 491), que concretiza uma violação à separação dos poderes, o que se perfaz também em exemplos como o poder de veto (censura) do Ministro da Corte Suprema ou mesmo a possibilidade de dissolução da As-sembleia pelo presidente.

Todos esses modelos permitem concluir que o órgão de controle da Cons-tituição resulta de uma legitimação política e jurídica, porém, os juízes elei-tos possuem uma grande preparação jurídica para atuarem em defesa do texto constitucional.

Considerações finais

Winston Churchill anunciou em tons populistas no início do século 20 que “a democracia é a pior forma de governo, excetuando-se todas as outras que foram tentadas ao longo dos tempos” (apud EIGEN; SIEGEL, 1993). De tal forma, apesar das críticas, não há como negar que a América Latina se sustenta sobre uma democracia representativa/indireta que leva os traços comuns de seu contexto histórico-cultural.

A marca de um líder em oposição aos impérios colonialistas é figura pre-sente na história desses países sendo que, atualmente, esse comandante concre-tiza-se no presidente. Cada vez mais afastados de um regime ditatorial (salvo algumas exceções como a Venezuela), consolida-se um modelo próprio do exer-cício da democracia.

As instituições latino-americanas, dentro desse contexto, sustentam-se sobre a necessidade de consolidar um líder forte, com poderes para dirigir a política econômica, o que pode ser uma aparente ameaça à clássica noção de separação dos poderes. Porém, a presença de um presidente forte não descarac-teriza a democracia, mas, pelo contrário, pode ser a representação da própria vontade do povo.

É certo que, quando uma democracia representativa falha por não permi-tir que o eleitor proceda com a melhor escolha, coloca no poder um governo que atue na proteção de minorias, em prol do próprio benefício, com vistas a

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propósitos eleitorais e populistas, sem considerar o desenvolvimento progres-sivo e sustentável da economia, certamente, não se pode falar em democracia.

Porém, não deve a América Latina ser subjugada por seu desenvolvimento econômico tardio. Não pode haver preconceitos, especialmente porque as na-ções teoricamente mais evoluídas, hoje, já possuem seu modelo democrático questionado, inclusive países como a “França, Itália, Grécia e Eslovênia, que desceram da categoria de democracia plena para uma democracia imperfeita” (ECONOMIST INTELLIGENCE UNIT, 2010, p. 9).

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Referências

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