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SALVAR OS FENÔMENOS: Ensaio sobre a noção de teoria física de Platão a Galileo

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(1)

&ALVAROS

FENÔMENOS

85

Envb

sbre

a

rnçtu

de tærtu f{sicø de Platão a GalìIen

7 . Da

reþnna

gregoriø

do

&lerddrìo

à

condawçtu

de Galileo

As

hipóteses astronômicæ são simples

artifícios

destinados a salvar os fenómenos; desde

que atinjam

ese

objetivo,

ná-o se

lhes

pede

que

sejam verdadeiras

ou

mesmo que sejam verosímeis.

Essa

opinião

parece

ter

sido geralmente aceita pelos astrônomos e teologos, desde

a

publicação

do livro de

Copémico

e

do

prefácio de

Osiander

até

o

momento

da

reforma

do

Calendário. Pelo

contnírio,

durarrte

o

meio

século que separa a reforma

do

calendário

da

condenação

de

Galileo,

nós

a vemos relegada ao esquecimento, ou

mesmo violentamente combatida

em nome

de

uma

realismo

geral;

esse realismo

quer

encontrar

nas hipóteses astronômicas afumações sobre a natureza das coisas;

exige, desde

o

princípio,

que

essas hipóteses concordem com as

doutrinæ

da Ffsica

e com os textos das Escrituras.

O

síbio jesuíta

Cristophorus Clavius, de Bamberg, compôs

um

amplo comentário à Sphaera de Sac¡o-Bosco. As duas primeiras edições

dese

liwo,

impresas

em Roma

em

1570

e

L575, nã'o se detinham na discussão de hipôteses astronômicas; em 1581,

Clavius

publica

uma

nova

edição

"ttwltis

ac

vørüs

locß

locupletøtar";

no

verso da

folha de rosto,

o

auûor enumera as adições

com

as quais enriqueceu essa terceila

edição; entre

esas

adi@es encontra-se

uma

"dísputatb

peruti6s de orbibus

eccen' tricís et'epicyclis contra

norawhs

philonplos"

.

Essa

disputøtro,

intitulada

"Eccentríci

et

epicycli

quibus

gar"vo¡téuotÇ ab

astro-nomís

invenit

wnt

in

cæb",

é

bastante extensa,

pois

ocupa

27

figtr.as

impressas

em

tipo

pequeno2;

é

também

muito

interessante,

pois

examina

não

apenas

o

sis-tema

de

Ptolomeu,

mas

ainda

as hipóteses

de

Copernico.

Clavius, aliás, admira a

obra

do

astrônomo

de

Thom;

quando

trata

dos

inventores

da

Astronomia,

cita

seu

nome

várias vezes; menciona

o

tratado

De rqofutbnibus orbium

wlestium e

æ

Tabulæ

prutmícæ;

chega

a

æ

referir

a

Copémico

como:

"esse excelente geômetra

que,

em

nosa

época, ergueu

a Astronomia,

e

que a

posteridade

toda,

em seu

reco-nhecimento,

celebrará

e

admiraní como igual

a Ptolomeu"; tais

sentimentos

dÍo

um peso especial à

crltica

que o autor val-fazet dæ hipóteses copemicanas.

"

Uma outra

circunstância aumenta a importância dessas críticas; membro da

Com-panhia

de

Jesus,

Clavius

fazia parte, como

nos conta3, da

comissão

instituída

por

Gregório

XIII

para

preparar a

reforma

do

calendário: ele parece,

portanto,

ser um

intérprete autorizado

das tendênciÍ¡s

que

se manifestavam

em

Roma nesse tempo.

Clavius expõea, para rejeitá-la,

a

opinião

que considera os excêntricos e epiciclos puras

tìcSes

destinadæ a salvar os fenômenos:

l

Clnistophorus Clavius (Christophori Clavii Bambergensis

ex

Societate Jesu)

In

Sphaeratn

Ioønnis de Sacro Bosco cotnntentarius nunc iterum ab ipso Auctore tecognitus, et multisacvøüs

Iocis bcupletatus, Permissu superiorum. Romae, 1581, ex oflici¡a Dominici Basae,

2clavius, In

Sphaemm commentarius,p, 416-42,

3clavius,.fn Spha

eram co mmentarius, p. 61, aclu"iur, In Sphaeram æmmentarius,p. 434-5,

(2)

-r

86

Herre Duhem

,,Certos autorcs

-

tliz

ele

-

aceitam que Sc

posa

tlcferrder todos osçuwó¡rcva,

assur¡ilrdo-se orbes excôntricos

c

cpiciclos; nras

tlaí

rtão rcstrlta, ctìl suao¡riniÍÍo,

quc os ditos

orbes

cxistaltt

reallltctttc

tta

naturcz.a; clcs sâo purarncnte

fìctí-cìos;

rle

fato,

talvez. exista

unt outro

rrrótodo lnais cônrodo que

pcrnritiria

dc-t'encler to<las as aparôncias, cttrbora essc

ltlótodo

nos sejll dcsconhccir-lo; alóm

disso,

potle rnuito beln

ocorrcr (lue ils

al,arônci¿ts vcriladcir¿rs possittlì scr de-fenclidas

por

tais

orbcs,

uilrtla

r¡rre sc.iarn

conrplctantctttc

lictícios

c

ltãrr scjanl

de

fornta

nlguma as causas vettlurlcir¿rs tlcssus a¡rarórtcias; pois, clo [also, potlc-se corrchrir o vertladciro, cottttl rcstllta tla l)ialótica

tlc

Âristírtclcs.

"Essas raz.õcs ¡rorlenr itinrla scr

conlìnlatlas tla

scguirrtc tlìalìcir:t: ctn sult obra

intitufatla De retohttit¡nil¡us

orl¡iutn u*lcsthtm,

Nicolatl

Ctlpórnico salva todos os

çanó¡teua

J)or

unì outro

carnirrlr(), sup(5e <¡uc

o

f

irtttatrtcllttt é fixo

c irrróvcl,

supõc igualrrìc¡te

o

Sol ilnrivcl

¡ro

ccnt¡o clo

LJnivctstl; t¡uattto

iì'l'crra,

atri-builhc

ur¡

triplo

lrrr¡vinrclrlo. Os cxcô¡ltric()s

c

os cpiciclos tìÍio

sfo,

¡rortattto,

¡tcccss¿irios ¡rarit sitlvur trs,pcvrtrd¡,tt-'r;tt tltls asl ros

crrltlltcs'

.

."

Clavius sc recusÍt a rendcl-sc.

ì

lorçlr tlcsscs lttgtttltctttos.

"Se

elcs posst¡cnì urrr

nri:ltrtlo

tnais crìrnt¡tlo

-

tliz

clu tlat¡trcles

(luc

os

strstcn-ta¡t

que nos

nrostrcll lirl

rrrótotlo, rríls ctttíio ficurcttttls sltlisfcitos c lllcs

tlcvo-tarc¡tos

unt Brandc

rccolrlrccilncnto.

l)c

l'attl, os itsl ttìrtorllt)s sc cslìrtçltrtt

ttltica-r¡crrte

pa¡a s¿lvar tl¿r fìrrn¿r

rlltis

crinrotl¿t

totltls

os gturt't't¡tcrrtt

tlo

('c{tr , scja ¡xlr

llrcio

dos cxcôlrlritt,rs

c

tltrs c¡ricirrlos, sc.ia

ptlr

t¡ttltlt¡ rtr:t

ttrtlro

¡rtocctlilltctlto.

Ora,

co¡1¡r

rìâo sc

unutlrlrtiu

¿rtú iu¡rri

rtcnltttttt ntóttldo

tltitis

r:tllllodo

do

quc ar¡uelc r¡rrc

sllva

totlrrs irs r¡rirrûrrcius corn a ajurlit tltts cxcôlttricos c tlos cPiciclos,

sorrros

ftrrçlclos

irtrrr.tl

it:rr

r¡rrc

¡s

uslcrrs cclcstcs siìo cttttst itt¡

ítlls

¡ror orbes

dcssa es¡rócic."

Sc

firr

tlbjeta,tlo

l

('l¿rvius tlrrc a rcrrlitlade dc ccrtas lripótoscs ttfio pttdcria scr

prova-{a

por

scu ircortlo

conr os

fìrrrìrrrc¡ros,

¡rois

a

ittt¡rossibilitl¿rdc

dc

otrt¡as lripóteses capazcs

dc

salval rrrj lìrcslrits aparirrcias

rtÍo

cstá cstabclr:cidit

tlc

lolllta

algurlla, ele

lecusurii

vivlr¡lcrrtc

ussir ob.jcçiio;cla arruirtaria,

tliz clc,

toda a lìísica, ¡rois cssa ciôttcia rJ

tot¡llllclltc

coltstruítli¡

rccrrantl,r-sc tlcls elr:itos iìs cat¡sas. Scsscltta attos atttcs, Luiz Coronel lravia

jiÍ

irrtl icatlo essa rrcccssidarlc

tlc colììparrr

as teoriâs da Física às

tloutri-nas astronôrr.ticus

No clltalrto,

tl

lattl

tlc (luc

('()l)ónìico conseguitt salvar os lcttóttlctlos

por

rrteio de

unr

sistcrla

tlistinto tlo

de

l'tolonrer¡ lcva Clavius a atcttuat's srras alìrnraçõcs rcalistas,

a cluasc rcduzi-las àquolas (ltrc

(;iutttini

I'or¡llulou.

"Não d rrada sLrr¡rrccrìdcntc (¡rc Copórnico tcrrlra conscguitlo salvar ostpaLvólJeua

por

un1

outlo

calrrirrho. Os nrovinlcntos dos cxcôntricos e dos epiciclos fiz.cratn corìì que elc cottlteccssc

o

lcttt¡rtl,

a grlrtdcz.a, a qualidade das aparôrlcias, tanto

tClouiu*,

(3)

SALYAROSFENOMENOS

87

Envb

vbre

anoiø

ite

tæria

fßica

de Platão a Galileo

futuras quanto pasadas; como era extremamente engenhoso, conseguiu imaginar

u-

novó método, mais cômodo, em sua

opinião,

para salvar as aparências... da conhecemos uma conclus

gismos que a

tiram

de Pre excêntricos e

epiciclos,

a

obriga, ao invés disso, a supô-los.

os

astrônomos imaginaram esses orbes porque os fðnômenos lhes ensinaram, de uma manefua mais

do

que certa, que os astros errantes não permaneciam sempre à mesma distância da Terra. . . Tudo o que se

fenômenos."

Esa

conclusão é, quase textualmente, a prudente proposição que havia sido

formu'

Ptolomeu.

de todo

movimento;

todas essas coisas que repugnam

à

doutrina

comumente recebida dos fïlósofos e dos astrônomos. Além disso, como vimos de modo mais

completo

no

primeiro capítulo6,

essas afìrmações parecem contradizer aquilo

qrr.

ãr

Santas

iscrituras

ensinam em

um

grande número de pasagens.

É

por

is-so que nos pafece que a opinião de Ptolomeu deve ser preferida à de copemico.

(4)

-T

88

Piene Duhem

"De

todas essas discussões resulta a seguinte conclusão: é provável que existam

excéntricos e epiciclos; é igualmente provável que existam

oito

ou

dez céus; de

fato, ese

número de

céus

e

essas órbitas

foram

descobertos pelos astrônomos

por meio dos

çutv

o¡tëvotg."

A

poúção adotada

por

Clavius com relação às hipóteses astronômicas pode ser defì-nida nestas p

As

hipóte

tão

exatamente e tão como'

damente

qua

sejam aceitáveis'

Antes

de

certas; mas' Pelo menos,

de-ve-se

exig

is.

Para

q

é preciso que não sejam incompatíveis com os princípios da

Flsica

s0, que nâ'o estejam em contradição com os ensinamentos da Igreja e com os textos dæ Escrituras.

Àrrito,

são impostas duas condições de aceitabilidade a toda hipótese astronÓmica que deseje penetrar na Ciência:

Ela nã'o deve ser/ø/sa tn Phibsophia.

Ela

não deve ser

trtonea

in

Fide,nem,

por razão ainda mais

forte,þrmolitü

høere-tica,

Esses são os próprios

critérios

aos quais a Inquisição submeterá,

em

1633, as duas

lripóteses

fundamentais

do

sistema

de

Copernico.

Ambas

lhe

parecerão

fabae

in Philosophia; uma the parecerá ad minus erroneo in Fíde, e a oulra

formnlitø

høeretica; e por isso o Santo Ofibio

proibirá

a Galileo sustentá-las.

Três anos antes que esses dois sinais que

peìmitem

reconhecer umahipótese

astro-nomica

aceitável tivessem

sido

indicados

na

obra

publicada

em

Roma pelo jesuíta

Cluistophorus

Clavius, eles haviam sido igualmente formulados e aplicados, na outra

extremidade

da

cho Brahe.

De

fato,

foi

redigiu os

oito

primeiros capítulos de sua

obra sobre

o

co

rópria

obra somente tenha sido publicada

em

1588E.

No

início

do oitavo livroe,

Brahe expõe as razões pelas quais ele acredita

que

deve

rejeitar

ao mesmo

tempo

o

sistema de Ptolomeu e o sistema de Copémico,

para propor uma nova teoria.

Rámitin¿o

que a rotação

do

deferente de

um

planeta é uniforme não em

tomo

do

centro

do próprio

deferente, mas em

tomo

do centro do

equante, Ptolomeu adotou "hipóteses que pecam contra os primeiros princípios da arte". Tycho levou, portanto,

em consideração

7Cf. Hou""uu e Lancaster, Bibtiographíe gënërale de I'Astonomie, v. 1, p. 596.

gBtuht,

(5)

SALVAROS

FENOMENOS

Envio

gobre a rnção de teoria físíca de ptatdo a Galiteo

".

.

.

a

inovação recentemente

introduzida pelo

grande Copérnico, segundo o

espírito

de Aristarchos de Samos. . . Ela evita completa e sabiamente tudo o que havia de superfluo

ou

de discordante

no

sistema

dePtolomeu;elaemnadapeca

contra os princípios da

Nlaternítica. Mas ela

atribui

à Terra, a esse corpo gros.

seiro,

preguiços,

incapaz

de

mover-se,

um

movimento

tão nipido

quanto

o dessas

tochas

etéreas,

e,

ainda mais,

um

movimento

triplo.

Com

isso,

ela

se

encontra refutada ndo apenæ em nome dos

princípios

da Física, mas ainda em

nome das autoridades das Sa¡ltas Escrituras; estas, de

fato,

como nós

o

expore-mos, depois, de uma forma mais completa, afirmam repetidamente a imobilidade

da Terra. . .

"Pareceu-me,

portanto,

que os dois tipos de hipóteses (as de Ptolomeu e as de

Copémico) implicavam graves absurdos. Por isso, recolhi-me profundamente em

mim

mesmo, tentando descobrir alguma hipótese que

fose,

sob todos os

aspec-tos, rigorosamente estabelecida,

tanto do ponto

de vista das Materruíticas

quan-to

do ponto

de vista da Física; que nâ'o

fose

obrigada a usar de subtertúgios

pa-ra

evitar

as censuras teológicæ

e,

enfim, que

satisfizesse plenamente

os

fenó-menos celestes".

89

Os

princípios

colocados

por

Osiander em seu célebre prefácio não parecem a Ty-cho Brahe mais do que subterfrrgios destinados a

evitar

as censuras teológicæ. As

hi-póteses astronômicas não devem apenÍui salvar os fenômenos; devem ainda concordar, ao mesmo tempo, com os princípios da

Filosofia

peripatética e com os textos das

Es-crituras, pois elas não exprimem apenas ficções, mas realidades. As hipoteses de

Copér-nic

ncias, devem ser rejeitadas, pois nâ-o podem estar

de

Tycho

B¡ahe

voltou

a falar nisso na obral 0 que

foi

após sua morte:

"A

disposiçã'o que

o gande copérnico atribuiu

iìs revoluções aparentes dos

cor-pos celestes é extremamente engenhosa e bem adaptada, mas, na realidade, nâ'o

corresponde à verdade."

'

As opiniões professadas

por

Tycho Brahe sobre a natureza das hipóteses astronômi-cas espalharam-se na Alemanha durante

o

final

do

século

XV

e os primeiros anos do século

XVL

Temos diante dos olhos

o

manuscrito de um pequeno t¡atado de Astronomia, conÞ

igido

em Wittemberg, em

ol

l.

Apesar de seu caráter

essa pequena obra é singu-ensava sobre

æ

hipóteses roTycho

.Brahc, Astrcnomiæ instauratæ ptogymnasta, quorum hæc prima pøs derestitutktne

ntotuttm Solis et Lunæ stellarumque ¡nerrantium tractat,lJ:ø;niburgi, i589, absoluta pragæ

Bro-hemiæ, 1602. Ver Tycho Brahe, Opera omnia,parte

l,

p. 4.

^

tt"PO

Ho¡st, Tlactatlrs

in

arithmeticam Logisticam llittebagæ privatim prcpositus a M.

Georg._ Horstio Torgensi Anno 1604.

-

Intrcductío

ín

Gømetríam

-'Expticatb

brevis ac

(6)

90

PiqteDuhem

astronômicas

no início do

século

XV[I,

na célebre Univenidade Protestante; ela nos

permite

apreciar

"

..ptiiuor_

da

mudança que

foi

introduzida,

em

meio

século, no modo de ver esse

.*ruritã,

após a época em que Melanchthon e Reinhold ensinavam na mesma Univenidade.

demonstram que o objeto ocorre,

'

.

,.chama-se

gawópeua

tudo

aquåo que,

no céu,

oferece-se â obsewação de

nosa

visão.

lhantes."

(7)

SALVAROSFENÔMENOS

ql

Ensb

wbre

a

noçfu

de tæria ftsìca de Platão a

Gslileo

'

'

Os

adverúrios

do

sistema

de

Copemico apoiavam-se

a

cada dia mais firmemente

neste

princípio:

as hipóteses astronômicas exprimem realidades físicas. Parece que essa

atitude

poderia

ter

levado os copernicanos a

tomar

a

atitude

oposta, a manter, como Osiarrder, que as hipóteses astronômicæ são puros artifr'cios destinados a salvar os

fenô-menos. De

fato,

se admitissem que as hipóteses astronômicas devem conformar-se com

a natureza dæ coisas, eles obrigatoriamente colocariam seu sistema em grande perigo.

Por

um

lado,

suas suposições contradiziam os próprios

princípios

da Física

peripaté-tica

que

a

maior

parte dos fìlósofos considerava como certos; zuæ doutrinas

arruina-riam

eses

princípios

sem nada

propor

que pudesse substituí-los; a hipótese

do

movi-mento

da Terra,

por

exemplo, era inconciliável

com aquilo

que a Escola ensinava

so-bre

o

movimento dos projéteis, e nenhum copemicano havia tentado fornecer uma no-va

teoria dese

movimento. Por

outro lado,

o

movimento

da Terra e a imobilidade do

Sol pareciam formalmente negados pelæ Santas Escrituras,

e

essa objeção devia pare-cer especialmente

forte

a homens que, católicos

ou

protestantes, eram, em sua maior

parte, cristãos sincero s.

Todos os motivos imagináveis deviam,

portanto, inclinar

os copernicanos em di¡e-ção ao

partido

que lhes era recomendado pelo prefácio do

tratadoDe

Revohttionibus;

mas

foi o

partido

oposto que eles adotaram. Com

muito

mais ardor do que os

ptole-maicos, pusefam-se a afirmar que as hipóteses astronômicas deviam ser verdades e que

as suposições de Copémico eram as únicas de acordo com a realidade.

Não

foi

apen¿ìs com ardor que Giordano Bruno combateu a opinião de Osiander em

um de seus mais urtigos escritosl 2

;

ele a ataca com a mais brutal groseria. Ele conta que, segundo certas pessoas,

"...Copémico nâ'o

teria

adotado a opinião de que a Terra estivesse em

movimen-to,

pois

essa

é

uma suposição inconveniente e

imposível;

ele

teria atribuído

o

movimento à Terra e não à oitava esfera tendo em vista unicamente a

comodida-de dos cálculos."

O

fìlósofo

de Nola declara que

"...

se Copémico

tivese

alumado

o

movimento da

Tena

apenas por essa causa,

e não

por

alguma

oulratazlo,

isso lhe pareceria pouco, e mesmo

demasiadamen-te

pouoo;

é

certo que

Copérnico acreditava

nese

movimento exatamente

como o afìrmava, e que ele o provava com todæ as suas forças." Bruno fala, em seguid4 de

"...

uma certa carta preliminar adicionada ao

livro

de Copémico por não sei que asno ignorante e presunçoso; ele queria, parece, desculpar o autor; ou então que-l2ciorda¡ro Bruno;

Ia

cenade

le ceneri. Desritta in cinque diatogi,perqtuttro ínteilocutori, @n tre consideratbni, circø doi suggeti, all'uníæ refugb de Ie

ll[we.

LïIlusttíssi.

Michel

di Castelnuovo. 1584. Reimpresso em: Le opøe italiane

di

Gbrdano Bruno,ústzmpate da Paolo

(8)

92

Piqre

Duhem

ria

que, também nesse

livro,

não

faltasem

aos outros asnos ¿ls folhagens e os

quenos frutos, que, então, ele mesmo teria tratado de lhes fomecer, para que nâ'o

corressem o risco de

partir

sem o desjejum".

Depois

de

apresentado em

termos

tão

corteses,

o

próprio prefilcio

de Osiander é

citado.

"Eis

o

belo porteiro! -ProssegueGiordano

Bruno; eis

como ele sabe abrir-vos

corretamente

a porta

para introduzir-vos

à

particþaçâ'o

desa

ciência

muito

digna, sem a

qual

a arte de contar e a de ntedir, a Geometria e a Perspectiva,não

seiiam mais

do

que

um

pæsatempo de

loucos

engenhosos!

Admirai

como ele serve fìelmente ao patrão da casa!"

Apesar do mau gosto desses sarcasmos, Giordano Bruno tem razão quando denuncia a contradição que existe entre

o

prefácio de Osiander e a carta de Copérnico ao papa

Paulo

III;

tem

tazão, quando pretende

que

Copernico

"nfo

apenas

faz

o

papel do

matenrático que supõe

o

movimento da

Terra,

mas ainda

o do físico

que o

demons-tra."

O

realismo

profesado pelo Filósofo

de

Nola

sobre

æ

hipóteses astronômicas

está bem dentro da tradição de Copémico e de Rhaeticus.

Johann Kepler

é,

sem

dúvida, o

mais

fìrme

e mais

ilustre

representante dessa

tra-dição.

No

próprio

prefácio de sua primeira obra, o Mysterium cosnogmphicutn 13, impres-so

em

1596, Kepler nos conta que, seis anos antes, em Tübingen, quando

auxiliar

de Michaelis Maestlin, ele

fora seduzido pelo-sistema de Copémico:

4A partir

desse momento, eu

tinha

a intenção de

atribuir

â Terra

nfo

apenas o

movimento

do

primeiro

móvel

mas aínda

o

movimento

solar; e enquanto que

Copémico

lhe atribuía

movimentos

por

razões matemáticæ, eu os

atribuía

por

razões de Física, ou, se vós preferirdes, de Metafísica."

.Kepler

é

protestante,

profundamente religioso;

nfo

consideraria as hipóteses de Copémico como conformes com a realidade se elas

fosem

contraditadæ pela Santa

Escritura; antes,

portanto,

de penetrar

no terreno

da Metafísica

ou

da Flsica, ele pre-cisa atravessar

o

da Teologia. "Desde os primórdios dessa discussão sobre a natureza

-diz

ele

no

começo

do

cãpítulo

I

do Mystøium cosmogrøphicumra

precisamos

tomar cuidado de nada dizer que seja contrário à Santa Pscritura."

l3Joh*

Kepler,

hodronas

dissertattJnum cosmogtaphicarum æntíneils mystqìum Lvsno-graphicum de admirabili proryrtione orbium æIestium deque causß cæ.Iorum numeri,

rwnrtu'

dinis, motuumque periodicorum genuinis et ptopiís, demonstratum per quinque regularia corpom

geometrica

a

M.

Joanne Keplero lilirtembergio. Tubingæ excudebat Georgius Gruppenbachius,

Anno 1596. Reimpresso em: Joannis Kepleri astronomi Opera Otrniø eiJ.idtt Ch. Frisch, Frankfu¡t

am Main et Erlanger, 1858, v.

l,

p. 106.

(9)

-93

Kepler indica, assim, aos copemicanos

o

caminho que eles serão obrigados a seguir a

partir

de então; realistas, querem que suas hipoteses sejam conformes com a natureza das coisas; cristãos, admitem a autoridade do Texto sagrado; ei-los, portanto, conduzi-dos

a conciliar

su¿rs

doutrinas

astronômicæ

com

a Escritura,

e

ei-los obrþados a se

transformæ em teólogos.

Eles

teriam

escapado a

esa

obrigação, pensando, sobre as hipóteses astronômicas,

aquilo

que

Osiander pensava;

aqueles

que

seguem

fielmente

æ

indicações de

Copémico e de Rhaeticus nâ'o podem

tolerar

a

doutrina

exposta

no

célebre prefrício. nCertas pessoas

-

diz

Keplerr

s

-

¡ulgam obter autoridade da analogia com uma demonstração excepcional que, de premissal falsas,

por

uma dedução silogística

rigorosa, retira uma conclusão verdadeira;fortalecidos por esse exemplo,

preten-dem que as hipóteses que agradam a Copémico podem ser falsæ e que, no

entan-to,

os verdadeiros

garzd¡rezo

podem

delas decorrer

como

de seus princípios próprios; eu jamais

partilhei

desa opiniâ'o...

"Tudo

o

que Copérnico descobriu a

postdorL tudo o

que demonstrou pela visâ'o através de axiomas geométricos, eu

nlio

hesito em declarar que poderia ser

demonstrado a

priori,

de modo a exclui¡ toda hesitação e a obter mesmo a apro-vação de Aristóteles, se ele ainda vivesse."

Em

1597, Rymer Baer publicava, como vimos antesl 6, seu escrito De hypothesibtts østrcnomicis. Ele retomava aí as doutrinas que Osiander havia exposto sobre as

hipote-prefácio do

livro

þbre

asrevoht@æ;mas,

á da obra de Ursusl ?, as idéias do

editor

de

s engpnadores.

se

üal

E, por exemplo, qu

descrição

fictícia

de uma forma imaginária

do

sistema do Mundo, e

nÍo

a forma real e

verdadeira desse sistema", pensamento que Lefèvre d'Étaples desenvolvera

magnifica-mente;mas aí

se

lia

t¿mbém que "as hipóteses não seriam hipoteses se

fosemverda-deiras"; que "é

próprio

das hipóteses fazer o verdadeiro surgir do

falso";

nessæ afìrma-ções,

o

autor brincava com as palavras; se, na linguagem vulgar, a palawa

hþôtæe

lo-mbu

o

sentido de suposição duvidosa,

filósofos

e astrônomos mantinham para ela seu

signifìcado etimológico, o de proposição fundamental sobre a qual repousa uma teoria.

Pa¡a

refutar

Raymarus Ursus,

Kepler

compôs, em 1600

ou

1601,

um

escrito que permaneceu inacabado e que

não

foi

editado senão em nosso tempot n. Esse escrito

nos deu importantes

ensinamentos

históricos

sobre

o

prefácio

que

abre

o

livro

De

revofutbnibus orbium

cælestium; vai agora fazer-nos conhecer a opiniã'o exata de

Kepler sobre a natureza das hipóteses astronômicas.

1 sKepler,

Opera omnia,v.

l,

p. 1l 2-113.

l6ver

capltulo 6, nota 2. r 7Não pudemos consulta¡

esta obra.

I EKepler,

Opera omnia,v,

t,p,242.

lgJohun

r

Kepler, Apologia Tychonis @ntta Niælaum Raymtum [Jrsum. Em; Kepler, Opcra omnio ,v.

I,

p. 215.

SALVAROS

FENÔMENOS

(10)

I

94

Herte Duhem

"Na

Astronomia,

como em toda outra

ciência

-

diz

ele2o

-

nós levamos a

Srio

æ

conclusões

que

ensinamos

ao leitor, daí

excluindo

tudo o

que seria simples

jogo

intelectual. ketendemos, portanto,

persuadi'lo da veracidade de

nossas conclusões.

Ora, para que

um

silogismo possa

conduzir

legitimamente a

uma

conclusão verdadeira,

é

preciso

que

as premissæ, que são aqui as hipó-teses, sejam verdadeiras.

Não

atingiríamos,

portanto,

nosso

fim,

que

é o

de

mostra¡ ao

leitor

a verdade, a não ser

partindo

de duæ hipóteses, ambas

verda-deiras, para chegar à conclusâo segundo as regr¿Iri

do

silogismo. Se

o eno

pene-trou

em

uma

das duas hipóteses

que foram

tomadÍui

como

premissas,

ou

nas

duæ

ao mesmo

tempo,

pode

de fato

ocorrer que

daí

decorra

uma

conclusão

exata; mæ, como eu

jií

o

disse no capítulo I de meu Mys t erium co smographicum,

isso não ocorrerá senão

por

ac¿¡so, e não ocorrerá sempre.

.

. Um

provérbio diz

que

os mentirosos precisam

ter

boa memória;

o

mesmo ocorreria com as

hipó-teses falsas que tivessem levado

por

acaso a

uma

conclusão

justa;

no

decurso

das demonstrações,

à

medida

que

elas

forem

aplicadas

a

casos cada

vez

mais

variados,

não

manterão sempre esse

hábito

de fomecer conclusões verdadeiræ; acabarão

por

trair-se. .

Ora,

nenhum dos autores de hipóteses que

considera-mos

célebres gostaria

de

èxpor-se ao

perigo de

enar

em

suÍts conclusões; daí

resulta que

nenhuut deles desejaria c.onscientemente

aceitar entre

suæ

hipó-teses

uma

proposição corrompida

pelo

eno,

Por

isso, vemo-los mais

frequen-temente preocupados com as hipóteses que devem ser admitidas

do

que

com

a

seqüência de demonstrações, ou de conclusões; todos os autores célebres que

a-pareceram até

hoje

examinam suas hipóteses

com

a ajuda de razões que lhes são

fornecidas

pela

Geometria

e

pela

Ffsica

e desejam

conciliálas tanto

cotn uma como com

outra."

Não existem hipoteses

disti¡tas,

embora equivalentes? Incapazes de ser

simultanea-mente verdadeiras, não conduzem elas,

no

entanto, a conclusões idênticæ? O teorema

de

Hypparchos,

que permite

representar

o

movimento

do

Sol indiferentemante seja

por

um excêntrico, seja por um epiciclo rolando sobre um

círculo

concêntrico ao

Mun-do,

fornece

um

exemplo clássico. Isso não é a prova de que conclusões verdadeiras

po-dem ser deduzidas de uma hipótese, embora nenhum astrônomo

posa

dizer se a

hipó-tese é ou não verdadeira?

Na

opinião

de Kepler, essa incerteza é própria do astrônomo que, no exame dæ

hi-póteses, não quer apelar senão às razões matemáticas; o emprego simultâneo dæ razÕes

da Geometria e das razões da Flsica fará certamente com que essa incerteza

desapare-ça:

"Àquele

que pesar todas as coisas segundo essa regra, eu não sei se lhe ocorrerá

encontiar uma sô hipótese, seja simples, seja composta, que não termine por

pro-duzir uma

conclusâo

particular,

separada e diferente da conclusão que poderia ser fomecida

por todæ

æ outras hipóteses. Se as conclusões das duæ hipóteses

coincidem

no

domínio da

Geometria, cada

uma

dessas hipóteses levará a uma 2oKeplet, Apología Tychonís, Opëra omnia ,v,

l,

p, 239.

(11)

SALUAROSFENÔMENOS

95

Ensab

vbre

a

noçfu

de teoriø îísica de Platão a Galíleo

conseqüência especial

no domínio da

Física. Porém,

os

s¿íbios

nem

sempre

consideram essa diferença

que

se manifesta apenas

no

domínio

da Física; fre' qüentemente, obrigam seu pensamento a não sair dos limites da Geometria e da

Astronomia; é permanecendo dentro dos limites dessas duas ciénciæ que eles

dis-cutem a questão da equivalência das hipoteses; fazem abstração das

conseqüên-ciæ

diferentes

que,

em relação às ciénciæ

vizinhæ,

fazem desaparecer

ou

ate-nuam essa pretensa equivalência."

A

equivalência de duæ hipóteses distintas ndo pode,

portanto,

ser mais do que uma equivalência parcial; se algumæ conclusões podem ser deduzidæ igualmente de duas

hi-póteses inconciliáveis, isso não ocorre

por

causa dæ diferençæ dessas duæ hipóteses, mas por causa daquilo que existe de comum entre elas.

Reencontramos

aqui

os pensamentos

de

Adrastos

de

Aphrodisias

e

de Theon de Smyrna.

Kepler

nÍio

se contenta em

criticar

a doutrina sustentada por Osiander e por Ursus;

ele

quer,

ainda,

praticar o

realismo

do

qual estabeleceu os

princípios; o

monumento

mais considerável que seu gênio ergueu desse realismo, aEpitome

Astnrnmiæ

Øper-nicanæ,traz-nos o testemunho disso.

O

realismo se afìrmadesde

o

início

do primeiro

livro

dessaobra:

"AAstronomia-diz

Kepler2

I

-

é uma

parte da

Ffsica";

e a importáncia desse aforismo toma-se lo3o

marcante naquilo que o autor nos diz2 2

De

cusis hypotlæsium:

"Um

terço da bagagem

do

astrônomo é a Ffsica; em geral, não é considerada ne-cessária ao astrônomo; e, no entanto, a Ciência do astrônomo tem grande

impor-tância para

o

objetivo

desa

parte

da

Filosofìa,

que, sem

o

astrônomo,

nfo

se

completaria. Não se deve, de fato, conceder aos ætrônomos a licença absoluta de

imaginar seja

o

que

for,

sem razâ'o suficiente.

E

preciso que se possa dar razões prováveis das hipóteses que se pretende serem as verdadeiræ causas das

aparên-ciæ; deve-se,

portanto,

procurar inicialmente os fundamentos da Astronomia em

uma

Ciência mais elevada,

euero dizer,

na

Física

ou na

Metafísica;

por outro

'

lado,

sustentados

por

esses argumentos geométricos, físicos

ou

metafísicos que

são fomecidos

por

vossa ciência

particular,

não vos é

proibido

sair dos limites

dessa Ciência para disconer sobre objetos que pertencem a essas doutrinæ mais elevadas."

Ao

longo de seu

Epitome,

Kepler não perde ocasiã'o alguma de apoiar suas

hipóte-ses

por

argumentos que

lhe

são

fomecidos pela

Física e pela Metafísica. Que Física

e que Metafísica! Mas este não é o local adequado

pan

daer que estranhos sonhos, que imaginações pueris

Kepler

designava

por

esses

dois

nomes.

NiÍo

queremos investigar

2lJoh"nr, Kepler, Epitome Astronomie

Copønicanæ usitata lorma quæstionum et respn-sianum conscr¡pta, inque

VIII libns

digesta, quorum

hi

tres prbrcs sunt de doctrina physica,

auctore Joanne Kepplero, Lentüs ad Danubium, excudebat Johannes Plancus, anno 1618.

Reim-presso em : Keplet, Opera omnia, v. 6, p,

ll9,

2 2

Kepler, E píto me, p.

I

20-12L.

(12)

96

Piene Duhem

como Kepler construiu sua Astronomia; é-nos suficiente saber como queria que ela

fos-se construída.

Ota,

sabemos

agola

que

ele queria

que

a

Ciência

dos

movimentos

celestes repousasse

sobre fundamentos

asegurados

pela

Física

e

pela

Metafísica; exigia que as hipóteses astronômicas nã'o fossem contraditas pelas Escrituras.

Além

disso, vemos

nos

escritos de

Kepler

afirmar-se uma

nova

ambição:

funda-mentada sobre hipóteses verdadeiras,

a

Astronomia

pode,

por

suÍls conclusões,

con'

tribuir

para

o

progresso da Ffsica e da Metafísica que the fomeceram seus princípios.

Galileo adota, inicialmente, as hipóteses de Ptolomeu.

Em

1656,

foi

impresso

em Roma

um

pequeno

tratado

de Cosmografìa23,devido

ao

grande geômetra

de

Pisa;

ese

tratado

foi

inserido

no

segundo

tomo

da

edição

das

obras

de

Galileo,

publicadas

em

Pádua

em

174424;

uma curta

observação do

editor

assinalava

a

existência

de

uma cópia

manuscrita desse mesmo opúsculo; de

acordo

com

essa cópia, Galileo havia escrito

o

texto

em

1606, pæa servir de manual

aos

estudantes

de

Pádua;

æ

edições posteriores das obras

de Galileo

reproduziram

esse pequeno tratado.

É, extremamente interessante compará-lo à

Expositio doctrinæ

sphæricæ redigida

por

Georg

Horst, dois

anos antes, em Wittemberg;

há uma

grande analogia entre as

tendências que

dirigem

os

dois

autores.

Galileo fala, inicialmente, como Horst,

dos diversos meios que são empregados na composição da Astronomia; ele asinala os

fenô'

menos, depois as hipóteses; como Horst, ele defìne as hipóteses:

"Certas suposiçÕ'es que se referem à estrutura dos orbes celestes, e que são tais

que

correspondem às

aparênciæ;...

e

como

estamos

nos primeiros

princípios

dessa ciência,

-

prossegue Galileo,

-

deixarèmos de lado os cálculos e demons-trações mais

difíceis,

e nos ocuparemos somente corfl as hipóteses; esforçar-nos' emos para confìrmá-læ e para estabelecê-las com a ajuda das aparências."

Como Galileo

concebe essa

confirmação

hipóteses?

Pedirá

apenæ

que

elas

snlvent os

fenômerns,

sem

eigir

que

sejun

verdadeiras,

ou pelo

menos verossímeis?

Ele também

não

se satisfaz com

tão

pouco; como

Horst,

Galileo quer que os

funda-mentos

da teoria

astronômica estejam

de

acordo

com

a realidade; como Horst, pre-terrde demonstrá-los

com

a ajuda de provas clássicas fomecidas pela Física escolástica. Deve-se

notar

apenas uma diferença entre as demonstrações de Galileo e as de Georg

Horst;o

professor protestante de Wittemberg adiciona, sempre que pode, a

forçados

textos

das

Escrituras

aos raciocínios tirados

da

Física

de

Aristóteles;

o

professor

católico de Páduajamais apela a esses textos.

Quando Galileo adotou

o

sistema de Copémico, e7e o lez no mesmo espírito que o

havia

inspirado

quando aceitara

o

sistema

de Ptolomeu;

ele queria que as hipóteses

do novo sistema fossem na:o apenas

artifícios

próprios ao cálculo de tabelas, mas

pro-posições conformes

com

a natureza

coisas; queria

que

elas fossem estabelecidas 23Guljl.o Callilei, Trattato clella sfèra o CosmograJia di Galileo Galilei, matematico dello studio di Padova, Roma, 1656.

2aculil.o

CahIei, Opere

di

Galileo Galitei ctivise

ín

quattto

toní,

in questa nova edízione accresciute di nnlte æse inedite.In Padova, I744.

v,2,p.

514,

(13)

_Y

SALVAROS

FENÔMENOS

Envb

sobre a

noçfu

de tæria física de Platão a Galíleo 97

pelas razões da Flsica. Pode'se até

nico

pela Flsica é o centro Para o q

é

para

esse mesmo

objetivo

que

teorias de mecânico. Além disso, c

copérnico

fos

e uma verdade pudesse contradizer

as Escrituras

c

foi

levado a concilia¡ suas

afirma-ções com os

te

fez teólogo, como teslemunha sua célebre

cartaa

Santo

Offcio

em 1616.

Tais teólogos se apegaram

a

estas duæ hipóteses fundamentais

do

sistema de

Co-pérnico:

Sol est coentrum

nundi

et

ornnilg

immobilis tnotu

bcali; Tma non

est coen'

trurn

nundi

nec immobilis,

sd

secundum se

totam

movetu4 etíam motu

diurro

.

Perguntaram-se

se

es

Ões

traziam os dois

sinais que,

de

comum acordo, copemicanos

e

m

de

toda

hipótese astronÓmica aceitável: essas proposições

eram

a

boa

Física? Eram elas conciliáveis com a

Escritura inspirada divinamente?

Ora,

para os inquisidores, a

boa

Física era

a

Física de Aristóteles e de Averroes;

ela

lhes

ditava

claramente

a

resposta que deveriam

dar

à

primeira

questão: as duas hipóteses

incriminadæ

eram stultae et

abvrdøe

in Philosophia '

Quanto àEscritura, os consultores

do

Santo

Ofício

se recusavam a aceitar qualquer interpretação que

não

contasse

com

a

autoridade

dos

Padres

da

Igreja; a_resposta à

segunda questão era-lhes

por

isso imposta: a

primeira

proposiçâo

eraformaliterhaere-h'ca; a segunda eru ad mimts in

fide ernnea.

Nenhuma das proposições censuradæ apresentava as duæ ca¡acterísticæ que deviam assinalar toda hipótese astronômica aceitável: era, portanto, necessário rejeitá'las com' pletamente,

não u$-las nem

sequer

com

o

propósito único

de salvar os

fenôrrcnos'

bessa maneira,

o

Santo

Ofício proibiu

Galileo de ensinar, sob qualquer forma, a

dou-trina

de Copérnico.

A

condenação

do

Santo

Offcio

era a conseqüência

do

choque

ocorrido

entre dois realismos. Esse choque violento poderia ter sido evitado, o debate entre os ptoiemaicos e os copernicanos poderia

ter

sido mantido apenas no terreno da Astrcnomia, se tives'

sem

sidb

ouvidos os

víbios

preceitos acerca da natureza das teorias

científicæ

e das

hipóteses sobre as quais

elæ

repousam; esses preceitos, formulados

por

Poseidonios,

*Nota do traduto¡: Uma tradução desta carta

foi

publicada nos Cademos de História e

(14)

-f

98

Herre Duhem

por

Ptolomeu,

por

Proclos e por Simplicios, haviam sido conduzidos por uma tradição

ininterrupta

até Osiander, Reinhold e Melanchthon; mas pareciam agora completamen-te esquecidos.

Houve,

no

entanto,

vozes

dotadæ de

autoridade que fizeram com que fossem de

novo ouvidos.

Uma dessas vozes

foi

a

do

Cardeal Bellarmino,

o

mesmo que

iria,

em 1616,

exami-nar os

escritos copernicanos

de

Galileo

e

de

Foscarini,

em 12

de abril de

1615,

Bellannino havia escrito uma

carta a

Foscarini2

s,

cheia

de

sabedoria

e

prudência. Eis algumas de sua passagens:

"Parece-me

que

vossa Faternidade

e o

senhor

Galileo

agiram prudentemente,

contentando-se em

falar

æ

suppositbne, e

Ítlo

de uma maneira absoluta, como sernpre acreditei que Copérnico falara.

É

correto dizer-se que, supondo a Te¡ra

em

movirnento

e o

Sol imóvel, salvam-se todas as aparências melho¡ do que se

poderia

fazêlos

pelos excêntricos

e

epiciclos;

iso

bæta ao

matem:ático e não oferece nenhum perigo. Mas querer afirmar que o Sol realmente permanece imó-vel

no

centro

do

Mundo, que gira apenas sobre si

próprio,

seln passar do oriente para

o

ocidente,

que a Terra

ocupa

o te¡ceiro

céu e que gira com uma grande

velocidade em

tomo do

Sol,

isso

é

coisa

muito

perigosa; corre-se

o

risco não apenas de

irritar

todos os filósofos e todos os teólogos escolásticos, mæ ainda de

prejudicar a fé e

tomar

falsa a Santa Escritura.

"Se houvese uma

demonstração segura

de que

o

Sol

se ma¡rtém

no

centro

do Mundo, que a Terra está

no terceiro

céu, que não é

o

Sol

quegiraemtomo

da Terra,

mas

a

Terra

que

gira

em

tomo do

Sol, então seria preciso proceder

corn

muiio

cuidado na

explicação

da

Escritura.

.

. Mas não ac¡edítarei que

tal

demonstração existe, enquanto

não

a houverem mostrado a

mim.

Uma coisa é

provar que se salvam as aparências supondo que

o

Sol está

no

centro do Mundo

e

que

a Terra está

no

Céu;

outra

coisa é demonstrar que na verdade

o

So1 estd

no

centro do

Mundo

e a Terra

no

Céu. Creio que a primeira demonstraçã'o pode

ser dada; mas

duvido

muito

da segunda; e, em caso de simples dúvida, vós nâ'o

deveis abandonar a Escritura

tal

como ela

foi

exposta pelos Santos Padres. .

."

Galileo teve

conhecimento

da

carta dirigida

por

Bellarmino ao

Padre Foscarini;

diversos trabalhos, redigídos entre

o

momento em que teve conhecimento dessa carta

e

sua

condenação,

contêm

respostas

aos

argumentos

do

Cardeal;

a leitura

desses

escritos, dos quais

Berti publicou

pela

primehavez

alguns trechos, faz-nos captar em

sua r.ivacidade o pensamento de Galileo sobre as hipóteses astronômicas.

Um trechoz6, redigido

aproximadamente

no fim

do

ano

de

1615 e destinado aos

consultores

do

Santo

Ofício,

previne-os

contra

dois erros: o

primeiro

consiste em

pre-tender que

a

mobilidade

da

Terra

é, de

alguma

forma, um

imenso paradoxo e uma

25[,ssa carta

foi

publicada pela primeira

vez na seguinte obra: Domenico Berti, Copemico e le

vicende del sistema æpernicano in ltalia nella seconda metà del secolo

XVI

e nella príma de!

secolo XVII. Roma, 1876, p. 121-5.

26Be.ti, Copemico, p.

132-3.

(15)

l-Y

SALVAR

OS FENÔMENOS

Ensab soUre

i'ilçæ

tle teoriø ftsica tle Platõo a Galileo

99

nanifusta tolice,quc

até cntão

nâ.o

fora

dclnoltstracla

e quc

lìã'o podení

jalnais

ser

delnóltstracla. O scgundo é o

{e

crer c¡uc Copérnico c os outros astrônotttos que propu' sera¡t essa rlrobilidãde

"¡lo

acrctlitaranì

quc

cla fossc vcrdadcira de

fato c

na

natu¡e-2a,,,

rlue

clcs

apenas

a

ltouvessclll

adlnititlo

cotno

su¡rosição, a

fim

de potler

rnais

iaciirrrcnte

dar

ionta

das aparô.cias

dos

movintclttos cclcstcs,

a

liln

dc tornar

ntais

côrnotlos os ciílculos dos astrôltoltttls.

Ao alìr¡tar

r¡uc Copérnico acrcditava

na

rcali<Jadc clas

lri¡ótcses

lornlualadas no Iivro

De

revohttit¡ttibts c ao provar, pcla aniílise dcssa obra, t¡uc Clopórrtico nã'o adrlritia

apcnas

ex

su¡tpositb[c

a

ìilobilidacle

da

'l'erra

c

a

irrrobilidadc

do

Sol,

oolno

o

.lircrianr Osiarider

e

llcllar¡lirlr¡,

Galilco

prcscrvnva a vcrdade lristórica. Mas o que nos ¡ittcressa, nlais

do

quo

sua

opinião

dc

historiador,

é

sua opinião

de físico'

Ora, esta

potlc scr

facill¡eltte

atlivin¡ada

no

trcclro

que atralisattros. Cìalilco pensavaque a

reali-àade

do

movimento da Tcrra

nio

é

dc¡nonstrávcl, conto

estava dcntonstrada.

Este

pcnsantento

d

lrranilisto

lnais clarallrentc ainda

elll

ullì outro tcxto;

nele,

u.,uor.¡u.

Galileo

pcrìsava (¡trç

sc

podia detttottstrar as lripótcscs de Copórrrico, nras airrcla aprentlenror

rónro

clc qucria <¡uc a deutonstração

fosc

corlcluzida:

co¡rcluta

Iuuito

prudctttc ltão acrcditar2t

tluc

o

nlovilllcnto

da Terra

seja

suscctívcl de

dcntoltstraçfo cn(luallto

essu denroltstração llão

foi

exposta; assitn,

rrão pecliruos

qu.

patroá algunra acrcrlite elìr [¡nìa

taI

coisa sertl tlerrtotlstraçlo;

a única coisa quc querenìos ó que, para

o

bcltt

da Sarrta lgreja, exalrlille-se cotn

runla extrenta severida<lc tuclo

o

<1uc

foi

¡rroduz.ido

por

atlttcles (luc scguelll ttlì14

tal doutrina,

ou tudo aquilo quc po(lerialìì produzir; qt¡e lìão se aclntita llenltt¡tlta

de

suas proposiçõcs

a

lllellos (ltle os argutttctttos

{os

t¡rrais clas

tirallt

sua ftlrça ultrapasserrr-c¡r

¡luito

as razõci

tlo outro

partidtl;

(ltte sua opirliãtl scja rejeitada Sc eles ltãO tivCrcltr

a

SCu lavOr

tloventa

por

Cento

tlas

razõcs' Mas, ettt troca,

qua¡¿o

tivcr

sido provaclo

quc

a

opinião

f'onlccida polos

filósolbsc

astrôtlonlos

ia

partc

atlversa

-d

supcraburrtlantenrcntc falsa,

t¡ue

llÍo

telll

.absolutantcltte ',.,-,íru,r, peso, que não

ic

vá cntão dcsprczal'a

opilÌião

do prilrlciro

partido'

ou considerar essa

òpi¡ião

tão

paradoxal

inìpossívcl janrais dar-se

.

utna dctnorìstração clara soÙre ela.

É

para essc debatc, condi-ções

tão

amptai;

c

claro,

dc fato,

qu

o

partido

do

crro

¡lão

portem

ter

l)ara

si

rìcrìì razã-o,

tìenl

qt

ia

que

scja válida; pelo

ãontrário,

no

caso

do

partido da

verdadc,

é

preciso

tlue tudo

se harntoltizc c concorde.

.,É

vcrdaclc

quc

rrão é a nres.ta coisa rìlostrar quc,

supo'do'Se.lìxo

o

Sol

c

a

Tena

ntóvel, silvarn-sc as aparóncias, e dentonstrar (lue

tais

hipóteses são

real-nrente verdadciras

rla

Natureza; nìas

o

(luc

d bern nrais vcrdadeiro e diferelrtc,

C que cour

o

sistcttta cotltuntente aceito não se ¡rodc dar conta dessas aparências,

de

fornla

quc

esse sistenìa

é

indubitavehrìcntc falso;

da

¡rlesma forttta, é claro que

o

Sistema que colìcorda

uluito

bctn cotn as aparôncias pode ser verdadciro, e llâ'o se pode rìem se dcve procurar unla verdadc diferente ou maior que aquela que consiste em respotrcler a todas as aparôncias particulares'"

2 TBcrti,

(16)

-1

100

Piene Duhem

Se essa

última

proposiçlfo

fose um

pouco depurad4

seria f¿ícil

dela fazer

sair a

doutrina

sustentada

por

Osiander

e

por

Bellarmino,

ou

seja, exatamente a

doutrina

combatida

por

Galileo; a Lógica, assim, obriga

o

grande Geômetra de Pisa a formular uma conclusão diretamente oposta àquela que ele se vangloriava de haver estabelecido. Mas, nas linhas precedentes, seu pensamento aparece claramente.

O debate pendente mostra-se, a seu

espírito,

como

um

tipo

de duelo. Duas

doutri-nas estão

frente

a

frente,

e cada uma pretende

posuir

a verdade; mas uma diz a

verda-de, a

outra

mente; quem decidirá?

A

experiência.

A

doutrina com a qual ela se recusar a concordar será reconhecida como errônea, e,

por

isso, a

outra doutrina

será procla-mada

conforme com

a realidade.

A

queda de

um

dos sistemas adversdrios assegura a

certeza

do

sistema oposto, como, na Geometria, o abzurdo de uma proposiçã'o implica

a exatidão da proposição inversa.

Quem

duvidar que

Galileo tivesse realmente a

opinião

que

lhe

atribuímos sobre a

prova

de um

sistema

astronómico,

será convencido disso, cremos, pela

leitura

dæ seguintes linhas2 E:

"Para mostra¡

que a

posiç4-o

de

Copernico nâ-o

é

contrária às Escrituræ,

o

modo

mais rápido e mais seguro será, em minha opinião, mostrar por

mil

provas

que

essa proposição é verdadeira e que a posição contrária

nÍo

pode se manter

de forma

alguma;

a

partir de

então,

como duæ

verdades nâ'o podem se

con-tradizer,

é necesúrio

que essa posição reconhecida como verdadeira concorde com as Santas Escrituras."

Galileo

tem

mais

ou

menos a mesma opinião que será formulada por Francis Bacon

sobre

o

valor

do

método

experimental

e a

arte

de

us¿í{o. Concebe a prova de uma

hipótese como semelhante à demonstração

por

redução ao absurdo utilizada na

Geo-metria;

a

experiêncía, convencendo sobre

o

erro de

um

sistema, confere

a

certeza ao

sistema

oposto;

a

Ciência positiva

progride

por

uma

seqüência de dilemas dos quais cada um é resolvido com a ajuda de um acperimentum crucis.

Essa maneira

de

conceber

o

método

experimental estava destinada

a entrar

em

moda, pois ela é

muito

simples; mæ é completamente falsa,

que é simples demais.

Se os fenômenos deixam de ser salvos

pelo

sistema de Ptolomeu,

o

sistema de

Ptolo-meu

deverá ser reconhecido

como

efetivamente

falso.

Daí não

resulta,

de

forma

alguma, que

o

sistema de Copernico seja verdadeiro, pois

o

sistema de Copernico nâ'o

é pura e

simplesmente

a

contradição

do

sistema

de

Ptolomeu. Se as hipóteses de

Copémico conseguem salvar todas as aparências conhecidas, daí se concluirá que essas

hipóteses podem ser verdadeiras; não se concluirá que elæ são certamente verdadeiras;

para

legitimar

essa conclusão, seria preciso provar, antes, que

nfo

poderia ser

imagi-nado nenhum

outro

conjunto

de hipóteses

que

permitisse igualmente bem salvar as

aparências;

e

esta

última

demonstração

jamais

foi

fomecida. Na própria

época de

Galileo,

todas as obsewações que podiam ser invocadas a favor

do

sistema de

Coper-nico não podiam também ser salvas igualmente bem pelo sistema de Tycho Brahe?

2 8B.rti,

(17)

101

Essæ asserções

foram feitas com

freqüência, antes do

tempo

de Galileo. Sua

cor-reção havia

brilhado

aos olhos dos Gregos a

partir do dia

em que Hypparchos

conse-guiu

salvar igualmente o movimento

do

Sol

tanto por

meio de

um

excêntrico, como

por

meio

de

um

epiciclo;

São Tomás

de

Aquino æ

formulara com a

maior nitidez;

Nifo,

Osiander, Alessandro

Piccolomini

e

Giuntini

haviam-nas repetido após ele.

No-vamente, uma voz dotada de autoridade iria lembrálas ao ilustre pisano.

O

cardeal

Maffeo

Barberini, que

logo

seria elevado

ao

papado sob

o

nome

de

Urbano

VIII,

teve, após a condenaçâ'o

de

1616, uma conversa com Galileo

cujotema

foi

a

doutrina

de Copérnico;o cardeal Oregio, presente a essa conversa, deixou-nos sua descrição2e; nessas conversas, o

futuro

Papa desnudava, por considerações semelhantes às que acabamos de recordar,

o

erro secreto deste argumento de Galileo: como todos

os

fenômenos celestes concordam com as hipóteses de Copérnico, enquanto que eles

não podem ser salvos pelo sistema de

Rolomeu,

as hipóteses de Copérnico sã'o

segura-mente verdadeiras;

portanto,

estão obrigatoriamente de acordo com a Sagrada

Escritu-ra.

Segundo a nanativa de Oregio, o

futuro

Urbano

VIII

recomendou a Galileo

".

.

observar com cuidado se havia acordo entre as Santas Escrituras e aquilo que ele havia concebido sobre

o

movimento da

Tena,

para salvar os fenômenos

que

se manifestam

no

Céu e

tudo

o

que os fìlósofos

consideram comumente

como conhecimento adquírido,

por

uma observação e

um

exame minucioso, no que se

refere

aos movimentos

do

Céu e dos astros. Aceitando, de

fato,

tudo

o

que esse grande sábio havia concebido, ele lhe perguntou se estava fora do poder

e da sabedoria de Deus dispor e mover os orbes e astros de uma outra forma, e

isso,

no

entanto, de

tal

modo que

todos

os fenômenos que se manifestam nos

céus,

tudo

o

que

se

ensina sobre os movimentos

dos

ætros, sua

ordem,

sua

situação, suas distânciæ, suæ disposições, pudesse ser salvo.

"Se quereis declarar que Deus nâ'o poderia nem

saberia

fazê-lo

-

acrescentorf

o

santo prelado

-

vós deveis demonstrar que

tudo

isso

nfo

poderia ser

obtido

por um

sistema

diferente

daquele que concebestes, sem

implicar

contradição;

'

Deus pode fazer,

de

fato, tudo

o

que

não implique

contradição;

como,

além

disso,

a

ciência

de

Deus n¿[o

é inferior

a seu

poder,

se declararmos que Deus poderia fazê-lo, devemos também declarar que ele o saberia.

"Se Deus soube e pôde dispor de todas as coisas de um modo diferente

daque-le

que imaginastes, e isso de

tal

forma

que os efeitos enumerados

fosem

no

en-tanto

salvos, não devemos reduzir

o

Poder e a Sabedoria divinos a esse sistema que vós concebestes.

"Ouvindo essas afirmações, o gtande sábio manteve-se em silêncio,"

2eAgostino

O¡egio (Augustini Oregii S.R.E. Cardinalis, fuchiepiscopi Beneventani),Ad suos

in

universas theobgiae partes tractatus phibsophicum praefudium æmplectens quatuor

tmc-tatus.

Romae, ext typographia Manelphii, 1637,

p,

119.

A

mesma descrição encontra-se na

página 194 do t¡atado De Deo uno, escrito em 1629 pelo mesmo autor;

cf.

Berti, Coperniæ, p. 138-9.

SALVAROS

FENÔMENOS

(18)

lO2

PieneDulæm

Galileo a dewiar-se de

s

alcance do método

no valor

das

hiSteses

duviúí-lo. Em

seu

de

1632 sobre

os

dois

do,

ele declara, de

tempos

em

tempos,

que trata a doutrina de

Copernim

como uma

pura

hipótese

astronômica, sem pretendê-la verdadeira

na

natureza;

esses

protestos,

desmentidos pelas provas acumuladæ

pelo

interlo

da realidade das posições

de

Copemico,

não

sâ'o, sem

dúvida,

enfrentar

a proibiçã'o de

1616.

No

exato momento em

que

v

Simplício, o

peripatético

obstinado e

limitado

ao qual coube a ingrata tarefa de defender o sistema de Ptolomeu, conclui nestes te¡mos:

"Confesso que

vossl

pensamenûo me parece bem mais engenhoso do que muitos

daqueles de que

tomei

conhecimento; mas eu nllo

o

considero verdadeiro e

con-clusivo;

de fato,

mantenho diante dos olhos

de meu espírito

uma doutrina

muito

sólida

que

aprendi

de uma

pessoa

muito

culta

e muito

eminente, e na

qual

devemos

nos deter.

Quero,

de fato,

colocar-vos

a

ambos esta questão:

com seu

infinito

poder e sua ciência

infìnita,

poderia Deus

conferir

ao elemento da água

o

movimento de oscilação que observamos' sem fazer mover o vaso que a contém?.

. .

Se poderia, concluo imediatamente que seria excessiva temeridade

querer

limitar

e constranger a Sabedoria e o Poder divinos a uma única conjetura

particular."

-

"Dout¡ina

admirável e realmente angélica

-

responde Salviati

-;

pode-se, de uma maneira que concorda fortemente com ela, responder por uma

outra

doutrin4

que é divina: embora permita-nos discutir sobre a constituição do

Mundo, Deus acrescenta.

.

.

que não estamos em condições de desvenda¡

aobra

que suÍui mãos fabricaram."

Através dos

liíbios de Simplício e de

Salviati,

Galileo

talvez

pretendesse

dirigir

ao Papa

uma

delicada adulação,

talvez

também quisesse responder

com

zombaria à

antiga argumentação

do

cardeal Maffeo Barberini;

foi

assim que Urbano

VIII

o

tomou;

contra

o

realismo impenitente ¿s Çalileo, ele deu

liwe

curso ao realismo intransigente

dos

peripatéticos

do

Santo

Offcio; a

condenação

de

1633

confirmou

a sentença de

1616.

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