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Sob o signo do Grande Rei : a barbarização de Alexandre Magno em Diodoro Sículo, Quinto Cúrcio, Plutarco e Arriano

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RRIANO CAMPINAS 2016 UMANAS

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A Comissão julgadora dos trabalhos da Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 17 de Novembro de 2016, considerou o candidato Thiago do Amaral Biazotto aprovado

Prof. Dr. Pedro Paulo Abreu Funari

Prof. Dr. José Geraldo da Costa Grillo

Prof. Dr. Julio Cesar Magalhães de

Profª Drª Maria Aparecida de Andrade Almeida

Profª Drª Renata Cardoso Belleboni

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

A Comissão julgadora dos trabalhos da Defesa de Dissertação de Mestrado, Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 17 de Novembro de 2016, considerou o candidato Thiago do Amaral Biazotto aprovado

Prof. Dr. Pedro Paulo Abreu Funari

Prof. Dr. José Geraldo da Costa Grillo

Prof. Dr. Julio Cesar Magalhães de Oliveira

Profª Drª Maria Aparecida de Andrade Almeida

Profª Drª Renata Cardoso Belleboni-Rodrigues

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

A Comissão julgadora dos trabalhos da Defesa de Dissertação de Mestrado, Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 17 de Novembro de 2016, considerou o candidato Thiago do Amaral Biazotto aprovado

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A escrita da seção de agradecimentos causa a mim, e, creio, aos colegas historiadores, sensações díspares, ora representadas pela alegria em notar o número de pessoas que contribuíram com o trabalho que tem seu término marcado pelo ritual da escrita dos obrigados, ora representadas pelo medo inevitável de esquecer um nome aqui e outro acolá. Dada impossibilidade de empregar a pena em uma lista tão extensa que faria inveja ao folclórico pugilista brasileiro Maguila, gostaria de registrar, tanto quanto minha gratidão, um aspecto central; mais do que um esforço individual, esta dissertação resulta da contribuição de muitos, a quem aproveito para prestar as devidas homenagens.

Ao Prof. Funari, agradeço pela confiança e orientação presentes desde o segundo ano de minha graduação em História. São mais de seis anos de ensinamentos, correções, sugestões, oportunidades e, talvez mais que tudo, paciência e compreensão com meus defeitos e limitações. Suas lições são inspiradoras e as oportunidades fornecidas foram imprescindíveis para diminuir algumas das falhas do texto que seguirá. Um muito obrigado, portanto, ao orientador, incentivador, corretor e figura sempre presente no planejamento, elaboração e conclusão desta dissertação

Agradeço a todos os colegas que contribuíram comentando o texto em seus diversos estágios de desenvolvimento, tanto os da linha de pesquisa “Gênero, Subjetividades, Cultura Material e Cartografias”, do Programa de Pós-Graduação em História da Unicamp, quanto os companheiros de orientação, que criticaram trechos da dissertação em encontros de discussão de capítulos e traduções de textos. Estas atividades foram de enorme valia para o resultado final, de forma que é fundamental que os muitos nomes sejam mencionados; Cida Almeida; Tami Ocar; Daniel Pacheco; Luciane Omena; Fernando Pesce; Carlos Assim; Juliana Poloni; Natália Campos; Tobias Vilhena; Lettícia Leite; Isabela Frederico; Jefferson Ramalho e Filipe Silva.

Aos professores presentes na banca de qualificação, pela leitura atenta, correções, sugestões e rigor necessário, deixo meus agradecimentos; Prof. José Geraldo da Costa Grillo e Prof. Julio Cesar Magalhães de Oliveira. Também externo minha gratidão aos

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Renata Cardoso Belleboni-Rodrigues pelas correções, sugestões e apontamentos pertinentes.

Meu débito para com todos os professores da Unicamp é gigantesco, tanto na graduação em História quanto no mestrado. Um grande obrigado a todos eles. Cada disciplina, cada docente, cada PED ou PAD, leitura, seminário ou trabalho possui seu grau de participação nesta pesquisa. Contudo, não foi somente com os professores da casa que aprendi. Cada congresso, encontro de pesquisa, palestra ou simpósio acabou por deixar sua marca na dissertação e, mesmo cometendo inevitáveis injustiças, faço questão de registrar alguns nomes.

Os professores José Remesal e Manel García Sánchez, ambos de Barcelona, contribuíram com a pesquisa desde seu estágio mais embrionário, ainda em 2013, indicando textos e caminhos fundamentais. Àquela mesma época, também colaboraram sobremodo o Prof. Carlan, presente em minha banca de monografia, e o já citado Prof. Grillo.

Também sou grato a professores como Renato Pinto, Julio Gralha, Renata Garraffoni, Raquel Funari, Lynn Meskell, Lourdes Dominguez, Glaydson José da Silva, Gilberto da Silva Francisco, Fábio Morales, Dario Sánchez, Henrique Sant’anna, Ana Teresa Marques Gonçalves, Lourdes Feitosa, André Chevitarese e tantos outros que contribuíram com minha formação.

Presto homenagem aos professores de História que tive quando garoto, Gilberto dos Santos, Henrique Polidoro e Michel Mendes – este até hoje um amigo querido -, que me incentivaram a trilhar o caminho que percorro desde 2009. Também agradeço a todos os colegas da turma de História de 2009 da Unicamp, aos participantes dos cursos História Cultural do Mundo Antigo (2º semestre de 2015), História Antiga (1º semestre de 2016) e História e Memória na Antiguidade (2º semestre de 2016), nos quais tive a alegria de ser PED. Preparar e ministrar aulas nestas disciplinas foi uma experiência incrível e extremamente enriquecedora. Também agradeço a todos os inscritos de meu mini-curso Introdução à História de Alexandre, o Grande, pela paciência e interesse em me ouvir falar das peripécias do conquistador macedônio naquelas três agradáveis tardes de setembro de

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À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) fica o enorme agradecimento pelo financiamento da pesquisa, por meio da bolsa de mestrado, fundamental para a realização desta dissertação (nº Processo – 2014/01462-0). Também agradeço a seus funcionários, que me ajudaram sempre que solicitei. Agradeço, por fim, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo mês de bolsa em 2014.

Aos meus pais, Maria Júlia e Ismael, e à minha saudosa avó Ilda, em nome de toda a família, fica a gratidão por todo o apoio e incentivo que, com o passar dos anos, ficaram ainda mais fortes. Palavras não bastam para mostrar o tamanho de meu débito com vocês. Espero que de alguma forma tenha conseguido deixá-los orgulhosos com este texto e com o caminho que percorri até ele. Sem vocês, absolotamente nada seria possível.

Ao Pagoto, o irmão mais jovem que eu não tive, um enorme agradecimento pela inabalável amizade, do mais esmerado jaez, além do obrigado pela cessão de seus valorosos préstimos, nas línguas de Camões e Shakespeare, que serviam ao resumo e ao abstract. Ao Victor - mais do que pelas ajudas técnicas, pelas trocas e sugestões de textos, pelas revisões e viagens - fica o gigantesco obrigado pela amizade e, em especial, pela acolhida nos momentos difícies. Durante as piores crises surgem os melhores amigos, e você sempre esteve lá para me ouvir. Um abraço ao Ricardo, pelas longas e divertidíssimas conversas, sempre tão caóticas nas referências e tão ricas no aprendizado. Uma distinta saudação aos grandes amigos dos churrascos na casa do Michel: Gui, Otávio, Menini, Moralez, Goiano e, claro, ao anfitrião e seus familiares. Muito obrigado pelas conversas tão divertidas e amizade tão valorosa, que se tornou ainda mais presente com a proximidade da defesa.

A todos os amigos das repúblicas Depois Eu? e Casa Nostra– e seu vasto séquito de agregados - com quem morei durante os anos da graduação, especialmente Harian, Cerejo, Pirolo, Renan e Rodolfo. O tempo passou, o contato cessou, mas as boas lembranças continuam. Aos amigos de Mogi, Rodrigo, Tarsis, Regnier e Douglas, com o mea culpa pela reclusão tibetana nos últimos três anos. Aos comparsas da Atlética do IFCH, durante os anos, hoje quase jurássicos, em que fiz parte da gestão. Também aos “atletas” de todos

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Luta de Classes naquele inesquecível primeiro semestre de 2012.

Ainda no âmbito lúdico, vale a menção elogiosa a Satoshi Tajiri; Masami Kurumada; Shiori Teshirogi; Shigeru Miyamoto; Steven Spielberg e Roberto Bolaños, por criarem mundos maravilhosos, nos quais sempre pude refugiar-me. “Sem música, a vida não faria sentido”. Mesmo o carrancudo Nietzsche, em seus avassaladores aforismos do Crepúsculo dos Ídolos, avaliza meu tributo a bandas como Judas Priest, Black Sabbath, Metallica, Bathory e Accept, cujas canções não compõem somente a trilha sonora que embalou a escrita desta dissertação, mas que servem de fundo musical para a toda minha vida.

Por fim, o último agradecimento e primeira e única dedicatória. À Clarita, pelo amor que, daquela noite de março de 2012 até o ponto final desta dissertação, guiou cada passo que eu dei, cada letra que escrevi, cada gesto que fiz. Pela paciência, atenção, carinho. Pelas risadas, choros. Pelo refúgio, pelos momentos inesquecíveis. Pelos anos que foram e pelos que virão, dedico este texto a você, mesmo ciente da impossibilidade de igualar a beleza das canções às musas que as inspiram

Os anos se passaram, cabelos foram perdidos e quilos foram adquiridos, mas a gratidão aos citados e aos, por vicissitude, esquecidos, está registrada. Um último muito obrigado a todos, lembrando-os, para seu alívio, de que todas as falhas deste texto recaem sobre mim. Talvez ainda seja aquele mesmo garoto de 10 anos que sonhava em fazer História. Pensando bem, acho que nunca quero deixar de sê-lo

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Té os cílios no sangue os padecentes Eu vi. Disse o Centauro: - São tiranos Truculentos e em roubo preeminentes. Chora-se aqui por feitos desumanos. Alexandre aqui está, Dionísio antigo Que gemer fez Sicília tantos anos.

Dante Alighieri. Divina Comédia. Inferno – Canto XII, 107-8 (Tradução de J. P. Xavier Pinheiro)

É plenamente razoável e piedoso tomar como exemplo a própria vida humana de Jesus Cristo. Ora, ele terminou sua vida aos 33 anos. O maior homem, simplesmente homem, Alexandre, também morreu nessa idade. Quantos modos de surpreender tem a morte?

Montaigne. Que filosofar é aprender a morrer. (Tradução de Rosa Freira D’Aguiar)

Alexandre morreu, Alexandre foi enterrado, Alexandre tornou-se pó. O pó é terra; da terra faze-se argila; por que, então, não se poderá tapar um barril de cerveja com a argila em que ele se converteu?

Shakespeare. Hamlet, Ato 5; Cena 1 (Tradução de Millôr Fernandes)

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Tomando como fontes os escritos de Diodoro Sículo (c. 90 - 30 a.C.), Quinto Cúrcio (c. séc. I d.C.), Plutarco de Queroneia (c. 45 - 120 d.C.) e Arriano de Nicomédia (c. 90 - 145 d.C.), pertencentes à tradição textual sobre Alexandre Magno (356 – 323 a.C.), a pesquisa visa à análise da barbarização do conquistador, entendida como sua aquisição de algumas formalidades da monarquia persa. Assim, dá-se destaque ao desejo de Alexandre em implementar a prosternação - o ato de genuflexionar-se diante do monarca - adotar parte da vestimenta dos Grandes Reis e abancar-se no trono aquemênida, além de incorporar combatentes persas às tropas macedônias e desposar a princesa bactriana Roxane. Também entram em linha de conta as reações dos veteranos de Alexandre a estas adoções. Estabelecidos fontes e recorte temático, a dissertação tem com objetivo enfatizar a construção da alteridade persa em cada um dos autores selecionados, realçando suas respostas à barbarização do conquistador, bem como testificar a hipótese de que, muitas vezes, as fontes parecem criticar mais o bárbaro persa do que a adoção de seus atributos pelo rei macedônio.

Palavras-chave: Alexandre, o Grande (356-323 a.C.); Dinastia dos Aquemênidas (559-330 a.C.); Alteridade; História Antiga

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Taking as sources the writings of Diodorus Siculus (c. 90 – 30 BC), Quintus Curtius (c. 1 st. century A.D), Plutarch of Chaeronea (c. 45 – 120 AD) and Arrian of Nicomedia (c. 90 – 145 AD), partaking in the textual tradition about Alexander, The Great (356 – 323 A.D.), the research aims to the analysis of the so called barbarisation of the conqueror, understood as an assumption of some of the formalities from the Persian monarchy. Hence, emphasys is given to Alexander’s desire to implement the obeisance – the action of bowing to the knee in front of the monarch – incorporate part of the Great Kings’ dressing and sitting on the achaemenid throne, besides incorporating persian soldiers to the macedonian troops and betroth the bactrian princess Roxane. Also, are highlighted the reaction from the veteran warriors of Alexander to these incorporations. Established the sources and the thematic frame, the thesis has the objective of emphasizing the construction of the Persian otherness in each one of the sources, enhancing its answers to the barbarisation of the conqueror, as to measure the hipothesis that, in a wide array of times, the sources seem to overcriticize the persian barbarian instead of the assumption of the persian regalia by Alexander.

Key-Words: Alexander the Great (356-323 B.C.); Achaemenid Dinasty (559-330 B.C.); Otherness; Ancient History

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Figura 1 - Friso A do Sarcófago de Alexandre, atualmente no Museu Arqueológico de Istambul (inv. Nº 370 A1). ... 21 Figura 2 - Friso B do Sarcófago de Alexandre, atualmente no Museu Arqueológico de Istambul (inv. Nº 370 A1). ... 21 Figura 3 – Moeda de bronze romana cunhada no período entre 189 – 191 d.C. No anverso, à esquerda, o imperador romano Cômodo. À direita, no reverso, Alexandre Magno em trajes persas ... 24 Figura 4 - Relevo de Persépolis, retratando o obséquio, atualmente no Museu Nacional de Teerã ... 36 Figura 5 - Representação de Dario I no relevo de Behistun ... 39 Figura 6 - Panorama do Mosaico de Alexandre, que retrata a Batalha de Isso (333 a.C.), atualmente no Museu Arqueológico de Nápoles, na Itália ... 40 Figura 7 - Dario III com a tiara vertical e o chíton persa (Mosaico de Alexandre) ... 40 Figura 8 - Soldados persas com as tiaras (Mosaico de Alexandre) ... 40 Figura 9 - Enócoa de figuras vermelhas, atribuída ao pintor de Chicago, por John Beazley. Atualmente no Museu de Belas Artes, Boston. (Inv. Nº 13.196). Datação c. 450 a.C. ... 42 Figura 10- Ânfora de figuras vermelhas retratando combate entre um grego e um persa, sem atribuição. Atualmente no Museu Metropolitano, New York. Datação c. 480-470 a.C. (Inv. Nº 06.1021.117) ... 42

Figura 11 - Lécito de figuras vermelhas, sem atribuição, que retrata o Grande Rei sobre um camelo. Atualmente no Museu Britânico. Datação c. 410-400 a.C. (Inv. Nº 1882.0704.1). ... 69 Figura 12 - Grupo escultúrico, em mármore, Os Tiranicidas. Atualmente no Museu Arqueológico de Nápoles (Inv. Nº G 103/104). ... 70 Figura 13 - Tetradracma de prata do sátrapa Mazakes (anverso) com a imitação da coruja ateniense (reverso). Século IV a.C. ... 71 Figura 14 – Augusto de Prima Porta, em mármore, atualmente no Museu do Vaticano (Inv. 2290). ... 104

Figura 15 - Destaque do Augusto de Prima Porta, com um guerreiro parta restituindo o estandarte romano perdido por Crasso (Inv. 2290). ... 104 Figura 16 – Detalhe da Coluna de Trajano, retratando o suicídio do soberano dácio Decébalo ... 185

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INTRODUÇÃO ... 16

Apresentação do tema ... 16

Apresentação e justificativa da escolha das fontes ... 19

Uma breve panorâmica historiográfica ... 26

Do libertador grego ao déspota oriental: as imagens da barbarização de Alexandre Magno ... 33

CAPÍTULO 1: ... 45

DISCURSOS, NARRATIVAS E ALTERIDADES ... 45

Discursos ... 45

Narrativas ... 49

Alteridades ... 53

O escudo de Perseu: a alteridade persa aos olhos gregos ... 60

CAPÍTULO 2: ... 71

INFATIGÁVEL,INCORRUPTÍVEL,INVULNERÁVEL: O ALEXANDRE DE DIODORO ... 71

Introdução ... 71

A vida de Diodoro ... 72

A Biblioteca Histórica: considerações preliminares ... 74

Um alvo, infinitas flechas: a Quellenforschung e a Biblioteca Histórica ... 77

As fontes do livro XVII da Biblioteca Histórica ... 80

A benevolência de Alexandre em Diodoro: Tebas, Filotas, Parmênio e Linceste ... 82

A discreta aquisição de costumes persas por Alexandre ... 84

A escassa prosternação em Diodoro ... 90

O trono do Grande Rei no texto diodoriano ... 92

Os soldados persas e a rebelião das tropas em Diodoro ... 93

Alexandre e Diodoro, César, Pompeu e Crasso ... 98

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O desfile imperial: a árdua datação de Quinto Cúrcio ... 106

Mais embromado que o nó górdio: as possíveis identidades de Quinto Cúrcio ... 112

Cúrcio, o historiador romano de Alexandre ... 114

A má fama de Cúrcio ... 115

A marcha da opulência: a descrição do exército persa por Cúrcio ... 118

Veteranos aborrecidos: Filotas, Parmênio e Clito em Quinto Cúrcio ... 126

A humilhação da prosternação ... 129

A união entre Roxane e Alexandre em Cúrcio ... 136

A rebelião das tropas e fim abrupto do texto de Cúrcio ... 140

Um Alexandre sem a moderação romana? ... 146

CAPÍTULO 4: ... 152

MESTRE DOS DESEJOS, ESCRAVO DOS IMPULSOS: O ALEXANDRE DE PLUTARCO ... 152

Plutarco, vida e debates sobre a obra ... 153

Plutarco, biógrafo-historiador, historiador-biógrafo ... 159

As fontes da Vida de Alexandre ... 160

Jardim dos prazeres: a infância de Alexandre em Plutarco ... 162

Aspectos gerais da filiação de Alexandre à coroa persa em Plutarco ... 164

As reações dos macedônios à barbarização de Alexandre em Plutarco ... 170

Da incorporação de soldados estrangeiros ao exército macedônio ... 176

Da adoção da indumentária estrangeira ... 178

Do casamento com Roxane ... 179

Do sentar no trono do Grande Rei... 179

Olímpia, semente do mal, demônio familiar ... 181

CAPÍTULO 5: ... 186

CAMPEÃO MILITAR INVENCÍVEL, GENERAL INSUPERÁVEL: O ALEXANDRE DE ARRIANO ... 186

(15)

Possíveis motivações para a escrita da Anábase ... 193

O invencível campeão militar: o Alexandre de Arriano ... 196

Dissabores entre companheiros: as altercações de Alexandre com Clito, Calístenes e Filotas .... 202

O matrimônio de Alexandre e Roxane ... 210

Batalhão arruinado: a incorporação de tropas estrangeiras em Arriano ... 211

As últimas palavras de Arriano ... 219

Alexandre, Arriano, Adriano (e Trajano): da Revolta Tebana e da legitimação do poder ... 220

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 225 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 229 Textos antigos ... 229 Fontes escritas ... 229 Dicionários ... 230 Bibliografia ... 230

(16)

INTRODUÇÃO

Apresentação do tema

A algumas raras figuras é atribuído papel de epítome de certa época. Grupo mais restrito é o das personagens que marcam o fim de uma era e início de outra. Eminente helenista alemão, Johann Gustav Droysen (1808-1884) assim descreveu Alexandre Magno (356 – 323 a.C.), um dos mais lisonjeados conquistadores do Mundo Antigo. Contudo, Droysen parece ter se esquecido de algo: a magnitude das construções em torno do macedônio é tamanha, que ultrapassa os limites das eras que ele encerrou e inaugurou. Suas lendas, biografias e narrativas vão dos tempos de suas vitórias à contemporaneidade, adornados com certos ditames das épocas que evocam as ações do conquistador. Deste modo, debruçar-se sobre os diferentes Alexandres é exercício que vai além do enumerar das façanhas do rei macedônio: trata-se de escrutinar como preceitos políticos, sociais e culturais contemporâneos à feitura destas obras são incutidos em suas páginas. Cada época, cada autor, traveste o conquistador com seus anseios, medos e esperanças. Cada época, cada autor, possui seu próprio Alexandre.

Desta forma, não espanta que temas relacionados a Alexandre tenham feito correr rios de tinta desde a Antiguidade. Seu gênio militar, relações pessoais, personalidade por vezes controversa, a utopia de unir gregos e locais no seio de uma monarquia universal são alguns dos exemplos mais correntes. Entretanto, olhar mais atento pode revelar que certas temáticas possuem menos destaque, como se fosse necessário solapá-las em favor das façanhas de Alexandre, seguindo a tendência quase hagiográfica que ainda domina a historiografia, conforme adverte o historiador francês Pierre Briant (2011:10). Seguindo este raciocínio, entre os tópicos menos favorecidos pelos estudiosos de Alexandre está aquele que será o objeto central desta dissertação: a barbarização do conquistador.

De pronto, é necessário explicitar o quê se entende por barbarização de Alexandre. Trata-se da aquisição de costumes persas pelo conquistador, caracterizada por seu desejo em implementar a prosternação, o ato de genuflexionar-se diante do monarca, adotar parte

(17)

da vestimenta1 dos Grandes Reis e abancar-se no trono aquemênida, além de incorporar combatentes persas às tropas macedônias e desposar a princesa bactriana Roxane, atitudes que constituem o recorte temático da dissertação, completado pelas reações dos veteranos de Alexandre a tais aquisições. As razões para o recorte serão expostas ao longo deste item.

É indispensável alertar que o termo barbarização é um neologismo, de vez que não aparece na tradição escrita sobre o conquistador. Como os próximos capítulos darão conta de mostrar, ao tratarem dos incidentes em que Alexandre assume a conduta dos Grandes Reis, haverá sentenças como emular a delicadeza persa (ζηλοῦν τὴν Περσικὴν τρυφὴν, citado em Diod. XVII, 77, 4), ou emulação do fausto medo e persa (ζῆλον τοῦ Μηδικοῦ τε καὶ Περσικοῦ πλούτου, citado em Arr. Anab. IV, 7, 4), mas não uma referência direta ao termo barbarização, ao menos entre as fontes selecionadas2. Todavia, seu emprego parece justificável à medida que condensa uma série de ações de Alexandre que indicam sua filiação a certos protocolos da coroa persa.

Também cumpre destacar que embora do ponto de vista grego bárbaro seja aquele que não partilha de seus costumes ou idioma, o persa, em especial após a vitória helênica na Batalha de Salamina (480 a.C.), representava uma espécie de bárbaro por excelência, o outro que conjurava os medos mais soturnos. Nesta ordem de ideias, persianização e barbarização – embora ambos neologismos – podem ser expressões quase intercambiáveis. De toda a forma, uma genealogia da invenção do bárbaro e a eleição do persa como bárbaro maior faz-se necessária, e terá lugar no próximo capítulo.

Da mesma forma, é crucial lembrar alguns antecessores de Alexandre no que se refere à aproximação de costumes persas. De passagem, é possível recordar o caso do general ateniense Temístocles (c. 524-459 a.C.), que, ostracizado, buscou exílio na Pérsia, onde teve audiências regulares com o Grande Rei – há controvérsias se Xerxes ou Artaxerxes – além de ter aprendido a língua dos persas (Περσίδα γλῶτταν), a ponto de

1

Cabe pontuar que se adota definição abrangente de vestimenta, proposta na obra Dress and Identity (1992), de Mary Ellen Roach-Higgins e Joanne B. Eicher, que incluí, além das peças da indumentária, mudanças na coloração da pele e do cabelo, bem como o uso de joias e acessórios diversos.

2

Um possível exemplo de utilização do termo aparece na Vida de Lisandro (III, 2), de Plutarco, quando o autor denuncia a estagnação econômica da região de Éfeso, chamada de quase barbarizada (ἐκβαρβαρωθῆναι) (seguindo a tradução de García-Sánchez, 2007: 48, nota 108, cf. Briant, 2002: 701).

(18)

dispensar a presença de intérpretes, como informa a Vida de Temístocles (XXIX, 3), de Plutarco.

Já o historiador ateniense Tucídides (I, 128) relata que o general espartano Pausânias havia proposto, por intermédio de uma epístola, casar-se com a filha de Xerxes (García-Sánchez, 2007: 44). Pausânias, do mesmo modo, é lembrado pelo escritor egípcio Ateneu de Náucratis, em seu O banquete dos eruditos, por ter adotado a vestimenta persa (Περσικὴν (...) στολήν) (XII, 50). No mesmo trecho, Ateneu denuncia o tirano de Siracusa Dionísio I (c. 430 – 367 a.C.) por ter adotado uma túnica suntuosa (ξυστίδα), informação também relatada por Tito Lívio (XXIV, 5, 3), que assevera o uso da púrpura e do diadema (purpuram ac diadema) pelo siracusano (Lane Fox, 1986: 277). No que tange à cultura material, o período orientalizante (c. séc. VIII-VII a.C.) da Grécia Arcaica ficou marcado pela influência da arte assíria, fenícia e egípcia nos vasos áticos (cf. Burkert, 1995).

Feitas as considerações iniciais e estabelecidas as balizas temáticas, cabe destacar o objetivo que caminha lado a lado com o estudo da adoção de costumes persas por Alexandre: as possíveis relações de alteridade que podem ser extraídas dos episódios em que o conquistador dá amostras de sua mudança de conduta. Como se verá, cada autor examinado – em suas peculiaridades – tenderá a lançar pareceres negativos sobre Alexandre por conta de sua barbarização, o quê, ao mesmo tempo, e talvez de forma ainda mais aguda, revele o mau juízo que estes mesmos autores faziam dos aquemênidas.

Descortina-se, portanto, oportunidade para investigar as formas de alteridade persa a partir da adoção de alguns dos atributos de sua monarquia pelo rei macedônio. Em muitas ocasiões, Diodoro, Cúrcio, Plutarco e Arriano, tão ou mais incomodados com a barbarização de Alexandre, mostrarão certo repúdio às práticas persas que teriam corrompido o conquistador. Ademais, como ficará exposto no próximo item, a tradição textual mais robusta a respeito de Alexandre data do período romano, o que abre margem para especular a respeito das ligações entre persas e partas/sassânidas, vistas muitas vezes pelos romanos como uma linhagem unívoca e sucessória da barbárie oriental (García-Sánchez, 2015: 73).

(19)

Apresentação e justificativa da escolha das fontes

Aquele que buscar na tradição textual relatos contemporâneos a Alexandre encontrará dificuldades. Isto porque os testemunhos escritos coetâneos ao conquistador se perderam, incluindo toda a primeira geração de historiadores de Alexandre, cujos textos foram levados a termo com o macedônio ainda em vida ou pouco após sua morte. Calístenes de Olinto; Anaxímenes de Lâmpsaco; Nearco de Creta; Clítarco de Alexandria; Ptomoleu, filho de Lago; Aristóbulo de Cassandreia e Chares de Mitilene foram alguns destes pioneiros em narrar as proezas de Alexandre3. Ainda que os registros completos desta primeira geração não tenham sobrevivido, durante a Antiguidade foram lidos e utilizados de base para os textos que hoje compõem as referências mais próximas – poder-se-ia dizer menos distantes - da vida do macedônio.

O livro XVII da Biblioteca Histórica, de Diodoro Sículo (c. 90 - 30 a.C), escrito na segunda metade do século I a.C. A História de Alexandre, de Quinto Cúrcio (c. séc. I d.C.), possivelmente redigida sob Cláudio. A Vida de Alexandre, de Plutarco (c. 45 - 120 d.C.), estimada dos tempos de Trajano. A Anábase de Alexandre, de Arriano (c. 90 - 145 d.C.), aferida durante o Império de Adriano. O Epítome, de Justino (c. 200 d.C.), que resgata o texto de Pompeu Trogo, escrito sob Augusto. Os livros XV, XVI e XVII da Geografia, de Estrabão (c. 64 a.C – 24 d.C.). O ensaio plutarquiano Sobre a fortuna e virtude de Alexandre. Por último, o chamado Epítome de Metz, palimpsesto da Antiguidade Tardia que reunia alguns manuscritos sobre Alexandre, encontrado na cidade francesa e destruído durante a Segunda Guerra Mundial (Zambrini, 2007: 254). Estas obras constituem a fração mais significativa da tradição textual sobre Alexandre. Todavia, para este estudo, foram selecionadas como fonte as quatro primeiras – Diodoro, Cúrcio, Plutarco e Arriano.

As razões para a seleção são condicionadas pelo próprio recorte da dissertação. Ainda que haja um bom número de representações materiais de Alexandre, e que foram alvo de estudos primorosos4, aquelas que trazem o conquistador quer seja recebendo a prosternação, quer seja envergando trajes do Grande Rei são raríssimos e, segundo a interpretação do numismata alemão Karsten Dahmen (2007: 28), limitadas a uma moeda

3

Autores como Baynham (2003: 3-30) e Zambrini (2007: 210-20) analisam em minúcia cada um dos historiadores de Alexandre da primeira geração, incluindo as complexas relações entre eles.

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cunhada durante o principado do imperador romano Cômodo (180-192 d.C.). Não se trata de demérito ao estudo da cultura material, mas, tão somente, da escolha de fontes que se enquadram no recorte temático assumido na dissertação. Todavia, a incursão à cultura material será frequente ao longo dos capítulos, como bem demonstra este item.

Mesmo o assim chamado Sarcófago de Alexandre – que leva o nome por conta das representações do conquistador em seus frisos, e não porque carrega o corpo do rei macedônio – não o traz envergando a indumentária do Grande Rei. Descoberto na necrópole real de Sídon, em 1887, e atualmente exposto no Museu Arqueológico de Istambul, na Turquia, sua datação é estimada entre 320-306 a.C. e teria sido feito a mando do último rei de Sídon, Abdalônimo, colocado no poder pelo próprio Alexandre, em 333 a.C., após a Batalha de Isso (Stewart, 1993: 294).

O sarcófago possui duas representações de Alexandre. No friso A (figura 1), há uma que se acredita ser da própria Batalha de Isso. Nela, o conquistador é identificado devido ao escalpo leonino que carrega em referência a Hércules e ao leão de Neméia, muito comuns nas cunhagens monetárias. Já o friso B (figura 2) apresenta uma cena de caça que teria tido lugar em Sídon, no ano de 332 a.C. A identificação de Alexandre neste friso é mais controversa, e, embora não haja consenso, acredita-se que seja o conquistador por conta do adorno na cabeça, que pode ser apontado como uma faixa, diadema ou coroa5 (Stewart, 1993: 297, 306).

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Outras possibilidades de identificação vão de Heféstion a Demétrio Polioqueto, filho de Antígono, conhecido general de Alexandre (cf. Stewart, 1993: 306).

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Figura 1 - Friso A do Sarcófago de Alexandre, atualmente no Museu Arqueológico de Istambul Original disponível em:

https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alexander_Sarcophagus_Battle_of_Ussus.jpg (Acesso: 15/01/2016).

Figura 2 - Friso B do Sarcófago de Alexandre, atualmente no Museu Arqueológico de Istambul

Disponívelem:

https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Alexander_sarcophagus_in_the_Istanbul_Archaeological_Mu

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De acordo com Andrew Stuart (1993: 305-6) e Ada Cohen (1997: 85), houve quem interpretasse os trajes de Alexandre como a túnica (chíton) persa (cf. comentário abaixo sobre o relevo de Persépolis), que teria sido assumida pelo conquistador após sua vitória definitiva sobre Dario III (cf. Palagia, 2012; 2015). Entretanto, os mesmos autores afirmam que o vestuário de Alexandre no friso A é composto apenas pelas altas sandálias macedônias (krepides), um manto púrpura e um chitoniskos com mangas e preso por dois cinturões (1993: 304). Este chitoniskos seria uma peça distinta do chíton envergado pelo Grande Rei – composto por uma túnica longa com uma faixa branca no centro (cf. Mosaico de Alexandre abaixo) – e teria sua origem na Macedônia ou para lá teria sido levado antes do nascimento de Alexandre (1993: 305).

A dar crédito à interpretação encimada, resta passar à moeda citada por Dahmen como umas das únicas – senão a única – representação material em que Alexandre aparece trajado com a indumentária persa. A história de sua cunhagem é peculiar e remonta a um grupo de dez cidades localizadas na fronteira leste do Império Romano, no sudeste do Levante, chamado Decapólis. À época do imperador Trajano (98 – 117 d.C.), este conjunto de cidades foi divido em províncias: Síria e Arabia Petraea (Dahmen, 2007: 130).

Entre as dez cidades originais de Decapólis, quatro reivindicavam Alexandre como fundador: Capitolias, Gerasa, Pella e Dion. Na primeira delas, por volta do ano de 190 d.C. – portanto, durante o principado de Cômodo (180-192 d.C.) – foram cunhadas moedas com a face de Alexandre, representando-o como criador da cidade e, desta forma, reclamando sua origem nobre, mesmo que o conquistador sequer a tenha visitado (Dahmen, 2007: 28). Na moeda abaixo, Alexandre aparecerá no reverso, enquanto Cômodo estampará o anverso.

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Figura 3 – Moeda de bronze romana cunhada no período entre 189 – 191 d.C. No anverso, à esquerda, o imperador romano Cômodo. À direita, no reverso, Alexandre Magno em trajes persas

In. Dahmen, 2007: 131, figura 16.

Nesta moeda, vemos um busto de Cômodo, à esquerda, no anverso, laureado, barbado e com o rosto voltado à direta, combinado à legenda AVT K M AV–P KOMOΔOC. Já o reverso, à direita, apresenta um busto de Alexandre, com barba discreta, voltado à direita, vestindo uma capa decorada, cabelos encaracolados e rosto alongado, combinado à legenda KAΠI AΛE–ΞA MAKE ΓENAP (cf. Dahmen, 2007: 84, com bibliografia). A inscrição na moeda traz o nome de Alexandre, junto ao epíteto Macedônio, além do nome da cidade em que a peça foi cunhada, Capitolias. Há também presença de uma abreviatura do termo genarches (progenitor), de modo a fazer referência a Alexandre como fundador da cidade (Dahmen, 2007: 28).

O mais notável da moeda é a forma como Alexandre é representado. De partida, há a ausência do diadema, incomum às peças que carregam a efígie do macedônio. Também merecem destaque seus trajes, ornados de forma esmerada. Suas listras horizontais e verticais sugerem uma decoração cuidadosa e custosa, que em muito lembra as imagens dos trajes persas retratados pelos gregos, conforme será apresentado no decorrer do capítulo. De acordo com Dahmen, esta forma de representação poderia aludir ao vestuário dos reis persas assumido por Alexandre após sua vitória sobre Dario III (2007: 28).

Segundo o numismata alemão, há duas explicações para esta “representação extraordinária” (“extraordinary depiction”). A primeira seria a confirmação do uso das

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vestes do Grande Rei por Alexandre, conforme reportado na tradição textual que será alvo dos capítulos seguintes. Já a segunda teria maior relação com o contexto romano em que a moeda foi cunhada do que com os eventos nela retratados, ocorridos mais de 500 anos antes. Com efeito, a forma como Alexandre é simbolizado teria sua origem em uma convenção a respeito das formas através das quais o monarca oriental era representado à época da cunhagem, por volta de 190 d. C. (Dahmen, 2007: 28).

Naquele cenário, havia, do ponto de vista romano, a constante ameaça do Império Parta, sob seus olhos legatários direitos da Pérsia, antes conquistada pelo macedônio. Era comum nas cunhagens monetárias partas a presença de soberanos com trajes semelhantes aos usados por Alexandre na moeda acima6. Ademais, a própria região em que a peça foi cunhada, localizada próxima a Palmira, era conhecida por ser grande centro de troca de mercadorias (Dahmen, 2007: 130-1).

Deste modo, embora abundem representações materiais de Alexandre em diversos suportes e temáticas – como a caça, alusões a divindades e cenas de batalha -, a matéria específica da adoção de aspectos da realeza persa pelo conquistador possui poucas peças conhecidas. Sendo assim, este estudo se debruçará sobre quatro dos assim chamados historiadores de Alexandre: Diodoro Sículo; Quinto Cúrcio; Plutarco e Arriano, mesmo ciente da circulação restrita de suas obras no seio da sociedade romana – cenário no qual foram redigidas, cabe reforçar – e do expressivo número de analfabetos no Mundo Antigo (Starr, 1987: 213-5)

Por outro lado, por mais que o público alvo da literatura antiga fosse amiúde abastado, as mesmas obras registradas em suporte escrito eram declamadas em público (Starr, 1987: 223). Além disto, o caráter aristocrático da cultura escrita não ameniza o peso do contexto de produção de suas obras (Bowman & Woolf, 1998: 6). Por fim, como propõem Alan Bowman e Greg Woolf, há dois aspectos fundamentais a se pensar quando se trata de cultura escrita: “o poder sobre os textos e o poder exercido por meio do uso desses textos” (1998: 10).

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O rei parta mencionado por Dahmen (2007: 85, nota 211) é Vologazes IV, longevo soberano que reinou entre 148 a 192 d.C. Para comentários a respeito de sua cunhagem, ver Sellwood (1967) e Nadooshan, Moosaui & Pour (2005).

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Enquanto o poder sobre o texto inclui restrições à escrita e ao tema, ao uso legítimo da palavra e às temáticas sobre as quais se escrevia, o poder exercido por meio dos textos se manifesta na “recriação literária do passado para justificar o presente” (1998: 11-2), que se expressa pela retomada de certos assuntos em momentos específicos, além do papel da escrita sob a forma de leis, burocracia, contabilidade e controle da população (1998: 13).

De posse das preposições de Bowman e Woolf, será praticável, na medida do possível em cada caso, especular sobre os motivos que levaram as fontes a retomar Alexandre – bem como a abordar o tema de sua adoção de aspectos da monarquia persa - mesmo em cenário romano e no período de três a cinco séculos após a morte do conquistador. Feita a justificativa das fontes, cabe passar às razões para o recorte temático deste estudo, não sem antes uma rápida apresentação de cada fonte selecionada.

Nascido na Sicília, Diodoro escreveu o mais antigo relato sobre Alexandre que perdurou até nossos dias. Embora de fôlego reduzido, seu texto constitui referência incontornável, não apenas por sua datação coeva, mas também por ter sido redigido nos tumultuados anos terminais da República Romana. As referências à Biblioteca Histórica de Diodoro serão feitas por meio da abreviatura Diod.

Já o romano Quinto Cúrcio, cuja datação da obra é posta em dúvida até os dias atuais, tem sua inclusão justificada tanto pelo fato de ser o único texto em latim autoral sobre Alexandre quanto, sobretudo, por sua visão crítica sobre o conquistador, quase inaudita entre as demais fontes. As referências ao texto curciano serão feitas mediante a abreviatura Curt.

Na sequência, a Vida de Alexandre, de Plutarco de Queroneia, é de relevância tanto por sua popularidade quanto pela visão encomiástica do conquistador, que encontra ecos até na historiografia contemporânea. Usando da sigla Plut. Alex, o capítulo sobre o autor de Queroneia será o quarto da dissertação.

A Anábase de Alexandre, de Arriano de Nicomédia, será a derradeira fonte. Embora seu manuscrito tenha sido descoberto apenas em 1611, Arriano (Arr. Anab.) carrega a fama de mais confiável fonte sobre Alexandre. Discuti-la, relacionar seu texto à provável época em que foi escrito e, em especial, analisar as formas através das quais o nicomédio descreve

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a adoção de costumes persas por Alexandre será a linha mestra do quinto capítulo deste texto.

Uma breve panorâmica historiográfica

No início deste capítulo foi afirmado que a historiografia sobre Alexandre tem dado pouca atenção ao tema da barbarização do macedônio. De forma a corroborar a assertiva, torna-se necessária a análise, mesmo que panorâmica, da produção a respeito do conquistador nos últimos 50 anos, na investida de revelar o caráter periférico deste tema nas páginas dos historiadores modernos.

Parece natural iniciar o comentário por Alexander the Great, lançado pelo britânico Robin Lane Fox em 1973, e aclamado como mais vendida biografia histórica sobre o conquistador7. Nela, o professor de Oxford lança mão de prosa linear, com poucas citações diretas de autores da Antiguidade, e fazendo uso de notas localizadas ao final do livro para expor as fontes e questões mais específicas da jornada de Alexandre. Ao operar desta forma, Lane Fox trata da adoção de trajes persas pelo conquistador logo após seu suposto encontro com as amazonas, seguindo a cronologia estabelecida por Diodoro, Quinto Cúrcio e Plutarco. Para construir seu raciocínio, o britânico destaca a presença cada vez mais comum de membros da alta cúpula persa na corte de Alexandre, entre eles Artabazo, que antes havia passado uma temporada na Macedônia, a convite de Filipe II.

Diante do crescimento do número de persas em seu entourage, Alexandre identificou a necessidade de fazê-los se sentir em casa (“new nobility feel at home”) (1986: 276), razão primeira para que adotasse peças da indumentária do Grande Rei e passasse a se apresentar com herdeiro de Dario (“Darius’s heir”) (1986: 276). A partir dos textos de Quinto Cúrcio e Plutarco, Lane Fox prossegue afirmando que o conquistador assumiu apenas o diadema, o cinturão e a túnica real persas, recusando todas as demais peças.

A hipótese de que Alexandre ambicionava mostrar-se legatário de Dario aparecerá em outros trechos da obra do acadêmico de Oxford, bem como a abordagem amiúde

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A informação, com toda sua dubiedade intrínseca, vem do próprio Lane Fox, nos extras do filme Alexander (2004), dirigido pelo americano Oliver Stone, e que teve a consultoria histórica do catedrático britânico.

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descritiva dada aos episódios nos quais o conquistador assumiu formalidades da coroa persa. Assim, durante a polêmica da adoção do ritual do obséquio - que resultou no conflito entre Alexandre e o historiador oficial da expedição, Calístenes – Lane Fox volta a afirmar que o desejo do macedônio em defender a prosternação vinha de sua política de assemelhar-se a um herdeiro de Dario (“Darius’ heir”) (1986: 322). Contudo, mais uma vez o historiador britânico opta por relatar o incidente tal como referido na tradição textual, sem dar maiores destaques à reação dos companheiros de Alexandre, nem explorar as possíveis relações de alteridade que podem ser estabelecidas a partir do episódio (cf. Lane Fox, 1986: 321-5). O mesmo procedimento é adotado, por exemplo, por ocasião da coroação do conquistador no trono de Ciro em Susa (cf. 1986: 253-4) e no casamento entre Alexandre e Roxane (cf. 1986: 316-20).

Autoridade respeitada no âmbito dos estudos persas e professor do Collège de France, o francês Pierre Briant é autor de Alexandre le Grand, estudo sobre o conquistador lançado em 1974. Mesmo tendo-se em conta os limites modestos e o caráter introdutório da obra, Briant também trata da barbarização de Alexandre seguindo a tendência notada em Lane Fox. Para o caso da adoção de trajes persas, o historiador ressalta a necessidade de Alexandre em “atrair a estima da aristocracia iraniana” (2011: 97), razão pela qual o macedônio fez-se vestir como Grande Rei, ainda que o raciocínio não ultrapasse uma lauda de sua obra.

A respeito da incorporação de combatentes persas, Briant apenas observa a integração ao longo prazo dos jovens treinados à moda macedônia às falanges de Alexandre (2011: 92-3), ao passo que a união matrimonial entre conquistador e Roxane, sob a ótica do historiador francês, atendia à agenda política do macedônio, dado o fato de a princesa bactriana ser filha do nobre Oxiartes, importante figura do cenário político local (2011: 93). Por fim, para o caso da prosternação, Briant destaca certa incompreensão dos gregos diante do ritual persa – aspecto que será aprofundado no próximo item deste capítulo -, o que os levou a violentas contendas contra Alexandre, como nos casos de Calístenes e Clito (2011: 100-1).

Qualquer comentário historiográfico sobre Alexandre estaria incompleto se não mencionasse as obras do historiador britânico Brian Albert Bosworth, professor por muito

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tempo da University of Western Austrália e da Macquarie University, também australiana8. Seu mais conhecido livro é Conquest and Empire, lançado em 1988, e clássico incontornável da historiografia sobre o conquistador macedônio.

A despeito de sua profunda erudição e estudo esmerado de diversos detalhes da campanha de Alexandre – em especial os aspectos militares, logística do exército e temas correlatos - Conquest and Empire reserva pouca atenção às adoções de costumes persas pelo conquistador. De certa forma na esteira de Lane Fox e Briant, Bosworth assevera que a adoção de trajes persas estava na base da política de Alexandre em se apresentar como legítimo sucessor de Dario (“the genuine sucessor of the Persian monarchs”) (1988a: 99), do mesmo modo que o casamento com Roxane, o recrutamento de jovens persas e a introdução do obséquio (1988a: 117, 272-3). Não obstante, o próprio autor não tem embaraço em admitir que a matéria da prosternação é de importância secundária (“this episode is not vitally important”) (1988a: 285), declaração que ajuda a entender o porquê de a barbarização de Alexandre ser tema pouco aprofundado em Conquest and Empire.

A produção de Bosworth, no entanto, não se reduz à sua obra mais afamada. Menos de uma década depois, em 1996, o britânico lançou Alexander and the East: the Tragedy of Triumph. No entanto, ao contrário do que o título talvez sugira, Bosworth não se debruça de forma detida sobre a análise da barbarização do rei, optando por dar destaque às campanhas do macedônio no Afeganistão e na Índia, bem como ao incontável número de vítimas que a expedição do conquistador promoveu. Quando trata dos assuntos que constituem o recorte temático desta dissertação, Bosworth limita-se a abarcar as críticas que a introdução do obséquio provocou na corte macedônia (1996a: 126-7, 131).

Além de seus títulos autorais, Bosworth também participou como organizador de importantes volumes a respeito da história de Alexandre Magno. Um título expressivo é Alexander the Great in Fact and Fiction, publicado em 2000, e editado por ele e por Elizabeth Baynham, professora da University of Newcastle, que reúne papers apresentados em congresso sobre Alexandre realizado nesta mesma universidade, em 1997. Mesmo

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Uma boa amostra do prestígio de Bosworth é o fato de os dois capítulos sobre Alexandre que constam do volume VI do The Cambridge Ancient History, organizado por D. M. Lewis, J. Boardman, S. Hornblower e M. Ostwald, serem de sua autoria. Ambos, como se poderia imaginar, trazem muitas ideias que aparecem nos livros autorais de Bosworth.

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encabeçando a obra, tanto Bosworth quanto Baynham, em seus respectivos capítulos, não tratam do tema da adoção de costumes persas por Alexandre – embora a contribuição do historiador britânico “A Tale of Two Empires: Hernán Cortés and Alexander the Great” (2000: 23-49), que, como título entrega, compara as estratégias de conquista e administração dos dois líderes, seja de inventividade notável. Já entre os demais colaboradores do volume, alguns poucos consagram seus capítulos à barbarização do macedônio.

Em “Alexander and Panhellenism”, Michael Flower, docente do Franklin and Marshall College, Pennsylvania, evoca acontecimentos como o matrimônio com Roxane (2000: 121) e a adoção de trajes persas (2000: 132) de modo a questionar a ideia de que Alexandre havia empregado uma “cruzada pan-helênica” (“pan-hellenic crusade”) em sua expedição contra o Grande Rei, mote do início da campanha. Flower, no entanto, não dá maiores detalhes, nem analisa de que forma a adoção do obséquio e o treinamento de jovens persas contribui a favor ou contra sua hipótese.

Ainda em Alexander the Great in Fact and Fiction, o professor da University of Colorado, Ernst Fredricksmeyer, assina “Alexander the Great and the Kingship of Asia”, capítulo que aborda o tema desta dissertação de maneira mais detida. Contudo, ainda que analise os usos da indumentária e insígnia persa por Alexandre (2000: 151-3), a incorporação de tropas estrangeiras (2000: 155) e a polêmica do obséquio (2000: 166) Fredricksmeyer limita-se à constatação de que o macedônio, ao promover tais mudanças, tornar-se-ia um monarca absoluto (“Alexander’s kingship by addition of the Persian component, and to establish Alexander, ultimately, as an absolute monarch”) (2000: 144). Ou seja, embora o autor verse sobre tema com mais fôlego, seu exame faz pouco mais do que repetir os discursos encontrados nas fontes antigas, sem se ocupar em contextualizá-los ou problematizá-los9.

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A crítica de Pierre Briant a este respeito parece conclusiva: “Esse já era o julgamento divulgado pelas fontes gregas que, nutridas por um incrível complexo de superioridade, adquiriram o hábito de empregar automaticamente certas palavras ao falar da Pérsia: fraqueza, luxo, luxúria, bebedeira, covardia. Os gregos encontravam nisso uma cômoda justificativa para as conquistas. É deplorável constatar que uma corrente dominante da historiografia europeia incorporou esses temas, para pintar de Alexandre o retrato de ‘soldado da civilização’” (2011: 46).

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Não seria correto, porém, afirmar que Bosworth nunca se debruçou sobre o tema. Em artigo de título “Alexander and the Iranians” (1980), o docente da Western Australia University estabelece o mesmo recorte desta dissertação. Entretanto, seu objetivo é o de rebater a ideia de que Alexandre havia levado a termo uma “irmandade humana” (“brotherhood of man”), conceito criado por W. W. Tarn10 para fazer referência a uma possível utopia de Alexandre em reunir gregos e persas como iguais. Bosworth defende que a adoção de roupas persas, seu casamento com Roxane e a incorporação de tropas estrangeiras devia-se mais às necessidades ingentes da campanha do que a um sonho de tornar irmãos todos os habitantes do mundo.

A partir desta breve apreciação das obras de uma autoridade em Alexandre, vê-se como o tema da aquisição de costumes persas pelo conquistador é periférico. No caso de Bosworth, isto fica mais claro ao cotejar sua discreta produção no tema à sua extensa, e excelente, bibliografia em torno das fontes a respeito de Alexandre, que será bastante consultada nos capítulos seguintes.

Voltando ao comentário historiográfico, agora em âmbito francófono, a historiadora Claude Mossé, professora emérita da Université de Paris VIII, também pouco disserta sobre a temática em seu Alexandre: la destinée d’un mythe (2001). Tratando das roupas persas, Mossé afirma que Alexandre adotou-as apenas em parte, evocando os textos de Diodoro Sículo e Plutarco, como também aparece em Lane Fox.

Contudo, e ao contrário do historiador britânico, Mossé assevera que, dada a adoção desta maneira, o conquistador tinha por objetivo reverberar em si a imagem de Ciro, ao invés da de Dario. Afinal, enquanto o primeiro era fundador do colossal império dos persas, o segundo era um monarca covarde, menor, que bateu em retirada da Batalha de Isso sem ao menos levar consigo a mãe, filhas e esposa (2004: 71-2). Embora o raciocínio seja promissor, a historiadora francesa não o desenvolve, e trata da prosternação (2004: 41, 57) e da incorporação de soldados persas (2004: 142) apenas em momentos isolados de sua obra.

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Nascido no século XIX, o historiador britânico William Woodthorpe Tarn foi uma das maiores autoridades em Alexandre e na História do Mundo Helenístico, a ponto de ter recebido o título de sir e ter sido nomeado

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Catedrático em Cambridge e aluno de sir John Boardman, o também britânico Paul Cartledge é autor de Alexander the Great. The Hunt for a New Past (2004). Embora o título indique o estudo de temáticas subalternas referentes ao macedônio, Cartledge ainda se vê às voltas com questões consagradas – como o que “realmente aconteceu” na visita ao oásis de Siwah (2007: 312-7) – de modo que o trato à barbarização fica em segundo plano. O britânico limita-se à descrição sumária de sua adoção (2007: 16-7; 204-6) e das reações que despertou em Clito (2007: 166) e Calístenes (2007: 262-3).

Mesmo obra recém-editada sobre o conquistador é econômica nas tintas. O americano Philip Freeman, professor de História Antiga do Luther College, em Alexander, the Great (2011), reserva apenas uma lauda ao assunto, limitando-se a afirmar que o macedônio passou a fazer uso dos trajes do Grande Rei, seu trono, suas concubinas e demais atitudes tomadas pelos gregos como próprias do fausto real persa, na esteira de Cúrcio (2014: 238). Embora esboce alguns pensamentos sobre o fiasco que foi a implantação do obséquio (2014: 271-2), Freeman consegue ser ainda mais lacônico que seus pares.

Os grandes compêndios não escapam à tendência já testificada. Uma vez que, como afirmado, o The Cambridge Ancient History tem seus artigos a respeito do conquistador assinados por Bosworth, com teses semelhantes às por ele defendidas em suas obras individuais, cabe passar a outros dois grandes manuais: o The Cambridge History of Iran e o Brill’s Companion to Alexander the Great.

O primeiro, cuja edição inicial veio a público em 1985, trata das conquistas de Alexandre em seu volume II, de título The Median and Achaemenian Periods, organizado por Ilya Gershevitch, historiador russo e professor emérito de estudos iranianos em Cambridge. Neste tomo, o artigo de maior interesse é “Alexander in Iran”, da lavra de Ernst Badian, historiador austríaco e professor em Harvard. Em pouco mais de 80 páginas, Badian lança mão da tradição textual sobre Alexandre, em especial Arriano, de modo a tentar esclarecer parte das intricadas relações que o macedônio assumiu com a elite persa à época da conquista.

Embora demonstre interesse pelo ritual da prosternação a ponto de explicá-lo em minúcia (1983: 466-7), Badian acaba por admitir que o caráter enviesado das fontes termina

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por minar quaisquer tentativas de reconstruir o episódio da altercação entre Alexandre e Calístenes (“the sources will never permit us to give a clear description and evaluation of the proskynesis affair”) (1983: 468). Deste modo, o autor nascido em Viena opta, como boa parte de seus antecessores, por uma descrição sintética das questões envolvendo a prosternação, mesmo tratamento dado à integração de tropas persas à falange alexandrina (1983: 480).

Já o Brill’s Companion to Alexander, publicado em 2003, conta com a edição de Joseph Roisman, docente do Colby College, e 13 artigos de prestigiosas autoridades em Alexandre. Ainda que disponha de textos de grande qualidade – como o comentário a respeito da tradição textual feito por Elizabeth Baynham em “The Ancient Evidence for Alexander the Great” (2003: 3-30) e a presença do macedônio na arte greco-romana, analisada pelo professor da University of California/Berkeley, Andrew Stewart, em “Alexander in Greek and Roman Art” (2003: 31-68) – apenas a contribuição de Maria Brosius se debruça com mais detalhes sobre o tema desta dissertação. Em “Alexander and the Persians”, a docente da University of New Castle certifica que Alexandre se considerava um autêntico rei da Ásia (“King of Asia”), razão pela qual adotou a vestimenta persa, a tiara e o cinturão e, malgrado, a prosternação (“Persian dress, the tiara and the girdle (...) and – unsuccesfully – proskynesis”) (2003: 173).

Todavia, embora assevere o desejo de Alexandre em exibir-se como soberano persa – inclusive lançando mão do termo “persianização” (“persianization”) para nomeá-lo (2003: 176), Brosius não tem rodeios em afirmar que o macedônio falhou em compreender as intricadas relações entre os Grandes Reis e os sátrapas na sociedade aquemênida. Prova exemplar seria o incêndio que Alexandre mandou atear em Persépolis, uma das capitais do Império Persa, chamado pela autora de ato de “hooliganismo” (2003: 183).

Desta forma, o conquistador, ao final de sua trajetória, viu-se acossado entre seus veteranos e os persas que conquistou; se por um lado os velhos macedônios não podiam tolerar seus devaneios orientais, tampouco os persas poderiam aprovar a dilapidação de seu palácio real (2003: 189-193). Como se vê, ainda que a contribuição de Brosius seja elucidativa e original, as possíveis relações de alteridade presentes nos episódios não pertencem ao escopo da historiadora.

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Não obstante sucinta, a revisão historiográfica acima indica como o tema da barbarização de Alexandre Magno ainda recebe pouca atenção da historiografia. Além disto, mesmo quando mencionada, seu tratamento tende à descrição e repetição dos discursos das fontes antigas. Não é caso, claro, de descartar as obras citadas e muito menos de desprestigiar seus autores, que serão de fundamental importância para o presente texto. Deste modo, o objetivo desta dissertação é contribuir com um tema que aufere menos atenção em cotejo a outros que envolvem Alexandre, sem ter qualquer intenção de esgotá-lo.

Do libertador grego ao déspota oriental: as imagens da barbarização de Alexandre Magno

Os itens anteriores se ocuparam em apresentar o tema da dissertação, suas fontes e sua justificativa à luz da historiografia moderna sobre Alexandre. Neste, o objetivo será fundamentar as balizas escolhidas para delimitar a barbarização do conquistador, conforme já apresentado no resumo, quais sejam, o desejo de Alexandre em implementar a prosternação, o ato de genuflexionar-se diante do monarca, adotar parte da vestimenta dos Grandes Reis e abancar-se no trono aquemênida, além de incorporar combatentes persas às tropas macedônias e desposar a princesa bactriana Roxane, bem como as reações dos veteranos macedônios a estas adoções.

Entre as condutas acima, a introdução do obséquio é a de justificativa mais simples. Assumindo que aqui ela será denominada prosternação ou obséquio, a expressão grega proskynesis tem sua raiz etimológica ligada ao termo κυνέιν (beijar), dando origem ao verbo προσκυνέιν, que, de acordo com Taylor, tem como tradução literal “enviar um beijo em direção a algo” (1927: 53), conotação alargada por García-Sánchez (2009: 238), que afirma que προσ também pode indicar uma ligeira inclinação em direção a quem se envia o ósculo.

A elucidação filológica nasce das Histórias, do grego Heródoto (I, 134). Ao tratar dos medos, o historiador do Halicarnasso afirma que quando dois deles se cruzam em uma rua é simples notar se estão em igualdade (ὅμοιοί). Em caso positivo, beijam-se nos lábios (φιλέουσι τοῖσιστόμασι). Se há pouca diferença, os rostos são beijados

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(τὰς παρειὰς φιλέονται). Porém, em caso de diferença notável, o inferior deve prosternar-se (προσκυνέει) frente ao superior. Com a leitura do trecho, a explicação etimológica fica clara: o medo de extrato ínfero sequer tem o direto de tocar o corpo do superior, sendo obrigado a enviar seu beijo a distância, além de, ocasionalmente, genuflexionar-se. Ademais, o excerto deixa subentendido que apenas um monarca seria de camada elevada o bastante para receber o obséquio (Taylor, 1927: 53).

Ocorre, entretanto, que a prática também se fazia presente entre os helenos, mas como honraria destinada aos deuses. Como lembra Bosworth (1988a: 284), a versão grega era quase sempre cumprida em pé, com o adorador movendo as palmas das mãos em direção ao céu e, por vezes, ajoelhando-se em súplica diante de uma representação da divindade. Donos de propriedades medicinais, Zeus, Ártemis e Asclépio eram os mais honrados desta forma. Não obstante, mesmo entre os helenos havia certa desaprovação do ritual, tido como indigno e supersticioso em alguns escritos do filósofo Diógenes Laércio (Bosworth, 1988a: 284).

Com carga semântica em dada medida negativa, não tardou para que os gregos vissem o obséquio persa – secular, em essência - como um culto divino ao soberano, inadmissível a seus olhos (Bosworth, 1988a: 284). Alguns exemplos da literatura ilustram bem a questão. Em passagem da Anábase (III, 2, 13), o historiador Xenofonte narra as vitórias dos helenos sobre as hostes de Xerxes, em Plateia e Salamina, lembrando que, a despeito das glórias militares, a maior vitória foi manter a liberdade das cidades (ἐλευθερία τῶν πόλεων), uma vez que os helenos jamais se prosternam (προσκυνεῖτε) diante de seres humanos (ἄνθρωπον), mas apenas de deuses (θεοὺς).

Na Vida de Artaxerxes (XX, 4), Plutarco narra o encontro do Grande Rei com dois guerreiros tebanos, Ismenias e Pelopidas. Ao ser tangido a prosternar-se (προσκυνῆσαι), o último se recusou, atirando seu anel em direção ao rei persa. O já mencionado Heródoto (VII, 136) também apresenta esta repulsa, quando embaixadores espartanos Sperchias e Bulis são levados à presença de Xerxes e coagidos a prosternarem-se (προσκυνέειν) diante do Grande Rei. Recusaram, sob a justificativa de que jamais fariam o obséquio frente a um homem (ἄνθρωπον).

(35)

Mesmo a partir de exemplos sucintos, o incômodo dos helenos com a prosternação fica nítido. Quando Alexandre a trouxer para seus protocolos, a reação será imediata, resultando em violentas invectivas. Deste modo, sua seleção fundamenta-se na crença dos gregos de que ela carregava duas faltas; por um lado, a presunção do Grande Rei em firmá-la. Por outro, a apatia de seus súditos, que de bom grado prestam-na sem constrangimento. Antes de passar ao próximo item, parece válido inserir a mais conhecida representação do obséquio, preservada em relevo do tesouro de Persépolis:

Figura 4 - Relevo de Persépolis, retratando o obséquio, atualmente no Museu Nacional de Teerã

Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Persepolis_theasury.jpg (Acesso: 30/06/2015)

Ainda que este não seja palco de análise que faça jus à beleza do relevo, certos detalhes não podem passar despercebidos. De pronto, temos o Grande Rei Dario I recebendo uma comitiva de nobres trazendo presentes e desejosos em ter uma audiência. Sentando no trono real, o soberano tem atrás de si uma figura do alto escalão real, seu filho Xerxes, por suposto. Um dos membros da delegação envia um beijo ao Grande Rei, inclinando seu corpo em direção a ele, naquilo que pode ser considerado um retrato do obséquio (Briant, 2002: 217-223).

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A imagem é expressiva, em especial por sua representação do Grande Rei. Dario e seu sucessor Xerxes aparecem trajando largas roupas reais, a túnica persa, que aparecerá, por exemplo, como χιτῶνα no trecho de Xenofonte citado à frente e como χιτῶνα na passagem em que Diodoro assinalará que esta foi uma das peças do traje persa assimiladas por Alexandre (cf. Roaf, 1983: 115). Também chamam a atenção o trono real, que conta com um apoio para os pés do monarca, o cetro na mão direita de Dario que, abancado no assento régio, recebe o obséquio. Todos estes detalhes parecem ter sido lidos pelos gregos como marcas do fausto do persa11. Sendo assim, vale apresentar dois pormenores que aparecem no relevo e que foram selecionados como recorte temático da pesquisa; a adoção do vestuário persa por Alexandre e seu abancar-se no trono do Grande Rei.

Muitas vezes, a literatura helênica, representada por alguns autores já mencionados, via na indumentária asiática traços identitários marcantes, tidas como característicos do luxo oriental12. Este tipo de construção aparece mesmo na obra de Arriano, cuja exposição sobre Índia, inspirada no relato perdido de Nearco, descreve os locais envergando trajes em cores vivas e exóticas (Albaladejo-Vivero, 2011). Embora o exemplo seja fecundo, o interesse aqui reside na percepção grega das vestes persas.

Neste particular, Heródoto é outra vez de valia. Suas Histórias (I, 135) contêm interessante passagem a respeito da indumentária persa, afirmando que ela foi adotada dos medos (Μηδικὴν ἐσθῆτα) devido à sua beleza superior (καλλίω). Já aqui, há certa impressão de que o historiador de Halicarnasso tende a considerar o traje medo – doravante

11

Michael Roaf chega a identificar a assinatura de um escultor grego ao norte das ruínas de Persépolis, grafada com o nome jônico Pytharchos, o que identifica a presença de trabalhadores não-persas na construção do palácio real, especialmente gregos, o que, na visão de Roaf, deve-se ao apreço da corte persa pela arte helênica (1980: 70-2).

12

Mesmo em âmbito literário e em contexto distinto, a conhecida passagem das Cartas Persas (1721), do filósofo francês Montesquieu (1689-1755), ajuda a corroborar o fascínio que os trajes asiáticos causam aos europeus. Durante suas andanças na capital francesa dos tempos de Luís XVI, o eminente persa Rica opta por se desfazer de sua indumentária nativa, causando tal espécie aos parienses que apenas as letras do próprio Montesquieu podem relatar: ““ Isso me resolveu a deixar os trajes persas e a adotar outro, europeu, para ver se ainda restaria algo, em minha fisionomia, que considerassem digno de admiração. Esta experiência me fez conhecer meu real valor: livre de todos os adornos estrangeiros, vi-me apreciado com justiça. Tive razões para me queixar do alfaiate, que num instante me fez perder a atenção e a estima públicas; pois entrei, de golpe, num vazio atroz. Passava às vezes uma hora inteira numa reunião social sem que olhassem ou me dessem uma só ocasião de abrir a boca. Mas se alguém, por acaso, contava aos demais que eu era persa, imediatamente ouvia à minha volta um zumbido: “Ah! Ah! O senhor é persa? Que coisa extraordinária! Como é possível ser persa”?”“ (cf. Montesquieu, 2005: 51-2, tradução Renato Janine Ribeiro)

Referências

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