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Conjunções entre escola e cinema : pesquisa-intervenção em duas escolas da Rede Municipal de Ensino de Campinas

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Academic year: 2021

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RENATA LANZA

CONJUNÇÕES ENTRE ESCOLA E CINEMA:

pesquisa-intervenção em duas escolas da Rede Municipal de Ensino de Campinas

CAMPINAS

2015

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v

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vii RESUMO

Esta pesquisa implica intervenções com a arte cinematográfica em escolas da Rede Municipal de Ensino de Campinas, envolvendo alunos dos anos finais do ensino fundamental (6°, 7° e 8° anos) com o propósito de estabelecer um encontro entre a Educação e o Cinema como Arte na Escola, bem como as possíveis ressonâncias desse encontro para os seres envolvidos. Para tanto, objetivou-se articular a prática escolar com as práticas socioculturais do ver, do criar e inventar filmes. Articulações que chamamos de Práticas Exploratórias. Assim, o leque de ações dessa intervenção baseou-se numa constante alteração entre o ver, o explorar, o experimentar, o criar, o inventar e o aprender com a criação cinematográfica. Para pensar as dimensões possíveis do Cinema como Arte no campo da Educação, enquanto potencializador de gestos de criação, saberes e aprendizagens para si e para os outros, recorreu-se a diversos autores, dentre eles, Alain Bergala, Adriana Fresquet e Milton de Almeida. O método de pesquisa-intervenção foi a inspiração metodológica para entender a atuação da pesquisadora enquanto professora de Matemática em um plano de experimentação de cinema na escola. Crê-se que trabalhar com cinema nessa perspectiva é operar na transversalidade de um plano de experimentação, "trans"formando professores e alunos pela / para arte, criação e invenção de saberes e conhecimentos.

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ix ABSTRACT

This research implied on interventions through cinematic art in Campinas Municipal public schools, and involved elementary schools’ students (6th

, 7th grades and 8th). It had the purpose of promoting an encounter between education and cinema as an art at school and the possible consequences of this encounter for the participants. In order to do so, this research aimed to articulate the school practices with the socio-cultural practices of seeing, creating and inventing movies. These articulations are denominated Exploratory Practices. Therefore, the different actions of this intervention were based on a constant variation of seeing, exploring, experimenting, creating, inventing and learning through cinematic creation. In order to reflect about the possible dimensions of cinema as an art in Education field, gestures of creation, as knowledge and learning enhancer to the students themselves and to other people, we based our research in many authors, such as Alain Bergala, Adriana Fresquet and Milton de Almeida. Research-intervention method was the methodological inspiration to comprehend our practice as a Math teacher in a cinema experiment at school. We believe that using cinema in this perspective means to operate transversally in an experimental stage, “trans”forming teachers and students for/through art, creation and invention of knowledge.

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Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos completamente o mundo, nos desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos.

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xiii SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... .1

1. PENSAMENTO SOBRE CINEMA E EDUCAÇÃO ... 9

2. ENCONTRO ENTRE ESCOLA E CINEMA ... 23

2.1 Hipótese de alteridade centrada na criação ... 25

2.2 Cinema como arte ... .27

3. PESQUISA-INTERVENÇÃO.. ... 35

4. A EDUCAÇÃO VISUAL E FILMES-ENSAIO ... 43

5. AÇÕES DA INTERVENÇÃO... ... 47

6. A POTÊNCIA DO GESTO DE CRIAÇÃO ... 59

7. AS PRÁTICAS EXPLORATÓRIAS E SUAS TRANSVERSALIDADES ... 67

7.1. Práticas exploratórias do ver filmes ... 73

7.2. Práticas exploratórias de enquadramento ... 77

7.3. Práticas exploratórias de filmagens ... 79

7.4. Práticas exploratórias de ver com olhos fechados ... 83

7.5. Práticas exploratórias de roteiro ... 85

7.6. Práticas exploratórias de edição ... 86

7.7. Outras práticas ... 87

7.8. Para além das práticas exploratórias ... 89

8. POR UM SABER-FAZER CINEMA NA ESCOLA ... 93

REFERÊNCIAS ... 99

ANEXO I - Autorização para uso da imagem e som da voz ... 104

ANEXO II - Lista de filmes ... 105

ANEXO III - Cronograma das atividades... ... 106

ANEXO IV - Decoupage dos filmes-ensaio ... 109

ANEXO V - Desenhos dos pássaros ... 111

ANEXO VI - Derivas com Mapas ... 112

ANEXO VII - Roteiro "Um dia de escola" ... 113

ANEXO VIII - Algumas ideias de filmagens ... 114

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xv AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, quero expressar minha gratidão aos meus alunos que contribuíram para o desenvolvimento dessa pesquisa.

Quero expressar também meus sinceros agradecimentos aos colegas de trabalho e às equipes gestoras das escolas Vicente Ráo e Carmelina de Castro Rinco onde pude encontrar, nas horas de maior conflito, afeto, respeito e atenção.

À equipe do Museu da Imagem e do Som - MIS, que disponibilizou o local para as ações com os alunos.

Ao Professor Doutor Carlos Eduardo Albuquerque Miranda pela atenção, recomendações e orientação durante a pesquisa.

Ao Professor Doutor Wencesláo Machado de Oliveira Jr que propiciou o contato muito enriquecedor com as imagens e com a bibliografia.

Às Professoras Doutoras Adriana Fresquet, Alik Wunder e Inês Teixeira e ao Professor Doutor Antônio Carlos Amorim, integrantes da banca de defesa da tese.

Aos membros do grupo de pesquisa OLHO, pela amizade, atenção e apoio para a realização deste trabalho.

Amplio meus agradecimentos à Professora Ms. Sheyla Pinto da Silva, com quem aprendi a ampliar a potência de existir e de agir e à Professora Ms. Maria Aparecida Lopes, por seus ensinamentos.

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Introdução

Imagine que você está num escritório... Uma bela estenógrafa que você já viu antes entra na sala adentro... Você a observa... Ela tira as luvas, abre a bolsa e despeja o conteúdo sobre a mesa... Duas moedas de dez centavos e uma de um – além de uma caixa de fósforos de papelão. Ela deixa a moeda de um centavo sobre a mesa, guarda as de dez de volta na bolsa e leva as luvas até o aquecedor... Bem, nesse instante, seu telefone toca. Ela atende, diz alô, escuta e diz claramente: ‘Eu nunca na vida tive um par de luvas pretas’ e desliga o telefone... Você de repente dá uma olhada à sua volta e percebe que há outro homem no escritório, observando cada movimento de tal moça... "Continua", diz Boxley, sorrindo. “O que acontece depois?

Não sei, Stahr responde.

Só estava criando umas imagens (FIELD, 2009, p. 27).

Para Moletta (2009), quando somos tocados por algo do mundo com o qual interagimos, surge em nossa mente uma imagem de tal forma que necessitamos dizer algo sobre ela, investigá-la, conhecê-la. Esta imagem, que pode estar em qualquer tempo ou qualquer espaço, é a fagulha, o estopim que pode desencadear um incêndio de grandes proporções. Poderá ser chamada de inspiração e nos fará refletir sobre o meio em que vivemos. Inicia-se, pois, o processo de criação. Algumas imagens geram outras imagens, direta ou indiretamente relacionadas às primeiras. São Imagens Agentes.

Para Almeida, imagens agentes são:

Imagens de catástrofes, imagens fantásticas, imagens violentas e ensanguentadas, imagens de ambientes aristocráticos, nobres, burgueses, plenos de decoração maravilhosa, imagens de extraterrestres, afrescos em movimento do cinema. Não somente essas, mas todas as imagens que vemos no cinema, devido ao tamanho enormecido e os planos de aproximação, o close, por exemplo, em que aparecem na tela são também formas fantásticas. [...] Ritualizam, em imagens agentes, visuais e sonoras, as imagens e locais que o espectador-fiel deve recordar ao cogitar o passado, o presente e o futuro da sua vida (ALMEIDA, 1999, p.56).

Em lembranças de infância, recordo que o meu amor pelo cinema começou muito cedo, quando meus pais me apresentaram uma câmera e um projetor. Meu pai era o “cineasta” do cotidiano. Filmava as festas da família como os aniversários, as festas de fim de ano, os banhos de mangueira no quintal e as viagens. Filmava tudo de forma experimental, brincando e improvisando com a câmera, criando

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livremente as imagens. Aquelas imagens em movimento, com pessoas e lugares do meu pequeno mundo, eram momentos de muito riso e magia. Lembro-me também de estar no papel de uma cineasta, registrando cenas dos aniversários e datas festivas com aquele olhar de fascínio e amor pelas imagens, fixadas em um filme como se a câmera fosse uma parte de meu corpo ligada aos olhos. Por essa lente, eu via o mundo.

Desde muito cedo, as imagens em movimento me encantavam. Gostava de assistir à Sessão da Tarde e a filmes junto com os meus pais. A cada dia, ficava mais encantada pela fábrica de sonhos, de aventuras, de conhecimentos e de emoções que descobria com as imagens em movimento. Elas davam asas à minha imaginação.

Lembro-me de quando vi pela primeira vez o filme "Alice no País das Maravilhas", em que a personagem vive em um mundo emocionante onde todos os seus sonhos são possíveis. Não mais como espectadora, mas, na perspectiva de uma possível cineasta, ficava intrigada: quais e como foram os processos de criação capazes de construir aquele mundo mágico, para o qual nos transportava? É essa máquina de sonhos que carregamos dentro de nós e que é a forma mais pura e deslumbrante de energia em forma de lembranças, em que se conecta essa pesquisa.

Meu interesse pelas imagens sempre foi grande e aumentou ainda mais a partir das experiências vivenciadas no período de agosto de 2006 a julho de 2009 no Projeto de Pesquisa “Trabalho integrado na escola pública: participação política-pedagógica”, financiado pela FAPESP, desenvolvido pela UNICAMP na Escola Municipal de Ensino Fundamental “Prof. Vicente Ráo”. Este projeto teve como objetivo geral construir novas formas de conceber a prática política-pedagógica da organização escolar, transformando as relações de trabalho no âmbito interno da escola pública, bem como entre a unidade escolar e os órgãos centrais da educação. Na concretização dessa pesquisa, foram organizados sete subprojetos: "Subprojeto Planejamento Participativo: caminho da gestão democrática”; “Subprojeto Ação Integrada da Supervisão Educacional e da Coordenação Pedagógica com a Equipe de Gestão da Unidade Educacional”; “Subprojeto Jogos da Amizade”; “Subprojeto

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Laboratório Interativo de Ciências”; “Subprojeto A Inclusão e o Trabalho Integrado na Escola Pública”; “Subprojeto A Construção de Ciclos de Desenvolvimento Humano: um novo olhar, novos desafios” e o “Subprojeto Registros em Vídeo no Cotidiano Escolar", do qual participei desde o início dos trabalhos, pois acreditava que isso poderia suprir minha insatisfação com a rotina das tarefas regradas a serem cumpridas no magistério, que limitavam a criação e a invenção, assim como o trabalho do professor.

Durante a pesquisa, observamos que as experiências vivenciadas no cotidiano escolar por alguns não eram socializadas pelo conjunto dos professores. Ensinamentos significativos, tanto pelos acertos como pelos erros, acabavam sendo apreendidos apenas por aqueles que vivenciavam as experiências, quando acontecia. Pois, na escola (atual), há poucos espaços que abrem possibilidades para pensar composições outras. Assim como não há muitas oportunidades para trocas de experiências didático-pedagógicas positivas, intrigantes e que coloquem em movimento o pensar as relações de construção de saberes, nos vários espaços e tempos em que estas relações ocorrem. O cotidiano grila dos educadores territórios de criação e debates sobre a sua prática e, em especial, sobre o significado desta no percurso da escola.

Ao percebermos que o educador é privado de criar sua ação pedagógica, propomos que o "Subprojeto Registros em Vídeos no Cotidiano Escolar" realizasse registros das experiências no âmbito da unidade escolar para estimular o debate entre os educadores sobre suas experiências intra e extra sala de aula. Ao término do projeto, percebemos que o vídeo tornou-se, na dinâmica da escola e principalmente das pessoas que estavam envolvidas, um instrumento importante para o debate sobre as práticas e sobre o fazer pedagógico.

No início do projeto, a equipe do "Subprojeto Registros em Vídeo" foi responsável pelas filmagens das ações dos educadores na escola a partir da solicitação destes. Mas, para que o registro em vídeo pudesse ser melhor integrado à vida escolar, incentivamos os próprios educadores da unidade a se tornarem responsáveis pelas gravações e edições de suas ações para que pudessem

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compreender sua prática1. Ao término desse projeto de pesquisa, percebi os limites da função do registro em vídeo na escola e fiquei cada vez mais convencida da potência de se criar e inventar com as imagens. Assim, ao término deste projeto, comecei à busca, pela compreensão de como o trabalho com a imagem poderia ser desenvolvido de modo a atender as minhas expectativas de criar e inventar na escola.

Por conseguinte, iniciei meus estudos sobre a imagem no Laboratório de Estudos Audiovisuais do Grupo OLHO da Faculdade de Educação da UNICAMP, ingressando no GEIE – Grupo de Estudos Imagem e Educação2. Os estudos desenvolvidos levaram-me a pensar sobre as possibilidades de fazer cinema na escola. Por meio desse grupo, conheci a Rede Kino3 no início de sua formação em 2009. A Rede Kino congrega pessoas e instituições visando compartilhar experiências de cinema e educação escolar. Com o intuito de pesquisar novos pensamentos espaciais a partir das e com as imagens, desde agosto de 2011, ingressei no Projeto de Pesquisa Imagens, Geografias e Educação, coordenado pelo Professor Doutor Wencesláo Machado de Oliveira Júnior4, da faculdade de Educação da Unicamp e também integrante do Grupo OLHO.

Outro incentivo para estudar o cinema foram as discussões sobre o Projeto de Lei nº 185/08, de autoria do Senador Cristóvão Buarque, sobre a exibição

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A sistematização do trabalho do ‘Subprojeto’ e do projeto como um todo foi publicada em forma de livro

(GANZELI, 2011). O subprojeto Registro em Vídeo no Cotidiano Escolar figura no capítulo 6 do livro. 2

O Grupo de Estudos de Imagem e Educação (GEIE), coordenado pelo Professor Doutor Carlos Miranda, nasceu em 2008 com alunos e ex-alunos de graduação e pós-graduação da Unicamp. Junto com esses alunos e ex-alunos, o grupo agrega professores de escolas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio da região metropolitana de Campinas. Esse grupo agrega também realizadores do mundo do cinema e produtores de vídeo.

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A ideia da Rede Kino nasceu com o objetivo de congregar pessoas e instituições para compartilhar experiências e somar esforços no intuito de viabilizar ações conjuntas de projetos que aproximem o cinema e educação. A Rede Kino, Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual, materializou-se em 8 de agosto de 2009, quando um grupo de professores, pesquisadores, produtores, estudantes e representantes de organizações do âmbito do cinema e do audiovisual se reuniram na Faculdade de Educação da UFMG, em Belo Horizonte.

4 Integrante do projeto “Imagens, Geografias e Educação” (CNPq 477376/2011-8), que envolve pesquisadores de dez universidades brasileiras. Em resumo, esse projeto propõe o estudo e a criação visual e audiovisual de obras que venham a potencializar novas maneiras de imaginar o espaço (MASSEY, 2008), bem como novos percursos educativos onde as imagens ganhem outros sentidos e forças.

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do cinema nacional nas escolas, protocolado em 12 de maio de 2008, aprovado no Congresso Nacional, sancionado pela Presidenta da República Dilma Rousseff em 26 de junho de 2014 como Lei n° 13.006 e publicada no Diário da união em 27 de junho de 2014, inserindo o parágrafo 8º ao artigo 26 da Lei 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação que determinando a obrigatoriedade da exibição de filmes de produção nacional na escola.

O longo tempo de tramitação da lei abriu espaços para discussões acerca da inserção do cinema nacional nas escolas. Essas discussões giravam em torno da produção nacional de filmes e da possibilidade de formar plateia, embora houvesse desafios como a falta de tempo curricular, de preparação dos professores e de infraestrutura. Essas discussões possibilitaram-me pensar não somente a abordagem do cinema na escola para o cumprimento de uma lei, mas com a perspectiva de propor uma experiência estética e política abordada no capítulo das práticas exploratórias e suas transversalidades.

A vivência e os estudos sobre o cinema na educação possibilitaram pensar e sonhar em como fazer cinema na escola pública. Minha utopia era dar oportunidade aos alunos, à escola e a mim mesma, experiências que estimulassem a diversidade das singularidades por meio da criação com as imagens em movimento e possibilitassem traçar uma outra aprendizagem possível.

Tal perspectiva levou-me ao estudo de autores e de referenciais teóricos que propiciaram pensar sobre diversas dimensões do campo da educação: a necessidade de uma educação dos olhos, do olhar, dos ouvidos, da escuta de nossas paixões e sensibilidades perceptivas, dimensões essas que possibilitassem ao ser um mergulho na capacidade de admiração, de espanto e de alumbramento, assim como na capacidade imaginativa, que gesta e descobre muitos mundos dentro do mundo. Imagens nos fazem pensar e sentir, possibilitando-nos sensações que permitem novas interfaces na movimentação dos pensamentos e dos sentidos.

Com a evolução da tecnologia, a cada ano, as imagens estão mais presentes em inúmeros espaços, inclusive na escola como recursos didáticos. Todavia, a escola, cujo objetivo principal é transmitir o conhecimento acumulado pela

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humanidade, o faz ainda por meio de informações e de ilustrações, de conteúdos prontos e acabados, despotencializando assim o uso da imagem para o processo de criação e invenção.

Em meus sonhos, imaginei práticas pedagógicas com imagens e sons em movimento que estimulassem sensações, sentimentos, emoções e paixões; e que estas pudessem fazer parte do processo de aprendizagem para alargar os limites da imaginação e do pensamento dos nossos alunos. Não defendo, porém, uma prática que vise à ruptura entre o pensamento e a sensibilidade. Pelo contrário, defendo a conexão, a união entre um sentimento que pensa e, por sua vez, um pensamento que sente para criar e inventar.

Para que a criação e a invenção de imagens acontecessem na escola, seria necessário promover encontros entre educação e cinema. Encontros que provocassem possíveis conexões de aprendizagem. Este foi um dos principais desafios do trabalho em questão, desafio para contaminar a escola em que atuava. Minha proposta inicial baseava-se na conjunção entre educação e cinema, com as possíveis conexões de sentimentos que permitissem a “educação das paixões”, que dessem oportunidade a uma aprendizagem que não terminasse na aquisição de um saber, mas que se constituísse em um processo de aprendizagem que fosse continuamente construído e reconstruído, colocando para todos a necessidade de pensar práticas educativas que não fazem parte das práticas habituais da escola. Dessa forma, pensei em uma intervenção pedagógica que propiciasse novos percursos, mais potentes, através do processo de criação com imagens na escola.

Sendo assim, esta pesquisa visa abordar as possibilidades de uma intervenção pedagógica a partir da criação da arte cinematográfica em Escolas da Rede Municipal de Ensino Fundamental da cidade de Campinas, com o objetivo de explorar potencialidades da arte cinematográfica para que ocorram aprendizagens. A preocupação maior foi articular uma prática de criação, recriação e invenção do ato de ver e fazer cinema no ambiente escolar. Idealizou-se realizar as ações dessa intervenção em um ateliê, que daria mais liberdade para se expressar. O objetivo, por meio desta intervenção, foi defender a potência do gesto de criação, centrada na

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hipótese da alteridade, incentivando os alunos a olharem o mundo através da câmera para que os olhares se multipliquem e se realizem. A hipótese de alteridade constitui-se em compreender a experiência de constitui-ser o outro. Nessa perspectiva, pode-constitui-se pensar na escola como o lugar de encontro de diferentes experiências estéticas com a potência criadora, que abarca as dúvidas e questões a respeito do mundo.

Para desenvolver esta pesquisa, estruturei o texto da seguinte forma. Na Introdução, me posicionei na primeira pessoa do singular, por se tratar de um trajeto pessoal em relação às lembranças das imagens que fazem parte de minha vida. O primeiro capítulo compreende o pensamento sobre cinema e educação, abordando aspectos relativos ao estudo sobre este tema. O segundo capítulo aborda o encontro entre a escola e o cinema, a hipótese da alteridade centrada na criação e o cinema como arte. O terceiro capítulo trata da pesquisa intervenção, apresenta o cenário e a caracterização dos participantes da pesquisa. O quarto capítulo aborda a educação visual e os filmes-ensaio. O quinto capítulo apresenta as ações da intervenção. O capítulo sexto aborda a potência do gesto de criação. No sétimo capítulo são apresentadas as práticas exploratórias e suas transversalidades. No oitavo capítulo compartilho reflexões e expectativas por um saber-fazer na escola com o cinema. E, nos anexos apresento a autorização de uso de imagem e som de voz, lista de filmes vistos, cronograma das ações, decoupage dos filmes-ensaios, desenhos, roteiros e caderno de campo.

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1- Pensamento sobre cinema e educação

É simples, o ser humano produz obras; pois bem, a gente faz com elas o que tem que ser feito: a gente se serve delas.

Serge Daney

A produção de imagens em práticas educativas em geral e para as práticas escolares é documentada pela disciplina Iconologia Didática (FERNÈ, 2004). Pode-se dizer, a partir dessa perspectiva, que educação e produção de imagens são práticas sociais em intersecção. Fernè enumera alguns pontos de referência histórica dessa intersecção: a progressiva legitimação e afirmação do uso da imagem por parte da Igreja, desde o final da Idade Média, como instrumento de catequese voltada, sobretudo, para a população iletrada; o desenvolvimento das técnicas de impressão, em madeira e depois em metal, que coloca em circulação, a partir do início do século XVI, diversas formas de ilustração científica e didática para divulgação do conhecimento; o surgimento no Século XVII do primeiro livro ilustrado para infância, o livro de Orbis Sensualium Pictus de Jean Amós Comenius.

Para Miranda (2011), “Orbis Pictus”, concebido em Sárospatak, na Hungria, em 1657 e publicado em 1658, em Nuremberg, é o primeiro livro didático ilustrado e a primeira cartilha do mundo cristão ocidental. Foi utilizado na Europa reformista durante mais de dois séculos após sua publicação. Esta obra e sua história desmistificam a ideia de que o uso da imagem na educação escolar e na produção de conteúdos (seja algo pensado - tenha sido algo pensado) apenas na moderna sociedade industrial e aponta para a necessidade de pensar a imagem, a aprendizagem e o conhecimento como uma articulação histórica, que tem uma dimensão histórica material.

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Ainda, segundo Miranda (2011), a necessidade do uso de imagens nas práticas educativas foi apontada por Comenius em Didática Magna, obra pela qual este autor tornou-se e permaneceu conhecido. Afirma o teólogo-pedagogo morávio:

Para aprender tudo com mais facilidade deve-se utilizar o maior número de sentidos. [...] Devem estar juntos sempre o ouvido com a vista e a língua com a mão. Não somente se deve recitar aquilo que se deve saber para que os ouvidos o recolham, mas desenhando-o também para que se imprima na imaginação pelos olhos. Tudo que aprendam, saibam expressá-lo com a língua e representá-lo com a mão, de modo que não deixe nada sem que tenha impressionado suficientemente os ouvidos, olhos, entendimento e memória. Para este fim, será bom que tudo o que se costuma tratar na sala esteja nas paredes, quer sejam teoremas e regras, quer imagens ou emblemas das disciplinas que se estuda (COMENIUS, 2002, p.46 apud Miranda, 2011; grifo meu).

A história de Orbis Pictus revela que:

Comenius é uma grande inspiração para a escola e para a didática da sociedade burguesa em seus valores de universalização da educação, de utilitarismo do conhecimento e de disciplinadora das diversas classes e grupos sociais. Sem dúvida, as grandes metáforas que inspiraram Comenius são a concepção mecânica de natureza e a organização da oficina dos artesãos. Porém, mais que isso, Comenius talvez tenha sido o primeiro educador a colocar em livro uma iconologia didática em prol da educação escolar. Procedimento que até então fora apenas utilizado para a educação dos fiéis católicos em afrescos pintados em igrejas e em livros de intelectuais que tinham como mecenas nobres e reis. A idealização de uma educação pela imagem para diversos grupos e classes sociais é, de fato, um empreendimento da sociedade burguesa. Em sua origem encontramos Comenius e "Orbis Pictus" (MIRANDA, 2011, p.2 ).

Embora o vetor da prática social de criar imagens na educação seja “criar para a educação” e não criar “na educação”, Comenius ainda dimensiona a criação por parte do professor. Ele próprio foi o autor de seus livros de ensino e participou da criação das imagens de Orbis Pictus. Feitas em xilogravuras, por diversos artesões em países diferentes, as imagens de Orbis Pictus foram encomendadas pelo próprio autor.

Fernè (2004), a partir desta iconologia científica e didática de Comenius, traça um longo percurso da imagem na educação e da educação pelas imagens. Aborda o surgimento da educação, da leitura e da escrita a partir de imagens na Itália, o aparecimento do livro didático padronizado na sociedade industrial; o uso de quadrinhos na educação em livros paradidáticos e encerra a sua obra abordando o documentário, a animação e a televisão educativa. Neste percurso, Fernè consegue

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comprovar a presença da imagem na educação desde o século XVII. No entanto, escapa ao autor que a produção de imagens deixou de ser uma tarefa do educador/professor e que a produção de imagens para a educação se transforma em um nicho de mercado afastando a escola da dinâmica cultural da produção de imagens. O cinema entra nessa história quando o mercado de imagens para a educação já está consolidado. Em grande parte, o cinema acompanha e recria a separação entre imagem educativa e imagem não educativa.

Franco (2011) afirma que também no Brasil a proposta de desenvolver uma cultura cinematográfica no ambiente escolar não é recente. Desde os anos 1920, há o reconhecimento de que a influência do cinema é forte e decisiva. Segundo a autora, foi nesta década que educadores, pais e instituições religiosas começaram a se preocupar com a moral e os costumes que difundiam-se através dos filmes e do cinema. Para ela, duas publicações do início da década de 1930 serviram de base para os projetos de integração do cinema à educação brasileira. Foram elas: “Cinema e Educação” e “Cinema contra cinema”. Os dois livros comentam a necessidade de se integrar o cinema a qualquer projeto de educação para o desenvolvimento e o progresso do país e oferecem detalhados passos para a construção de serviços de cinematografia educativa.

Em 1937, foi criado o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) dentro do Ministério de Educação e Saúde. Edgard Roquette Pinto foi nomeado como diretor e Humberto Mauro como diretor técnico. Em cerca de trinta anos de efetiva atividade (de 1937 a 1966), o INCE deixou uma produção de mais 500 filmes sobre as mais variadas temáticas e nos mais variados formatos.

A produção de cinema para educação acompanha a própria história do cinema. No Brasil não foi diferente, embora as fragilidades das propostas de cinema na educação acompanhem as próprias fragilidades do sistema educacional brasileiro, tanto em relação ao acesso, quanto em relação à permanência das crianças e dos jovens na escola. Pode-se acrescentar a estas fragilidades a desigualdade nas condições de trabalho, na oferta e acesso a todos os tipos de recursos educativos e na formação de professores.

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Apesar do manifesto interesse do cinema na educação e da educação pelo cinema, até bem pouco tempo o cinema estava restrito a um pequeno círculo intelectual que pensava sobre educação e a programas governamentais de forma pontual e transitória.

A partir da década de 1980, segundo Almeida (1999), surgiram várias propostas sistematizadas para orientar o professor a trabalhar com o cinema na escola. Tais propostas procuraram trabalhar o cinema não apenas em relação ao ‘conteúdo’ da história, mas também em relação aos elementos de performance (a construção do personagem e diálogos), linguagem (a montagem e os planos) e composição cênica (figurino, cenário, trilha sonora e fotografia).

Bruzzo (1995), em sua pesquisa de doutorado sobre Série Apontamentos5, apresenta três dados importantes sobre a relação entre cinema e educação. Primeiro, há um grande investimento em subsidiar os professores no uso do cinema em sala de aula, pois foram publicados mais de 350 cadernos da Série Apontamentos, cada um dedicado a um filme. Segundo, o reconhecimento de que a presença do filme na escola aponta para a necessidade de introduzir as linguagens audiovisuais na reflexão e na prática pedagógica. E, terceiro, a percepção de que os filmes agenciam uma forma de aprendizagem própria, ou seja, de que o próprio cinema educa seu espectador. Este último aspecto, que é amplamente reconhecido pela historiografia do cinema, era, até então, e em grande parte ainda é, desconsiderado na educação.

Recentemente, trabalhos importantes sobre cinema e educação foram publicados no Brasil: na Revista Educação & Realidade, o Dossiê Cinema e Educação, publicado em 2008; a Série Salto para o Futuro: Cinema e Educação, um espaço em aberto, publicada em 2009; a publicação em dois volumes do livro Dossiê Cinema e Educação - uma relação sob a hipótese de alteridade, de Alain Bergala, em 2008;

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Publicação da FDE - Fundação para o Desenvolvimento da Educação - órgão da Secretaria de Educação do Estado de Estado Paulo - SEE-SP, cujo objetivo era subsidiar o trabalho dos professores com o cinema em sala de aula.

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Cinema e Educação: reflexões e experiências com professores e estudantes de educação básica, dentro e "fora" da escola, em 2013.

O que se pode observar nestas recentes publicações é, por um lado, a ênfase na formação e proposição de produção de audiovisuais, de imagens, de vídeo e de cinema na educação escolar e, por outro, uma diversidade de abordagens teórico-metodológicas e de desdobramentos temáticos em torno dos trabalhos sobre cinema e educação.

No “Dossiê Cinema e Educação” da Revista Realidade & Educação, Fabiana Marcello (2008), organizadora do Dossiê, enaltece a sutileza e o alcance dos trabalhos publicados que, segundo ela, reúnem "contribuições das mais diversas, elementos de estética, aportes metodológicos, análises de filmes, experiências pedagógicas em cinema e educação, retomada de conceitos e aspectos históricos, discussões sobre o ato de ver, sobre o ‘real’, sobre a infância, a juventude, sobre anjos e demônios” (p.10). Sobre os efeitos do Dossiê, a partir da diversidade de olhares, Fabiana Marcelo (2008) enfaticamente afirma: "Quando se fala em ‘entender’, em conexão com o cinema, não se pode esquecer que estamos lidando com imagens na qualidade de fruto e de gesto criacional. De fato, isso implica em conceber ‘entender’ não mais como busca de respostas, mas como movimento contínuo de formulações de perguntas - sempre contingentes e conjunturais. Tal como no cinema. A cada olhar, uma imagem diferente” (p.10).

“Salto para o Futuro: Cinema e Educação, um espaço em aberto” apresenta procedimentos da linguagem audiovisual, discute a ideologia na própria construção da linguagem audiovisual e finaliza com a proposição de que a apropriação da linguagem audiovisual pode ser feita por meio da realização de oficinas. Na apresentação da Série, Laura Coutinho (2009) afirma: "o cinema propõe outras formas de percepção e, portanto, de construção de subjetividades. Cada um constrói a sua própria percepção e pode expressá-la em ambientes que favoreçam a troca de pontos de vista. Ao conhecer o ponto de vista do outro, o meu será, com certeza, enriquecido”. Os livros “Dossiê Cinema e Educação - uma relação sob a hipótese de alteridade de Alain Bergala”, organizados por Adriana Fresquet, têm como eixo central

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o livro L' hipothèse cinema - Petit traité de transmission du cinema à l’ecole at ailleurs (BERGALA, Alain, 2008). A hipótese-cinema, apresentada por Bergala, possui resumidamente dois aspectos: o cinema como arte, como alteridade e em constante tensão com a instituição escolar, e a passagem ao ato, à realização em cinema, à criação (em contraposição à crítica cinematográfica na escola). Para Bergala, a escola tem o papel de possibilitar o momento de encontro da criança e dos adolescentes com o cinema (e não obrigá-la a aprender fazer cinema). Este papel envolve quatro resoluções: 1. Organizar a possibilidade do encontro da criança e do adolescente com filmes que eles terão cada vez menos chances de encontrar em espaços fora da escola; 2. Tornar-se o professor “passador”6

, aquele que promove, pela convicção e paixão que tem pela arte, a iniciação do aluno à arte cinematográfica; 3. Aprender a frequentar filmes, ver e rever, ver em fragmentos, perceber os procedimentos fílmicos como gestos poéticos; e 4. Tecer laços entre os filmes e abordá-los como pertencendo a uma corrente de obras, como uma obra em um fluxo cultural de uma cinematografia e do próprio cinema. Bergala ainda aborda a dimensão do prazer em assistir filmes, afirmando a existência de diferentes prazeres, posicionando-se, porém, em relação ao prazer da arte.

O livro Cinema e Educação: reflexões e experiências com professores e estudantes de educação básica, dentro e "fora" da escola (2013), apresenta reflexões sobre experiências de cinema e educação, pontes e caminhos "entre" a realidade e a imaginação, o porquê de se criar cinema na escola pública, a potência pedagógica do cinema como gesto de criação e de alteridade, bem como iniciativas de introdução à experiência do cinema com professores e estudantes de educação básica dentro e fora da escola. Enfim, experiências para “aprender e desaprender”, construir e desconstruir

as certezas do mundo reinventando a si e ao outro.

Estas obras, em primeiro lugar, apresentam uma trajetória apontada por Almeida que o trabalho com o cinema no campo da educação não precisa mais ser

6 BERGALA 2008, cita uma expressao de Serge Daney que o professor deve virar um "passador" (passeur). .

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abordado como filme educativo e / ou como ilustração didática de conteúdos escolares. O cinema vem ganhando estatuto próprio dentro da educação na medida em que possibilita uma forma de aprendizagem própria, ou seja, o cinema educa seu espectador.

Em segundo lugar, chama a atenção a singularidade que o objeto de estudo cinema e educação proporciona, sob a perspectiva da especificidade do cinema. Laura Coutinho, na apresentação de “Salto para o Futuro Cinema e Educação”, remete-nos à construção de subjetividades, proporcionadas pelo cinema, a partir da percepção que cada espectador tem de um filme e frente à possibilidade de troca destes pontos de vista. O “Dossiê Cinema e Educação” e o "Cinema e Educação: reflexões e experiências com professores e estudantes de educação básica, dentro e 'fora' da escola", organizados por Adriana Fresquet, permitem ver a escola como possibilidade de ser um lugar de troca em que cada olhar pode se manifestar e se enriquecer. Em síntese, entender o trabalho com cinema na educação é, também, fazer parte de um movimento de deslocamentos e desvios, movimento este que se faz em direção à formulação de novas perguntas, em novas contingências e conjunturas.

Porém, trabalhar com a imagem na educação escolar tem um desafio maior, pois, segundo Almeida (1994):

Parece que a escola está em constante desatualização, que é sublinhada pela separação entre a cultura e a educação. A cultura localizada em um saber-fazer e a escola num saber-usar, e neste saber usar restrito desqualifica-se o educador, que vai ser sempre um instrumentista desatualizado (ALMEIDA, 1994, p.8; grifo meu).

E, mais adiante:

Os filmes (como também outras obras artísticas) são produções da cultura: obedecem a condições de produção, contingências de mercado, mas não a objetivos pedagógicos, didáticos ou a seriações artificiais. Sua utilização na educação é importante porque trazem para a escola aquilo que ela se nega a ser e que poderia transformá-la em algo vívido e fundamental: Participante ativa e criativa dos movimentos da cultura, e não repetidora e divulgadora de conhecimentos massificados, muitas vezes já deteriorados, defasados e inadequados para educação de uma pessoa que já está imersa e vive na cultura aparentemente caótica da sociedade moderna. A escola e não menos a de primeiro e segundo graus é parte da cultura, porém, a parte mais conservadora e desatualizada dessa cultura, o que lhe confere baixo poder político e alta exposição manipulatória. O estudo das imagens e sons da sociedade moderna pode ser um momento para a educação fazer-se cultura e, talvez, poder (ALMEIDA, 1999, p.49-50).

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Os trabalhos recentes anteriormente citados sinalizam para diversas possibilidades de, na educação, se fazer cultura, de participar da cultura em seu saber-fazer. A opção da pesquisa presente foi arriscar produzir e criar imagens e sons em movimento na escola; olhar para o cinema como arte, entendendo a arte como exceção à cultura como regra, mesmo esta do saber-fazer.

Ao perceber que a produção de imagens para a educação é uma parte de um programa de educação visual do qual o cinema hoje também faz parte, considerou-se, a partir da experiência, que a imagem provoca estranhamentos. Não era a imagem didática ou a imagem pedagógica. Não era o estudo da imagem para crianças e adolescentes ensinando-os a olharem o que os encantava. Era a possibilidade de criar junto com eles, apesar da necessidade de se fazer algumas negociações com a escola.

Neste sentido, percebe-se que outros trabalhos, no momento de escrita do roteiro da pesquisa, tornaram-se parceiros de percurso. Realizou-se então um levantamento das dissertações e teses publicadas no banco de teses da Capes desde 2010 até dezembro de 2014. Neste levantamento foram utilizados descritores "cinema e educação" e encontrados 43 registros na área da Educação.

Identificou-se duas perspectivas distintas para que fossem realizadas essas pesquisas: uma, do fazer cinema para a educação e, outra, do fazer cinema na educação. Na primeira perspectiva, enfoca-se o cinema como um agente de comunicação ou de transmissão de conteúdos; e, na segunda, enfatiza-se o cinema como forma de expressão e criação cinematográfica. Das 43 pesquisas, 28 de mestrado acadêmico, duas de mestrado profissional e nove de doutorado abordam "o fazer cinema para a Educação". Apenas quatro de mestrado acadêmico abordam "o fazer cinema na educação", conforme a tabela:

Pesquisa de mestrado sobre o Cinema para a Educação

Autor e título da pesquisa Universidade

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17 O cinema documentário no cenário educativo: perspectivas para uma educação audiovisual.

ALMEIDA, Marcelo Ribeiro de. Educação, escola e modernidade avançada através das lentes do cinema.

Universidade Estadual de Campinas

ALMEIDA, Ricardo Normanha Ribeiro de. Modo de produzir - modo de trabalhar: relações de produção e trabalho no cinema da boca do lixo.

Universidade Estadual de Campinas

AZEVEDO, Evelyn Fernandes. O cinema na escolarização de jovens e adultos: um estudo sobre os modos de apropriação do cinema pelas educadoras da EJA.

Universidade Federal da Paraíba e João Pessoa

BIEGING, Patrícia. Da busca de popularidade às práticas de bullying: crianças e produção de sentidos a partir de artefatos midiáticos.

Universidade Federal de Santa Catarina

BITTENCOURT, Rosania Maria Silvano. Meninos e meninas: uma análise do menino maluquinho, o filme, sob o olhar do gênero.

Universidade do Extremo Sul Catarinense

BONNEAU, Ana Paula Buzetto. Em cena: professores diante da violência na escola pelas lentes do cinema.

Universidade Federal da Paraíba e João Pessoa

CARRERA, Vanessa Mendes. Contribuições do uso do cinema para o ensino de ciências: tendências entre 1997 e 2009.

Universidade de São Paulo

CHRISTOFOLETTI, Rafael. Dissertação fílmica: cinema, loucura e resistência.

Universidade Est. Paulista Júlio de Mesquita Filho de Rio Claro CONDORELLI, Antonino. Dersu Uzala: hibridação

homem-natureza.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

DORNELLES, Luciano do Amaral. Pedagogia da dor: sobre o esporte, a vitória e a derrota na arena.

Universidade Luterana do Brasil

FARINA, Barbara Cristina. Processos de estigmatização e contornos da deficiência: olhar para o cinema, olhar para as (im)possibilidades de ser.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

FRANCO, Renata Rosa. O cinema como (im)possibilidade formativa: uma discussão a partir da perspectiva de Adorno.

Universidade Federal de Goiás

GARCIA, Rafael Wionoscky. Tempos modernos: relações entre as narrativas de alunos de EJA e a cultura do tempo escolar.

Universidade Federal de Santa Catarina

GOMES, Iara de Oliveira. Narrativas fílmicas na educação para a velhice.

Universidade Estadual de Maringá

IRES, Isabelle de Araujo. Poesia visual e ensino: Vivência em suportes distintos.

Universidade Federal de Campina Grande LENK, Erika. Carlitos: história de vida e obra de Charles

Chaplin.

Universidade Estadual de Campinas

PILGER, Jeanete Maria. Condições contemporâneas de trabalho: representações de empregabilidade no cinema.

Universidade Luterana do Brasil

PINTO, Beatriz Sampaio. O quarto de Petra - estabilidade instável do/no cenário fílmico.

Universidade Estadual de Campinas

PORTO, Rodrigo Robert. Sobre formas de se aprender com o cinema: um estudo a partir da agenda - diário de Leandro Konder.

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

REBECA, Elaine Simões Romual. Cinema na sala de aula: proposições para uma exploração estética de filmes por professores.

Universidade do Vale do Itajaí

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18 iniciativa pedagógica de um anarquista durante a era Vargas.

SEIBERT, Lisli. Juventude e cinema: travessias, viagens e transformação na construção do sujeito ético.

Universidade Luterana do Brasil

SILVA, Fernanda Lira da. Experiência audiovisual e infância: em busca do que escapa ao primeiro olhar.

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho de Rio Claro

SILVA, Josineide Alves da. O uso escolar do filme no currículo do estado de São Paulo.

Universidade do Oeste Paulista

SILVA, Michele Juliana de Carli Anselmo da. A revista brasileira de educação: apropriações do discurso acerca dos temas da infância e da história da infância (1995 a 2010).

Universidade Estadual de Maringá

SOUZA, Sávio José di Giorgi Ferreira de. O educere ad educare da educação integral em cena, contracena e crítica.

Universidade Tuiuti do Paraná

VIEGAS, Magda Luciana da Rosa. Mosaicos da infância no cinema.

Universidade Luterana do Brasil

Pesquisa de mestrado profissional de Cinema para a Educação Autor e título da pesquisa Universidade

FARIA, Ana Constancia Macedo. O cinema e a concepção de ciências por estudantes do ensino médio.

Universidade de Brasília

SANTOS, Eliane Gonçalves dos. A história da ciência no cinema: contribuições para a problematização da concepção de natureza da ciência.

Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões

Pesquisa de doutorado o Cinema para a Educação

BALESTRIN, Patrícia Abel. O corpo rifado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul

COSTA, Alan Victor Pimenta de Almeida Pales. A cor da romã .

Universidade Estadual de Campinas

FIGUEIREDO, Haroldo Moraes de. Vigilanti cura: uma educação cinematográfica nos colégios católicos de Pernambuco na década de 1950.

Universidade Federal de Pernambuco

JESUS, Rosane Meire Vieira de. Comunicação da experiência fílmica e experiência pedagógica da comunicação.

Universidade Federal da Bahia

JUNIOR, Donald Hugh de Barros Kerr. Cartografias da (trans)formação docente: uma experiência estética com o cinema.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

MEDEIROS, Sérgio Augusto Leal de. Imagens educativas do cinema/ possibilidades cinematográficas da educação.

Universidade Federal de Juiz de Fora

SANTOS, Luciane Mulazani dos. A representação na história em modo de endereçamento para a educação matemática.

Universidade Federal do Paraná

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- poéticas. Campinas

SILVA, Marcus Flávio Alexandre da. Estética e audiovisual no Ceará: uma aproximação crítica à luz da ontologia marxiana.

Universidade Federal do Ceará

Pesquisa de Mestrado sobre o Cinema na Educação

Autor e título da pesquisa Universidade

FARIA, Nelson Vieira da Fonseca. A linguagem cinematográfica na escola: o processo de produção de filmes na sala de aula como pratica pedagógica.

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Presidente Prudente

LEITE, Gisela Pascale de Camargo. Linguagem cinematográfica no currículo.

Universidade Federal do Rio de Janeiro

SILVA, Alessandra Collaco da. Arte, mídia e cinema na escola: um ensinar que (me) ensina!

Universidade Federal de Santa Catarina

SILVA, Maira Norton. Relações entre técnica e criatividade no ensino do cinema e do audiovisual.

Universidade Federal Fluminense

Na perspectiva do Cinema para a Educação, observa-se que o cinema é usado na sala de aula como ilustração de conteúdos das disciplinas e também com o objetivo de provocar uma reflexão, uma análise a partir do filme. Assim, ora o cinema é utilizado para se fazer uma análise sociocultural de algum aspecto focalizado no filme ou para analisar o comportamento de um personagem, como, por exemplo, promover uma reflexão sobre a questão de gênero, estimulando o olhar dos alunos sobre as relações de gênero e sexualidade no intuito de se perceber a visão de mundo e suas relações socioculturais. Ora, o cinema é utilizado em sua função educativa e formativa; ou simplesmente como recurso didático, com o intuito de verificar sua eficiência dentro do processo de ensino-aprendizagem e importância da inserção de tecnologia audiovisual no âmbito escolar. É utilizado ainda como suporte importante na motivação da apreensão de um conteúdo de forma lúdica, visando despertar no aluno o interesse pela busca de novos saberes.

Por sua vez, na perspectiva do fazer cinema na educação, o cinema é utilizado na escola de maneira a permitir ao aluno experiências relacionadas com a criação cinematográfica e não apenas na perspectiva do "ver" como explicitado acima. Assim, neste caso, ele é utilizado para desenvolver a criatividade, a sensibilidade do

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aluno, destacando a importância da técnica e da imaginação para o caráter transformador da arte tendo como objetivo possibilitar relacionar-se com o mundo de outra forma. Ora, oficinas de cinema são realizadas na escola como possibilidades de inserção curricular para trabalhar o cinema e sua articulação com a arte e a mídia na sala de aula; ora o cinema é utilizado, por exemplo, para viabilizar uma aprendizagem em arte a partir do emprego da linguagem cinematográfica nas várias fases da produção de filmes, desde a sua concepção até a exibição do produto final; ora propõe-se utilizar o cinema como forma de criação sob a hipótepropõe-se de alteridade artística, como é a pesquisa de mestrado "Linguagem cinematográfica no currículo da educação básica: uma experiência de introdução ao cinema na escola", de autoria de Gisela Pascale de Camargo Leite, 2012, na UFRJ.

No estudo de Leite (2012), a autora faz um recorte que visa repensar a antiga relação escolar de cinema em interface com uma visão de currículo como política cultural em sociedade a partir da experiência de introdução de práticas de criação cinematográfica na escola. Esse estudo parte do pressuposto de que uma iniciação à arte cinematográfica na educação básica pode operar a linguagem em constituição na escola de forma estrangeira às condições hegemônicas de ensino numa relação de atribuição e produção de sentidos como uma questão de conhecimento, poder e cultura inerentes à construção de um currículo contemporâneo.

Pode-se dizer então, que as pesquisas na perspectiva do cinema para a educação são fundamentadas na "pedagogia do ver". De outro modo, esta pesquisa sobre o cinema na escola está fundamentada na "pedagogia do fazer". Este trabalho de pesquisa, então, insere-se nesta última perspectiva, na medida em que se concebe o cinema como arte indagando a potência gesto de criação centrada na hipótese de alteridade possibilitando pensar questões sobre o mundo e sobre os possíveis elos entre os sujeitos.

Na análise das pesquisas sobre cinema e educação, embora se possa perceber que os trabalhos problematizem a importância da dimensão artística do cinema e o seu potencial para uma prática educativa humanista e dialógica, não se trabalha o cinema em uma dimensão dos afetos e dos efeitos produzidos nos alunos

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durante a produção de um filme ou mesmo quando assistem a películas visando uma prática educativa que atravesse e produza efeitos intensivos capazes de promover modos de viver em suas singularidades e multiplicidades. Dessa forma, a proposta da potência do gesto de criação centrada na hipótese de alteridade aponta que a experiência com o cinema na escola pode construir um outro caminho para a Educação. Acredita-se ainda que o cinema no território escolar possibilita uma formação, podendo conversar em diversas frequências de saberes, aproximar a prática educacional do que está ausente ou mesmo proibido do fazer pedagógico e submeter às coisas do mundo aos alunos.

A criação do cinema na escola possibilita experimentar um trabalho escolar diferente daquele da rotina que tomou conta das relações de ensino, uma vez que, nas escolas, ações próprias e criação de caminhos múltiplos, com objetivos mais amplos de aprendizagem, que tornem os alunos autores, estão muito distantes das práticas escolares, que se caracterizam por uma rotina construída pela definição e

cumprimento de metas, mensuradas, pelos sistemas de avaliação de larga escala que,

cerceiam em grande parte a suposta autonomia do aluno e do professor. Mas, é possível resistir e existir. Criar, inventar e fabular caminhos diferentes daqueles da rotina escolar, construindo encontros que incutem confiança em cada um dos alunos, que não se feche entre os muros da escola, mas que se abra para o mundo.

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2- Encontro escola e cinema

Talvez tenhamos que aprender a nos apresentar na sala de aula com uma cara humana, isto é, palpitante e expressiva, que não se endureça na autoridade. Talvez tenhamos que pronunciar na sala de aula uma palavra humana, isto é, insegura e balbuciante, que não se solidifique na verdade. Talvez tenhamos que redescobrir o segredo de uma relação pedagógica humana, isto é, frágil e atenta, que não passe pela propriedade (LARROSA, 2010. p.165).

Ainda que a cada ano, com o desenvolvimento das tecnologias digitais, as imagens estejam cada vez mais presentes em inúmeros espaços e nas mais diferentes situações sociais do nosso cotidiano, isso não ocorre na mesma proporção e intensidade nas práticas educativas e materiais escolares. Sendo assim, a escola, historicamente constituída, tem como objetivo principal transmitir o conhecimento acumulado pela humanidade, ainda por meio de informações, comunicação e ilustrações de conteúdos, quer seja oralmente ou através da escrita, ou das imagens, uma vez que trabalha com a representação de conteúdos. Dessa forma, a representação se contrapõe com o criar e o recriar saberes.

Para que a imagem possa estar na escola como forma de alteridade, esta precisaria se desapegar da premissa da condição informativa, comunicativa e ilustrativa centrada em conteúdos e conhecimentos formais, que gera clausuras no que tange às potencialidades do ato de pensar e de aprender.

Em função de variáveis possíveis das imagens e do cinema na escola, perguntas e questionamentos povoavam os pensamentos e passaram a nortear o traçado dessa pesquisa. Seria possível estabelecer encontros entre a Educação e o Cinema como arte? Seria possível aprender com o cinema e, se sim, como isto se daria? Quais seriam os dispositivos necessários para desenvolver essa experiência? Como se processaria a participação do aluno e quais seriam os reflexos desta intervenção no processo de aprendizagem? A criação cinematográfica no âmbito escolar teria força suficiente para transformar algumas formas habituais de pensar e de agir dos alunos? Se sim, como se expressaria? Como se constituiria o gesto criativo centrado na hipótese de alteridade proporcionada pela experiência cinematográfica?

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Estas e outras tantas indagações compunham a possibilidade de construção de um argumento para este trabalho.

Minha hipótese era que o desapego da reprodução do conhecimento possibilitaria um território aberto para a elaboração sobre questões de estar no mundo. Propiciar diferentes experimentações que possibilitassem colocar as próprias variáveis do movimento de intervenção na escola em estado de variação contínua para criar espaços que se constituiriam em deslocamentos de criação, recriação e invenção que favoreceriam múltiplas dimensões do aprender. A utopia de fazer cinema como arte na escola colocava a necessidade de se pensar práticas educativas que formulassem novas questões em relação ao mundo.

Dessa forma, fez-se necessário então, a construção e desconstrução de aprendizagens e das formas com as quais a escola se apropria dos conhecimentos e saberes das ciências e das artes. Para tal, seria preciso uma definição de conhecimento ocupada com os múltiplos saberes indispensáveis para a participação social, política e cultural das pessoas envolvidas no processo educativo.

Pode-se pensar que o conhecimento se forma a partir de conjunções. Aquele que cria começa de um encontro com o outro, ou seja, em parte apropria-se de outro pensamento, pois ninguém cria a partir do nada. Exatamente no momento em que se trabalham outras ideias, evidencia-se o ato criador.

Para Bachelard (2001), todo conhecimento é provisório. Pode-se pensar então que o conhecimento não seria mais fundamentado sobre o absoluto, mas sobre as mudanças. Pode-se com isso imaginar o conhecimento como um movimento incessante e constante de aprender, desaprender e reaprender, que possibilite formular questões, sendo permanentemente construídas, desconstruídas e reconstruídas. A educação e o conhecimento são processos, visto que o homem é um ser inacabado, em contínua ação de aprendizagem e de construção do conhecimento. Uma postura de construção do mundo (ou de mundos) é, fundamentalmente, uma interface aberta à interação, à revisão de posições e a mudanças na própria visão do que seja realidade.

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Como uma sociedade em constante mudança mantém ainda uma escola com práticas educativas baseadas na transmissão das certezas do conhecimento acumulado? O desafio, portanto, era transformar certezas em hipóteses.

Ressalta-se que a educação escolar não é apenas uma ação individual ou coletiva. Ela se faz como prática social. Na escola, lugar desta prática, conforme se pode compreender durante a pesquisa, quase não há oportunidades para questionar pensamentos universais arraigados e produzir conhecimentos capazes de desfazer as relações estabelecidas entre os sujeitos; conceber novas ideias, novas possibilidades, calar as respostas e fazer emergir novos questionamentos. A experiência e a criação são aplainadas no cotidiano escolar.

Sendo assim, as práticas sociais juntamente com a hipótese de alteridade e o potencial do gesto de criação emergiriam do encontro entre a Educação e o Cinema e seriam os principais desafios deste trabalho, desafios que contaminaram a escola.

2.1 Hipótese da alteridade centrada na criação

O estudo de Alain Bergala sobre alteridade, encontrado no livro, "A hipótese cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola" (2008) trata de uma prática do cinema centrada na criação, de modo que a arte cinematográfica adquira um potencial educativo que possibilita gestos de criação e não somente ver e analisar filmes. Sendo assim, para que esta prática possa se realizar, é fundamental estabelecer um território propício para pensar, desvendar sensações, experimentar e criar. Embora o território das unidades escolares seja árido para pensar e valorizar sensações e experiências, Bergala (2008, p. 29) defende que as experimentações são possíveis dentro dessa perspectiva da criação quando o cinema é pensado como obra de arte capaz de provocar o ato criativo:

A arte, para seguir sendo arte, deve continuar sendo uma ferramenta de anarquia, de escândalo, de desordem. A arte, por definição, semeia desconcerto na instituição. [...] A arte não deve ser nem a propriedade nem o limite vedado de um professor especializado. Ela deve ser uma experiência de

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outra natureza na escola, que daquele do curso institucionalizado, tanto para os alunos quanto para os professores. (BERGALA, 2008, p. 33-34).

O cinema como arte na escola entra como exceção, face à regra da cultura. Bergala, conhecendo este conflito, propõe que o cinema seja, na instituição escolar, uma hipótese de alteridade, ou seja, um encontro com elementos de desordem e desconforto em relação aos hábitos cotidianos. Sendo assim, os filmes-arte na escola possibilitam ao aluno um confronto com uma forma de pensar o novo. Bergala sugestiona:

[...] Tinha a convicção de que, nos anos vindouros, seria preciso dar prioridade à abordagem do cinema como arte (criação do novo), e não àquela, canônica, do cinema como vetor de sentido e de ideologia (reiteração do já dito e do já conhecido). [...] (BERGALA, 2008 p. 34).

O objetivo desta pesquisa era tomar o cinema como arte na escola dentro da proposta de alteridade. A alteridade do cinema está em relação com o uso que se faz desta prática social nas instituições escolares. Os planos de ensino que incluem cinema transformam um filme em recurso didático para apresentação e reforço de um conteúdo. Assim, como abordado anteriormente, filmes são vistos e empregados como ilustrações e informações de conteúdos e temas escolares e não pela forma como a obra aborda o tema. Neste sentido, o cinema não possibilitaria aprendizagem ou experiências pedagógicas como campo de possibilidades. Além disso, filmes que fogem aos conteúdos programáticos são proibidos ou considerados inadequados. Sendo assim, uma intervenção do cinema como arte na escola é desviante, posto que, atravessa de diversas maneiras, a tradição escolar.

Para Bergala (2008), deve-se cuidar do pragmatismo pedagógico:

Na pedagogia das artes existem os grandes princípios gerais e generosos: reduzir as desigualdades, revelar nas crianças outras qualidades de intuição e de sensibilidade, desenvolver o espírito crítico, etc. [...]. Na base, no que diz respeito à experiência pedagógica concreta, há o discurso dos que estão ligados à prática e se chocam cada dia com a realidade, encurralados entre as resistências da hierarquia e as dificuldades encontradas na sala de aula, que cada qual tenta resolver pragmaticamente, com mais ou menos gratificações pessoais e profissionais. O que mais faz falta, na área da pedagogia da arte, é um pensamento entre estas duas posições, um pensamento tático que esteja convencido dos grandes princípios [...] e que esteja atento para as dificuldades [...] (BERGALA, 2008, pp.26-27; grifo meu).

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O conceito de intervir, na perspectiva da pesquisa-intervenção, gera agenciamentos que fogem às certezas das determinações e, assim, pode ser desviada do pragmatismo, indicando uma experiência que provoque pensamento e ação desacomodando certezas.

2.2 O cinema como arte

Cinema como arte é aquele que pode demonstrar e indicar uma experiência viva que explora a sensibilidade, para produzir novas formas e cores e provocar pensamento e ação. Afirma Tarkovski:

O espectador está em busca de uma experiência viva, pois o cinema, como nenhuma outra arte, amplia, enriquece e concentra a experiência de uma pessoa e não apenas a enriquece, mas a torna mais longa, significativamente mais longa. É esse o poder do cinema: ‘estrelas’, roteiros e diversão não têm nada a ver com ele (TARKOVSKI, 1998, p.72).

Desejava-se a presença de um elemento provocador da imaginação e do pensamento, que proporcionasse experiências e contribuísse para que ocorresse o estranhamento nas vivências, seja do ponto de vista do aluno, seja do ponto de vista da educadora. Um elemento que proporcionasse a percepção da alteridade, com a construção de outros olhares sobre as relações.

A atração pelo cinema como arte na educação está em fazer emergir novos olhares. Fresquet afirma:

Apostar na possibilidade do cinema se constituir em agente de uma nova educação, que permita aos professores e alunos uma aprendizagem estética, sensibilizar o intelecto, desvendar sensações e afetos para olhar para si e para o mundo (FRESQUET, 2007, p 26).

Por sua vez, Bergala (2008) afirma:

[...] A arte não se ensina, ela se encontra, se experimenta, ela se transmite por outras vias além do discurso do próprio saber, às vezes mesmo sem discurso algum (BERGALA, 2008, p. 33-34).

O conceito de cinema como arte, desenvolvido por Alain Bergala, descreve a arte como um encontro com a alteridade e traça um paralelo entre cultura e arte. Para ele, o cinema na escola não se ensina, se encontra, se experimenta. Nessa

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perspectiva, a introdução do cinema na escola atravessa sentimentos e, assim sendo, substitui práticas escolares habituais.

Ainda se pode falar do encontro com a alteridade, visto que o cinema é utilizado na escola, mas não foi produzido para esse fim. Dessa forma, os professores, ao incluírem o cinema nos planos de ensino, precisam considerar os filmes como recursos didáticos que possibilitem a criação de algo novo e não o reforço de um conteúdo. Neste sentido, os filmes em sala de aula proporcionam caminhar além dos conteúdos escolares, porque o cinema tem a sua própria especificidade, e esta não se constitui exatamente como um rol de conteúdos a serem ensinados.

Para Almeida:

Os filmes (como também outras obras artísticas) são produções da cultura: obedecem a condições de produção, contingências de mercado, mas não a objetivos pedagógicos, didáticos ou a seriações artificiais. Sua utilização na educação é importante porque trazem para a escola aquilo que ela se nega a ser e que poderia transformá-la em algo vívido e fundamental: Participante ativa e criativa dos movimentos da cultura, e não repetidora e divulgadora de conhecimentos, massificados, muitas vezes já deteriorados, defasados (ALMEIDA, 1999, p.48).

Aposta-se na ideia do cinema na escola como desencadeador de uma aprendizagem que supere os limites da cultura massificadora, além de propiciar ir além dos conteúdos da matriz curricular e aproximar a escola do que está ausente ou distante do fazer pedagógico.

Para Bruzzo:

O cinema, em todos os graus de ensino bem como nas diversas disciplinas, vem atender ao objetivo precípuo da educação de hoje, de tornar cada vez menor a refração entre o que a escola ensina e o que a vida mostra (BRUZZO, 1995, p.91).

Nesta perspectiva, o cinema funciona como uma forma de questionar e movimentar saberes. A questão não é somente educativa. Reconhece-se que o cinema como arte na escola propõe variações, distorções, com a intenção de afetar a rotina do olhar, bem como de repensar a escola e o mundo. Ou seja, ao capturar o espectador, o cinema o convida a abordar questões sobre o mundo. Sendo assim, arrisca-se em compreender o mundo, em modos de dizer sobre o mundo, em imaginar e pensar outros mundos. É preciso deslocar-se do lugar comum, porque a arte cinematográfica tem a intenção de afetar o sensível.

Referências

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