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As funções parentais e as distintas configurações familiares

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

CAROLINA MEGGIOLARO SIQUEIRA

AS FUNÇÕES PARENTAIS E AS DISTINTAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES

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CAROLINA MEGGIOLARO SIQUEIRA

AS FUNÇÕES PARENTAIS E AS DISTINTAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Psicologia – Bacharelado, do Departamento de Humanidades e Educação – DHE, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à conclusão do curso e obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Luciane Gheller Veronese

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha família, pelo apoio e dedicação quando precisei; não foram momentos fáceis e confesso que senti medo.

Agradeço a todos que de alguma forma me inspiraram e me deram suporte durante meu percurso acadêmico. Agradeço à professora Luciane Veronese, pela orientação, e ao professor Nilson Heidemann, por se dispor a fazer uma leitura deste trabalho.

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“Um dia quando olhares para trás, verás que os dias mais belos foram aqueles em que lutaste”. Sigmund Freud

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RESUMO

A presente pesquisa bibliográfica tem por objetivo refletir sobre o tema das funções parentais à luz da psicanálise, tomando como referência as configurações familiares e a transformação do laço social. A proposta deste trabalho é entender as funções parentais, associadas às transformações sociais em relação à família, em especial o declínio do patriarcado e a mudança do lugar social da mulher e da criança. A intenção é compreender como as transformações no laço social intervêm nas funções parentais atuais.

PALAVRAS-CHAVE: Funções Parentais. Configurações Familiares. Transformação

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...8

1. A FAMÍLIA: DO MODELO TRADICIONAL AO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO...9

1.1 FAMÍLIA TRADICIONAL...9

1.2 FAMÍLIA TRIANGULAR BURGUESA...11

1.3 AS DISTINTAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO...13

2. A TRANSFORMAÇÃO DO LAÇO SOCIAL NO CONTEMPORÂNEO E AS FUNÇÕES PARENTAIS...15

2.1 DECLÍNIO DO PATRIARCADO...16

2.2 LUGAR SOCIAL DA MULHER E DA CRIANÇA...17

2.3 FUNÇÕES PARENTAIS...19

CONSIDERAÇÕES FINAIS...24

REFERÊNCIAS...25

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8 INTRODUÇÃO

Este trabalho de pesquisa bibliográfica tem como tema as funções parentais na cultura ocidental contemporânea, pensando as mudanças discursivas na sociedade atual que interferem diretamente no contexto familiar.

O percurso apresenta elementos da família tradicional e como nela ocorrem as funções parentais. Logo após, descreve, no contexto moderno/contemporâneo, as mudanças das funções parentais na família triangular burguesa e em outras configurações familiares atuais, decorrentes das transformações do laço social neste âmbito.

Discorre sobre a família, instituição social, enfatizando funções parentais, ou seja, as funções de pai e de mãe, independentemente de quem as realize, e que têm como propósito a amaragem da criança ao simbólico.

Por meio da família o infans é inserido na cultura, ocorrendo, assim, sua inscrição neste mundo que lhe era estranho. Ao ser esperada ou ao chegar numa família, a criança já carrega em si os desejos que os pais depositaram nela. É a partir dos cuidados de quem fará a função materna e a paterna que a criança conseguirá ser inserida no social. Nesse sentido e através desta trajetória, buscamos estudar as transformações das funções parentais além da família tradicional e triangular burguesa, estudando-as também nos contextos familiares atuais.

Para realizar tal investigação, o texto está dividido em dois capítulos: o primeiro capítulo realiza uma trajetória sobre os contextos familiares que contribuíram para uma constante modificação das funções parentais. Os modelos de família estudados são a família tradicional, a família triangular burguesa e as distintas configurações familiares no contemporâneo. O segundo capítulo aborda a transformação do laço social no contemporâneo e as funções parentais, contendo exposições sobre o declínio do patriarcado, o lugar social da mulher e da criança e as funções parentais.

Finalmente, este trabalho é uma aposta na construção de um questionamento que possibilite compreender as configurações familiares e principalmente articular as funções parentais no contexto atual.

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9 CAPÍTULO 1

A FAMÍLIA: DO MODELO TRADICIONAL AO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO

Este capítulo trabalha a família a partir de um recorte teórico a respeito de suas vicissitudes, traçando caminho por sua história, buscando compreender a ocorrência de transformações. A família é a instituição social na qual o indivíduo assume para si relações de filiação, sendo o primeiro contato da criança com o social; é através da família que a criança será apresentada à cultura.

Ao articular as configurações familiares na cultura ocidental, aborda a família tradicional, resgatando seus traços estruturais. Também descreve a família triangular burguesa e os distintos desenhos de família no contemporâneo.

Transitar pela história das modificações das configurações de família tem relevância no sentido de possibilitar a compreensão, em nosso estudo, das funções parentais, já que se modificam as questões de cada época e cultura.

1.1 Família tradicional

A família tradicional foi o modelo hegemônico por muitos séculos no mundo ocidental. Apesar das mudanças ocorridas, ainda se constata este modelo familiar, sendo que, inclusive, a nossa cultura tem traços deste modelo.

Em A família em desordem, Roudinesco (2003) realiza uma classificação e aponta as mudanças da família no decorrer dos anos. Primeiro, traz a família tradicional/patriarcal, que serve para transmitir patrimônio, na qual os casamentos são arranjados pelas famílias sem interesses afetivos e/ou sexuais dos futuros cônjuges, submetidos à ordem de uma autoridade patriarcal.

Nas famílias patriarcais, a preocupação estava principalmente relacionada com o futuro do patrimônio; isso explica a condição imposta para os casamentos. Os pais escolhiam os cônjuges de seus filhos, pensando na continuidade da linhagem e na transmissão dos princípios. Para isso, buscavam semelhanças voltadas para a educação, as crenças, as tradições culturais (JULIEN, 2000).

Neste sentido, podemos mencionar que a ordem do pai era garantida, já que os valores da família deviam ser transmitidos e, sendo as decisões tomadas por ele, confirmava sua autoridade sobre a família, manifestando a alteridade no social.

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10 A dominação patriarcal é o centro deste modelo de família, considerando que o pai, possuidor do falo1, mantinha suas ordens, sendo este obedecido e temido pela família, tanto pelos filhos quanto pela esposa, a qual não tinha prestígio.

O pai possuía presença real2, simbólica3 e imaginária4; a sua ordem já era predeterminada pela sociedade, seu lugar já estava instituído. Este exercia a autoridade sobre os outros membros da família. A mulher era tida como a mãe que cuidava do lar e dos filhos, sem ter uma importância ou admiração por tal posição.

Dizemos que a posição do pai era predeterminada pela sociedade, porque as funções já eram instituídas na família. O pai trabalhava, trazia o sustento para casa; a ele todos deviam obediência; a mãe, assim como os filhos, a ele era subordinada.

Conforme Julien (2000, p.10), “nas sociedades tradicionais ditas patriarcais, os pais dividem entre si o poder na comunidade cívica, ao passo que o exercem absolutamente em suas próprias famílias. É a hierarquia que reina entre o pai e sua mulher, entre o pai e seus filhos”. A subordinação à autoridade de um mestre, chefe político e/ou religioso, era assegurada pelo pai de família, pois este fazia a lei, sendo imposta e obrigatoriamente aceita (JULIEN, 2000).

Badinter (1985), na sua obra Um amor conquistado: o mito do amor materno, traz que, conforme os valores da sociedade, os papéis do pai, da mãe e do filho são determinados. Na ideologia das sociedades tradicionais, apenas o homem-pai tinha o poder, sendo a mãe igualada à condição da criança; quando a criança passa a ser considerada importante na sociedade, a mãe é valorizada pelos cuidados e pela educação dispensados em relação ao filho.

1 Diversas palavras são empregadas para designar o órgão masculino. Se a palavra pênis fica reservada ao

membro real, a palavra falo, derivada do latim, designa esse órgão mais no sentido simbólico, ao passo que denominamos de itifálico (do grego ithus, reto) o culto do falo como símbolo do órgão masculino em ereção (ROUDINESCO, 1998, p. 221).

2 Termo empregado como substantivo por Jacques Lacan, introduzido em 1953 e extraído,

simultaneamente, do vocabulário da filosofia e do conceito freudiano de realidade psíquica, para designar uma realidade fenomênica que é imanente à representação e impossível de simbolizar (ROUDINESCO, 1998, p. 644).

3 Termo extraído da antropologia e empregado como substantivo masculino por Jacques Lacan, a partir de

1936, para designar um sistema de representação baseado na linguagem, isto é, em signos e significações que determinam o sujeito à sua revelia, permitindo-lhe se referir a ele, consciente e inconscientemente, ao exercer sua faculdade de simbolização (ROUDINESCO, 1998, p. 714).

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Utilizado por Jacques Lacan a partir de 1936, o termo é correlato da expressão estádio do espelho e designa uma relação dual com a imagem do semelhante. Associado ao real e ao simbólico no âmbito de uma tópica, a partir de 1953, o imaginário se define, no sentido lacaniano, como o lugar do eu por excelência, com seus fenômenos de ilusão, captação e engodo (ROUDINESCO, 1998, p. 371).

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11 O poder paterno nesses contextos era hegemônico em relação aos outros membros da família. Segundo Badinter (1985, p. 29), “nos textos sagrados dos Vedas, Árias, Bramanas e Sutras, a família é considerada como um grupo religioso no qual o pai é o chefe”. A vida da mulher geralmente era parecida com a dos filhos, já que, para o marido, esta poderia ser considerada um bem que ele adquiriu.

Para o referido autor, a religião teve grande influência sobre a família, confirmando este lugar de autoridade do pai e ressaltando a importância do matrimônio escolhido e autorizado pelos pais, sendo esta autoridade mantenedora da sociedade hierarquizada. O pai possuía deveres com os filhos e estes lhe deviam obediência, algo mantido culturalmente. O pai era o senhor da casa ao qual todos os outros membros da família eram submissos. Na medida em que a sociedade vai se transformando, a família também se modifica.

A sequência do texto trata da chamada família moderna que segue, em parte, a formação tradicional, mas modifica-se ao reconhecer traços de triangularidade.

1.2 A família triangular burguesa

Dos novos arranjos no cenário moderno/contemporâneo, daremos ênfase à família triangular burguesa, baseada no amor romântico. A grande diferença está, como já citado, na referência ao amor, sendo este a chave para a união conjugal e familiar. Os sentimentos e os desejos carnais são confirmados com o casamento, marcado também por valorizar a divisão de trabalho entre o casal.

Por volta dos anos 60 do século XX, a família moderna/contemporânea intensificou suas transformações: a união de dois indivíduos pela busca de relações íntimas ou realizações sexuais, a autoridade do patriarcado foi questionada e a vida sexual flexibilizada com o aumento de divórcios, separações e recomposições conjugais (ROUDINESCO, 2003).

Palma (2010) afirma que

podemos vislumbrar que aquela idéia inicial sobre família, começa a se modificar neste cenário contemporâneo, e o conceito de família passa a ter seu significado ampliado, re-entendido e re-inventado. E vem sendo assim desde que a família foi inventada, construída culturalmente. É uma unidade de constante mutação, pois precisa dar conta das transformações que ocorrem na sociedade, e essa, se encontra em um momento de valorização dos direitos humanos, logo, abrindo espaço para a diversidade, para o não-normativo (p. 5).

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12 A família, para Kehl (1996), funcionava como ponto de convergência entre discursos e dispositivos de origens diversas e, ao mesmo tempo, como espaço “privado”, isto é, “imaginariamente um espaço sobre o qual o poder não teria acesso” (p. 26).

Funda-se a família pensando nos seus princípios simbólicos, função paterna e materna. Apesar de todas as mudanças ocorridas, do declínio da imago paterna e de toda a problemática que se instaura, a família continua sendo a instituição humana mais sólida da sociedade (BADINTER, 1985).

Em Os complexos familiares, Lacan (1987) argumenta que “a família deve ser entendida enquanto um complexo, sendo este algo que reproduz uma certa realidade do ambiente” (p. 20). A cultura introduz uma nova dimensão da realidade psíquica, designando a família como uma estrutura social privilegiada de coação do adulto sobre a criança, com organização a partir dos modelos de transmissão da autoridade familiar segundo as leis da cultura.

Após a Revolução Industrial, na segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento tecnológico e o intenso crescimento da maquinaria, muitas mulheres passaram a exercer atividades em fábricas, tendo uma remuneração inferior à dos homens. Entretanto, lutando contra essa discriminação, surgiram leis que passaram a beneficiar as mulheres. A partir do século XVII, o movimento feminista adquiriu características de ação política. Também, nas duas grandes guerras, as mulheres começaram a assumir o lugar dos homens no mercado de trabalho e nas decisões familiares (KAMERS, 2006).

Posteriormente, pensamos como o “abandono do lar” - o fato de a mãe ir trabalhar fora - fez crescer os conflitos sociais, trazendo consequências para a vida dos filhos. Com a dificuldade de cuidar de todos os afazeres, as mulheres reivindicavam por direitos como escola, creches e auxílio maternidade.

A entrada da mulher no mercado de trabalho pode ser vista como um marco na mudança familiar, pois, além de o casamento estar baseado em interesses pessoais - sejam sentimentais, sejam sexuais - a mulher, que antes era vista apenas como mãe, deixa sua casa e sai para trabalhar. Muitas vezes, é ela quem continua cuidando dos filhos e da casa, porém os pais têm mais interação com essas atividades e também assumem as tarefas que antes eram desempenhadas apenas e unicamente pela mãe.

Outro momento considerável nas mudanças familiares é, sem dúvida, a criação da lei do divórcio em 1977, que possibilitou a dissolução do casamento, garantindo que

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13 cada sujeito tenha mais liberdade para fazer suas escolhas. À medida que o número de divórcios aumentava, o casamento foi perdendo força simbólica (ROUDINESCO, 2003). O vínculo familiar foi diminuindo seu poder, já que o casamento antes considerado “até que a morte os separe” agora pode ser diluído.

1.3 As distintas configurações familiares no contexto contemporâneo

Notamos que as mudanças ocorridas ao longo do tempo possibilitam pensar sobre as modificações da família e as configurações familiares baseadas em distintos modelos. Bauman (2001, 2004), em seu livro Modernidade Líquida, traz questões nas quais considera a sociedade líquida por não ter forma fixa e ser moldada de modo flexível. Nesse sentido, pensamos que nesta sociedade os meios tecnológicos são uma marca importante, já que aproximam e distanciam as pessoas, garantindo uma navegação segura em meio à solidão. Propriedade específica da atualidade, a tecnologia intervém nestes dois sentidos: aproxima os que estão longe e, muitas vezes, distancia os que estão perto.

A partir dessa flexibilidade no laço social, a concepção tradicional e conservadora da família está se diluindo no mundo ocidental, possibilitando lugares para novos formatos familiares. Tendo em vista a união por afetos, os formatos familiares tornaram-se uma escolha de cada sujeito, mesmo que na sociedade ainda existam preconceitos, sendo a economia, o consumismo e a globalização elementos de influência nessa transformação.

Nesse sentido, percebemos que as novas formas de estabelecimento de laços sociais tiveram efeito direto na organização familiar, uma vez que, além dos movimentos feministas, os movimentos homossexuais, bissexuais, transgêneros e transexuais tiveram papel de grande importância no declínio do patriarcado, principalmente em relação ao apoio para cada pessoa assumir sua orientação sexual para a família e a sociedade (PALMA, STREY, BOTTON, 2010). No Brasil, a Constituição Federal de 1988 reestruturou o conceito de família, incluindo a união estável e a família monoparental como entidades familiares, admitindo, portanto, o afeto como elemento formador de famílias.

As configurações familiares se ampliaram, e dos inúmeros modelos familiares existentes destacaremos alguns: família recomposta, monoparental, homoparental, homomaternal.

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14 A família recomposta é formada por pessoas vindas de relacionamentos anteriores, um ou ambos possuindo filhos, ambos podem ter sido casados anteriormente ou não. Essa configuração familiar, assim como as outras, tem legalidade jurídica. A família monoparental resulta quando um dos pais toma todas as responsabilidades na criação de um filho, sendo que o outro não possui participação. Ocorre quando um dos dois morre, não conhece o filho ou, na separação, não volta a procurar a criança.

Nesse contexto, também podemos pensar nas famílias homoparental e homomaternal que são constituídas pela relação afetivo-sexual entre dois indivíduos do mesmo sexo, que se relacionam de forma estável, numa mesma habitação, com ou sem a existência de filhos desta relação.

Surge, então, o enfrentamento de novas demandas e de desconstruções de certezas. Os laços entre pais e filhos são sempre sociais, não mais apenas sanguíneos, como considerados em algumas sociedades tradicionais. Na nossa sociedade, o parentesco biológico ainda é considerado o mais “verdadeiro” nas relações parentais, sendo os outros arranjos familiares ainda vistos com distinção.

Já que nos deparamos com uma heterogeneidade no momento em que se dilui a família tradicional e a modernidade avança, a transformação não para; em cada momento algo novo, diferente vem à tona. E acerca disso é que constatamos a amplitude das configurações familiares atualmente.

Existem ainda culturas que seguem a sociedade tradicional, outras estão no momento contemporâneo. Podemos dizer que são todas essas e muitas outras que se desenvolvem e se reinventam a cada dia.

Dessa forma, ponderamos as variações dos lugares e das funções parentais, agora que sabemos quão variáveis são as famílias atuais, pensando então nas mudanças ocorridas nos lugares materno e paterno.

Tratamos deste ponto para nos referirmos às funções parentais, já que, independentemente da configuração e do contexto familiar, as figuras paterna e materna são representadas. Então, nossa ênfase está voltada para as consequências dessas transformações no laço social.

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15 CAPÍTULO 2

A TRANSFORMAÇÃO DO LAÇO SOCIAL NO CONTEMPORÂNEO E AS FUNÇÕES PARENTAIS

Sabemos que as identidades familiares modificaram-se no contexto atual devido a acontecimentos históricos. As famílias reconstruíram-se de maneira diferente do patriarcado, buscando relações de afeto, amor e solidariedade (GIMENEZ, LYRA 2016).

Orsi apud Peliçon (2013) menciona que “à medida que aumenta o espaço social para o desenvolvimento desta dimensão individual, os papéis familiares se tornam mais conflitivos, embora o valor social da vida familiar permaneça o mesmo” (p. 46). Ao passo que a família tradicional vai se diluindo e se reinventam novas formas e configurações de família, compreendemos uma desmistificação de seus atributos. Os papéis parentais aparecem também em uma suplência sociais/públicos.

Na sociedade tradicional, as questões e os conflitos familiares eram resolvidos no próprio âmbito familiar, raramente estas questões eram expostas ao social. Atualmente, possivelmente como uma característica do contexto contemporâneo, as questões familiares podem se tornar sociais e públicas, a ponto de se contrapor e dificilmente se notar a diferença entre o público e o privado.

Outro ponto que merece destaque nessas questões sociais é a mudança de lugares do masculino e do feminino. Esta alteração nos papéis, sem dúvida, transformou o contexto familiar (GIMENEZ, LYRA, 2016).

Decorrente das inúmeras modificações já citadas, entendemos que o laço social se transformou e estas mudanças estão ligadas integralmente às funções parentais neste contexto contemporâneo. Consequentemente, como sendo produtos destas transformações, decidimos estudar, neste capítulo, o enlace entre as funções parentais e o declínio do patriarcado, bem como o lugar da mulher e da criança, que estão no eixo central das mudanças no contemporâneo.

As funções parentais vão além das questões biológicas, relacionadas principalmente com o desejo de ter o filho, desenvolvendo, assim, os cuidados, tanto físicos quanto psíquicos para sua inserção e adaptação na cultura. A partir deste desejo pela criança é que se pode cuidar dela, pensando não somente nos cuidados fisiológicos (comer, dormir...), mas através destes assegurá-los psiquicamente.

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16 2.1 Declínio do patriarcado

Muito se pensa e se relaciona ao declínio do patriarcado, atrelado às mudanças sociais que ocorreram na família, sobre as quais já fizemos um

percurso. A discussão sobre a imago paterna na sociedade contemporânea não é aquela imagem do pai possuidor do poder existente na família tradicional, pois abriu espaços para a família com distintas funções e configurações.

Aozani (2014) salienta que a sociedade atual baseia-se no narcisismo, no imediatismo e no individualismo. Para a autora, a sociedade está fundamentada na herança cultural que nos foi transmitida, ressaltando que a cultura substituiu o ser pelo ter, e, para isso, além de substituir a autoridade paterna, precisa realizar algo novo, diferente, que o pai não havia feito.

Castells (1999), discorrendo sobre o tema, escreve: “chamo de crise da família patriarcal o enfraquecimento do modelo familiar baseado na autoridade/dominação contínua exercida pelo homem, como cabeça do casal, sobre a família” (p. 173). O autor, em sua obra O poder da identidade, elenca tendências atuais que afetam a estrutura familiar patriarcal, sendo elas: a dissolução das famílias por causa do divórcio, em que, muitas vezes, essa dissolução “leva à formação de lares de solteiros ou lares com apenas um dos pais, cessando assim a autoridade patriarcal sobre a família, mesmo que as estruturas de dominação se reproduzam mentalmente no novo lar” (p. 173).

Ainda há as crescentes crises matrimoniais, pois “a falta de legalização enfraquece a autoridade patriarcal” (CASTELLS, 1999, p.174). Outro ponto levantado pelo autor são os fatores demográficos, índices de envelhecimento e diferença de mortalidade entre os sexos, além da instabilidade familiar e a autonomia das mulheres, já que elas podem decidir sobre a reprodução.

Em conjunto, essas tendências que se reforçam mutuamente colocam em dúvida a estrutura e os valores da família patriarcal. Não se trata necessariamente do fim da família, uma vez que outras estruturas familiares estão sendo testadas e poderemos, no fim, reconstruir a maneira como vivemos uns com os outros, como procriamos e como educamos de formas diferentes e, quem sabe, talvez melhores. Mas as tendências que menciono indicam o fim da família como a conhecemos até agora. Não apenas a família nuclear (um artefato moderno), mas a família baseada no domínio patriarcal, que tem predominado há milênios (CASTELLS, 1942, p. 174).

Lacan (1987), em Complexos familiares, traz-nos uma visão do lugar social do pai e do Complexo de Édipo. Ele diz que o lugar social da imagem do pai está fragilizado, já que, com as transformações da organização familiar, o lugar do pai passa

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17 a ser questionado. A imagem de autoridade e de poder do pai que se tinha passa a ser uma imagem declinante (LACAN, 1987).

Aozani (2014) nos mostra que está em declínio o lugar social do pai, e não sua função simbólica, ou seja, “não significa que estamos em uma sociedade que não faz registro da Lei, da interdição fundante do sujeito. Todavia, o declínio da imagem do pai produz efeitos relevantes [...]” (p. 22).

2.2 O lugar social da mulher e da criança

Com todas as mudanças que ocorreram, percebemos uma modificação constante do lugar destinado à mulher e à criança no social. Em História Social da Criança e da Família, Ariès (1981) apresenta traços sociais que não se alteraram entre os séculos XIV e XVIII, nos quais a infância era muito curta e as crianças aproveitavam pouquíssimo tempo com o brincar. “As idades da vida não correspondiam apenas a etapas biológicas, mas a funções sociais; sabemos que havia homens da lei muito jovens, mas, consoante a imagem popular, o estudo era uma ocupação dos velhos” (ÀRIES, 1981, p. 9).

Não é segredo que, devido ao curto ciclo de vida, no passado, a infância não existia ou era reduzida, já que, ainda jovenzinhos, homens deviam se preocupar com o sustento de uma futura família e mulheres aprenderem a fiar. Certo que o auge da vida adulta era por volta dos 25 anos e a morte em torno dos 40 anos. O tempo era mais curto, e a infância ficava desassistida, sendo que, em torno dos 7 anos, já eram incluídos no meio adulto; as crianças eram adultos em miniatura.

O lugar de pouca importância atribuído às crianças e às mulheres foi sendo modificado. Como já citado, as mudanças culturais ocorridas têm grande significação para isso. Ambas - crianças e mulheres - são vistas de lugares diferentes e, principalmente as mulheres, estão conquistando um espaço almejado. Sobre isso Kamers (2004) nos diz que

a modificação da sexualidade e do olhar dirigido à mulher e à criança precedeu uma grande transformação das relações de aliança, na qual a mulher, ao invés de ser reduzida ao papel de esposa ou de mãe, vai se individualizando na medida em que ia se dissociando prazer e procriação a partir da contracepção (s.p.).

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18 Hoje podemos observar outro lugar tomado pelas crianças, justamente onde uma família faz um planejamento (ou não) e, acima de tudo, deseja ter um filho. Um ponto importante nesta mudança é certamente o lugar da criança na cultura.

Na modernidade, o lugar da criança se tornou relevante. A partir de Ariès (1981), sabemos que ela inaugura um novo lugar para o infans. Segundo Postman apud Kamers (2004),

a noção de infância é uma das grandes invenções da Renascença. Ao lado da ciência, do estado-nação e da liberdade de religião, a infância, como estrutura social e como condição psicológica, surgiu por volta do século dezesseis e chegou refinada e fortalecida aos nossos dias. Mas como todos os artefatos sociais, sua existência prolongada não é inevitável (s.p.).

Ariès (1981) afirma que no passado a família buscava assegurar a transmissão de vida, sendo que, atualmente, “nosso mundo é obcecado pelos problemas físicos, morais e sexuais na infância” (p. 194). O autor ainda destaca que a preocupação com a educação nos tempos modernos foi um grande acontecimento social. Traz, ainda, que a família alocada com a escola tirou a criança da sociedade adulta, na qual

o cuidado dispensado às crianças passou a inspirar sentimentos novos, uma afetividade nova que a iconografia do século XVII exprimiu com insistência e gosto: o sentimento moderno da família. Os pais não se contentaram mais em pôr filhos no mundo, em estabelecer apenas alguns deles, desinteressando-se dos outros (ARIÈS, 1981, p. 195).

Com essas transformações, surge um novo momento para a vida infantil, e este inaugura o brincar. O brincar a partir da psicanálise é importante, já que é utilizado para instigar a fala da criança.

As brincadeiras infantis têm um lugar de inventar, organizar a criança, e através delas a infância se constitui. De determinada forma, o brincar separa a infância da adolescência. Por isso, acredita-se ser um ponto fundamental de mudança, além de que não possuíam importância as brincadeiras infantis no passado.

O lugar social atribuído à mulher e à criança continua passando por alterações, leva-nos a pensar nas funções parentais, já que o lugar de ambas mudou e seguramente as modificações sociais podem alterar os lugares e as funções.

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19 2.3 Funções parentais

As mudanças familiares que ocorreram, quando surgiu o amor dos pais pelos filhos que passaram a ser valorizados, produziram questionamentos sobre as funções parentais. O amor tornou-se o principal ponto desta constituição de família triangular burguesa, e os filhos/crianças passam a ser vistos em um lugar valorizado; “fruto do amor dos pais” e obviamente o futuro da sociedade, abandonando aquela posição de “estorvo”.

Para Kamers (2004), as funções parentais não estão somente no real, como muitas vezes vistas na sociedade, mas

[...] tratando-se de funções parentais, portanto, simbólicas e inscritas na cultura, implica necessariamente na reflexão acerca das condições estruturais que permitem o exercício da função por um outro de “carne e osso”. O que não se confunde com uma fenomenologia relativa aos personagens (2004).

O amor dos pais pelos filhos, para Freud (1914-1916), nada mais é que o narcisismo destes renascido, o qual transformado em amor objetal revela sua natureza anterior. O narcisismo primário descrito por Freud (1914-1916) é algo que dá sentido próprio à criança e permite que se sinta viva quando a sua mãe não está com ela; o sentimento de consciência da própria existência, possibilitando, assim, que a criança ocupe o lugar de sujeito ideal, baseado nos pressupostos do amor narcísico dos pais.

Os filhos vêm, de certo modo, para satisfazer os desejos recalcados dos pais, para realizar aquilo que eles não conseguiram fazer. Independentemente de sua configuração, a questão é pensar a família e as funções parentais no papel que assumiram na atualidade.

A criança deverá consolidar os sonhos que os pais não concretizaram, “o menino se tornará um grande homem e um herói em lugar do pai, e a menina se casará com um príncipe como compensação para sua mãe” (FREUD, 1914-1916, p. 98).

No momento em que uma família espera uma criança, esta já faz parte da constituição dessa família, já possui o seu lugar, é inclusa na cultura, nos costumes, na linguagem, é colocada numa determinada posição. E através daquilo que os pais vão lhe apresentando e da forma como ela o toma vai se constituindo.

A influência da família sobre o desenvolvimento infantil é primordial; através do sujeito que realiza a função materna, a criança é apresentada ao mundo, e este Outro primordial, sendo o mais próximo da criança, é também o mais significativo. Em um

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20 primeiro momento, apenas este lugar do materno é representado para a criança, para logo após as funções se diferenciarem.

A parentalidade é um tipo de vínculo que retira a criança da condição de anonimato, que a familiariza, fazendo com que aos poucos ela seja inserida no mundo simbólico. Ela se apresenta como exercício: responsabilização legal pela criança que nasce; prática: cuidados destinados à criança, tendo em vista as suas necessidades; experiência: vivência subjetiva da maternidade e da paternidade. A criança passa a ser inserida nas relações humanas e humanizantes, tendo sua existência como sujeito pautada nos vínculos familiares (JERUSALINSKY, 1999).

De certa forma, a parentalidade tornou-se algo tão público que o Estado é responsabilizado pela educação das crianças. Estes novos lugares que surgem trazem o homem/pai para dentro da casa, provocando questionamentos sobre seu lugar que era público e o lugar da mulher que era reservado à vida doméstica (2004).

Nesse sentido, devemos pensar as funções materna e paterna. A função materna é desempenhada por qualquer pessoa (não necessariamente a mãe) que possibilita a transmissão do desejo de existência para a criança, pelo fato de a pessoa que realiza a função materna inscrever na criança o seu desejo; dá a ela um lugar, com o qual aos poucos irá se identificar. As inscrições psíquicas que vão marcar este corpo possibilitam essa transmissão, pois a mãe registra nesta criança seus desejos, a criança recebe as inscrições deixadas pela mãe para que ela se desenvolva (JERUSALINSKY, 2002).

Destacamos que a criança precisa de amaragem simbólica, ela tem que se agarrar aos significantes do Outro5 para poder se constituir e se relacionar com o mundo, enfatizando que a partir destes significantes ela retira os significantes para sua inscrição no simbólico.

Aozani (2014), ao tratar sobre o lugar do pai na contemporaneidade, diz-nos que

as consequências da função simbólica são operadas antes ainda do nascimento do bebê, onde esse corpo é imaginado e idealizado pelos pais, já existe aí um lugar para esse serzinho. Já existe um corpo sem corpo, ou seja, um corpo simbólico. Ao nascer a criança depende do amparo desse Outro ( p. 12).

5 Termo utilizado por Jacques Lacan para designar um lugar simbólico – o significante, a lei, a

linguagem, o inconsciente, ou, ainda, Deus – que determina o sujeito, ora de maneira externa a ele, ora de maneira intrasubjetiva em sua relação com o desejo (ROUDINESCO, 1998, p. 558).

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21 Os investimentos da figura materna ou de quem a representa são fundamentais para introduzir a criança no universo pulsional6, já que ela necessita de cuidados. Devido a esses investimentos é que a criança tem a possibilidade de ser na sociedade.

Discorremos neste momento sobre a figura materna e a figura paterna, que são obviamente as funções parentais desempenhadas para a criança. A mãe, ou quem quer que realize e represente sua figura, é o Outro materno, que introduz a criança ao mundo, apresentando a ela este lugar diferente.

A partir desse instante, o bebê e a mãe vivem uma relação dual, pois a mãe transmite à criança elementos constitutivos que lhe possibilitem inserção na linguagem. Segundo Jerusalinsky (2002), “[...] o desempenho da função materna depende de a mulher, na condição de mãe, ser desejante. Diante desse desejo, uma criança não é indiferente, pois ele autoriza a máscara de repetição do gozo” (p. 12).

Nesse sentido, a relação dual mãe-bebê permite que o bebê, desejando o desejo da mãe, acredite que os dois são um só, e a mãe por sua vez é transmissora da falta. Ela deve possibilitar que o pai interfira nesta relação, pois, ao possuir a lei paterna em seu discurso, busca uma saída do desejo pelo filho.

A lei simbólica ou o pai simbólico que intervém nesta relação faz com que, através de uma separação entre os dois (mãe-bebê), o bebê compreenda que seu corpo é diferente e separado do da mãe. Neste primeiro momento, a entrada do pai na relação diz à criança que ela não é somente da mãe; esta interdição possibilita provavelmente que a criança seja castrada7.

A função paterna é apresentada na constituição psíquica da criança como a lei; o pai é a lei, vem para separar esta relação entre mãe-bebê, onde a mãe tem o filho como seu único objeto de desejo, fazendo, assim, com que ela perceba e ocupe sua posição como mulher, mas, para que isso ocorra, é necessário que a mãe permita. Insere-se a função paterna, seja ela desempenhada por quem for, com o intuito de quebrar esta

6 O termo derivado de pulsão que é empregado por Sigmund Freud a partir de 1905, tornou-se um grande

conceito da doutrina psicanalítica, definido como a carga energética que se encontra na origem da atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do homem (ROUDINESCO, 1998, p. 628).

7 Sigmund Freud denominou complexo de castração o sentimento inconsciente de ameaça experimentado

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22 relação entre os dois. Este terceiro que se insere no meio é fundamental para a estruturação da criança e consequentemente para a proibição do incesto8.

É interessante ressaltar que a função paterna, o Nome-do-Pai9, causa na criança toda uma problemática fálica em relação aos significantes maternos, pois, quando esta intervenção paterna ocorre, a criança que era o falo da mãe passa a disputar esta com o pai, descobrindo que não é mais o desejo da mãe, passando, assim, a sentir raiva do pai. Num segundo momento, toma uma posição diferente, na qual assume e aprende a lidar com a falta, aprende a dividir. Decorrida esta instância, vai regular seu modo de estar no mundo, a posição que ela vai ocupar. A partir das operações psíquicas, a criança poderá dar sentido ao mundo interno e ao mundo externo. Estas operações vão se estabelecendo e cruzando-se com os diversos momentos do desenvolvimento (JERUSALINSKY, 2002).

Segundo Vitorello (2011), devido à sua condição de ser de linguagem, o sujeito depende de significantes que o representem diante do mundo. Por isso, é fundamental para a criança encontrar em seus primeiros grandes Outros alguns significantes aos quais possa se agarrar e construir seu próprio modo de se relacionar com o mundo. O discurso familiar é, para o sujeito, o “tesouro de significantes”, lugar de onde retira as significações para sua inscrição no universo simbólico.

A família, após sofrer muitas transformações sociais e históricas, faz-nos pensar a influência que estas mudanças causam nas funções parentais. Estas funções no contexto contemporâneo, além de serem modificadas, são desempenhadas por outras pessoas, as quais na família burguesa não eram pensadas, podem ser exercidas apenas pela mãe, apenas pelo pai, pelos avós, por tios, por amigos. Esta certamente é uma mudança significativa no contexto cultural, porém, independentemente de quem realize a função, o importante é que esta seja realizada.

No contexto familiar não existem funções específicas de cada gênero e/ou relacionadas apenas a laços sanguíneos. Para Peliçon (2013),

8 Chama-se incesto a uma relação sexual, sem coerção nem violação, entre parentes consanguíneos ou

afins adultos (que tenham atingido a maioridade legal), no grau proibido pela lei que caracteriza cada sociedade: em geral, entre mãe e filho, pai e filha, irmão e irmã. Por extensão, a proibição pode estender-se às relações estender-sexuais entre tio e sobrinha, tia e sobrinho, padrasto e enteada, madrasta e enteado, sogra e genro, sogro e nora (ROUDINESCO, 1998, p. 372).

9 Termo criado por Jacques Lacan em 1953 e conceituado em 1956, para designar o significante da

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como já mencionamos anteriormente, as funções parentais são requisito fundamental para o desenvolvimento sadio ou patológico da instituição família e de todos os seus integrantes e podem variar de acordo com os contextos históricos e sociais, e que por isso necessitam de uma melhor compreensão, de um olhar que busque entender e não julgar (p. 8).

A criança traz para os pais certa obrigação com a sociedade, já que “os direitos do filho nascem com o dever dos pais e da sociedade de assegurar o bem da geração seguinte. Segurança, proteção, prevenção, assistência, tais são as palavras-mestras do discurso social sobre a família” (JULIEN, 2000, p. 23).

Julien (2000) contribui com o tema trazendo que

a parentalidade passa a depender abertamente do social por intermédio de peritos chamados para dizer quais são os direitos da criança e, em caso de conflito conjugal, o que convém mais ao filho ou à filha: novos papais e mamães em posição de tutores e de tutoras em razão de sua suposta capacidade de resolver tanto os sintomas das crianças quanto os conflitos entre pais (p. 16).

A contemporaneidade presenciou o declínio do pai como representante da lei; a lei se impõe por si mesma e não por quem a enuncia. “Deves porque deves e não porque sou eu quem te diz isto” (JULIEN, 2000, p. 32).

Se os lugares simbólicos do pai e da mãe sofreram mudanças culturalmente, questionamo-nos sobre como essas mudanças em vicissitudes das funções parentais alteraram o lugar da criança no vínculo familiar e como as relações parentais estão ocorrendo nesse contexto.

Já que as atribuições estão sendo compartilhadas cada vez mais no âmbito da família - atualmente ambos realizam tarefas sociais que antes pertenciam ao domínio do masculino e do feminino (KAMERS, 2006), - tanto pai quanto mãe fazem atividades no lar, como cuidar dos filhos e da casa e, ao mesmo tempo, saem para trabalhar), de que maneira essas alterações estão afetando as funções parentais e a inscrição da criança no simbólico? Como lidar com esta imago paterna em declínio e esta mãe “ausente”?

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24 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após desenvolver um percurso pelas transformações da família, desde o modelo tradicional, passando pela triangular burguesa, até os modelos atuais, constatamos que as inquietudes culturais que ocorreram em determinadas épocas são fundantes das mudanças familiares decorrentes. No contemporâneo, a família como instituição social é formalizada de distintas maneiras, existindo inúmeras configurações familiares.

Como ponto principal deste trabalho, traçamos as funções parentais e atribuímos a elas as responsabilidades sobre as crianças. Interrogamo-nos, a partir das mudanças familiares, sobre o declínio do patriarcado e as transformações sociais dos lugares da criança e da mulher.

Concluímos que independentemente de quem as realize, as funções parentais sobrevêm, seja na família exercida pelo pai, pela mãe, pelos avós, tios, seja na escola, na vizinhança. Enfim, independentemente das transformações, a família no contexto atual continua sendo muito expressiva e responsável pela transmissão simbólica.

Finalmente, este trabalho não se encerra aqui, existindo ainda questões a serem investigadas, tais como: quais os efeitos que esta sobreposição e o compartilhamento das funções parentais produzirão na família, em especial na criança?

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25 REFERÊNCIAS

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ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981.

BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Traduzido por: L’Amour em plus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

______. Modernidade Líquida. 1925. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. 3 ed. Tradução: Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

FREUD, Sigmund. Sobre o narcisismo: uma introdução. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

GIMENEZ, Charlise Paula Colet, LYRA, José Francisco Dias da Costa (Org.). Diálogo e Entendimento: direito e multiculturalismo & políticas de cidadania e resoluções de conflitos. São Paulo: Millennium, 2016.

JERUSALINSKY, Julieta. Enquanto o futuro não vem: A psicanálise na clínica interdisciplinar com bebês. Salvador: Agalma, 2002.

JERUSALINSKY, Alfredo. Psicanálise e desenvolvimento infantil. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999.

JULIEN, Philippe. Abandonarás teu pai e tua mãe. Tradução: Procópio Abreu. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2000.

KAMERS, Michele. As novas configurações da família e o estatuto simbólico das

funções parentais. 2006. Disponível em:

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26 ______. Funções parentais? Reflexões sobre a infância, a estrutura e a história. 2004.

Disponível em:

http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000032004000100044&scri pt=sci_arttext. Acesso em: 28/11/2016.

KEHL, Maria Rita. A mínima diferença: masculino e feminino na cultura. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

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PALMA, Yáskara Arrial. STREY, Marlene Neves. BOTTON, Andressa. Mamãe e

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