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Alguns elementos de reflexão sobre a interdisciplinaridade

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Academic year: 2021

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Alguns elementos de reflexão sobre a interdisciplinaridade

Autor não identificado Trad. Paulo Ricardo da Silva Rosa1

INFI/UFMS

A atualidade da reforma do colegial nos leva a nos interrogar sobre a questão da interdisciplinaridade. Esta modalidade é presente nos programas já há inúmeros anos, principalmente no SVT (por exemplo no Liceu ao longo das TPE, do ensino por projetos, no ensino de ciências da primeira série e ES, no ensino do CBSV da primeira e terminal STL ou no colégio ao longo dos Temas de convergência e os IDD). No entanto, as interrogações que ela levanta justificam que nos debrucemos sobre ela a partir do ponto de vista de alguns autores.

Etimologicamente entre as ciências, a interdisciplinaridade designa, de acordo com a Academia Francesa, o que concerne e coloca em relação muitas disciplinas de ensino, de pesquisa, que lhes é comum. Se trata de uma primeira definição que necessitamos precisar e aprofundar de um ponto de vista pedagógico e didático.

A origem das disciplinas

Em primeiro lugar, é preciso ter consciência como o chama frequentemente a filosofia de Edgar Morin, que é somente no século XIX que aparece a estruturação disciplinar dos saberes com a criação das universidades modernas. Assim, o decreto de 17de março de 1808, recriando as agregações para o ensino secundário, apresenta somente três especialidades para o concurso: letras, gramática e ciências. Elas passarão a 7 em 1841 para serem 28 hoje. Esta segmentação do saber feito, bem entendido, após o aumento considerável dos conhecimentos que impõem uma especialização por domínios científicos. É interessante de observar que ao longo do século XX novas disciplinas apareceram, ao menos no nível da pesquisa científica e do ensino universitário, por exemplo a genética molecular.

Do mesmo modo, a atribuição de domínios do saber científico às disciplinas do currículo escolar conhece evolução permanente, como é o caso, por exemplo, para os conceitos da climatologia ensinados segundo as versões dos programas para os SVT e/ou da geografia e/ou das ciências físicas e da química. A evolução da denominação de nossa disciplina: de história natural no século XVIII, a ciências naturais no início do século XX, passando para ciências e

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técnicas biológicas e geológicas, para tornar-se ciências da vida e da Terra após pouco mais de duas décadas, ilustra também a evolução do referencial conceitual que ela recobre.

Assim, como lembra Marie-Anne Hugon as disciplinas são construções sociais. Elas têm uma história, nascem, passam por evoluções, mesmo desaparecem. Elas permitem, entretanto, a redação de programas escolares que garantem as aprendizagens homogêneas para todos os alunos de nosso território.

Para o filósofo Yves Michaud, a aproximação disciplinar procede geralmente de uma análise pelos níveis dos elementos que a constituem, do mais simples ao mais complexo e mais difícil. Pela formalização importante dos princípios que ela subentende, esta aproximação conduz à construção de conhecimentos bem estruturados nos alunos.

Por que introduzir uma parte da interdisciplinaridade na escola?

Se as disciplinas desempenham um papel maior na construção e na estruturação dos conceitos, elas se traduzem nos alunos pelo que Jack Lang, antão ministro da educação nacional, chama um “mosaico de saberes” do qual a coerência escapa àqueles que penam em estabelecer, sozinhos, as ligações indispensáveis entre seus diferentes elementos. Ora, a reconexão dos saberes é indispensável quando se trata de apreender a complexidade real do mundo e de fazer frente a problemas relacionados à essa realidade complexa. A interdisciplinaridade não tem, então, por finalidade a diluição dos saberes disciplinares, mas, sim, de lhes dar a coerência intelectual e o sentido indispensável para permitir sua remobilização posterior em contextos variados da vida cotidiana ou profissional.

Do mesmo modo, ela não exclui a formalização dos saberes próprios das disciplinas. Como aponta Yves Lenoir não há interdisciplinaridade sem disciplinaridade, quer dizer, sem conteúdos formalizados e sem procedimentos de aprendizagem ligados ao menos duas disciplinas colocadas em relação. A abordagem interdisciplinar aparece, assim, como complementar da abordagem disciplinar clássica.

Além disso, pela abordagem sistêmica que ela induz, a interdisciplinaridade participa com eficácia da construção de competências gerais desejadas na base comum.

Enfim, não podemos negar a motivação a mais que as situações da interdisciplinaridade trazem quando tentam responder problemáticas que fazem eco àquelas da vida concreta e aos grandes interesses do mundo de hoje.

Pluridisciplinaridade? Interdisciplinaridade? Transdisciplinaridade?

Não é sempre fácil de entrar em acordo sobre o sentido exato a atribuir a cada uma dessas palavras de caráter polissêmico. Quando nos referimos a uma tipologia inicialmente

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proposta em 1972 por Guy Michaud e citada por Nicole Allieu-Mary, podemos identificar os níveis de relações entre as disciplinas mostrado no Quadro 1.

Quadro 1

Terminologia Significado

Multidisciplinaridade Justaposição de disciplinas diversas sem razão aparente

Pluridisciplinaridade Justaposição de disciplinas mais ou menos vizinhas entre os domínios do conhecimento.

Interdisciplinaridade Interação entre duas ou mais disciplinas podendo ir da comunicação das ideias até a integração de conceitos, terminologias e métodos.

Nesse sentido, a interdisciplinaridade aparece como a passagem de uma simples justaposição de disciplinas para a interação entre elas. O grau mais alto da interdisciplinaridade corresponde, então, à integração de conceitos e de procedimentos de aprendizagem.

A transdisciplinaridade, igualmente invocada, pode ser compreendida como um conjunto de conceitos e métodos que ultrapassam os limites habituais das disciplinas e lhes atravessam. Podemos a associar aos domínios tais como o numérico, o domínio de uma língua ou ainda os princípios e valores da República. Outras definições são encontradas, às vezes.

Para diferenciar as diferentes formas de interdisciplinaridade, Nicole Rege-Colet distingue os quatro níveis seguintes:

• O nível da pluridisciplinaridade no qual os saberes, ainda que ligados a uma temática comum, são empilhados e amarrados em uma estrutura tipo mosaico;

• O nível da interdisciplinaridade temática é aquele no qual as disciplinas são colocadas em relação em torno de um tema comum e que acaba em uma estruturação dos saberes em rede conceitual. É isso que observamos quando os saberes construídos de forma independente nas disciplinas são colocados em relação no espaço de um tema compartilhado (por exemplo, colocar em relação conceitos de SVT e de físico-química ligados ao tema da água da quinta série);

• O nível da interdisciplinaridade instrumental é aquele no qual muitas disciplinas convergentes para elaborar uma solução a um problema comum por meio de um

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procedimento de resolução de problemas, geralmente sob a forma de um procedimento de projeto. Podemos aqui reconhecer o caso dos TPE;

• O nível da interdisciplinaridade estrutural é aquele no qual os ambientes das disciplinas são modificados para constituir um novo ambiente de referência integrado. Encontramos nesse nível de interdisciplinaridade no EIST (ensino integrado de ciências e tecnologia) no qual um referencial integrando os conteúdos e os procedimentos de aprendizagem das disciplinas científicas e tecnológicas (SVT, físico-química e tecnologia) é produzido para guiar o ensino ministrado por um único professor, mas coordenador pela equipe interdisciplinar.

A escolha de se situar em um ou outro desses níveis depende, bem entendido, dos objetivos pedagógicos e das condições materiais nas quais é previsto que ele aconteça.

Algumas condições para favorecer a interdisciplinaridade

A interdisciplinaridade não se decreta, mas se constrói a partir de um projeto comum. Não pode haver interdisciplinaridade sem uma colaboração estreita entre os sujeitos.

Segundo Nicole Rege-Colet, um projeto interdisciplinar deve se ligar a dois aspectos: ▪ A organização dos saberes (e então sua integração);

▪ A organização do trabalho (e então as modalidades de colaboração). Por organização dos saberes entendemos principalmente:

▪ A escolha e a definição dos conteúdos ensinados no escopo do projeto; ▪ A escolha dos conteúdos de aprendizagem e das atividades propostas aos

alunos;

▪ A formulação de objetivos pedagógicos;

▪ As modalidades de avaliação no seio do projeto... A organização do trabalho compreende:

▪ As modalidades de colaboração entre os professores, quer dizer, a maneira pela qual a equipe de professores responsáveis pelo projeto vai se organizar para preparar a progressão, a condução do ensino e a avaliação das aprendizagens;

▪ As modalidades de colaboração entre os alunos, isto é, a maneira pela qual os alunos serão colocados em atividades uns em relação aos outros: trabalho em grupo, trabalho cooperativo, ...

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Esta grade de leitura, pensadas pela sua autora em um ambiente universitário, se revela igualmente pertinente para o ensino secundário. Ela pode ser um guia eficaz de elaboração de um caderno de encargos de um projeto interdisciplinar por uma equipe voluntária.

Apesar do que foi dito, é preciso permanecer vigilante sobre o equilíbrio destes dois aspectos, pois, segundo Nicole Rege-Colet, prestar atenção somente nos aspectos organizacionais conduz a se limitar a pluridisciplinaridade e prestar atenção somente a questão da organização dos saberes leva a uma nova forma de disciplinaridade. Assim, uma abordagem temática bem definida por objetivos precisos e formalizados não garante uma interdisciplinaridade verdadeira se uma colaboração real entre professores não estiver na origem da concepção integral do projeto.

Por outro lado, mais integração de conteúdos e de procedimentos de aprendizagem é estimulada graças a uma colaboração eficaz entre professores, ainda mais quando cada um deles é encarregado de ensinar seus alunos sozinhos. Esse é o caso da EIST, onde cada professor assegura sozinho a construção de conceitos e competências de ciências e tecnologia, integradas em um novo referencial.

Um exemplo de projeto interdisciplinar em ciências e tecnologia: a EIST (ensino integrado de ciências e tecnologia)

A EIST é um projeto desenvolvido experimentalmente a partir de 2008 por mais de trinta colegas. Iniciado conjuntamente pela Academia de Ciências, pela Academia de Tecnologias e pelo Ministério de Educação Nacional, ele se inscreve no prolongamento do projeto “Mãos na Massa” na escola primária. Ele prevê a constituição de três grupos de alunos a partir de duas turmas, cada grupo sendo acompanhado por um professor de uma das três disciplinas (físico-química, SVT ou tecnologia), encarregado de ensinar os conteúdos de ciências e tecnologia. No sexto ano, cada grupo de alunos recebe 3h 30min de ensino de EIST por semana, ou seja, meia hora a mais que no ensino tradicional no qual não há o ensino de físico-química nesse nível. Além disso, uma hora suplementar semanal é atribuída aos professores encarregados de modo a assegurar o trabalho de articulação necessária à preparação do curso. Um reagrupamento das partes do programa de ciências e tecnologia do sexto e do quinto ano em torno de temas permite facilitar a construção de avanços totalmente inéditos e integrados, garantindo totalmente uma formação equilibrada, respeitando as instruções oficiais e então a equidade entre os alunos: Do que o mundo é feito? Matéria e materiais em classe do sexto ano e Como funciona o mundo? Energia e energias em classe do quinto ano. Enfim, o procedimento de investigação

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compartilhado pelos programas de três disciplinas é a modalidade pedagógica maior deste ensino.

Se o projeto não tenha jamais tido a vocação de evoluir para uma prática generalizada como isso é definido no relatório da IGEN de maio de 2009, ele representa um modelo (no sentido de uma modalidade possível) de integração exitosa das disciplinas científicas e tecnológicas na escola. Ele pode, nesse sentido, inspirar um projeto de interdisciplinaridade, não importa sua duração.

O EIST coloca em evidência a importância dos fatores favoráveis ao sucesso dos alunos (pedagogia ativa, harmonização de vocabulários e de práticas, intervalos horários longos, criação de cenários, etc.) que podem ser pesquisados no ambiente de outros projetos pedagógicos. Norbert Perrot, Gilbert Pietryk, Dominique Rojat. Relatório IGEN, maio de 2009.

Bibliografia

Nicole ALLIEU-MARY. L’interdisciplinarité pédagogique. INRP, février 2010

Jacques HAMEL. La pédagogie comme pivot de l’interdisciplinarité. Revue internationale d’éducation de Sèvres, septembre 2002.

Marie-Anne HUGON. Travailler em interdisciplinarité au collège et au lycée : obstacles et aides. Poitiers, février 2002.

Yves LENOIR. Quelle interdisciplinarité à l’Ecole ? Les cahiers pédagogiques, juillet 2015. Edgar MORIN. Sur l’interdisciplinarité .Bulletin Interactif du Centre International de Recherches e t Études transdisciplinaires n°2, juin 1994.

Nicole REGE COLET. Enseignement universitaire et interdisciplinarité. Un cadre pour analyser, agir et évaluer. Bruxelles, De Boeck, 2002

Norbert PERROT, Gilbert PIETRYK, Dominique ROJAT.Rapport IGEN, mai 2009.

Guide pratique .Un enseignement intégré de science et technologie, un choix possible au collège (6ème et 5ème) Académie des Sciences

Para saber mais:

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L’interdisciplinarité et les concepts de “transposition didactique” et d’îlot interdisciplinaire de rationalité”, Christine Vergnolle Mainar.

Exemplo de procedimento para desenvolver um projeto disciplinar no espírito da abordagem de investigação:

Un modèle pour um travail interdisciplinaire, Gérard Fourez, Philippe Marthy e Véronique Englebert Lecomte, Aster 1993 n 17, INRP.

Referências

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