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Wong Kar Wai. O Mundo de AS TEARS GO BY AO SABOR DA AMBIÇÃO DAYS OF BEING WILD DIAS SELVAGENS. Estreia: 27 de Maio de 2021

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Wong

Kar

Wai

O Mundo de

AS TEARS GO BY

AO SABOR DA AMBIÇÃO

DAYS OF BEING WILD

DIAS SELVAGENS

1988 | Cópia Digital Restaurada 4K

1990 | Cópia Digital Restaurada 4K

Estreia: 27 de Maio de 2021

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Prosseguindo a operação “O Mundo de Wong Kar Wai”,

a Leopardo Filmes estreia agora, também em Cópias Digitais

Restauradas em 4K, os dois primeiros filmes do realizador de

Hong Kong, inéditos comercialmente em sala em Portugal.

Os filmes chegarão às salas de cinema a 27 de Maio.

AS TEARS GO BY

-

AO SABOR DA AMBIÇÃO

DAYS OF BEING WILD

-

DIAS SELVAGENS

1988 | Cópia Digital Restaurada 4K

1990 | Cópia Digital Restaurada 4K

Visionamentos

de Imprensa

Quinta-feira, 13 de Maio – 9:10h – Cinema Nimas

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Com as suas ópticas sensuais e exuberantes, banda--sonora de afinação perfeita, e romanticismo de alma cheia, Wong Kar Wai consagrou-se como um dos autores determinantes do cinema contemporâneo. Juntamente com colaboradores essenciais como o fotógrafo Christopher Doyle, o montador, director de arte e responsável de guarda-roupa William Chang e os actores Tony Leung e Maggie Cheung, Wong (ou WKW, como é frequentemente conhecido) tem maravilhado espectadores e críticos por todo o mundo e inspirado inúmeros outros realizadores com as atmosferas poéticas dos seus filmes, ousadias narrativa e estilística e temáticas potentes de

alienação e memória. Quer sejam tragicamente românticos, embebidos em sangue, ou peculiarmente cómicos, os filmes nesta retrospectiva são um convite para o mundo singular e melancólico de um artista profundamente influente.

Repletos de paixão, desgosto, obsessão, sonhos e as memórias que restam ao acordar, os filmes de Wong Kar Wai têm sido celebrados em todo o mundo pelo seu estilo singular.

O mais novo de três irmãos, Wong nasceu em Xangai em 1958 e mudou-se para Hong Kong cinco anos depois quando o seu pai, um ex-marinheiro, arranjou trabalho como gerente de uma discoteca na cave do Chungking Mansions (o futuro cenário de Chungking

Express, de 1994). Com

o pai a trabalhar horários prolongados, e ele com

dificuldades em aprender cantonês e inglês, Wong, juntamente com a mãe, encontrou consolo nas várias salas de cinema que preenchiam o novo bairro de Tsim Sha Tsui. “Foi ela que me apresentou ao cinema. Ela foi a minha escola de cinema”, diria ele mais tarde. Pedaços da sua personalidade são visíveis no jogo de mahjong doyenne de Rebecca Pan em In the

Mood for Love - Disponível Para Amar (2000) e no

estatuto de jogadora de Gong Li em 2046 (2004). “Ela conseguiu fazer dinheiro extra a jogar mahjong – era muito boa”, relembra. “No nosso apartamento era 24 horas mahjong”. O liceu e a universidade trouxeram uma melhor compreensão dos idiomas locais, assim como um interesse aguçado em fotografia e design gráfico. Após formar-se pela Universidade Politécnica de Hong Kong, Wong foi aceite num programa de formação na estação de televisão TVB de Hong Kong, levando-o a trabalhar como guionista de telenovelas. Progrediu rapidamente para argumentista de filmes numa variedade de géneros. Foi durante esta época que conheceu um colaborador que trabalharia em todos os seus filmes, William Chang. “Nesses tempos

passámos quase todas as noites juntos, a beber e a conversar sobre filmes”, recordou Wong. “Receio termos gasto toda a nossa quota de conversas durante esse período. Desde então nunca mais falámos”. Após vários anos a trabalhar em argumentos – incluindo co-escrever Final Victory (1987) com o lendário Patrick Tam – Wong realizou o seu primeiro filme, As Tears Go By –

Ao Sabor da Ambição

(1988), um drama de máfia do estilo de Mean

Streets – Os Cavaleiros do Asfalto que se revelou um

sucesso comercial e entre a crítica em Hong Kong, tendo sido convidado para a Semana da Crítica do Festival de Cannes em 1989. O filme marca a sua primeira colaboração não só com Chang, mas também com uma actriz que viria a participar em vários dos seus filmes, Maggie Cheung. “A Maggie era muito nova na altura”, afirmou Wong. “As pessoas gostavam dela mas poucas a viam como uma actriz a sério”. No segundo filme de Wong,

Days of Being Wild – Dias Selvagens (1990),

vimo-lo fazer adições ao seu leque de colaboradores, trabalhando pela primeira vez com os actores Leslie Cheung e Tony Leung, e com o fotógrafo Christohper Doyle. A produção de Days of

Being Wild foi turbulenta

e os planos para uma segunda parte do filme foram, eventualmente, descartados. Após a estreia do filme, Wong Kar Wai fundou a sua própria produtora, Jet Tone.

[Janus Films, a partir de excertos de entrevistas a WKW: The Cinema of Wong Kar Wai, de Wong e John Powers, 2016 Rizzoli International]

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O primeiro filme de Wong Kar Wai, Ao Sabor da

Ambição, inédito em sala em Portugal, é um filme

de gangsters à la Scorsese que tem lugar nas ruas de Mongkok, em Hong Kong. Andy Lau interpreta um baixo funcionário da máfia, dividido entre um romance florescente com a sua prima (Maggie Cheung, na primeira de várias colaborações com o cineasta) e a sua lealdade para com o seu impulsivo parceiro de crime (Jacky Cheung), cujas tentativas imprudentes de ganhar reconhecimento resultam num ciclo

de violência que parece não ter fim. Introdução do autor àquele que se tornaria o seu inconfundível estilo visual, o filme fez furor em Cannes pela singularidade dos seus cenários impressionistas e romantismo profano.

Um filme de Wong Kar Wai

Com Andy Lau, Maggie Cheung, Jacky Cheung

AS TEARS GO BY

AO SABOR DA AMBIÇÃO

1988 | Hong Kong, China 1h42 | M/16

Festivais e Prémios

Festival de Cannes 1989: Quinzena dos Realizadores Prémios de Cinema de Hong Kong 1989: Melhor Actor Secundário (Jacky Cheung);

Melhor Direcção Artística

Ficha técnica

Realização: Wong Kar Wai Argumento:

Jeffrey Lau, Kar-Wai Wong Produção:

Alan Tang

Música: Ting Yat Chung, Teddy Robin Kwan Fotografia: Wai-Keung Lau Montagem:

Bei-Dak Cheong, Kit-Wai Kai Direcção de Arte:

William Chang Decors: William Chang Distribuição:

Leopardo Filmes

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Inédito em França, tornou-se num filme de culto antes mesmo de ter sido visto, precisamente pelo longo período de inacessibilidade e talvez também pelo seu título (que partilha com uma célebre canção dos Rolling Stones). Aqui está, finalmente disponível, a primeira longa-metragem do grande Wong Kar Wai. É interessante descobrir este filme nos dias de hoje, quando o seu autor se tornou internacionalmente conhecido como um sismólogo sumptuoso e fetichista da tectónica amorosa. As Tears Go By – Ao Sabor da

Ambição é um filme de género, um thriller no mundo

das tríades, mais próximo de Mean Streets – Os

Cavaleiros do Asfalto ou de John Woo do que de 2046.

Do clássico de Scorsese retira elementos do argumento (a personagem principal tenta proteger o seu jovem amigo, imaturo, provocador e de cabeça quente da violência do meio), a poesia da noite urbana e a frontalidade gráfica. Algumas cenas de pancada, brutais e sangrentas, contrastam violentamente com a joelharia glamorosa e melancólica das obras seguintes de Wong Kar Wai. Mas se aqui o cineasta pega de novo nas figuras dos filmes de

gangsters, é com o estilo

e audácia de uma liberdade total. As cenas de acção estão esplendidamente coreografadas e montadas, o cineasta utiliza as variações na velocidade de imagem (slow-motion, aceleração) de forma inventiva e elegante, imprimindo ao filme uma energia e dinamismo incríveis.

A personagem principal encontra-se dividida entre o amigo, os gangs e o bairro antigo de Kowloon, um universo urbano e masculino, de um lado, e a sua bela prima (Maggie Cheung), a ilha de Lantau, um mundo feminino, bucólico e pacífico, do outro. Dentro das incisões sentimentais do filme, Wong Kar Wai delineia toda a gama de situações amorosas (o processo de sedução, as expectativas, a ausência, a raridade da fusão completa e o momento perfeito num casal…) que rejeitará obsessivamente no seu filme seguinte.

O cineasta procura também encontrar as figuras de estilo que se tornaram na sua imagem de marca e de glória: enquadramentos repletos de desejo, fragmentação do tempo, o fetichismo dos néons e dos cigarros, a importância da

música e de uma canção que pontue os picos dramatúrgicos do filme,

o desejo de fazer de cada plano uma pérola visual inesquecível. Encontrando um equilíbrio perfeito entre acção e latência, entre brutalidade e sensualidade,

explosividade e doçura, entre pesquisa formal e força emocional, As

Tears Go By – Ao Sabor da Ambição é tudo

menos um rascunho, pois Wong Kar Wai dá já aqui provas da sua mestria, audácia e estilo. Este magnífico filme não ter sido lançado mais cedo continua a ser um dos seus grandes mistérios.

Le Film Français

A primeira longa-metragem do mestre de Hong Kong, na qual aparecem já as figuras e linguagem que se tornaram nas suas imagens de marca e de glória.

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Ao segundo filme, também inédito em sala em Portugal, o arrebatador Dias Selvagens, uma história de insaciável desejo romântico na Hong Kong dos anos 1960, WKW abre um caminho triunfal. Um grupo de jovens, instáveis e cool, com vinte e poucos anos (um ‘quebra-corações’ insatisfeito à procura da sua mãe biológica, uma rapariga desesperadamente enamorada por ele e a sentir que o seu amor não é correspondido, um polícia apanhado no meio desta turbulenta relação), partilham noites e cigarros, numa obra “sobre a beleza, o tempo, o desejo e muitos tons de verde” (Manohla Dargis), primeira das muitas e decisivas colaborações de WKW com o director de fotografia Christopher Doyle.

Um filme de Wong Kar Wai

Com Leslie Cheung, Maggie Cheung, Andy Lau, Rebecca Pan

DAYS OF BEING WILD

DIAS SELVAGENS

1990 | Hong Kong, China 1h34 | M/12

Ficha técnica

Realização: Wong Kar Wai Argumento:

Jeffrey Lau, Wong Kar Wai Fotografia:

Christopher Doyle Música:

Terry Chan Montagem:

Kit-Wai Kai, Patrick Tam Produtores:

Candy Leung, Alan Tang, Rover Tang, Wing-Kwong Chan Direcção de Arte:

William Chang Maquilhagem:

Shui-Lin Lo, Ming-Fai Tsang Som:

Wai Hung Chan, Siu-Lung Ching Efeitos especiais:

Joseph Chi Distribuição: Leopardo Filmes

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[Excerto de entrevista de WKW a Tony Rains, Sight & Sound]

WKW – Days of Being Wild foi uma reacção ao meu primeiro filme, As Tears Go By, que estava repleto de luzes cruas e néon. Disse ao Chris que queria fazer um filme “monocromático”, quase drenado de luz. É um filme sobre diferentes tipos de depressão e precisava de ser muito claro, muito transparente em textura. Isso criou vários problemas ao Chris: muitos filtros, poucas luzes; muito difícil de controlar o enfoque. Foi uma das razões pelas quais demorou tanto a filmar. […]

Tentou mesmo recrear a Hong Kong dos anos 1960 em Days of Being Wild?

WKW – Passei quase um ano a fazer pesquisa sobre esse período, até mesmo descobrir quanto custava um bife num restaurante na altura, mas depois percebi que nunca conseguiria recrear a velha Hong Kong com tanto detalhe. A ideia original era fixar a primeira parte do filme em 1963, o ano em que cheguei a Hong Kong em criança. Após a minha pesquisa antecipei para 1960. Havia uma noção de que nos estávamos a mover em direcção a uma nova página da História, com a eleição de Kennedy, etc. As pessoas de Hong Kong estavam a tornar-se seriamente ambiciosas. O mundo inteiro acordava para algo diferente. Defini uma descrição de três tipos contrastantes: os imigrantes de Xangai (a personagem de Leslie Cheung), os nativos de Hong Kong da ilha de Cheung Chau (Andy Lau) e o desapegado, sem ligações à comunidade (Tony Leung). [Leung interpreta o protagonista na segunda parte não existente do filme, apenas vislumbrado no final deste filme].

Uma vez que não tinha os recursos para recrear o período de forma realista decidi trabalhar

inteiramente de memória. E a memória, na verdade, tem que ver com um sentido de perda – que é sempre um elemento importante num drama. Lembramo-nos das coisas em termos temporais: “Ontem à noite conheci…”, “Há três anos estava…”. Embora o jogo que o polícia #223 faz com as datas de validade das latas de ananás em Chungking Express seja novamente algo diferente. É simplesmente a sua maneira de fazer com que cada minuto da sua vida conte para algo.

[Excerto de entrevista a Sophie Bonnet, Les Inrockuptibles, 1996]

Correu uma série de riscos com Days of Being

Wild – Dias Selvagens. Não foi difícil convencer

um produtor a fazer um filme intimista, ao estilo europeu?

Não, porque o meu primeiro filme tinha tido bastante sucesso a nível de bilheteira e junto da crítica.

O produtor que tinha produzido As Tears Go By – Ao

Sabor da Ambição deu-me carta branca. Quando

comecei as filmagens de Days of Being Wild – Dias

Selvagens circulavam muitos rumores a meu respeito.

Dizia-se que fazia coisas estranhas. Os actores principais do filme eram grandes estrelas em Hong Kong na época e ficaram maravilhados com a minha maneira de os dirigir. Pedia-lhes, por exemplo, para dizerem o texto a olhar para a câmara… Quando Days

of Being Wild – Dias Selvagens saiu em Hong Kong, no

final de 1990, não correu bem, apesar de ter recebido críticas muito boas.

A sua maneira de isolar as personagens do resto do mundo é bastante curiosa no filme: vemos muito poucos transeuntes e vida urbana, o que acentua a impressão de irrealidade do filme.

Para mim, é como uma peça de teatro. Cena 1, cena 2, cena 3…. Mas há uma razão prática para isto. Era muito caro e difícil rodar um filme cuja acção se desenrolasse em 1960 com um plano panorâmico da cidade. Por outro lado, o meu objectivo não era reconstruir os anos 60. Para mim, era mais importante mostrar as diferenças entre seis personagens que vinham de duas classes sociais diferentes.

A personagem interpretada por Leslie Cheung é de Xangai. Tem uma vida confortável e requintada. O polícia, Andy Lau, é de origem cantonesa, mais terra--a-terra… Hoje em dia, já não conseguimos perceber a diferença entre cantoneses e xangaieses porque todos falam bem cantonês – a origem já não importa. Mas nos anos 60, em Hong Kong, os xangaieses resultantes da vaga de imigração de 1949 não falavam muito bem cantonês e mantinham-se isolados. Os cantoneses diziam que os naturais de Xangai eram pessoas superficiais e com muito jeito para o negócio. Os Xangaieses pensavam que os naturais de Cantão eram grosseiros e vulgares.

O fim do filme nas Filipinas é bastante surpreendente.

Para mim, o segmento filipino do filme é como um sonho… Como não tínhamos dinheiro suficiente, o produtor só nos deixou filmar lá uma semana. Tive de cortar imensas coisas já planeadas e fez-nos filmar 24 horas sobre 24 horas com duas equipas. Mas enquanto realizador, estava sempre em acção, só conseguia dormir no trajecto entre um local de filmagem e o próximo. Então passava o tempo a dormitar. Quando filmámos a cena da discussão entre o Andy Lau e o Leslie Cheung no quarto de hotel em Manila, dirigi um plano e adormeci. Os técnicos acordavam-me frequentemente para me perguntar se os takes estavam bons (risos)…

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Days of Being Wild - Dias Selvagens

Porquê esta moda do cinema chinês? Simplesmente porque nos poderá levar por caminhos novos, longe dos grandes eixos engarrafados franco-americanos?

O choque de Days of Being Wild – Dias Selvagens é apenas o mais recente sintoma de um fenómeno que tem vindo a crescer desde há alguns anos até ao momento: A China está definitivamente na vanguarda do mapa mundial do cinema. Os filmes chineses coleccionam prémios, Montpellier dedica-lhes todos os anos uma importante mostra e os Cahiers escolheram-no para a programação do mais recente Festival d’Automne. Esta relação privilegiada entre o cinema chinês, a crítica e o público de primeira linha francês tem razões objectivas, vagas e inconscientes. Em primeiro lugar, muito simplesmente, os filmes chineses distribuídos em França são frequentemente bons, por vezes magníficos: Wong Kar Wai é uma

nouvelle vague por si só, os dispositivos de mise en scène de Hou Hsiao Hsien estão entre os mais rigorosos

que existem, Tsaï Ming-liang ousa misturar Lubitsch e Antonioni, John Woo reinventou o movimento, a acção e a coreografia – os seus gangsters disparam com a graça de bailarinos de sapateado…

Os jogos de espelho transatlânticos e transpacíficos são sempre fascinantes, o ping-pong de influências, o fluxo transcontinental de géneros e figuras,

a perpétua troca de olhares à distância. Pegamos nesse cinema que nos olha e que olha também a América, gostamos de nos saber vistos de lá: como Wong Kar Wai digere as suas memórias subliminares de Delon,

Godard e Carax, como John Woo tira partido do trabalho de Fuller ou de Melville e depois volta para a linha que segue em direcção a Tarantino… O cinema como país no qual a China é um condado distante. Paradoxalmente, este condado é um continente, um mundo em si no qual cada um poderá tirar aquilo que mais lhe agrade. Há o cinema chinês popular,

sem dúvida o mais previsível e menos saboroso (Chen Kaige, Zhang Yimou…), os autores da pequena ilha sobrepopulada de Taïwan (Hou Hsiao Hsien, Tsaï Ming-liang…), os stakhanovistas da indústria de Hong Kong, grande centro da taylorização frenética (John Woo, Wong Kar Wai…). Particularmente interessante é o caso de Hong Kong, onde Woo, Kar Wai e consortes reinventam a noção original e impura do conceito de autor: cineastas que fazem filmes pessoais dentro de um sistema industrial que funciona numa lógica estritamente comercial. Deste ponto de vista, são os verdadeiros sucessores de Hawks, Hitchcock, Ford e Walsh. Não entraremos sequer nos mistérios do cinema cantonês, das melodias sociais do pós-guerra,

onde misturaríamos seriamente os pauzinhos. Correlacionados com a imensidão deste campo de cinema estão o exotismo, o afastamento, o mistério – em suma, a boa velha alteridade. Um pouco como o cinema português, o cinema chinês é para nós sobretudo uma terra virgem a desbravar, uma página branca por enegrecer, uma pasta a preencher no disco rígido das nossas memórias, um novo sedimento a ser depositado no nosso inconsciente. Mesmo que um Scorsese, um Ferrara, um Pialat possa ter sempre um enorme efeito no espectador, parece que já conhecemos quase tudo do cinema francês e americano que domina os ecrãs públicos e privados; as suas personagens, as suas figuras, a sua linguagem, os seus códigos e até mesmo as suas variações, as suas explosões, as suas desconstruções parecem--nos tão familiares que nos dá vontade de abrir, de par em par, a janela para a vastidão do desconhecido.

E quando cheiramos um Ripstein, um Monteiro

ou sobretudo um Wong Kar Wai, respiramos um outro ar, sentimos uma relação diferente com a ficção, o tempo, o cinema, vibramos com os rostos novos, os cenários inéditos, as línguas menos cultivadas nos nossos ouvidos. É uma aventura tão antiga como o próprio cinema: encontramo--nos no mesmo estado, ou quase o mesmo, que os nossos antepassados, subitamente confrontados com o cinema americano no Libération, vivemos, sem dúvida, embora em menor grau, a experiência dos nossos pais ao

descobrir Mizoguchi e o cinema japonês dos anos 50… De tempos em tempos, precisamos de sair da autoestrada do conforto para nos passearmos pelas artérias menos frequentadas. Um dia chegará a hora do western indiano, o melodrama curdo ou

thriller cibernético em

Auvergne. Enquanto esperamos por esses grandes momentos futuros de êxtase cultural e geográfico, o passeio local do momento é o cinema chinês. Serge Kaganski,

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Abril de 1995, Chungking Express reúne, com o seu charme reluzente e volátil, uma legião de fãs decididos a ver tudo deste cineasta natural de Hong Kong, de nome sedoso, Wong Kar Wai. A sua primeira obra,

As Tears Go By – Ao Sabor da Ambição (1988), é ainda

inédita; concluiu depois duas obras, Ashes of Time e

Fallen Angels – Anjos Caídos. Esta, Days of Being Wild – Dias Selvagens, ocupa um lugar particular na ascensão

deste wonderboy maldito, frequentemente comparado, com e sem razão, ao nosso Carax, sacrificado nacional. No início, alguns chefes de estúdios encomendaram um filme noir, de época (anos 60), com orçamento elevado, pensado para o grande público, que reunisse algumas das maiores figuras do star-system cantonês, que Wong Kar Wai transformou numa meditação chuvosa com jovens sentimentais destinados a histórias de amores falhadas. Após o mal-entendido, um terrível fracasso de bilheteira e uma colheita de prémios tornaram possível que Days of Being Wild – Dias Selvagens ganhasse o estatuto de filme de culto.

Os heróis deste feliz desastre chamam-se Yuddi, rufia elegante que passa os dias a seduzir raparigas, Sun, vendedora de refrigerantes, e Lulu, bailarina de cabaret, sempre entre discussões com a sua mãe adoptiva, uma dama etílica de pérolas que dorme com gigolos. Yuddi, desagradável por razões masoquistas, arrasta atrás de si muitas amantes de coração partido, que abandona brutalmente no momento em que se afeiçoam a ele. Talvez não goste de nada a não ser estar sozinho para dançar as canções latinas de

Xavier Cugat? Será suficiente para ele a camaradagem desenganada, como a do polícia que se tornou marinheiro e o acolheu numa noite de bebedeira? Todo o filme se passa à volta desta permanente desordem sexual, num clima de estufa abafado, onde os indivíduos não revelam os seus segredos e acabam por se assemelhar a plantas carnívoras afogadas numa incrível luz verde. Sinal desta metamorfose vegetal do mundo (perpetuamente encharcado por chuvas), é o magnifico plano de abertura, que sobrevoa um palmeiral, plano que voltará várias vezes a assombrar o filme como uma possível chave da psique das personagens.

Ao contrário do cinema local, dedicado a ritmos epilépticos, Wong Kar Wai cria uma duração viscosa, quase hipnótica, pontuada por relógios fora de horas e quebrada por ataques de pânico fulgurantes (um tipo demitido por exaustão, um assassinato num bar nas Filipinas) que relembram o Coppola de Rumble Fish. O filme avança num amontoado de digressões (perdemos de vista o herói durante, pelo menos, um quarto de hora), que nos induzem em erro como a Yuddi,

quando este se perder à procura da sua verdadeira mãe.

O glamour clorótico de

Days of Being Wild – Dias Selvagens não se deve

apenas a uma néobluette melancólica, tem as suas raízes numa forte indecisão identitária. Através de Yuddi e das suas conquistas, Wong

revela a culpa dos ilhéus de Hong Kong, divididos entre a China (tendo regressado ao seu colo em 1997), a Europa (o impasse dos anos 60 e da Nouvelle Vague) e a América (Hollywood e o seu submundo). O caos de referências remete à desordem do país e Days of Being Wild

– Dias Selvagens, obra

aparentemente tão leve, pode ser compreendida como uma epopeia nacional encriptada.

Didier Péron, Libération [Março 1996]

Uma variação chic sobre a errância de um jovem de Hong Kong,

Days of Being Wild – Dias Selvagens entra na categoria de filme de culto.

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Além do Cinema Nimas, em Lisboa, e do Teatro Campo Alegre,

no Porto, o ciclo O Mundo de Wong Kar Wai contará com

exibições no Cinema Charlot, em Setúbal; no Teatro Académico

de Gil Vicente, em Coimbra; no Theatro Circo de Braga;

e no Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz.

Contactos

Imprensa:

Catarina Alves

+ 351 914 792 479

press@leopardofilmes.com

www.leopardofilmes.com

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