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As relações de poder no Rio de Janeiro Oitocentista: a Casa de Detenção como instrumento de disciplina e controle. Anna Carolina B.

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Academic year: 2021

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As relações de poder no Rio de Janeiro Oitocentista: a Casa de Detenção como instrumento de disciplina e controle.

Anna Carolina B. Branquinho∗

Resumo:

No Sub-projeto “Carceralização e escravidão na cidade do Rio de Janeiro – 1850 -1890” o poder disciplinar seria a noção -chave para a análise da prisão como um lugar da punição para os deserdados sociais. Estou elaborando a descrição e sistematização de fichas de escravos presos na Casa de Detenção da Corte do Rio de Janeiro. A pesquisa está sendo feita no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro- APERJ, fundo Casa de Detenção. Estou responsável pela notação 13 que guarda o registro de escravos presos em 1879 e 1880. Estão sendo levantados os seguintes dados: nome, data da prisão e data de soltura, motivo da prisão, dados físicos dos presos e nome do proprietário.Os dados coletados apresentam a conflituosa relação entre senhores e escravos na cidade. A prisão emerge como um lugar da punição e correção para escravos/as insubordinados/as.

Palavras- chave: prisão; punição; escravidão Abstract:

In Sub-project " incarcerated and slavery in Rio de Janeiro - 1850 -1890" disciplinary authority would be the key concept for the analysis of the prison as a place of punishment for social outcasts. I'm keeping the description and systematization of records of slaves imprisoned in the House of Detention Court of Rio de Janeiro. The research is being done in the Public Archives of Rio de Janeiro-APERJ background Detention House. I am responsible for the 13 rating that keeps track of slaves imprisoned in 1879 and 1880. Are being collected the following data: name, date of arrest and release date, reason for arrest, physical data of prisoners and owner name. The data collected show the conflicted relationship between masters and slaves in the city. The prison emerges as a place of punishment and correction for slaves / the rebellious candidates.

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Key Words: prison; punishment; slavery

1. Introdução

O projeto “O lugar da Punição: A Construção do Discurso Jurídico-Político sobre a Prisão-. Rio de Janeiro-1830/1890”1 tem como um dos subprojetos a “Carceralização e escravidão na cidade do Rio de Janeiro- 1850-1890”. O objetivo é a análise do discurso Jurídico produzido durante o Segundo Reinado. Para isso, analisamos a construção da Casa de Detenção como um objeto do poder visando à construção de um lugar da punição.

A Casa de Detenção é criada em 1856 e destinava-se à prisão dos indiciados pela Polícia e pelo Judiciário. Suas hierarquias, seus regulamentos, sua burocracia são objetos do subprojeto. A idéia não é apenas mapear os dados do presídio na época mas, sobretudo, entender as relações que foram construídas a partir do estabelecimento de um lugar destinado estritamente à punição daqueles que eram considerados inimigos da lei e subversivos à ordem. A relação prisão – punição - escravidão era uma constante nesse período e vão construir todo um discurso jurídico na época com base na idéia de um poder disciplinar capaz de garantir a manutenção da ordem.

No século XIX, como nos mostra Foucault, a punição é vista sob um novo olhar universal. Os castigos públicos e os suplícios serão substituídos pelos lugares de punição e disciplina. Isso acontece pois a idéia de poder disciplinar sobre o corpo muda. Os castigos físicos serão abandonados como forma de punição, dando lugar a limitações tais como as prisões e os trabalhos forçados. A idéia não é mais a de punição exemplar, a ser vista por todos, gerando temor; mas sim a de poder disciplinar, que será aquele que “fará saber” da punição, estando aí o papel dos julgamentos. Como nos diz Foucault, “O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos”(FOUCAULT, 1987, p.14). A ordem do século XIX substituiu os castigos corporais pela privação da liberdade.

É a partir desse contexto que, durante o Segundo Reinado no Brasil, a Casa de Detenção estará inserida dentro de um discurso de disciplina. Com a iminente abolição, percebida cada vez mais através das diversas leis abolicionistas, era preciso disciplinar os insubordinados, evitando a disseminação de uma desordem que pudesse levar a uma rebelião. A existência de um ‘mundo de desordem’ no Rio de Janeiro do século XIX gerava a necessidade de se construir um aparato estatal que conseguisse estabelecer um controle e um poder disciplinar

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sobre esse constante perigo. Ao mesmo tempo, era preciso adaptar a realidade do Rio de Janeiro escravista aos ideais liberais que dominavam o mundo nesse momento. Os castigos físicos haviam de ser abolidos. Era, portanto, primordial a construção de um aparelho eficiente capaz de garantir que a ordem social fosse mantida.

2. O arquivo e a produção do enunciado.

Os arquivos da Casa de Detenção estão localizados no Arquivo Público do Rio de Janeiro e nos dão dimensão do que era o poder disciplinar no Rio de Janeiro Oitocentista. A prisão surge como um lugar de punição e correção para os escravos insubordinados. O Arquivo Público do Rio de Janeiro- APERJ - preserva boa parte da documentação produzida pelo poder Executivo do Estado desde o século XVIII. O acervo é formado por documentos extremamente relevantes para nós historiadores, sobretudo, aqueles que se interessam pelo estudo do Estado do Rio de Janeiro. O arquivo possui diversos tipos de documentação, tais como mapas, fotografias, textos, eletrônicos, dentre outros. Os documentos são divididos em eixos temáticos: agriculturas, anistias, campanhas políticas, comunismo, crime/contravenção, educação, escravidão, espionagem, índios, indústria e comércio, integralismo, militares, movimentos sociais, obras públicas, polícias, saúde, terra, transporte e tributos. Dentro dos eixos temáticos crime/contravenção e escravidão estão localizados os arquivos da Casa de Detenção.

Os arquivos referentes à Casa de Detenção compõem-se de livros e de matrículas de homens, menores, mulheres, pessoas livres e escravos, contendo nome, número de entrada, nacionalidade, filiação, cor, razão da prisão, sinais característicos e vestimentas. Além disso, muitas fichas trazem a trajetória do escravo na prisão, isto é, dia em que foi preso, quando foi julgado, sob os cuidados de quem esteve e dia de soltura. Esse arquivo nos possibilita ter maior percepção sobre o que era a punição e a função da Casa de Detenção dentro do contexto político-social da época. Porém, devemos perceber também os arquivos da Casa de Detenção como algo produzido a partir daqueles que faziam parte do poder disciplinar, ou seja, esse arquivo deve ser visto com ressalvas já que nos traz um dos pontos de vista, o da punição, e não daqueles que estavam sendo punidos. É a partir daí que devemos questionar o que vem a ser um arquivo.

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Devemos perceber o arquivo como algo construído, há um discurso por trás dele. Foucault, em “A Arqueologia do Saber”, nos mostra de que forma um arquivo faz parte de um discurso:

“O arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares. Mas o arquivo é, também, o que faz com que todas as coisas ditas não se acumulem indefinidamente em uma massa amorfa, não se inscrevam, tampouco, em uma linearidade sem ruptura e não desapareçam ao simples acaso de acidentes externos, mas que se agrupem em figuras distintas, se componham umas com as outras segundo relações múltiplas, se mantenham ou se esfumem segundo regularidades específicas; ele é o que faz com que não recuem nos mesmo ritmo que o tempo, mas que as que brilham muito forte como estrelas próximas venham até nós, na verdade de muito longe, quando outras contemporâneas já estão extremamente pálidas. O arquivo não é o que protege, apesar da sua fuga imediata, o acontecimento do enunciado e conserva, para as memórias futuras, seu estado civil de foragido; é o que, na própria raiz do enunciado-acontecimento e no corpo em que se dá, define, desde o início, o sistema de sua enunciabilidade.” (FOUCAULT, 2000, p.149)

O arquivo é, portanto, produzido a partir de um enunciado não apenas de quem produz o objeto que se tornará parte do arquivo, mas, sobretudo, daquele produzirá o arquivo como um conjunto de objetos sobre determinado tempo e espaço, isto é, de quem dará prioridade a determinado objeto em detrimento de outro. Pensemos por exemplo: O que faz o arquivo da Casa de Detenção ser formado por um conjunto de livros produzidos pelo Estado2 e não relatos dos próprios escravos sobre o que era a prisão? Qual o enunciado está sendo produzido? Por quem está sendo produzidos? Com qual finalidade está sendo produzido?

3. A Casa de Detenção e a construção do discurso Jurídico.

Retomando a questão do papel da Casa de Detenção durante o Império, devemos percebê-la como parte do discurso Jurídico produzido na época. Se no discurso médico prevalecia a questão do higienismo, no âmbito jurídico a grande questão colocada era de como garantir o controle das chamadas “classes perigosas”. De que forma seria possível garantir a disciplina na sociedade se agora não mais prevaleciam os castigos corporais ‘exemplares’? Como seria

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possível evitar que a subversão se disseminasse sem que houvessem exemplos a serem seguidos? Essa era a grande questão durante o Segundo Reinado.

Havia três mundos presentes dentro do Império: o Governo, o Trabalho e a Desordem.3 Os escravos, apesar de serem vistos como fonte de trabalho, eram vistos também como inimigos inconciliáveis e, por isso, haveria de se governar para evitar rebeliões. Os senhores deveriam “governar a casa” e isso quer dizer também ter os escravos sob controle. Já o “governo do Estado” deveria controlar os excessos dos grupos, dominar as rebeliões e, sobretudo, zelar pela manutenção da ordem. Para legitimar o seu lugar social e o papel que ocupavam, os homens de governo deveriam combater a desordem e as manifestações. Esse mundo da desordem, composto por escravos rebeldes e por brancos pobres devia ser controlados para evitar maiores rebeliões. É então que se constrói esse aparato estatal que desse ao governo força suficiente para disciplinar aqueles que ofereciam uma ameaça à sociedade.

A Casa de Detenção fará, portanto, parte desse instrumento disciplinador do Estado. É nela que serão desenvolvidos métodos punitivos. No próprio registro de prisioneiros podemos perceber que os motivos das prisões eram em grande parte insubordinação, embriaguez, tentativas de fuga, desrespeito aos senhores. Isso nos mostra a preocupação em subtrair os comportamentos desordeiros, em mostrar que tais comportamentos não seriam admitidos. A disciplina no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX era questão de primeira necessidade. A experiência do período regencial já havia mostrado as ameaças políticas e territoriais que o império poderia sofrer em casos de Rebelião. Agora o discurso disciplinar voltava-se para uma política de prevenção, isto é, evitar que casos isolados de insubordinação e subversão se transformassem em algo maior, em uma rebelião que efetivamente ameaçasse o Estado Imperial Brasileiro.

4. Conclusões preliminares.

Esse trabalho ainda se encontra em fase de elaboração,mas já é possível tirarmos algumas conclusões. A importância da construção de uma memória capaz de nos mostrar de que modo a sociedade brasileira, sobretudo o Rio de Janeiro, tratou, ao longo do tempo, as relações que envolvem poder, disciplina e punição. Se na época da escravidão o Estado brasileiro tratava o insubordinado como marginal e o vadio como uma ameaça, como será a atual relação do

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Estado brasileiro com as classes marginais? Será que ainda hoje o nosso Estado vê algumas camadas da sociedade como ‘classes perigosas’? De que forma hoje o Estado brasileiro trata as camadas excluídas e marginalizadas? É importante percebemos através da História a construção de um discurso disciplinar e punitivo. O estado brasileiro sempre esteve preocupado com aqueles que pudessem, de alguma forma, oferecer perigo à estabilidade da ordem social. Se durante o Segundo Reinado a preocupação era de uma rebelião escravista; na Primeira República era da disseminação dos ideais anarquistas; do Estado Novo ao período Militar a preocupação era com o ‘perigo vermelho’ comunista e com os ‘inimigos da nação’, qual será a atual preocupação do Estado Brasileiro? Acredito que elucidar a questão da Casa de Detenção e da sua política punitiva não quer dizer apenas esclarecer questões relativas àquele período, mas, sobretudo, entender de que forma o Estado brasileiro se constitui, de que forma é construído um discurso jurídico capaz de garantir a manutenção da ordem e da disciplina social.

Referências Bibliográficas

ALGRANTI, Leila Mezan. O Feitor Ausente. Estudo sobre a Escravidão Urbana no Rio de

Janeir.Petrópolis , Vozes , 1988.

CHALHOUB, Sidney.Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão

na Corte. São Paulo:Cia das Letras, 1990.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão.Petrópolis: Vozes,1997 ______________ .Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1987 GUIMARÃES, Alberto Passos. As classes Perigosas: banditismo urbano e rural. Rio de Janeiro: Edições Graal,1981. 2000.

KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio-1808-1850. São Paulo:Cia das Letras, MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema: formação do. Estado imperial. São Paulo: Hucitec, 1990.

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PECMAN, Roberto Moses. Cidades Estreitamente vigiadas: o detetive e o urbanista. Rio de Janeiro: Casa da Palavra ,2002

SILVA, Marilene R. N. “Carceralização da escravidão: a emergência de um problema” in: Revista Maracanan. PPGH – UERJ: Rio de Janeiro.

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