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Projeto Patrimônio, memória e loucura : a criação do Centro de Documentação do Hospital Colônia Sant Ana

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Academic year: 2021

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Projeto “Patrimônio, memória e loucura”: a criação do Centro de Documentação do Hospital Colônia Sant’Ana

Ana Terra de Leon1 Jonas João do Nascimento2

Criado nas dependências do hospital Colônia Sant’Ana, atual Instituto de Psiquiatria de Santa Catarina (IPq), em 2011, o Centro de Documentação e Pesquisa (CEDOPE/Ipq) surge através de uma parceria entre a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), através do Laboratório de Patrimônio Cultural (LabPac) e o próprio hospital, a fim de suprir a necessidade de preservação de seus documentos (tais como livros de Ocorrência, prontuário, cartas, fotografias, etc.), que deixados de lado em local precário sucumbiriam ao tempo. A importância desse Centro não se dá apenas no meio acadêmico, mas também serve como ferramenta de luta contra o preconceito que cerca as doenças mentais, promovendo a aproximação da sociedade junto a este espaço através da valorização de sua história e de seus habitantes.

O Hospital conta com um acervo iconográfico com cerca de 1300 fotos além de um vasto número de livros de ocorrência e prontuários. Duas exposições já foram realizas em seu

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Acadêmica do curso de história da UDESC, voluntária do referido Programa. 2

Acadêmico do curso de história da UDESC, bolsista do referido Programa.

Resumo: Refletir sobre os espaços de memória e resistência em lugares que acabaram sendo

caracterizados como espaços exclusão social, tendo como foco a criação do Centro de Documentação e Pesquisa do Hospital Colônia Sant’Ana, atual Instituto de Psiquiatria de Santa Catarina (CEDOPE/HCS-IPq) é o que nos propomos a fazer nessa breve explanação. O Projeto Patrimônio,

memória e loucura: o acervo do Hospital Colônia Sant’Ana (Santa Catarina/ 1940 – 1990) trás

consigo a possibilidade do acesso a uma documentação tão múltipla e rica quanta a própria história do Hospital, que assim é preservada e difundida. No centro desse projeto, que surge de uma parceria entre o Ipq e a Universidade do Estado de Santa Cataria (UDESC), encontra-se o CEDOPE/HCS-IPq como peça principal, numa tentativa de preservação da memória aliada ao objetivo de desestigmatização, incitando a reflexão, quebrando paradigmas e preconceitos que cercam tais espaços. Nosso objetivo é assim mostrar as atividades realizadas pelo Centro ao longo de seu primeiro ano de existência.

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espaço, uma primeira referente à comemoração dos 70 anos do Hospital Colônia Sant’Ana e uma segunda referente à luta antimanicomial e o mês da enfermagem, ambas contando com forte presença de todos os membros da equipe. Assim, amparado na missão de preservação documental e não apenas como meio de denúncia ativa, mas como viés de desmistificação das condições tanto do hospital como dos pacientes em questão, o CEDOPE segue promovendo a possibilidade de compreender esses locais de segregação historicamente, assim como de oferecer uma visão diferenciada sobre os mesmo. Dessa forma para que se entenda o trabalho realizado é necessário primeiramente compreender a importância desse Hospital Psiquiátrico não apenas como importante ícone no combate as doenças mentais no estado, como também perceber o mesmo como instrumento transformador do espaço onde se localiza assim como suas transformações internas que revelam as modificações de paradigmas e contextos da época.

O Hospital Colônia Sant’Ana

Inaugurado no ano de 1941 o Hospital Colônia Sant’Ana surgiu como importante viés no tratamento de doenças mentais no estado de Santa Catarina. Tratava-se de um hospital

modelo, para pacientes agudos e crônicos, dotado de instalações adequadas e modernas para o seu funcionamento. (Borenstein, 2011. p. 119)

Mesmo tratando-se de um hospital modelo para a época, inúmeras modificações foram necessárias até que o hospital chegasse a se tornar o que é hoje tanto na questão do tratamento das doenças mentais como também no tratamento mais humanizado. A criação esta ligada diretamente com a implantação obras sanitaristas, que caracterizaram o governo do interventor Nereu Ramos no Estado (de 1937 à 1945). Neste sentido, é possível observar a criação de várias obras sanitaristas: a Penitenciaria do Estado sofreu uma reforma em suas instalações (1936), foi criado o Abrigo para Menores (1940), bem como o Leprosário Santa Tereza (1940), o Hospital Colônia Sant’Ana (1941), o Hospital Nereu Ramos (1943), este último destinado aos tuberculosos e portadores de outras doenças infectocontagiosas.

A instituição surge sob a inspiração das antigas colônias agrícolas propostas por Pinel na França, e difundidas no Brasil na segunda metade do século XIX, marcado pela inauguração do primeiro Hospício brasileiro (Hospício Pedro II), na cidade do Rio de Janeiro, em 1852. Sob esta perspectiva, o discurso médico que fundou a colônia catarinense propunha-se a reabilitar os internados através do trabalho, conforme afirmava em sua fala, o Secretário

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de Justiça, Educação e Saúde de Santa Catarina, Ivo D’Aquino, durante a cerimônia de lançamento da pedra fundamental da Colônia, em 1938.

Previsto para funcionar com 300 leitos, recebeu seus primeiros pacientes do Asilo de Azambuja, instituição particular que funcionava em Brusque-SC, e do Hospício Municipal Oscar Schneider, em Joinville-SC, ambos superlotados. Os primeiros pacientes chegaram ao Hospital, juntamente com as Irmãs da Congregação da Divina Providência, em janeiro de 1942. Eram 311 internos, ou seja, onze a mais do que sua capacidade máxima, o que demonstra desde o início sua vocação para a superlotação, efetivamente comprovada ao longo dos anos.

Com o tempo a proposta de reabilitação que inspirou sua criação sob o modelo de colônia agrícola foi deixada de lado, prevalecendo a ideia de exclusão do convívio social, tornando a instituição um espaço cuja superlotação acabou sendo uma constante. O número de altas no HCS sempre foi significativamente menor que o número de admissões, as pessoas permaneciam internadas sem as devidas condições para o atendimento, com pouca ou nenhuma perspectiva de retorno sócio familiar, cronificavam-se no processo da doença, tornavam-se recessivas ao tratamento e muitos acabaram permanecendo na instituição e sobrevivendo nesta a maior parte de suas vidas.

O Hospital Colônia só veio a obter tratamento especializado na década de 1970, quando novos funcionários, com formação na área da saúde, ingressaram no Hospital, antes disso:

Na década de 50, o HCS possuía aproximadamente 24 vigilantes oito enfermeiros práticos, que eram denominados ‘enfermeiros’, que juntamente com 10 religiosas da congregação Divina Providência, formava o quadro de trabalhadores de enfermagem. As religiosas eram as principais responsáveis pela supervisão dos demais membros da equipe, assim como pela realização dos procedimentos de enfermagem mais complexos. (Borenstein, 2011. p. 132)

Com a entrada de profissionais especializados e com as mudanças trazidas pela Reforma Psiquiátrica a partir do final da década de 1970, o hospital pouco a pouco foi se humanizando, um processo lento, marcado por denuncias, mas que hoje visa atender os preceitos da Lei da Reforma Psiquiátrica, aprovada em 20013. Essas mudanças no cotidiano

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da instituição são importantíssimas para que se compreenda a necessidade do trabalho de preservação realizado na mesma. Afinal, antes da entrada dos trabalhos realizados, havia uma real possibilidade de perda dos documentos referentes a essa memória.

Assim, analisando as mudanças internas ou mesmo observando criticamente os anos de denúncia, como foram às décadas de 1970 e 1980, perpassadas pelas motivações trazidas pela reforma psiquiátrica, a história desse hospital serve de importante exemplo para que se entenda não apenas as modificações internas impostas pelo tempo, como também a compreender aspectos da história da saúde pública no estado de Santa Catarina. A análise dessas modificações ao longo do tempo nos dá base para visualizar uma história rica e que tem como personagens principais, para além dos gerenciadores da instituição, os funcionários e os pacientes que formam um corpo de sujeitos históricos que modificam e são modificados pelo espaço onde habitam.

Registros dessas informações encontram-se nos diferentes documentos acumulados pela instituição ao longo dos anos, tais como os livros de ocorrência, prontuários, cartas, comunicações internas e mais uma série de documentos que compõem o acervo. Tais documentos estavam espalhados pela instituição e em péssimas condições e logo sucumbiriam ao tempo. Dessa forma, visando a preservação desses documentos e sua disponibilização a pesquisa, em novembro de 2011 foi criado no IPq o CEDOPE (Centro de Documentação e Pesquisa) através do Programa de extensão: Memória, patrimônio e

loucura: o Centro de Documentação e Pesquisa da Colônia Sant’Ana – IPq/SC,

coordenado pela Professora Dra. Viviane Trindade Borges.

O Programa de extensão: Memória, patrimônio e loucura: o Centro de Documentação e Pesquisa da Colônia Sant’Ana – IPq/SC,

Possibilitar a pesquisa, e dessa forma, a aproximação do público com a instituição, é uma característica que compõem os Centros de Pesquisa que são formados dentro de instituições de saúde mental como é o caso do CEDOPE criado dentro do Instituto de Psiquiatria de Santa Catarina através da pareceria entre a Universidade do Estado de Santa Catarina e o próprio IPq. Assim, essa iniciativa não é de forma alguma algo novo, é na verdade um projeto inspirado em outras instituições que abriram um espaço de preservação documental e ao mesmo tempo possibilitaram uma aproximação maior da comunidade ao seu

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espaço, de modo a ajudar a quebrar velhos paradigmas e preconceitos que permeiam esses lugares4. O CEDOPE-IPq possibilita essa aproximação com o hospital ao mesmo tempo em que não deixa de lado a relação com o passado de segregação, e muitas vezes maus tratos, que tanto é remetido o hospital numa primeira aproximação.

Tendo como objetivos iniciais higienizar e catalogar os documentos históricos provenientes do Hospital Colônia Sant’Ana desde a sua criação, o CEDOPE vem suprir as necessidades de preservação desses registros que se mantidos no estado anterior estariam sujeitos ao desaparecimento e, consequentemente se tornaria inviável a possibilidade da analise da história da instituição.

Em seu primeiro ano de existência, foi possível dar inicio a higienização e organização do acervo arquivístico e fotográfico da instituição. Cabe salientar que neste período foram organizadas duas exposições, sendo uma inaugural juntamente com a comemoração dos 70 anos do hospital, intitulada “HCS, 70 Anos”, e a segunda, inaugurada em maio de 2012, em comemoração a Semana da Enfermagem, à Semana de Museus e ao Dia da Luta Antimanicomial, chamada ”Patrimônio e memória da enfermagem psiquiátrica no HCS/Ipq - SC” (1941 – 1980). Além disso, foram realizados dois vídeos, o primeiro tratando da criação do CEDOPE, o qual foi exibido pela TV Câmara de São José, e o segundo, um vídeo institucional intitulado “Estilhaços de loucura”, ambos produzidos pelo acadêmico Alexandre Pedro de Medeiros, voluntário do presente projeto5.

O trabalho realizado

No Ano de 2012, quando efetivamente se deu inicio aos trabalhos de higienização do acervo, percebeu-se a importância do CEDOPE na salvaguarda dos documentos que estavam numa fase avançada de deterioração. Assim, ainda no primeiro ano de criação, o Centro tomou certas ações a fim de iniciar um trabalho rápido que pudesse impedir que o espaço precário continuasse prejudicando o estado dos documentos que lá se encontravam.

Inicialmente montou-se um mutirão de limpeza que visava organizar e retirar do local onde se encontravam os documentos, devido à má condição física dos espaços, que beneficiava a deterioração dos arquivos. O Mutirão, ocorrido no dia 07/09/2012, fora

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São poucos os lugares reservados à preservação da memória da loucura no Brasil, entre eles o Memorial da Loucura (RS), localizado em Porto Alegre, o Museu da Loucura, em Barbacena (MG) e o próprio CEDOPE/IPq, em São José (SC). 5

Cabe salientar que o projeto conta ainda com o apoio de uma designer e também acadêmica do curso de história, Sheila Gouveia, dois bolsistas de extensão: Bruna Viana e Jonas Nascimento, e os voluntários: Ana Terra de Leon, Arielle Rodrigues, Iara Perin e Murilo Schaeffer.

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composto por alunos de história e de enfermagem juntamente com as professoras Viviane Borges e Eliani Costa, e em pouco tempo deram inicio aos trabalhos de higienização.

No dia 07/11 deu-se a inauguração do CEDOPE, juntamente com a comemoração dos 70 anos do hospital em uma cerimônia que reuniu funcionários, pacientes e autoridades políticas. O evento foi marcado também pela primeira exposição realizada pelo Centro de Pesquisa intitulada “HCS: 70 Anos”, mencionada anteriormente, a qual reunia parte do acervo iconográfico juntamente com objetos do acervo museológico focando na narrativa sobre os 70 anos de história do antigo Hospital Colônia Sant’Ana. A exposição surgiu não apenas como primeiro trabalho do Centro de Pesquisa, mas também como primeira tentativa de aproximação entre a academia e a instituição, assim como da comunidade ao redor, com sua própria história, que se relaciona diretamente com a história dos 70 anos do hospital.

No inicio de 2012 novos projetos iniciaram no CEDOPE, porém nunca deixando de lado seu objetivo principal, de promover a preservação da documentação do hospital, assim como difundir a memória do hospital e aproximar a comunidade auxiliando num processo de desmistificação e combate ao preconceito no que diz respeito à loucura. Para atingir tais objetivos, foram dispostos no Programa outros dois elementos que caracterizariam e reforçariam o trabalho anteriormente iniciado no CEDOPE no ano anterior. Trata-se da exposição “Patrimônio e memória da enfermagem psiquiátrica no HCS/Ipq - SC (1941 – 1980)” que aglutinaria as comemorações do mês da enfermagem, da semana de museus e da reforma psiquiátrica. Ainda nesse evento foi exibido um segundo vídeo realizado pelo projeto, igualmente dirigido pelo bolsista Alexandre Medeiros, intitulado “Estilhaços da Loucura”, o qual conta a história da instituição e do centro de pesquisa.

Cabe ressaltar que as duas exposições que ocorreram, respectivamente nos anos de 2011 e 2012, possuíram um forte empenho de toda a equipe desde a higienização dos objetos museológicos assim como toda a parte de identificação, preparação de legendas e verificação das fontes necessárias. Ressalta-se aqui a importância dessas exposições também para a divulgação do Centro de Pesquisa que por se situar dentro do Hospital, e o mesmo se encontrar em local de difícil acesso longe dos centros da cidade, é relativamente desconhecido e divulgado em outros meio acadêmicos.

Outra ação do referido Programa de Extensão é a exibição de documentários tendo como tema a “loucura”, o evento “História da Loucura no Cinema”, os quais serão seguidos por discussões empreendidas por professores da área. O evento será realizado na UDESC em 2012/2, de modo a aproximar o meio acadêmico dos hospitais psiquiátricos, através do

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seguintes documentários: “Em nome da razão” (1978), “O Senhor do Labirinto” (1981), “Entrelinhas” (2011), “Zero não é vazio” (2012).

Conforme colocado, Todas essas ações fazem parte do Programa de extensão:

Memória, patrimônio e loucura: o Centro de Documentação e Pesquisa da Colônia Sant’Ana – IPq/SC, desenvolvido pela Professora Viviane Borges. Os bolsistas desse projeto

de extensão se desdobram em múltiplas tarefas visto a grande variedade não apenas de documentos, que necessitam de diferentes modo e metodologias de higienização e catalogação, como também na realização das de pesquisa em instituições externas bem como auxiliando nas exposições e eventos que contam com ajuda direta dos mesmos. Porém na grande parte do tempo as atividades desenvolvem-se apenas dentro do Centro de Pesquisa, num trabalho constante de higienização e catalogação dos diferentes documentos.

Os documentos estão sendo higienizados com o uso de trincha macia e depois acondicionados em caixas de arquivo separadas segundo a descrição e ordenação, que respondem ao organograma institucional, ou seja, primando pelas atividades realizadas por seus diversos setores. Eles encontram-se em um espaço arejado de modo a manter as condições ideais de temperatura para a preservação da documentação. Essa preocupação com o espaço escolhido para manter os documentos é de extrema importância visto a fragilidade do acervo, o qual pode facilmente se deteriorar caso seja mantido em local que não possa suprir essas necessidades. Pensando nisso fora cedido pra o CEDOPE duas sala no IPq, sendo um destinada a permanecia do acervo e uma outra destinada as exposições e ao trabalho de higienização.

A respeito da organização do acervo cabe destacar alguns aspectos:

A área de especialização do CEDOPE: História da Psiquiatria e História da Loucura A natureza de seu acervo abrange:

· fundos de arquivo: conjuntos de documentos acumulados no exercício das funções da instituição.

· coleções fotográficas: 1300 fotografias em sua maioria não identificadas · material hemerográfico: jornais, revistas e boletins.

· material bibliográfico: livros, teses e folhetos. · objetos tridimensionais

· bancos de dados: visando a disponibilização à pesquisa, primeiramente está se pensando na constituição de um banco de dados referente ao acervo fotográfico.

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. Arquivo de fontes orais: conta com 21 entrevistas realizadas por pesquisadoras da área da

história da enfermagem.

Os documentos estão sendo reunidos em torno de uma origem comum, fazendo parte de um conjunto que, expressando a trajetória do HCS, sua entidade de origem, a qual lhes confere significado. Conforme (Tessitore, 2003, p. 10):

O passo inicial e fundamental para materializar o Centro é sua criação oficial, através dos instrumentos formais adequados, que contemplem denominação, natureza, finalidade, objetivos, subordinação, estrutura interna e funções; instrumentos esses aprovados pelas instâncias competentes.

A classificação e ordenação dos documentos estão articuladas, visando à eficácia do acesso à pesquisa. O objetivo do Quadro de Arranjo criado é dar visibilidade às atividades do organismo produtor dos documentos, ou seja, o HCS, permitindo a clara ligação entre os documentos. O quadro foi definido tendo como base os diferentes organogramas da instituição e em sua história, e a partir daí foram criadas categorias, classes genéricas que dizem respeito às atividades detectadas (configuradas ou não em estruturas especificas, como setores, departamentos, etc.). Nas subclasses estão inseridas as séries tipológicas: livros de ocorrência, relatórios, etc. ligados às atividades as atividades controladas pela área de Enfermagem, por exemplo.

A classificação está ligada aos tipos documentais (identifica-se e articula-se entre si), mas considera-se principalmente a forma e as razões que determinaram sua existência (como o porquê foram produzidos). Já a ordenação aborda os tipos documentais especialmente do ponto de vista das consultas que lhes serão feitas (GONÇALVES, 2009, p. 13). A ideia do plano de classificação (ou quadro de arranjo) é informar sobre os vínculos do acervo documental com o seu organismo produtor, ou seja, o HCS, procurando manter sua organicidade. Entende-se aqui que nenhum documento de arquivo pode ser compreendido de forma isolada, fora dos quadros que o produziram. A classificação possibilita a compreensão plena do arquivo, tanto para quem organiza como para quem consulta. Além disso, o acesso rápido aos documentos está condicionado à classificação e ordenação dos mesmos.

As fotografias também estão sendo higienizadas e logo depois catalogadas segundo uma ficha catalográfica que as identifica e descreve. Toda a parte de tratamento de documentos iconográficos está em fase inicial, com cerca de 1300 fotos ainda em fase de

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higienização. As imagens perpassam a história do Hospital, revelando imagens desde a década de 70 até os dias atuais. Certas fotografias possuem um determinado caráter de denúncia, principalmente devido ao contexto de denúncia que antecedeu os anos da reforma psiquiátrica. Do mesmo modo outras imagens remetem ao desolamento dos pacientes e péssimas condições de vida em que muitas vezes eram submetidos, servindo também como denuncia ativa, mas principalmente sendo ferramenta de preservação histórica dessas memórias. Outras fotografias remetem aos anos posteriores e servem como paralelo as fotos de denuncia, elas são na verdade fotos pós-reforma psiquiátrica, ou ainda uma face das transformações que ocorriam no contexto, de modo que relevam os pacientes bem tratados e o afinco na tentativa de melhora na qualidade de saúde e de retorno a sociedade. Dessa forma o acervo iconográfico é para o CEDOPE de extrema importância, visto que revela de modo icônico as transformações gradativas ao longo do tempo, possibilitando uma primeira impressão instantânea das modificações sofridas com os diferentes contextos perpassados pela instituição no decorrer de sua trajetória.

Cabe destacar ainda o acervo de fontes, o qual conta com a transcrição de aproximadamente 21 depoimentos de funcionários que trabalharam no Hospital na década de 1970. Essas entrevistas, que compõem o acervo inicial do CEDOPE/Ipq, foram realizadas por duas pesquisadoras, para a elaboração de uma tese e dissertação na área de enfermagem, e doadas à instituição. A intenção é expandir o acervo, dando inicio a realização de entrevistas com pessoas que atuaram na instituição, como funcionários, pacientes ou moradores da comunidade local. Neste trabalho consideramos importante que a memória das pessoas que atuaram e vivenciaram experiências no Hospital, também seja salvaguardada.

O Hospital conta ainda com um acervo de cerca de 22 mil prontuários, os quais abrangem um período que vai de 1941 até a década de 1970 (os prontuários de datas posteriores encontram-se junto ao SAME – Serviço de Atendimento Médico e Estatística). Os Prontuários estão em fase de higienização e digitalização6 e juntos são parte importante no acervo que é agrupado pelo Centro de Pesquisa, não apenas por possibilitar a analise de pacientes de maneira individual, mas compreender o individuo como parte ativa do contexto onde habita e desmitificar o doente mental como sujeito apenas passível de mudanças. Assim a possibilidade da pesquisa em prontuários vem de modo a quebrar antigos paradigmas e abrir a pesquisa um novo viés de pensamento. Cabe salientar que a pesquisa em tais fontes, da

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A digitalização está sendo feita por uma empresa terceirizada a partir de uma iniciativa da Secretaria Estadual de Saúde de Santa Catarina, que prevê a digitalização de vários espaços de saúde do estado para disponibilização deles via internet.

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mesma forma que qualquer outro tipo de pesquisa a ser realizada no CEDOPE, necessita de carta de aprovação do Comitê de ética Nacional, através da Plataforma Brasil, pois envolve seres humanos e exige a preservação de suas identidades.

Paralelo a isso, um projeto semelhante desenvolve-se na Penitenciária de Florianópolis, mas especificamente no HCTP (Hospital de Custódia). Tal projeto possui finalidades parecidas e é na verdade um desdobramento do trabalho realizado no IPq por meio do CEDOPE. Higienização de prontuários e digitalização dos mesmos são os principais focos do trabalho que visa preservar os prontuários do Hospital de Custódia e relacionar informações entre as duas instituições, HCTP e IPq, através dos mesmo. O trabalho ainda está em fase inicial, possuindo apenas um único bolsista, porém as informações encontradas são muito relevantes para formar uma teia de relações que possa vir a auxiliar na compreensão da história de ambas as instituições, destinadas ao tratamento e confinamento dos tidos como loucos. O HCTP possui cerca de 14.000 prontuários em seu acervo que a cada dia recebe ainda mais exemplares, que por sua vez cobrem décadas de história: desde década de 1970 até os dias atuais. O Projeto concentra-se na década de 1970, período de criação de HCTP, quando alguns internos do HCS foram transferidos para esta instituição.

Esse desdobramento é reflexo de um objetivo maior de estender o trabalho de preservação documental realizado no Instituto Psiquiátrico a outras instituições, focando na preservação da história da psiquiatria no Estado. Formar uma grande cadeia de informações que interligue diferentes instituições de saúde, que tiveram suas histórias marcadas por elementos de segregação social e que carregam ainda hoje determinados estereótipos, é a aspiração do CEDOPE para os próximos anos. Com efeito, tal relação de informações possibilitaria não apenas incrementar a documentação já vasta, mas ainda poder estar criando um meio de relacionar diferentes esferas que nos permitem compreender e analisar mais a fundo as instituições de saúde de cunho segregacionista e suas modificações ao longo do tempo. Do mesmo modo esse cruzamento de informações permite visualizar as semelhanças e divergências das instituições relacionadas, podendo assim traçar paralelos que nos remetem a certos contextos de época. Dessa forma é possível visualizar essa cadeia de informações não como uma aglutinadora de pormenores espalhados de forma desordenada, mas como uma eficaz ferramenta de análise da história do estado através dos múltiplos marginalizados.

Através de todo um trabalho de preservação e análise de fontes, o referido Programa de extensão traz consigo um olhar diferenciado sobre as instituições de segregação, servindo

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não apenas como meio de denúncia ativa, mas também percebendo e trazendo à tona as mudanças que acompanharam tais instituições tornando-as não mais os mesmo lugares sombrios que habitam o imaginário daquelas que estão distante delas. Do mesmo modo uma visão do próprio paciente, a fim de combater o estigma que acompanha as doenças mentais do ponto de vista social, é levantada trazendo consigo a possibilidade de mostrar esses marginalizados como sujeitos históricos.

Desta forma, o CEDOPE/HCS - IPq, não é apenas um meio de difundir conhecimento, mas também ferramenta atuante no processo de desestigmatização de modo a aproximar tanto o meio acadêmico como também a sociedade do cotidiano e da história que cerca essas instituições.

Referências

BORENSTEIN, Miriam Susskind; PADILHA, Maria Itayra. Enfermagem em Santa

Catarina: recortes de uma história. Florianópolis, editora secco, 2011.

BORGES, Viviane Trindade, COSTA, Eliani. Hospital Colônia Sant’Ana, 70 Anos de História. Revista de História Catarina. Santa Catarina, p.76 - 80, 2011.

COSTA, Eliani. Hospital Colônia Sant’Ana: o saber/poder dos enfermeiros e as transformações históricas (1971-1981). Tese (Doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Florianópolis, 2010.

GONÇALVES, Janice. A organização dos arquivos e o “método histórico”. In: PERARO, Maria Adenir (org.). Igreja católica e os cem anos da Arquidiocese de Cuiabá

(1910-2010). Cuiabá, MT, FAPEMAT, PPGHIS-UFMT, 2009. p.347-357.

TESSITORE, Viviane. Como implantar centros de documentação. São Paulo: Arquivo do Estado e Imprensa do Estado, 2005. (Como Fazer 9). p. 11-16.

Referências

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