• Nenhum resultado encontrado

HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE OU CESSIONÁRIO VENDA QUINHÃO HERANÇA INDIVISA DIREITO DE PREFERÊNCIA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE OU CESSIONÁRIO VENDA QUINHÃO HERANÇA INDIVISA DIREITO DE PREFERÊNCIA"

Copied!
13
0
0

Texto

(1)

Tribunal da Relação de Évora Processo nº 260/10.9TBVVC-D.E1 Relator: TOMÉ RAMIÃO

Sessão: 25 Fevereiro 2021 Votação: UNANIMIDADE

HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE OU CESSIONÁRIO VENDA QUINHÃO HERANÇA INDIVISA DIREITO DE PREFERÊNCIA SIMULAÇÃO

Sumário

1. Resulta da alínea a) do art.º 356.º do C. P. Civil, que requerida a habilitação do aquirente do direito em litígio, para com ele prosseguir a causa, e junta prova da aquisição, será notificada a parte contrária para contestar; na contestação pode o notificado impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo. 2. Tratando-se de uma venda dos quinhões hereditários, e não doação (simulação relativa), é suscetível de prejudicar a posição processual da

recorrente, que intervém no inventário como herdeira da quota disponível do inventariado e, nessa qualidade, goza desse direito de preferência (nos termos do n.º1 do art.º 2130.º do C. Civil), o que não sucede se o ato de transmissão for gratuito.

3. Porque a recorrente arrolou prova testemunhal não devia ter sido proferida, de imediato, decisão final do incidente, sem ter lugar a produção de prova arrolada para demonstrar a invalidade do negócio simulado e consequente intenção de a prejudicar no exercício do direito de preferência. (sumário do relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Évora ***

(2)

I. Relatório.

Por apenso ao processo de inventário para partilha do acervo hereditário de

L…, falecido em 17 de junho de 2010, W…, Lda., com sede na avenida …,

União das Freguesias de Sintra, Sintra, veio requerer a sua habilitação, nos termos do art.º 356.º do C. P. Civil, contra a interessada M…, pedindo que seja habilitada do direito (quinhão hereditário) dos interessados herdeiros J… e Lu…, ocupando no inventário o lugar destes e com ela prosseguir o inventário, alegando que por escritura pública realizada em 6 de abril de 2018, adquiriu aos referidos herdeiros, por doação, o quinhão hereditário que eles detinham e lhes pertenciam na herança indivisa aberta por óbito de seu pai L….

Juntou certidão da referida escritura pública. A requerida contestou, alegando:

- Em 17 de Junho de 2010, faleceu L…, no estado de divorciado.

- Sucedeu-lhe os seus dois filhos, nomeadamente, os mencionados na escritura de cessão como cedentes, e a contestante, enquanto herdeira testamentária. - Durante anos, tais cedentes procuraram afastar a contestante do direito à herança, intentando uma acção contra a mesma, que correu termos desde 06 de Março de 2012, até culminar com a desistência do pedido, a 4 de Fevereiro de 2015.

- De tudo tem sido feito em ordem a dificultar os direitos da contestante, do qual é agora a escritura de cessão um forte exemplo.

- Todavia, a verdade é que, o negócio constante da escritura é nulo. - E nulo, por simulação, já que o contrato de doação se destinou única e exclusivamente, a encobrir uma compra e venda, com o intuito claro de prejudicar a contestante.

- Pretendem enganar a contestante, declarando uma doação que cria uma aparência de um direito, mas que se acha ferida pela divergência entre a vontade declarada e a vontade real.

- Nunca os mencionados cedentes, pretenderam ceder o quinhão. - Nunca o cessionário quis adquirir por doação o quinhão.

- E tanto assim é, que já no decurso do ano de 2019, reuniões ocorreram entre as partes e seus mandatários, sem que nunca tenha sido sequer aflorado, que Lu… e J…, já não eram donos dos quinhões hereditários.

- Ou seja, os mencionados , sempre se comportaram e agiram como donos dos quinhões, inclusivamente, apresentando propostas de aquisição ou venda de património que compunha a herança.

- Mas mais, veja-se que, o cedente Lu…, declara ceder, gratuitamente à sociedade W…, o seu quinhão hereditário, na herança de seu pai.

- E fá-lo, sem qualquer contrapartida, a um terceiro, que desconhece. - E apesar de tal acto, não integra os órgãos sociais da dita sociedade.

(3)

- Mas ainda mais. E que, o mencionado Lu…, de nenhum outro património é titular.

- E apesar de ser casado, e ter dois filhos menores, doou a única coisa de que poderia dispor.

- Tudo sem perder de vista, que integra o quinhão hereditário, um conjunto de imóveis, denominado de pedreiras, de onde toda a vida o seu pai retirou os proventos para sustentar, principescamente, a família, e mesmo assim, vem dizer que cedeu gratuitamente.

- Tudo sem que possa esquecer que as ditas pedreiras, terão um valor superior a 3.000.000,00 €. Qual benemérito?...

- E o mesmo se diga, no que concerne ao cedente J….

- Este também não tem qualquer outro património, e apenas destoa do seu irmão, também cedente, no que concerne a integrar os corpos sociais da cessionária.

- Ou seja, ao contrário do outro cedente, J…, ficou detentor de uma participação social na cessionária, bem como, passou a integrar o corpo gerente da sociedade.

- Por isso que, a querida cessão gratuita mais não visou, do que afastar o direito de preferência da contestante, na aquisição dos quinhões hereditários. - Mas desde já se alerta, que tendo tido conhecimento da cessão NULA, por força dos presentes autos, irá intentar ação por simulação, com direito de preferência.

- Face a tudo quanto se acha dito, deverá ser indeferida a pretensão de habilitação de cessionário, com as demais consequências legais.

Arrolou prova testemunhal e documental e requereu declarações de parte. De imediato foi proferida sentença, julgando procedente o incidente de habilitação do adquirente e, em consequência, declarou a W…, LDA. habilitada para prosseguir, no lugar de J… e Lu… os termos do inventário. Inconformada com o assim decidido, veio a requerida M… interpor o presente recurso, terminando, após alegações, com as seguintes conclusões:

I – Por via incidental, veio a Requerente W…, Lda., requerer a sua habilitação como cessionária dos quinhões hereditários de que eram titulares os filhos do de cujus L….

II – A Requerida, ora Recorrente contestou invocando, para além do mais, que o ato de cessão de quinhão hereditário, dito gratuito, padecia de absoluta nulidade, e que tinha na sua base, impedir a Requerida do exercício do seu direito de preferência na aquisição dos quinhões.

III – A Requerida invocou que o negocio constante da escritura era NULO, por simulação, já que o contrato de doação se destinou a encobrir uma compra e venda, com o intuito de afastar o direito da Requerida na aquisição dos

(4)

quinhoes, discorrendo factos atestativos do que invocava.

IV - O Tribunal “a quo” decidir, singelamente, pela habilitação do cessionário, ignorando a argumentação da Requerida, e dando apenas por provado um único facto, que não pode sustentar a decisão proferida.

V - Em ordem a legitimar a ignorância dos demais factos carreados, O Tribunal “a quo” refere que “Todos os demais factos que não se encontram vertidos na factualidade assente não foram considerados para a boa decisão da causa, porquanto constituem factos conclusivos, repetitivos, irrelevantes ou de direito.”

VI – Em sede de fundamentação nada mais é dito pelo Tribunal “a quo”. VII – A Requerida tem o direito a ser convencida da bondade da decisão factual e jurídica.

VIII – Por isso que, todas as decisões proferidas pelo Tribunal têm de ser expressas, claras, coerentes e suficientes.

IX - A fundamentação da decisão deve permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurara a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo.

X – Na sentença em crise e de que se recorre, não existe uma apreciação à matéria relevante trazida aos autos.

XI - Foram esgrimidos argumentos demonstrativos de que os cedentes, apenas atuaram da forma que atuaram, em conluio com a cessionária, para afastar o direito da Requerida.

XII - E em ordem a corroborar tal afirmação, invocou que atenta a data constante da escritura de cessão, os cedentes posteriormente a tal momento temporal, continuaram a comportar-se como donos dos direito aos quinhões, negociando com a Requerida; e que tal bem era o único que dispunham, já que não são titulares de mais nenhum património; e que o património tem um valor avultadíssimo de mais de três milhões de euros, e por conseguinte inimaginável que algum DOA-SE tais bens a quem não conhecem, e num dos casos, sem qualquer ligação para futuro.

XIII - E sobre esta panóplia argumentativa, o tribunal fez tabua rasa, não proferindo qualquer valoração, que seria devida após analisar os argumentos da Requerida.

XIV – Assim, a sentença de fls. padece de nulidade, por falta de

fundamentação.

XV – Acresce que, o Tribunal “a quo” ao ignorar toda a narrativa trazida aos autos pela Requerida, deu unicamente como provado um único facto,

nomeadamente, que a: “escritura de cessão de quinhão hereditário, junta com

a petição inicial, que não foi impugnada na contestação apresentada (cf. art. 446.º do CPC).”

(5)

XVI – Embora a escritura publica se insira nos documentos catalogados como autênticos, a verdade é que ele mesmo apenas faz prova plena dos factos atestados pelo notário e ocorridos na sua presença. Faz prova plena dos factos referidos como praticados pelo documentador: tudo o que o documento referir como tendo sido praticado pela entidade documentadora, tudo o que, segundo o documento, seja obra do seu autor, tem de ser aceite como exato.

XVII - Um documento autêntico prova a verdade dos factos que se passaram na presença do documentador, quer dizer os factos que nele são atestados com base nas suas próprias perceções.

XVIII - Isto é, o documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos que documenta se passaram; mas não garante, nem pode

garantir, que tais factos correspondem à verdade. Dito doutro modo: o

documento autêntico não fia, por exemplo, a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador; só garante que eles as fizeram. XIX - A veracidade das declarações efetuadas pelas partes e exaradas na escritura nem sequer se encontram cobertas ou abrangidas pela força probatória do documento – quanto às declarações atribuídas às partes, o documento autentico apenas prova plenamente que as mesmas foram feitas – podendo ser impugnadas, as declarações documentadas, sem que o

impugnante careça de arguir a falsidade do documento, já que a discrepância entre a vontade real e a declarada integra antes ou um vicio na formação da vontade ou uma simulação.

XX - Pode, assim, demonstrar-se que a declaração inserta no documento não é sincera nem eficaz, sem necessidade de arguição da falsidade dele,

talqualmente fez a Requerida.

XXI - Na contestação, invocou a Requerida que o negocio era simulado, já que nunca os cedentes pretenderam ceder os quinhões, nem o cessionário quis adquirir os quinhões por doação, sendo manifesta a divergência de vontades entre o real e o declarado.

XXII - Procuraram os cedentes, em conluio com a cessionária, o propósito de impedir a Requerida de adquirir os quinhões que pretenderam alienar por venda, tornando mais difícil a posição desta nos autos.

XXIII - A declaração manifestada na escritura estava, como está, manifestamente inquinada de falta ou vicio de vontade dos respetivos declarantes.

XXIV - E tanto assim é que, os cedentes, mesmo após a celebração da

escritura, continuaram a comportar-se como donos dos quinhões, negociando o património.

XXV - Ou seja, a Requerida não aceitou que entre os cedentes e a cessionária tenha sido celebrado qualquer contrato do qual decorresse a doação dos

(6)

quinhões, antes sim, ocorrendo claríssima simulação.

XXVI - Aqui chegados, salvo melhor opinião, não podia o Tribunal “a quo”, proferir a decisão, dando como provado um facto, unicamente porque não foi expressamente impugnado o documento, quando, como se vê, não tinha que ser feito.

XXVII - Resultava da alegação inserta na contestação que o documento dispunha de declarações que nada tinha a ver com a realidade factual. XXVIII - Pelo que se impunha, fazer prosseguir o processo para julgamento, permitindo ao julgador adquirir a convicção de que a transmissão obedeceu a um próprio malicioso, criando embaraço à Requerida, procurando fazê-la sucumbir.

XXIX - Deve, pois, ser anulada a sentença e ordenado o prosseguimento dos autos para julgamento.

XXX - Violados, pois, por erro de interpretação e aplicação, o vertido nos art. 154.º, 356.º, 446.º, 615.º, todos do Código de Processo Civil, 371.º do código Civil, e, art.º 205.º da CRP.

Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por outra que ordene o

prosseguimento dos presentes autos para julgamento. ***

A requerente contra-alegou, defendendo a bondade e manutenção da sentença.

O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. ***

II – Âmbito do Recurso.

Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil, constata-se que a única questão a decidir consiste em saber se a sentença recorrida padece da nulidade invocada e se deve manter-se a decisão de habilitação da recorrida. ***

III – Fundamentação fáctico-jurídica. 1. Matéria de facto.

A factualidade provada pela 1.ª instância é a seguinte:

a) Por escritura pública de Cessão de Quinhão Hereditário lavrada em 06 de Abril de 2018, no cartório notarial de Lisboa a cargo do Dr. Rui Januário, exarada de fls. 64 a 65 (verso), do livro 402-A, os Interessados/Herdeiros J… e

(7)

Lu… cederam à aqui Requerente W…, Lda., o quinhão hereditário que aqueles detinham e lhes pertencia na herança indivisa aberta por óbito de seu pai L…. Nos termos do art.º 607.º/4, ex. vi art.º 663.º/2 do CPC, considera-se provada a seguinte factualidade (após consulta do processo principal):

b) Corre termos a ação principal de inventário para a partilha dos bens deixados por óbito de L…, falecido em 18 de junho de 2010, no estado de divorciado, processo que foi requerido por M….

c) Nesse processo, foram habilitados como herdeiros do falecido L… os seus filhos J… e Lu…, seus únicos filhos.

d) No processo de inventário apenso a requerente, mediante testamento, foi instituída herdeira da quota disponível do falecido.

e) Foi nomeado, por despacho de 10/09/2010, cabeça de casal Lu…, o qual prestou o compromisso de honra e declarações iniciais, bem como entregou a relação inicial de bens.

***

2. O direito.

2.1. Nulidade da sentença por falta de fundamentação.

Diz a recorrente que invocou que os cedentes apenas atuaram da forma que atuaram, em conluio com a cessionária, para afastar o direito de preferência da Requerida, pois atenta a data constante da escritura de cessão, os cedentes posteriormente a tal momento temporal, continuaram a comportar-se como donos dos direito aos quinhões, negociando com a Requerida, e que o

património tem um valor avultadíssimo de mais de três milhões de euros, e por conseguinte inimaginável que algum DOA-SE tais bens a quem não conhecem, e num dos casos, sem qualquer ligação para futuro.

Porém, acrescenta, sobre esta panóplia argumentativa, o tribunal fez tabua rasa, não proferindo qualquer valoração, que seria devida após analisar os argumentos da Requerida, pelo que a sentença padece de nulidade, por falta

de fundamentação.

Ora, nos termos do art.º 615º, n.º 1, alínea b), do C. P. Civil, a sentença é nula quando: “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam

a decisão;

A causa de nulidade referida ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de

motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, C. R. P. e art.º. 154º, n.º 1, do C. P. Civil).

Como ensina Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 221: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas

(8)

e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de

nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”.

Também Lebre de Freitas, in C. P. Civil, pág. 297, sublinha que “há nulidade

quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.

E já o Professor Alberto dos Reis, in C. P. Civil, Anotado, Vol. V, pág. 140, lembrava que “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de

motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.

No caso concreto, é evidente não se detetar essa nulidade, visto que a decisão recorrida elenca o facto provado e enuncia os fundamentos de direito que justificam a decisão, mais concretamente a validade formal da transmissão dos quinhões hereditários decorrente dos documentos juntos aos autos, que

comprova que por escritura pública foram cedidos os quinhões hereditários dos citados herdeiros legitimários. E, por isso, e atento o disposto no art.º 356.º do Código de Processo Civil, julgou procedente a habilitação.

Portanto, a sentença não omite os fundamentos de facto nem os de direito. E ainda que se defendesse pela sua insuficiência, a referida nulidade estaria sempre excluída, pois como se deixou dito só ocorre essa nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a

indicação dos fundamentos de direito da decisão, “não a constituindo a mera

deficiência de fundamentação”.

Questão diversa será saber se assim podia decidir.

Mas essa concreta questão não se inscreve no âmbito das nulidades da sentença, tipificadas no citado art.º 615.º do C. P. Civil, em particular a da mencionada alínea b) do n.º 1.

Não se deteta, pois, a apontada nulidade. ***

2..2. Dos pressupostos da habilitação do adquirente do quinhão hereditário. O presente incidente de habilitação do adquirente dos quinhões hereditários dos herdeiros legitimários do falecido L…, no âmbito o processo de inventário apenso, instaurado pela recorrente na qualidade de herdeira testamentária da sua quota disponível, mostra-se regulado no art.º 356.º do C. P. Civil.

(9)

Trata-se de uma modificação subjetiva da instância, por ato entre vivos, na relação substantiva em litígio, como decorre do disposto na al. a) do art.º 262.º do C. P. Civil.

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26/02/2008, proc. n.º 0726574, disponível em www.dgsi.pt, “O incidente de habilitação de

adquirente ou cessionário visa, tão só, produzir modificação nos sujeitos da lide; produz, deste modo, efeitos de natureza meramente processual, ao nível das partes que se defrontam na lide, sem interferir com a discussão do direito que constitui o objeto da causa, tal como é configurado pelo pedido e pela causa de pedir”.

Resulta da alínea a) do art.º 356.º do C. P. Civil, que requerida a habilitação do aquirente do direito em litígio, para com ele prosseguir a causa, e junta prova da aquisição, será notificada a parte contrária para contestar; na contestação pode o notificado impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo.

E, havendo contestação, o requerente pode responder-lhe e em seguida, produzidas as provas necessárias, é proferida a decisão (alínea b) da citada disposição adjetiva).

Assim, compete ao contestante alegar factos concretos, objetivos, que, a provarem-se, demonstrem a invalidade do ato de transmissão, ou que ele ocorreu com o objetivo de lhe tornar mais difícil a sua posição na causa principal.

A este propósito ensina Alberto dos Reis, in CPC Anotado, Vol. I, pág. 605/606: “A parte contrária pode opor-se com dois fundamentos ou um deles: 1.º Ser

nula a cessão ou transmissão, quer pelo seu objeto, quer pela qualidade das pessoas que nela intervieram; 2.º Ter a transmissão ou cessão sido feita para tornar mais difícil a sua posição no processo.

E acrescenta: “se pode opor-se com fundamento de ser nula a transmissão, é claro que também pode opor-se com o fundamento de que não houve

transmissão legal.: Por outras palavras: se a nulidade intrínseca ou substancial

da transmissão é fundamento de oposição, é-o igualmente a nulidade extrínseca ou formal e com maioria de razão a inexistência da cessão ou transmissão”.

No que respeita á oposição fundada no propósito de tornar mais difícil a

posição da parte contrária, reveste o aspeto duma questão de facto, para cuja resolução pode haver necessidade de recolher provas – cfr. Alberto dos Reis,

ibidem.

Como sublinha Alberto dos Reis, in Comentário ao C.P.C., Vol. III, p. 79/80, pese embora, não haja, em princípio, perigo para a parte contrária em que o

(10)

adquirente tome no processo o lugar do transmitente, admite-se que em casos particulares a substituição do transmitente possa tornar a posição processual do seu adversário mais difícil e embaraçosa por ter de litigar com o adquirente em vez de litigar com o transmitente. Daí que a lei determine que a

substituição ou a habilitação deve ser recusada quando se entender que a

transmissão foi feita para tornar mais difícil no processo, a posição da parte contrária.

E acrescenta: “não basta demonstrar que, em consequência da substituição, se

agravará a posição da parte contrária, por ter de defrontar um adversário mais forte que o adquirente; é indispensável que se apure ter a transmissão sido feita para se obter esse resultado. Quer dizer, é necessário que o juiz adquira a convicção de que a transmissão obedeceu a um propósito malicioso: o de criar embaraço ao adversário de fazê-lo sucumbir” (Assim também se

pronunciam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC, Vol. I, 4.ª edição, pág. 523).

No mesmo sentido se expressou o Acórdão do tribunal da Relação de Évora, de 23/05/2013, proc. n.º 520/11.1TBPTM-C.E1 ( www.dgsi.pt): “ No incidente

de habilitação do adquirente ou cessionário (artº 376º do CPC) sendo apresentada pela parte contrária contestação com o fundamento de que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo não basta que em consequência da substituição se agrave a posição da parte contrária, é necessário que se alegue e prove que a transmissão foi feita para atingir esse resultado”.

Sobre os fundamentos invocados pela recorrente a Senhora Juíza considerou: “Foi deduzida oposição à habilitação, invocando a requerida que o negócio é «

nulo por simulação, já que o contrato de doação e destinou única e exclusivamente a encobrir uma compra e venda, com o intuito claro de prejudicar a contestante», visando «afastar o direito de preferência da contestante na aquisição dos quinhões hereditários».

Tal alegação (bem como o essencial da oposição) é manifestamente conclusiva/ especulativa, não contendo qualquer elemento de facto apto a fundar uma decisão sobre a matéria, razão pela qual a exceção é manifestamente improcedente”.

Ora, com o devido respeito, não podemos acompanhar esta interpretação. Com efeito, a recorrente na sua contestação alega que o adquirente

(sociedade) e os transmitentes do quinhão hereditário não quiseram celebrar qualquer contrato de doação, não quiseram transmitir gratuitamente esse direito, não foi essa a vontade real das partes, desde logo porque se trata de

(11)

avultado património e que seria inconcebível que alguém doasse tão elevado património, tanto mais que um dos cedentes não pertence à adquirente e não é titular de qualquer outro património, sendo certo que integra o quinhão hereditário um conjunto de imóveis, denominado de pedreiras, de onde toda a vida o seu pai retirou os proventos para sustentar, principescamente, a

família, tudo sem que possa esquecer que as ditas pedreiras, terão um valor superior a 3.000.000,00 €.

Esta posição que é perfeitamente sustentável e verosímil, tendo em conta as regras da experiência comum e as circunstâncias do negócio.

Com efeito, a recorrente sustenta na contestação que o negócio de

transmissão “ é nulo, por simulação, já que o contrato de doação se destinou única e exclusivamente, a encobrir uma compra e venda, com o intuito claro de prejudicar a contestante”.

E mais alegou que “Pretendem enganar a contestante, declarando uma doação que cria uma aparência de um direito, mas que se acha ferida pela divergência entre a vontade declarada e a vontade real, pois nunca os mencionados

cedentes, pretenderam ceder o quinhão e nunca o cessionário quis adquirir por doação o quinhão”.

Ora, o conceito jurídico de negócio simulado é-nos dado pelo art.º 240.º/1 do C. Civil, como o “acordo entre declarante e declaratário, no intuito de enganar terceiros, com divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante”.

E quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado – art.º 241.º/1 do C. Civil.

Partindo desta definição, a doutrina e a jurisprudência entendem serem três os elementos da simulação, a saber: divergência entre a vontade e a

declaração; intuito de enganar; e acordo simulatório ( pactum simulationis). Sobre a noção de simulação cita-se, pela sua clareza, as palavras de Galvão Telles, ob. cit. pág. 165, “a reserva mental pode ser comum às partes

contraentes, resultando de acordo entre elas, e então fala-se, propriamente, de simulação. Os estipulantes, mancomunados, criam a aparência de um contrato, que efetivamente não querem no seu conteúdo, pelo menos como dizem celebrá-lo. Faz-se um contrato mas

este é simulado, portanto meramente aparente; as partes fazem-no só para enganar ou, até, para prejudicar terceiros, não tendo a intenção de dar aos seus interesses a regulamentação jurídica que do ato se depreende; nenhuma querem ou querem outra diversa”

(12)

simulação é necessário que esta tenha sido feita com o intuito de enganar terceiros (animus decipiendi). Mas esta intenção não envolve necessariamente a de prejudicar ( animus nocendi). Se não houver intenção de prejudicar, a simulação designa-se por inocente; havendo, é designada de fraudulenta ( cf. Pais de Vasconcelos, ob. cit. pág. 520-521; Inocêncio Galvão Telles, ob. cit. pág. 165-167; Mota Pinto, ob. cit. pág. 466-468; Castro Mendes, Direito Civil, Teoria Geral, Vol. III, AAFDL, pág. 326-327; e Acórdão do STJ de 14/2/2008, Proc. 08B180, disponível em www.dgsi.pt).

E distinguem, ainda, os autores citados, a simulação absoluta da simulação

relativa, consoante as partes visem celebrar ou não outro negócio, o dissimulado.

Na verdade, se as partes celebram uma aparência de negócio jurídico, por conluio entre si, mas na realidade nada querem, estamos perante uma

simulação absoluta. Se, pelo contrário, as partes fingem celebrar um negócio

jurídico, mas a sua vontade real é a de quererem outro negócio diverso ou com

conteúdo distinto, estamos perante uma simulação relativa.

Na simulação absoluta, o negócio celebrado é pura e simplesmente nulo, nos termos do n.º2 do art.º 240.º do C. Civil. Na simulação relativa, o negócio dissimulado é, em regra, válido, exceto se não for observada a forma legalmente prevista para o negócio dissimulado (art.º 241.º).

Resta acrescentar que compete à parte que invoque a simulação fazer a prova dos respetivos elementos, por se tratar de facto constitutivo do seu direito – art.º 342.º/1 do C. Civil.

Portanto, a requerente alegou a simulação relativa do negócio e invocou a sua nulidade.

E mais alegou a recorrente que esse negócio, que apelida de simulado, para além de ser nulo, foi celebrado com a intenção de afastar o direito de

preferência da contestante, na aquisição dos quinhões hereditários.

Ora, o art.º 2130 do C. Civil confere aos co-herdeiros o direito de preferência nos termos em que esse direito assiste aos comproprietários, quando seja

vendido a estranhos um quinhão hereditário.

Assim, tratando-se de uma venda dos quinhões hereditários, e não doação (simulação relativa) é suscetível de prejudicar a posição processual da

recorrente, que intervém no inventário como herdeira da quota disponível do inventariado e, nessa qualidade, goza desse direito de preferência, o que não sucede no caso de negócio ser gratuito, como declarado pelas partes.

Porque a recorrente arrolou prova testemunhal não devia ter sido proferida, de imediato, decisão final do incidente, sem ter lugar a produção de prova arrolada para demonstrar o negócio simulado e consequente intenção de a prejudicar no exercício do direito de preferência nessa alienação, como se

(13)

prescreve na 1.ª parte da alínea b) do n.º1 do art.º 356.º do C. P. Civil. Resumindo, a decisão recorrida não pode ser mantida.

Procede, pois, a apelação.

Vencida no recurso, suportará a apelada as custas respetivas – art.º 527.º/1 do C. P. C.

***

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir com a produção de prova e posterior decisão.

Custas da apelação pela recorrida. Évora, 2021/02/25

Este Acórdão vai ser assinado digitalmente, pelos Juízes Desembargadores:

Tomé Ramião (Relator)

Francisco Xavier (1.º Adjunto)

Referências

Documentos relacionados

A sociedade local, informada dos acontecimentos relacionados à preservação do seu patrimônio e inteiramente mobilizada, atuou de forma organizada, expondo ao poder local e ao

Para além deste componente mais prático, a formação académica do 6º ano do MIM incluiu ainda disciplinas de cariz teórico, nomeadamente, a Unidade Curricular de

Os principais objectivos definidos foram a observação e realização dos procedimentos nas diferentes vertentes de atividade do cirurgião, aplicação correta da terminologia cirúrgica,

Como parte de uma composição musi- cal integral, o recorte pode ser feito de modo a ser reconheci- do como parte da composição (por exemplo, quando a trilha apresenta um intérprete

psicológicos, sociais e ambientais. Assim podemos observar que é de extrema importância a QV e a PS andarem juntas, pois não adianta ter uma meta de promoção de saúde se

Finally,  we  can  conclude  several  findings  from  our  research.  First,  productivity  is  the  most  important  determinant  for  internationalization  that 

libras ou pedagogia com especialização e proficiência em libras 40h 3 Imediato 0821FLET03 FLET Curso de Letras - Língua e Literatura Portuguesa. Estudos literários

Era de conhecimento de todos e as observações etnográficas dos viajantes, nas mais diversas regiões brasileiras, demonstraram largamente os cuidados e o apreço