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IX COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E ENGELS. GT 5 Relações de classe e lutas sociais. Investigando o precariado a partir de seus teóricos

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IX COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E ENGELS GT 5 – Relações de classe e lutas sociais

Investigando o precariado a partir de seus teóricos

Vinicius Tomaz Fernandes1

Introdução

A hegemonia keynesiana-fordista, que teve seu auge no período pós-guerra, encontrou sinais de esgotamento em finais da década de 1960 e início de 1970, sob a chamada crise estrutural do capital. Implicava, com isto, em uma consequente crise da cidadania salarial, abalando política e organizativamente a classe trabalhadora. No que diz respeito à conformação do proletariado, este processo é tratado como de metamorfose, heterogeneização, diversificação. Isto é, haveria um declínio da figura do operário-massa em prol de uma fragmentação no ser-de-classe dos trabalhadores.

Tomando tais considerações, poderíamos questionar: quais seriam os sentidos destas metamorfoses? Quais são os novos sujeitos desta classe em mutação? São perguntas longe de estarem plenamente respondidas no âmbito da sociologia, mas que já mobilizaram uma série de obras, debates e novos conceitos.

Apenas no que diz respeito ao debate sociológico brasileiro, poderíamos destacar quatro novos conceitos que, cada qual a sua forma, passam pelas questões acima citadas. Em primeiro lugar, a classe-que-vive-do-trabalho, cunhada por Antunes (2005) para se contrapor à não-classe de não-trabalhadores de André Gorz (1982), além de buscar conferir um sentido mais ampliado à compreensão clássica do proletariado como “operariado fabril”. Em segundo lugar, destacaríamos o conceito subproletariado de Singer (2012), desenvolvido como chave analítica de compreensão do período lulista. A seguir, o conceito batalhadores brasileiros, de matriz teórica mais próxima à

1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Política Social pela Universidade Federal do Espírito

Santo. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES). Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho e Práxis.

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weberiana, formulada por Souza (2012), que também busca a compreensão do Brasil recente. Por fim, chegamos ao precariado, desenvolvido de formas diversas, no Brasil, por Alves (2014) e Braga (2012).

É claro que o precariado não se limita à equação “precário + proletariado”, ele guarda consigo potencial explicativo. É sobre esse potencial, o precariado como chave analítica para compreender as metamorfoses da classe trabalhadora e o seu ser-de-classe na contemporaneidade, que nos debruçaremos. Para tanto, é imperativo investigar as origens do conceito, a fim de compreender o arcabouço teórico-metodológico que o sustenta para, posteriormente, concluir por sua pertinência analítica. O presente trabalho se configura, portanto, como síntese de resultados preliminares de uma pesquisa em andamento. Cabe-nos investigar o precariado a partir de seus teóricos, é sobre isso que trataremos a seguir.

Caminhos e descaminhos do precariado

Apesar da utilização em comum do termo – precariado – Alves e Braga conferem conteúdos bastante diversos. Para Alves (2012), em um de seus primeiros textos publicados sobre o tema, em conjunto com Fonseca, demonstra certa dubiedade no tratamento do conceito. Em um primeiro momento, compreende o precariado como uma camada oriunda do aumento da precariedade salarial, sendo “[...] uma parcela do proletariado, da grande massa „destituída de propriedade‟” (Alves, Fonseca, 2012, p. 31), compreensão que reafirma em seguida:

A crise social europeia levou, então, ao surgimento da camada social do precariado, expressão da nova pobreza social que expõe homens e mulheres à proletarização extrema. O precariado representa hoje o fenômeno universal da massa „destituída de propriedade‟ no capitalismo do século XXI com alto grau de desenvolvimento das forças produtivas (Alves, Fonseca, 2012, p. 32).

No entanto, no mesmo texto, os autores demonstram uma segunda compreensão, marcada pelo corte geracional. Tratar-se-ia de uma juventude que, não tendo acesso aos mesmos direitos da geração anterior, se coloca em antagonismo às camadas “privilegiadas” da classe trabalhadora: “a camada social do precariado tende a ser constituída por jovens que acabaram de ingressar no mercado de trabalho e

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caracteriza-se pela alta taxa de decaracteriza-semprego e pelos vínculos empregatícios precários” (Alves, Fonseca, 2012, p. 33).

Em seus trabalhos posteriores, Alves prosseguirá na compreensão de um precariado formado pela juventude, mas adicionando o componente da escolarização. Em suma, seriam jovens de alto grau de qualificação, que tem uma inserção no mercado de trabalho aquém de suas expectativas, definindo-o como: “[...] é a camada média do proletariado urbano constituída por jovens-adultos altamente escolarizados com inserção precária nas relações de trabalho e na vida social” (Alves, 2014, p. 189).

Existem distanciamentos e proximidades em relação à compreensão de Alves e Standing (2015). É certo que o primeiro tenta se diferenciar do segundo, principalmente quando toma o precariado como uma camada do proletariado, não como uma classe - como sugerira Standing. Por outro lado, Alves (2014) se aproxima quando destaca à oscilação política do precariado entre a extrema direita e a extrema esquerda, e também quando dá ênfase aos aspectos psicológicos de conformação do precariado (frustração, ansiedade, etc.). Por fim, é preciso destacar que Alves não fornece maiores pistas em relação à origem do conceito, limitando-se à referência em Standing (2015).

A abordagem de Braga, em seu livro A Política do Precariado (2012), por sua vez, é mais elaborada do ponto de vista conceitual. O autor se baseia na categoria marxiana superpopulação relativa, afastando, por um lado, a população pauperizada e o lumpemproletariado, por outro, apreendendo a população flutuante, latente e estagnada. Em suma, trata-se de conceber o precariado como proletariado precarizado.

Com isto, o autor também compreende o precariado não como uma classe independente, mas como parte integrante da classe trabalhadora e, ainda, tomando-o como produto do modo de produção capitalista e não como simples derivação da crise da sociedade salarial fordista, como sugerido por Castel (1998).

É Braga (2012) que nos concede maiores pistas que nos permitam traçar uma genealogia do precariado. O autor aponta que “Se no início dos anos 1990, essa noção popularizou-se entre sociólogos franceses a fim de descrever trabalhadores temporários, seu conteúdo político foi revelado apenas mais tarde” (Braga, 2012, p. 16).

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Por outro lado, em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, Braga afirma:

O conceito sociológico de precariado data dos anos 80. É uma expressão que surge na Itália, com o setor do movimento social autonomista, que começa a fazer uma análise de trabalho atípico. Tenta entender o porquê de as novas gerações, quando entram no mercado de trabalho, não encontrarem as mesmas políticas de bem-estar, sejam públicas ou privadas, que as gerações anteriores haviam experimentado, em especial no tocante à estabilidade. As novas gerações na Itália estavam situadas num mercado de trabalho com mais instabilidade, uma trajetória sócio-ocupacional entrecortada por períodos de desemprego, mais ou menos longos, ou de subemprego (Braga, s/d).

Por hora, guardaremos as pistas deixadas por Braga: o conceito precariado tem origem nos anos 80, na Itália, e é posteriormente recepcionado e desenvolvido pelos sociólogos franceses, já na década de 90. Passemos à Standing.

Standing é marco referencial obrigatório para nossa discussão, já que pode ser considerado o grande responsável pela retomada do conceito de precariado na ocasião da publicação de O Precariado: a nova classe perigosa (2015). Já nos debruçamos sobre os fundamentos teórico-metodológicos desse autor em outra oportunidade (Fernandes, 2017), sendo suficiente apontar que, para o autor, o precariado é produto direto das políticas neoliberais, que flexibilizaram as legislações trabalhistas e precarizaram o mundo do trabalho. Tomado como uma classe social à parte do proletariado, o precariado se desenvolve em antagonismo ao velho e tradicional movimento sindical.

O autor também fornece preciosas pistas sobre a origem do conceito. Segundo ele: “O termo descritivo „precariado‟ foi usado pela primeira vez pelos sociólogos franceses nos anos 1980, para descrever os trabalhadores temporários ou sazonais” (Standing, 2013, p. 26).

Retomemos: Braga (2012) e Standing (2015) fornecem diferentes localizações sobre a origem do termo. Enquanto o segundo aponta que ela nasce na sociologia francesa, o primeiro afirma que ela teria sido tomada de empréstimo pelos sociólogos franceses, mas que a origem caberia ao movimento sindical italiano. A versão de Braga é confirmada por Richard Seymour: “[...] foi cunhada por sindicalistas italianos e

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circulou entre organizações trabalhistas francesas antes de ser adotada por Guy Standing” (Seymour, 2012, tradução nossa2

).

Existem dois aspectos a serem destacados nas considerações de Seymour (2012). O primeiro deles, e o qual já deixamos claro desde o início do presente trabalho: não foi Standing o criador do termo. Mas a reafirmação de Seymour é oportuna, ainda que Standing tenha os méritos da retomada e popularização do termo, muitos dos trabalhos sobre o tema tratam Standing como seu criador, o que é um equívoco. O segundo aspecto é mais sutil, Seymour dá destaque à circulação do termo nas organizações trabalhistas francesas e não propriamente à sociologia francesa, sugerindo que a adoção por parte dos intelectuais teria se dado à posteriori de sua utilização entre os trabalhadores.

Seguindo a diante, no livro Precariado ou Proletariado? o mexicano Adrián Sotelo Valencia, citando Miguel Vidal3, fornece novas pistas:

Desde finais dos anos noventa, o grupo do Precari Nati – nascidos precários – elabora um discurso militante sobre il precariato. Em dezembro de 2006, a fundação Friedrich Ebert utilizou o termo

Prekariat em seu estudo Gegellshaft in Reformprozess (Sociedade em

processo de reforma). No âmbito acadêmico, o sociólogo Robert Castel estudou o fenômeno précariat no livro Les Métamorphoses de

la question sociale e em obras posteriores. As referências abundam

nestes últimos anos em alemão, espanhol, francês, inglês, italiano e português, tanto na imprensa em geral quanto nos meios acadêmicos e profissionais. (Vidal apud Valencia, 2016, p. 124).

Investigando a organização política mencionada – Precari Nati – descobrimos que se trata de um agrupamento fundado em 1996 e que organizou uma revista de debates políticos denominada Senza Censura, cujo lançamento foi realizado em fevereiro de 2000, acumulando trinta e nove volumes até seu fechamento em outubro de 2013. O termo precariato aparecerá pela primeira vez no terceiro volume (outubro de 2000), em dois artigos: i) Sullo scipero del 30 giugno dei lavoratori delle cooperative social; ii) Considerazioni preliminari sull’agire di classe a inizio millennio.

2 “[...] was coined by Italian trade unionists and circulated among French labour organisations before being adopted by Guy Standing” (SEYMOUR, 2012).

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Apesar da citação ser atribuída à Miguel Vidal, quando conferidas as fontes, o texto aparece como tendo sido escrito por Luis Gonzáles.

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Em síntese, o agrupamento trata como sinônimos os termos precari (precários) e precariato (precariado), mas realizando apontamentos importantes que ainda são presentes no debate contemporâneo: a) a identificação dos precários como aqueles trabalhadores vinculados a trabalho atípicos, sem direitos e desempregados, atingidos frontalmente pela flexibilização; b) o precariado como sujeito difuso, com dificuldades de ser organizado via movimento sindical tradicional. Não existem maiores apontamentos sobre de onde a organização se referencia na utilização do termo.

Ainda que se trate de uma organização trabalhista italiana e seja, até o presente momento, a mais antiga fonte onde o termo é encontrado de forma explícita, é uma organização do final da década de 1990 e não da década de 1980 como apontou Braga (2012), indicando que, apesar de termos avançado na genealogia, ela ainda não se encontra completa.

Considerações finais

Não devemos tornar a busca pela origem do termo um fim em si mesmo, é claro. Mesmo que mero mapeamento da gênese do precariado enquanto termo já fosse uma tarefa louvável, mas o que objetivamos é reconstruir o seu desenvolvimento conceitual a fim de apreender os fundamentos teórico-metodológicos que fornece substância, ainda que compreendamos que é possível toma-lo a partir de matrizes epistemológicas diversas.

Ou seja, seria possível identificarmos, hoje, uma miríade de autores que fazem uso do conceito precariado, mas que, no entanto, utilizam cada qual com uma compreensão distinta sob um mesmo nome, nesse sentido, a dispersão de entendimentos contribui mais para obnubilar do que fornecer respostas às questões contemporâneas. É fundamental, com isso, observarmos o desenvolvimento conceitual do precariado desde a sua origem enquanto termo, para que possamos averiguar sua pertinência como chave analítica para compreensão das metamorfoses da classe trabalhadora.

Sua utilização está longe de ser um consenso no seio do próprio marxismo, como é o caso da análise de Valencia (2016) que sustenta a vigência do proletariado em detrimento da utilização do precariado mesmo que esse fosse concebido como uma

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camada daquele. Por outro lado, como é o caso dos já citados Alves (2014) e Braga (2012), é crescente o quantitativo de trabalhos que buscam observar o precariado há luz do materialismo histórico. Cientes das dimensões das questões que se colocam e de nossas limitações perante a elas, é neste sentido que buscamos fornecer contribuições.

Referências bibliográficas:

ALVES, Giovanni. Trabalho e neodesenvolvimentismo: choque de capitalismo e nova degradação do trabalho no Brasil. Bauru : Canal6, 2014.

ALVES, Giovanni; FONSECA, Dora. Trabalhadores precários: o exemplo emblemático de Portugal. Margem Esquerda, n 18, 2012, pp. 31-37.

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 10. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2005.

________. Os Sentidos do Trabalho. 2ª Ed. São Paulo: Boitempo, 2009.

BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo, 2012.

___________. Exploração e desemprego definem precariado. O Estado de São Paulo, s/d. Entrevista concedida a Amanda Pupo e Lauriberto Pompeu. Disponível em: <http://infograficos.estadao.com.br/focas/planeje-sua-vida/exploracao-e-desemprego-definem-precariado-diz-sociologo-ruy-braga>.

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1998.

FERNANDES, Vinicius. Precariado e renda básica: notas analíticas a partir de Guy Standing. Anais do V Encontro Internacional de Política Social, 2017. v. 1. p. 1-15.

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GORZ, André. Adeus ao proletariado: para além do socialismo. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.

PRECARI NATI. Considerazioni preliminar sull‟agire di classe a inizio millennio.

Senza Censura, n 3, 2000. Disponível em:

<http://www.senzacensura.org/public/rivista/sc00_0315.htm>.

___________. Sullo sciopero del 30 giugno dei lavoratori dele cooperative social.

Senza Censura, n 3, 2000. Disponível em

<http://www.senzacensura.org/public/rivista/sc00_0316.htm>.

SEYMOUR, Richard. We Are All Precarious: On the Concept of the „Precariat‟ and Its

Misuses. New Left Project, 2012. Disponível em

<http://www.newleftproject.org/index.php/site/article_comments/we_are_all_precarious _on_the_concept_of_the_precariat_and_its_misuses>.

SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

SOUZA, Jessé. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? 2ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.

STANDING, Guy. O precariado: a nova classe periogosa. 1ª Ed. 2ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.

Referências

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