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VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS, ESPAÇO TANGENTE E FIBRADOS TENSORIAIS

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Academic year: 2021

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VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS, ESPAÇO TANGENTE E FIBRADOS TENSORIAIS

FRANCISCO CARLOS CARAMELLO JUNIOR

Sumário 1. Introdução 1 2. Variedades Suaves 1 3. Funções Suaves 3 4. Espaços Tangentes 4 5. Fibrado Tangente 6 6. O Fibrado Cotangente 7 7. Tensores 8 8. Tópicos Recentes 11 1. Introdução

Variedades aparecem em praticamente todas as áreas da matemática, sendo gene-ralizações de curvas e superfícies para mais dimensões que provêm contexto matemá-tico para o conceito de “espaço” em quase todas as suas manifestações. Atualmente as ferramentas e a linguagem da teoria das variedades são também amplamente uti-lizadas nos ramos aplicados, desde a física à genética, passando pela computação gráfica, robótica e estatística. Nestas notas veremos uma introdução à estes objetos e construções básicas associadas a eles, como seus espaços tangentes e fibrados ten-soriais. Assumimos que o leitor esteja familiarizado com os principais conceitos da topologia geral, da álgebra linear e da análise em Rn.

2. Variedades Suaves

Grosso modo, uma variedade é um espaço que localmente se parece muito com o espaço euclideano Rn, mas que globalmente pode ser bastante diferente. Isso quer

dizer, em particular, que em geral não existe um sistema de coordenadas global em uma variedade, e as definições de objetos naturais nesta não devem, portanto, depender de uma escolha particular de coordenadas. Este conceito é capturado formalmente com a definição de um atlas diferenciável: Seja (M, τ ) um espaço topo-lógico. Um atlas diferenciável (de classe Ck ou de classe C) de dimensão n sobre

M é uma família A de homeomorfismos, denominados cartas, ϕλ : Uλ → eUλ ⊂ Rn,

λ ∈ Γ, com eUλ abertos, sendo que

(1) M =S

λ∈ΓUλ,

(2) Para λ, µ ∈ Γ verificando Uλµ = Uλ∩ Uµ6= ∅, a mudança de carta

(2)

é um difeomorfismo (de classe Ck ou de classe C). Neste caso dizemos que as

cartas (Uλ, ϕλ) e (Uµ, ϕµ) são compatíveis.

Um atlas diferenciável A em uma variedade M é maximal quando toda carta (U, ϕ) compatível com todas as cartas pertencentes a A também pertence a A. Quando um atlas diferenciável A sobre M é de classe C∞, também chamamos A de atlas suave. Com este conceito, já podemos definir as variedades diferenciáveis: Definição 2.1. Uma variedade diferenciável (de classe Ck ou de classe C∞) de dimensão n é uma tripla (M, τ, A), onde (M, τ ) é um espaço topológico de Hausdorff com base enumerável e A é um atlas diferenciável (de classe Ck ou de classe C∞) maximal de dimensão n sobre M . É comum também nos referirmos a um atlas maximal em M como uma estrutura suave para M . Por vezes, quando não for essencial, omitiremos menção à τ e ao atlas A.

As condições de M ser Hausdorff e com base enumerável fornecem, como vere-mos, várias vantagens técnicas (por exemplo, citamos a priori que neste caso M é paracompacto). Nos ateremos aqui ao caso suave, isto é, nossas variedades serão sempre de classe C∞. Tudo o que fizermos pode ser adaptado, porém a classes de diferenciabilidade mais baixa, desde que suficiente. Ressaltamos que variedades de classe C0 são em geral chamadas de variedades topológicas e diferem substanci-almente das variedades diferenciáveis, uma vez que não é possível utilizar a análise em seu estudo.

A hipótese do atlas de uma variedade suave ser maximal é apenas um artifício téc-nico conveniente, sendo que qualquer atlas suave pode ser “completado” a um útéc-nico atlas maximal, simplesmente adicionando-se todas as possíveis cartas compatíveis: Proposição 2.2. Seja (M, A, τ ) uma variedade suave. Então existe um único atlas suave maximal sobre M que contém A.

Vejamos alguns exemplos.

Exemplo 2.3. O conjunto Rn é uma variedade suave quando munido com o atlas canônico A = {(Rn, IRn)}, onde I

Rn é a função identidade em R

n. Mais geralmente,

qualquer espaço vetorial E de dimensão finita n, por ser isomorfo a Rn após a escolha de uma base ordenada, é também uma variedade suave com a topologia e o atlas induzidos pelo isomorfismo. Além disso, é fácil ver que a estrutura suave assim definida é independente da escolha da base (isto é, bases diferentes induzem cartas compatíveis), em essência pelo fato da mudança de cartas neste caso ser um isomorfismo linear. Em particular, segue que o espaço Mm×n(R) das matrizes

m × n com entradas reais é uma variedade suave de dimensão mn. Analogamente, Mm×n(C) é um espaço vetorial real de dimensão 2mn, logo, uma variedade suave

de dimensão 2mn.

Exemplo 2.4. Consideremos

Sn = {x ∈ Rn+1 | kxk = 1}

a n-esfera munida com a topologia induzida de Rn+1 (portanto de Hausdorff e com

base enumerável). Sejam, para i = 1, . . . , n + 1,

Ui+ = {(x1, . . . , xn+1) ∈ Sn | xi > 0},

Ui− = {(x1, . . . , xn+1) ∈ Sn | xi < 0},

(3)

e seja f : Bn

1(0) → R a função f (u) =p1 − kuk2. Então, para cada i, Ui+∩ Sn é o

gráfico da função

xi = f (x1, . . . ,xbi, . . . , xn+1),

ondexbi indica que xi é omitido. Analogamente, Ui−∩ Sn é o gráfico da função

xi = −f (x1, . . . ,xbi, . . . , xn+1). Consideremos ϕ±i : Ui±→ Bn(0, 1) dada por

ϕ±i (x1, . . . , xn+1) = (x1, . . . ,xbi, . . . , xn+1). Se i, j ∈ {1, . . . , n + 1}, temos ϕ±i ◦ ϕ±j −1 (x1, . . . , xn) =    (x1, . . . , b xi, . . . , ±p1 − kxk2, . . . , xn) se i < j, (x1, . . . , ±p1 − kxk2, . . . , b xi, . . . , xn) se i > j, idBn(0,1)(x1, . . . , xn) se i = j.

Em qualquer caso, vemos que ϕ±i ◦ ϕ±j−1

é difeomorfismo C∞, portanto a cole-ção {(Ui±, ϕi)} é um atlas suave para Sn, que portanto é uma variedade suave de

dimensão n.

Exemplo 2.5. Sejam M1, . . . , Mk variedades suaves de dimensão n1, . . . , nk

res-pectivamente. O produto M1 × · · · × Mk é um espaço de Hausdorff e com base

enumerável, pois cada fator o é. Dado qualquer ponto (p1, . . . , pk) ∈ M1× · · · × Mk,

escolha uma carta (Ui, ϕi) para cada Mi com pi ∈ Ui. A aplicação

ϕ1× · · · × ϕk: U1× · · · × Uk → Rn1+···+nk

é então um homeomorfismo sobre sua imagem, e quaisquer duas destas aplicações são compatíveis pois

(ψ1× · · · × ψk) ◦ (ϕ1× · · · × ϕk)−1 = (ψ1◦ ϕ−11 ) × · · · × (ψk◦ ϕ−1k )

é claramente um difeomorfismo. Isso define uma estrutura natural de variedade suave em M1× · · · × Mk, de dimensão n1. . . nk.

Em particular, segue que o n-toro Tn = S1× · · · × S1 é variedade suave.

Citamos aqui que exite uma generalização da noção de variedade suave que per-mite que variedades tenham um “bordo”. Essencialmente, a diferença é que, ao invés de ser localmente modelada no espaço euclideano, uma tal variedade é modelada em Hn = {(x1, . . . , xn) ∈ Rn | xn ≥ 0}, sendo que a face {(x1, . . . , xn) ∈ Rn | xn = 0}

corresponde aos pontos do bordo. Estes objetos surgem naturalmente em vários contextos e têm um papel importantíssimo na teoria de integração em variedades. Para mantermos a clareza da exposição, vamos trabalhar apenas com variedades sem bordo, mas ressaltamos que todas as construções que vamos fazer se aplicam também, mutatis mutandis, àquelas com bordo.

3. Funções Suaves

A primeira construção que faremos será transportar a noção de aplicação suave à aplicações entre variedades, estendendo esse importante conceito da análise: sejam (M, τ, A) e (N, τ0, A0) duas variedades suaves e f : M → N uma aplicação. Dizemos que f é suave em p ∈ M se existem cartas (U, ϕ) ∈ A e (V, ψ) ∈ A0 tais que

(1) p ∈ U , (2) f (U ) ⊂ V ,

(4)

(3) fϕψ = ψ ◦ f ◦ ϕ−1 : eU → eV é suave.

Quando f é suave em todos os pontos dizemos simplesmente que f é uma aplica-ção suave. O espaço vetorial de todas as funções suaves de M em R será denotado por C∞(M ). Assim como na análise no Rn, funções suaves são automaticamente

contínuas. A classe de todas as variedades suaves munida com esta noção de mor-fismo forma uma categoria, como mostra a proposição a seguir:

Proposição 3.1. Sejam M , N e P variedades suaves, f : M → N e g : N → P funções suaves. Então a função g ◦ f : M → P é suave.

Demonstração. Como g é suave, existem cartas (V, θ) e (W, ψ) tais que f (p) ∈ V , g(f (p)) ∈ W , g(V ) ⊂ W e ψ ◦ g ◦ θ−1; θ(V ) → ψ(W ) é suave. Como f é contínua, f−1(V ) é uma vizinhança aberta de p em M , logo existe uma carta (U, ϕ) tal que p ∈ U ⊂ f−1(V ) e temos θ ◦ f ◦ ϕ−1 : ϕ(U ) → θ(V ) suave.

Temos então que g◦f (U ) ⊂ g(V ) ⊂ W e ψ◦(g◦f )◦ϕ−1 = (ψ◦g◦θ−1)◦(θ◦f ◦ϕ−1) : ϕ(U ) → ψ(W ) é suave por ser uma composição de funções suaves.  Naturalmente, um difeomorfismo entre duas variedades suaves M , N é uma bijeção suave f : M → N tal que f−1 : N → M é suave.

4. Espaços Tangentes

Embora tenhamos uma noção clara de o que é um plano tangente a uma superfície suave em R3, a definição de variedade não admite, a priori, que M seja subespaço

de algum espaço euclideano de dimensão maior. Para podermos falar de vetores tangentes a uma variedade, vamos precisar de uma caracterização para vetores di-ferente da usual. De fato, vamos identificar um vetor com um operador diferencial, que corresponde à derivada direcional na direção do vetor em questão.

O espaço tangente geométrico a Rn em um ponto a é o conjunto Rna = {a} × R

n

= {(a, v) | v ∈ Rn}.

Denotamos um elemento em Rna por va ou v|a. Munido com as operações naturais

va+ wa= (v + w)a e c(va) = (cv)a, Rna possui estrutura de espaço vetorial real. Todo

vetor tangente geométrico va ∈ Rna fornece uma aplicação Dv|a : C∞(Rn) → R tal

que Dv|af = Dvf (a) = d dt t=0 f (a + tv). Essa aplicação é linear e satisfaz a regra do produto

Dv|a(f g) = f (a)Dv|a(g) + g(a)Dv|a(f ).

Se va =Pni=1viei|a, com (ei) a base canônica, Dv|af pode ser escrita como

Dv|af = n X i=1 vi∂f ∂xi(a).

Por outro lado, seja a ∈ Rn. Uma aplicação linear X : C∞(Rn) → R é uma derivação em a se satisfaz a regra de produto X(gf ) = f (a)X(g) + g(a)X(f ). Seja Ta(Rn) o conjunto de todas as derivações de C∞(Rn) em a. Munido das operações

(X + Y )(f ) = X(f ) + Y (f ) e (c · X)(f ) = c(X(f )), verifica-se facilmente que (Ta(Rn), +, ·, R) é também um espaço vetorial. De fato, temos o seguinte:

Proposição 4.1. A aplicação va 7→ Dv|a é um isomorfismo de Rna em Ta(Rn).

(5)

Segue daí que as n derivações ∂x∂i

a = Dei|aformam uma base de Ta(R

n) e portanto

dim(Ta(Rn)) = n.

O breve estudo de Ta(Rn) acima nos indica um modo de definir vetores tangentes

a uma variedade: Seja M uma variedade suave e p ∈ M . Uma aplicação linear X : C∞(M ) → R é uma derivação em p se satisfaz

X(f g) = f (p)X(g) + g(p)X(f ),

para quaisquer f, g ∈ C∞(M ). O espaço vetorial TpM de todas as derivações de

C∞(M ) em p é dito espaço tangente a M em p e um elemento de TpM é chamado

de vetor tangente em p.

Apesar de envolver funções definidas na variedade toda, a construção de TpM é

local, no sentido de depender de M apenas numa vizinhança de p.

Podemos agora transportar para o contexto de variedades a idéia de diferencial de uma aplicação. Sejam M e N variedades suaves e F : M → N uma função suave. Para cada p ∈ M definimos a diferencial dFp : TpM → TF (p)N de F em p por

dFp(X)(f ) = X(f ◦ F ),

onde f ∈ C∞(N ). O operador dFp(X) claramente é linear (X é linear) e é uma

derivação em F (p) pois

(dFp(X))(f g) = X(f g ◦ F )

= X((f ◦ F )(g ◦ F ))

= f ◦ F (p)X(g ◦ F ) + g ◦ F (p)X(f ◦ F ) = f (F (p))(dFp(X))(g) + g(F (p))(dFp(X))(f ).

A diferencial de uma aplicação goza de propriedades análogas àquelas para apli-cações entre espaços euclideanos:

Proposição 4.2. Sejam M , N e P variedades suaves, F : M → N e G : N → P funções suaves e p ∈ M . Então:

(1) dFp : TpM → Tf (p)N é linear,

(2) d(G ◦ F )p = dGF (p)◦ dFp : TpM → TG◦F (p)P ,

(3) d(idM)p = idTpM : TpM → TpM ,

(4) Se F é um difeomorfismo, então dFp : TpM → Tf (p)N é um isomorfismo.

Seja (U, ϕ) uma carta de M . Note que ϕ é, em particular, um difeomorfismo de U em um aberto eU ⊂ Rn, portanto dϕp : TpM → Tϕ(p)Rn é um isomorfismo. Segue

então que os vetores

∂ ∂xi p = (ϕ−1)∗ ∂ ∂xi ϕ(p) !

formam uma base de TpM . Exploraremos agora como a diferencial se expressa em

coordenadas, com relação a esta base. Consideremos primeiramente o caso particular de uma aplicação suave F : U ⊂ Rn → V ⊂ Rm, U e V abertos. Se (xi) denotam

(6)

computar a ação de dF em um vetor da base como segue: dFp ∂ ∂xi p ! g = ∂ ∂xi p (g ◦ F ) = m X j=1 ∂g ∂yj(F (p)) ∂Fj ∂xi (p) = m X j=1 ∂Fj ∂xi(p) ∂ ∂yj F (p) ! g, portanto dFp ∂ ∂xi p = m X j=1 ∂Fj ∂xi(p) ∂ ∂yj F (p) . Em outras palavras, a matriz de dFp nas bases canônicas é

      ∂F1 ∂x1 . . . ∂F1 ∂xn .. . . .. ... ∂Fm ∂x1 . . . ∂Fm ∂xn       , a matriz Jacobiana de F .

Considerando agora o caso geral de uma função suave F : M → N entre variedades suaves, se (U, ϕ) é carta de M com p ∈ U e (V, ψ) carta de N com f (p) ∈ V , obtemos a representação em coordenadas

b

F = ψ ◦ F ◦ ϕ : ϕ(U ∩ F−1(V )) → ψ(V ).

Pelos cálculos acima, d bF , é representada nas bases canônicas pela Jacobiana de b F . Como F ◦ ϕ−1 = ψ−1◦ bF , temos dFp ∂ ∂xi p = dFp (ϕ−1)∗ ∂ ∂xi ϕ(p) ! = (ψ−1)∗ Fb∗ ∂ ∂xi ϕ(p) ! = (ψ−1)∗ m X j=1 ∂ bFj ∂xi(p)b ∂ ∂yj b F (ϕ(p)) ! = m X j=1 ∂ bFj ∂xi(p)b ∂ ∂yj F (p) . Portanto dF fica representada pela matriz Jacobiana da representação de F em coordenadas. Isso mostra que as definições que escolhemos para vetores tangentes e diferenciais de aplicações estendem as usuais de maneira compatível.

5. Fibrado Tangente

Definimos o fibrado tangente de de uma variedade suave M como a união disjunta T M = G

p∈M

TpM.

Denotamos um elemento de T M por (p, X), com p ∈ M e X ∈ TpM , e por π :

T M → M a projeção natural dada por π(p, X) = p. Um fato fundamental é que o fibrado tangente T M admite uma estrutura suave natural com a qual este é uma variedade de dimensão 2n e π : T M → M é suave. Esta estrutura é induzida da

(7)

estrutura de M como segue: dada (U, ϕ) uma carta de M , sejam (x1, . . . , xn) as

funções de coordenadas de ϕ. Então ϕ : πe −1(U ) → R2n dada por

e ϕ n X i=1 vi ∂ ∂xi p ! = (x1(p), . . . , xn(p), v1, . . . , vn) é uma carta de T M .

Podemos, portanto, falar sobre aplicações suaves em T M . Em particular, uma seção de T M é uma aplicação X : M → T M que satisfaz π ◦ X = idM. Isso garante

que X associa p ∈ M a um elemento da fibra π−1(p) = TpM ⊂ T M . Faz sentido,

então, que chamemos uma seção suave de T M de um campo de vetores em M . Apesar de todas as construções abstratas envolvidas, intuitivamente pensamos num campo de vetores em M como setas tangentes associadas a cada ponto de M . É claro que se Y : M → T M é uma seção e (U, (xi)) é uma carta de M , podemos

escrever o valor de Y em cada ponto p ∈ U como Yp = X i Yi(p) ∂ ∂xi p .

É fácil verificar que Y é um campo de vetores (isto é, Y é suave) se e somente se as funções componentes Yi : U → R são suaves.

Exemplo 5.1. Se (U, (xi)) é uma carta de M ,

p 7−→ ∂ ∂xi p

define um campo de vetores em U , chamado de campo de vetores da i-ésima coor-denada.

6. O Fibrado Cotangente

A fim de motivar os assuntos que abordaremos nas seções seguintes, vejamos a construção do fibrado cotangente T∗M de uma variedade. A construção é inteira-mente similar à de T M , com a única diferença que tomamos os duais dos espaços tangentes, considerando a união disjunta

T∗M = G

p∈M

Tp∗M.

Dadas coordenadas locais (xi) em U ⊂ M , denotamos a base de Tp∗M dual a (∂/∂xi|

p) por (λi|p). Isso define n seções λ1, . . . , λn : U → T∗M , chamadas campos

de covetores de coordenadas.

Como no caso do fibrado tangente, o fibrado cotangente T∗M admite também uma estrutura suave natural que o torna uma variedade suave de dimensão 2n. Com esta estrutura, π e os campos de covetores de coordenadas são suaves. Coordenadas locais de M também fornecem coordenadas locais de T∗M dadas por

X

i

ξiλi|p 7−→ (x1(p), . . . , xn(p), ξ1, . . . , ξp).

É claro, dizemos que uma seção suave de T∗M é um campo suave de covetores em M .

(8)

Vejamos uma aplicação desta construção. Identificando um vetor tangente a R com um número real via o isomorfismo Ra ' R, podemos interpretar a diferencial

de f como o campo de covetores dado por dfp(X) = Xf,

para todo X ∈ TpM . Vejamos como df fica representado em coordenadas. Seja

U ⊂ M um aberto, (xi) as funções de coordenadas em U e (λi) as coordenadas duais

a (xi), ou seja, λi(xj) = δi

j. Escrevendo df em coordenadas como dfp =PiAi(p)λi|p,

Ai : U → R, a definição de df implica Ai(p) = dfp ∂ ∂xi p ! = ∂ ∂xi p f = ∂f ∂xi(p),

(em particular, isso mostra que df é suave) e nos fornece

(1) dfp = X i ∂f ∂xi(p)λ i| p.

Ou seja, as funções componentes de df com relação à uma carta de coordenadas são as derivadas parciais de f com relação àquelas coordenadas. Nesse sentido, podemos pensar em df como um análogo ao clássico gradiente de uma função, em uma forma que não depende de coordenadas.

Tomando f na equação (1) como sendo uma das funções de coordenadas xj : U → R, obtemos dxj|p = X i ∂xj ∂xi(p)λ i| p = X i δijλi|p = λj|p,

isto é, o campo de covetores de coordenadas λi nada mais é que dxi. Logo, (1) pode ser reescrita como

dfp = X i ∂f ∂xi(p) dx i| p,

ou, ainda, como uma equação entre campos de covetores: df = X

i

∂f ∂xi dx

i.

Em particular, se M tem dimensão 1, temos df = df

dx dx.

Recuperamos, assim, a clássica expressão para a diferencial de uma função. A partir de agora usaremos a notação (dxi) no lugar de (λi).

7. Tensores

Sejam V1, . . . , Vk e G espaços vetoriais reais. Relembremos que uma aplicação

f : V1× · · · × Vk → G é k-multilinear quando, para cada i,

f (v1, . . . , αvi+ βyi, . . . , vk) = αf (v1, . . . , vi, . . . , vk) + βf (v1, . . . , yi, . . . , vk),

(9)

Denotaremos o conjunto das aplicações k-lineares f : V1 × · · · × Vk → G por

L(V1, . . . , Vk; G). Definimos a soma e o produto por escalar em L(V1, . . . , Vk; G)

respectivamente por

(f + g)(v1, . . . , vk) = f (v1, . . . , vk) + g(v1, . . . , vk),

(λf )(v1, . . . , vk) = λf (v1, . . . , vk),

com as quais L(V1, . . . , Vk; G) torna-se um espaço vetorial. No caso especial em

que G = R, denotaremos L(V1, . . . , Vk; R) por V1∗ ⊗ · · · ⊗ V ∗

k e chamaremos um

elemento deste espaço de k-tensor, o leitor entenderá o motivo desta notação com as construções que faremos a seguir.

Exemplo 7.1. Algumas aplicações multilineares familiares são o produto escalar h·, ·i em Rn

, o produto vetorial × em R3 e o determinante, quando encaramos uma matriz n × n como uma n-upla de vetores coluna.

Para f ∈ V1∗ ⊗ · · · ⊗ V∗ k e g ∈ W ∗ 1 ⊗ · · · ⊗ W ∗ l , o produto tensorial f ⊗ g ∈ V1∗⊗ · · · ⊗ V∗ k ⊗ W ∗ 1 ⊗ · · · ⊗ Wl∗ é dado por f ⊗ g(v1, . . . , vk, w1, . . . , wk) = f (v1, . . . , vk)g(w1, . . . , wk).

Suponha que dim(Vi) = ni e que (e (i) 1 , . . . , e

(i)

ni) é uma base de Vi, com base dual

(ε1(i), . . . , εni

(i)). É possível demonstrar que uma base V ∗ 1 ⊗ · · · ⊗ Vk∗ é dada por n εi1 (1)⊗ · · · ⊗ ε ik (k) | 1 ≤ i1 ≤ n1, . . . , 1 ≤ ik ≤ nk o .

Embora esta notação seja carregada, a ideia é simples: uma base para o espaço das funções multilineares é formada por todas as possíveis combinações de produtos tensorias de elementos das bases duais (isto é, covetores básicos).

Definiremos o produto tensorial dos espaços vetoriais V1, . . . , Vk por

L(V∗ 1, . . . , V ∗ k; R) = V ∗∗ 1 ⊗ · · · ⊗ V ∗∗ k .

Como Vi∗∗' Vi canonicamente, denotaremos simplesmente V1∗∗⊗ · · · ⊗ V ∗∗

k = V1⊗

· · · ⊗ Vk. Quando todos os Vi são cópias do mesmo espaço V , denotaremos ainda

V ⊗ · · · ⊗ V =O

k

V.

Advertimos o leitor de que é possível definir o produto tensorial de espaços veto-riais de maneira abstrata, via uma propriedade algébrica categórica. No entanto, esta construção conduz a espaços isomorfos aos dados pela definição adotada aqui, portanto nossa estratégia configura um atalho conveniente. Ademais, estamos mais interessados no caso de produtos tensoriais de espaços duais, ou seja, exatamente o caso que definimos explicitamente como espaços de aplicações multilineares.

Exemplo 7.2. Note que, se (dx1, . . . , dxn) é a base dual canônica de Rn, podemos

expressar o produto interno usual por h·, ·i =

n

X

i=1

dxi⊗ dxi.

Embora simples, o exemplo acima mostra por que estamos interessados em tenso-res. Queremos obter uma maneira de transportar construções e objetos da álgebra linear, como por exemplo a ideia de produto interno, à categoria das variedades. Já vimos como fazer isso para vetores e covetores quando construímos os fibrados

(10)

T M e T∗M . A ideia agora segue na mesma linha: os objetos análogos, no con-texto de variedades, àqueles da álgebra multilinear serão seções suaves de fibrados apropriados.

Seja M uma variedade suave sem bordo. Definimos o fibrado k-tensorial covari-ante de M como k O M = G p∈M k O TpM.

Similarmente, definimos o fibrado l-tensorial contravariante de M e o fibrado (k, l)-tensorial misto de M como

O l M = G p∈M O l TpM, k O l M = G p∈M k O l TpM.

Os nomes “covariante” e “contravariante” remetem ao comportamento destes objetos quanto à mudança de coordenadas. Perceba que os fibrados tangente e cotangente são casos especiais de fibrados tensoriais: N

1M = T M e

N1

M = T∗M . Fo-caremos nosso estudo em Nk

M por simplicidade, mas tudo o que vamos fazer também se aplica aos outros casos. Assim como vimos para T M e T∗M , o con-junto Nk

M também é naturalmente uma variedade suave de dimensão n + nk,

com cartas induzidas das cartas de M como segue: para (U, ϕ) uma carta de M , sejam (xi) as funções coordenadas de ϕ e (dx1, . . . , dxn) os campos de covetores de coordenadas induzidos. Como vimos acima, uma base de Nk

TpM , p ∈ U é dada

por {dxi1 ⊗ · · · ⊗ dxik | 1 ≤ i

1 ≤ n1, . . . , 1 ≤ ik ≤ nk}, portanto qualquer elemento

ξ ∈Nk TpM , se escreve como ξ = n X i1,...,ik=1 ξi1...ikdx i1 ⊗ · · · ⊗ dxik. A carta de Nk

M induzida por ϕ é então ϕ : πe −1(U ) → Rn+nk dada por e

ϕ(p, ξ) = (x1(p), . . . , xn(p), ξ1...1(p), . . . , ξ1...n(p), . . . , ξn...1(p), . . . , ξn...n(p)).

Uma seção de Nk

M é uma aplicação ξ : M → Nk

M tal que π ◦ ξ = idM e

uma seção suave deNk

M é um campo de k-tensores covariantes. Similarmente, definimos campos de l-tesores contravariantes e campos de (k, l)-tensores mistos como seções suaves deN

lM e

Nk

l M , respectivamente.

Exemplo 7.3. Relembrando o Exemplo 7.2, podemos agora “transportar” a noção de produto interno à variedades suaves: este objeto leva o nome de métrica rieman-niana. Uma mátrica riemanniana em uma variedade M é um campo de 2-tensores covariantes g simétrico, isto é, g(X, Y ) = g(Y, X) para quaisquer X, Y ∈ TpM ,

p ∈ M , e positivo-definido, isto é, g(X, X) ≥ 0 para qualquer X ∈ TpM , p ∈ M .

Note, portanto, que g restrito a cada espaço tangente TpM define um produto

in-terno neste espaço. O fato da métrica ser uma seção suave de Nk

M formaliza a noção de estes produtos internos variarem suavemente com p.

Quando munida de uma métrica riemanniana g, M é dita uma variedade rie-manniana. A partir desta estrutura é possível, como fazemos em espaços vetoriais com produto interno, medir ângulos e comprimentos de vetores tangentes, o que em particular dá também uma noção de comprimento de curvas em M .

(11)

Exemplo 7.4. Outra classe bastante importante de campos de k-tensores são as chamadas formas diferenciais. Uma k-forma diferencial é um campo ω de k-tensores covariantes alternados, isto é, que satisfaz

ω(X1, . . . , Xi, . . . , Xj, . . . , Xk) = −ω(X1, . . . , Xj, . . . , Xi, . . . , Xk)

para quaisquer X1, . . . , Xk ∈ TpM , p ∈ M . Tais objetos capturam algebricamente

a noção de volume k-dimensional de forma intrínseca e, por essa razão, podem ser integrados de maneira independente de coordenadas. A teoria de integração em variedades, com formas diferenciais sendo os integrandos, unifica e generaliza vários teoremas do Cálculo sob uma mesma linguagem, como por exemplo o Teorema Fundamental do Cálculo e os teoremas de Green, Gauss e Stokes, que neste contexto ficam todos resumidos na expressão concisa e elegante

Z M dω = Z ∂M ω. 8. Tópicos Recentes

A definição moderna de variedades diferenciáveis aparece primeiro no artigo “dif-ferentiable manifolds” (Annals of Mathematics 37, 1936) de H. Whitney, no qual ele demonstra seu famoso resultado do mergulho, que afirma que qualquer variedade de dimensão n pode ser realizada como uma subvariedade de R2n. Embora a teoria

já seja madura, ainda existem questões fundamentais em aberto que são objeto de pesquisa recente.

Um exemplo notável é a solução da conjectura de Poincaré pelo matemático russo G. Perelman. A conjectura, posta por Poincaré no começo do século XX, afirma que qualquer variedade tridimensional simplesmente conexa é homeomorfa à esfera S3. A solução de Perelman aparece numa série de três e-prints publicados no re-positório arXiv em 2002 e se dá através do estudo do fluxo de Ricci. Em essência, mune-se uma 3-variedade qualquer de uma métrica riemanniana g0 (isso sempre é

possível), e deforma-se tal métrica usando o fluxo de Ricci, dado por uma equação diferencial envolvendo g0 cujas soluções parametrizam a deformação em métricas gt,

de maneira que (M, gt) seja mais compreensível. O fluxo de Ricci tende, em geral, a

“arredondar” a variedade, assim, esperando-se terminar em uma esfera. Uma etapa crucial do trabalho é a cirurgia, que trata dos casos em que este comportamento de arredondamento não ocorre. Perelman mostra que é possível livrar-se de tais sin-gularidades “cortando-se” (um número finito de vezes) a variedade em suas partes problemáticas, “colando-se” bolas fechadas B3 no lugar dos cortes e continuando o fluxo. Obtém-se assim, para t grande, uma união disjunta de esferas e conclui-se que a variedade original M é homeomorfa à soma conexa de tais esferas, portanto também uma esfera.

Por incrível que pareça, a conjectura de Poincaré generalizada para dimensões n maiores já havia sido demonstrada anteriormente. Em suma isso foi possível pois as dimensões extras dão liberdade para que uma construção, conhecida por “Whit-ney Trick” (ou “truque de Whit“Whit-ney”, que também se relaciona com cirurgias), seja aplicada. S. Smale em seu artigo “Generalized Poincaré’s conjecture in dimensions greater than four” (Annals of Mathematics 74, 1961), fazendo uso destas construções, demonstrou a conjectura para n ≥ 5. M. Freedmann demonstrou a conjectura para n = 4 em 1981, no artigo “The topology of four-dimensional manifolds” (Journal of Differential Geometry, 17).

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A importância da solução da conjectura de Poincaré é que ela auxilia na busca por uma classificação das 3-variedades. Neste sentido, e esse é outro tópico recente relevante, Perelman também demonstrou a conjectura de Thurston, que classifica ge-ometricamente as 3-variedades (de fato, a conjectura de Poincaré é uma decorrência desta). Por seus trabalhos ele recebeu (e recusou) a medalha Fields em 2006.

Outra questão relevante, que inclusive se relaciona com a anterior, é a de quantas estruturas diferenciáveis distintas uma variedade M admite. Isto é, é possível munir um mesmo espaço M com dois atlas diferenciáveis incompatíveis entre si? Um exemplo simples consiste em comparar (R, id) (ou seja, com a estrutura usual) e (R, ϕ), sendo ϕ : R → R a carta ϕ(x) = x3. Como a inversa ϕ−1(x) = √3x, vemos

que tais estruturas são incompatíveis. Porém, as variedades (R, id) e (R, ϕ) são ainda difeomorfas. Como exemplo mais elaborado, é possível demonstrar que R4 admite

infinitas estruturas suaves incompatíveis e não difeomorfas entre si, os chamados R4

exóticos. Os primeiros exemplos também devidos a Freedman, na década de 80. Outra pergunta natural acerca disso consiste em transferir a própria conjectura de Poincaré (generalizada) para a categoria diferenciável. Isto é, uma n-variedade simplesmente conexa é difeomorfa à esfera? A resposta, neste caso, é negativa: contraexemplos (em vista da conjectura topológica) envolvendo esferas exóticas, isto é, com estruturas suaves não difeomorfas. Neste sentido, um significativo avanço recente parece no trabalho de Wang e Xu “On the uniqueness of the smooth structure of the 61-sphere” (2017, ainda em versão preprint no arXiv) no qual se estabelece que as únicas esferas de dimensão ímpar com estruturas suaves únicas são S1, S3, S5 e S61.

Referências

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