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QUILOMBO: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA COMUNIDADE RURAL SÃO JOAQUIM DE PAULO NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA/BA

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Nº 4, volume 10, artigo nº 6, Outubro/Dezembro 2015 D.O.I: http://dx.doi.org/10.6020/1679-9844/v10n4a6

ISSN: 16799844 - InterSciencePlace - Revista Científica Internacional Páginas 107 de 206

QUILOMBO: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA

COMUNIDADE RURAL SÃO JOAQUIM DE PAULO NO

MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA/BA

QUILOMBO: THE PROCESS OF RURAL COMMUNITY

TRAINING SAO PAULO JOAQUIM IN VITÓRIA DA

CONQUISTA/BA OF MUNICIPALITY

Tânia Maria Rodrigues da Rocha1, Ana Elizabeth Santos Alves2, Luciana Araújo dos Reis3

1

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/ Programa de Pós-graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, Vitória da Conquista, Bahia, Brasil.

tanrr_projetos@hotmail.com.

2

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/ Programa de Pós-graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, Vitória da Conquista, Bahia, Brasil.

ana_alves183@hotmail.com.

3

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/ Programa de Pós-graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, Vitória da Conquista, Bahia, Brasil.

lucianauesb@yahoo.com.br.

Resumo - O presente tem por objetivo descrever o processo de formação da comunidade rural São Joaquim de Paulo no município de Vitória da Conquista/BA a partir dos testemunhos orais dos membros da comunidade. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa com a técnica de construção da história oral por meio de depoimentos. O local de realização do estudo foi a Comunidade Remanescente de Quilombo São Joaquim de Paulo. Trabalhou-se com membros da comunidade e um o professor pesquisador, sendo a amostra do estudo composta por seis sujeitos. Como recurso para a coleta de dados foi utilizado a roda de conversa e aplicação de entrevista, sendo os dados analisados por meio

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da análise de conteúdo de Bardin. A formação Comunidade Remanescente de Quilombo São Joaquim de Paulo trouxe para o povo negro membro desta comunidade o significado de liberdade, pois a relação social construída a partir de uma vida coletiva entre homens e mulheres regidos pelos mesmos propósitos sociais configurou-se numa identidade étnica movida por um sentimento de pertença, levando um comprometimento com o outro, e na partilha da terra. Esse povo buscou estabelecer e valorizar as condições de enquadramento na categoria de remanescentes de quilombo.

Palavras-chave: Quilombo, Povo Negro, Formação.

Abstract - This aims to describe the process of education of the rural community of San Joaquin Paul in Vitoria da Conquista municipality/BA from the oral testimonies of community members. This is a qualitative study with the construction technique of oral history through testimonies. The location of the study was the Remnant Quilombo Community of San Joaquin Paul. Worked with community members and the research professor, and the study sample consists of six subjects. As a resource for data collection was used the conversation wheel and interview, and the data analyzed using Bardin's content analysis. The Community Remaining training Quilombo São Joaquim de Paul brought the Negro people a member of this community the meaning of freedom, because the social relationship built from a collective life of men and women governed by the same social purposes was configured in a moved ethnic identity by a sense of belonging, taking a commitment to each other, and sharing the land. These people tried to establish and enhance the framework conditions in the category of quilombo remnants.

Keywords: Quilombo, Black People, Training.

1. Introdução

Em meio a um processo de revoluções políticas e tecnológicas decorrentes da revolução industrial no século XIX, emergiram-se novas frentes de lutas sociais, inclusive à quebra dos vínculos coloniais pondo fim a escravidão, pois já não era mais bem vista no mundo (LEITE, 2008).

Deste modo, a indústria fez substituir a mão-de-obra escrava por trabalhadores livres, ampliando o mercado consumidor. Assim, a Inglaterra, induziu aos demais países do mundo a adotarem o seu modelo de comércio, que permitiria a escoação de seus produtos para novos compradores. Segundo Cação e Rezende Filho (2011) o sistema de exploração escravagista tornou-se obsoleto em favor de

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novos valores impressos pelo capitalismo tanto pela Revolução Francesa como pela Revolução Industrial, resultando em criação de novas técnicas de exploração.

Durante o regime escravista no Brasil, houve um forte movimento de resistências e revoltas por parte dos escravizados que lutaram e se organizaram de diferente modo, uma forma de combater o regime escravista, nos quais, esses escravos eram subjugados, e assim que surgiram os quilombos e se estenderam por todo o território brasileiro onde havia escravos. Desta forma Gomes (1996, p.41) completa:

Os negros escravizados procuraram sempre que puderam resistir à opressão a eles imposta no interior dos complexos mundos da escravidão. Buscavam nas diversas formas de enfrentamento – nas quais incluíam agenciamentos e percepções políticas com significados próprios - conquistar aquilo que concebiam como liberdade.

De fato, no Brasil a escravidão só chegou ao fim três décadas após o fim da escravidão na Inglaterra, em 1888. Um processo lento que perdurou todo o século XIX, e se consolidou como direito constitucional. Mesmo após o fim da escravidão, não houve nenhum projeto de reintegração dos ex-escravos na condição de cidadãos livres, no sentido de integrar na sociedade brasileira, especificamente na estrutura ocupacional de trabalho. Segundo Mamberti (2008, p.60) o processo de libertação dos escravos no Brasil não foi capaz de eliminar a exploração e a condição subumana:

O que ocorreu, na realidade, foi que os quase 800 mil negros existentes no país naquele momento, ao serem libertos foram jogados na mais terrível miséria, não tendo recebido do governo sua cidadania, tampouco sua ascensão social. Isto relativizou a liberdade dada aos escravos, fazendo com que eles permanecem à margem da sociedade, praticamente sem oportunidade de trabalho e emprego.

Diante deste contexto histórico, o processo de formação de quilombo no Brasil iniciou no período colonial, anos após o aparecimento do tráfico de africanos para o Brasil nos meados do século XVI. Durante os séculos XVI a XIX veio um maior contingente de cativos da África para o Brasil, que por sua vez, submeteram-se a várias ocupações de trabalhos forçados. De acordo Paiva (2012, p.91) ingressou um maior contingente de escravos no Brasil devido ao desenvolvimento

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da economia brasileira:

Durante o século XVIII, a entrada de escravos africanos no Brasil aumentou muito devido, principalmente, ao ouro e aos diamantes encontrados em várias partes do interior do território, sobretudo na grande área que, mais tarde, seria transformada na capitania das Minas Gerais. O desenvolvimento da economia, diversificando-se, e das sociedades a partir daí pressionou ainda mais a necessidade de mão de obra. A demanda por braço escravo foi, então, multiplicada e apenas uma parte dela foi suprida pela importação de africanos. A outra parte, cada vez mais intensamente com o avançar das décadas, foi contemplada com escravos crioulos, mestiços [...].

Ressalva-se que, o quilombo no Brasil representa um marco de luta contra a dominação colonial, sendo oriundo da resistência de um povo negro que lutou pela liberdade e em busca dos seus direitos que foram negados. Deste modo, o quilombo foi formado por negros fugitivos, mas negros libertos até mesmo indígenas e brancos com problema na justiça que se refugiaram em lugares de difícil acesso adentravam nas matas, escondiam e se organizavam em coletivo, formando núcleos agrícolas, constituindo famílias e cultivando suas crenças e culturas. Além disso, outros grupos de negros também se agrupavam aos arredores de engenhos, fazendas e cidades formando quilombos. Leite (2000, p.333) afirma que:

O quilombo constitui questão relevante desde os primeiros focos de resistência dos africanos ao escravismo colonial, reaparece no Brasil/república com a Frente Negra Brasileira (1930/40) e retorna à cena política no final dos anos 70, durante a redemocratização do país. Trata-se, portanto, de uma questão persistente, tendo na atualidade importante dimensão na luta dos afrodescendentes.

Convém observar que, muitos dos antigos quilombos, hoje são as chamadas comunidades rurais negras, por estarem inseridas no contexto das comunidades de

povos tradicionais. Estas comunidades passam por um processo de

reconhecimento, nas quais, ao serem analisadas são referenciadas pelos aspectos étnicos, culturais, antropológicos e históricos. Segundo a Fundação Cultural Palmares1, em 2013, existiam 2.408 comunidades rurais certificadas como remanescentes de quilombos em todos os estados brasileiros.

1

Fundação Cultural Palmares foi criada pelo Governo Federal em 1988, vinculada ao Ministério da Cultura, a qual tem a função de servir de apoio à ascensão social da população negra.

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Para tanto, o referente conceito de quilombo tem trazido algumas discussões no campo jurídico, histórico e antropológico, nos quais, foram atribuídas várias ressignificações da palavra quilombo, que norteou a ideia de apresentar um quadro amplo de várias possibilidades interpretativas predominantemente para efeito de sua aplicabilidade. Segundo Arruti (2008), a disputa entre antropólogos e historiadores está em torno de como o plano analítico conecta-se com os planos político e normativo. Neste sentido, uma visão sintética da definição de quilombo deveria ser oferecida, e não uma construção problemática:

Tomemos aquele que nos é oferecido em um documento do extinto Grupo de Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Ele nos será estratégico por uma série de razões que serão abordadas em seguida. O documento inicia reconhecendo que “ainda que tenha um conteúdo histórico, o [termo „quilombo‟] vem sendo ressemantizado” pela literatura especializada e pelas entidades da sociedade civil que trabalhavam junto aos “segmentos negros em diferentes contextos e regiões do Brasil”. Partindo de uma definição negativa – eles não se referem a resíduos, não são isolados, não têm sempre origem em movimentos de rebeldia, não se definem pelo número de membros, não fazem uma apropriação individual da terra – o documento propõe que os quilombos sejam tomados como “grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar”, cuja identidade se define por “uma referência histórica comum, construída a partir de vivências e valores partilhados”. (ARRUTI, 2008, p.103).

Em se tratando desta discussão, o conceito e o significado do que seria quilombo, Reis (1996, p. 332) comenta:

Predomina a visão do quilombo que o coloca isolado no alto da serra, formado por centenas de escravos fugidos que se uniam para reconstruir uma vida africana em liberdade, ou seja, prevalece uma concepção “palmarina” do quilombo enquanto sociedade alternativa. Um grande número de quilombos, talvez a maioria, não foi assim. Os fugitivos eram poucos, se estabeleciam próximos a povoações, fazendas, engenhos, lavras, às vezes nas imediações de importantes centros urbanos, e mantinham relações ora conflituosas, ora amistosas, com diferentes membros da sociedade envolvente.

Alguns autores combatem a visão construída do termo quilombo como lugar de isolamento, mundo natural e selvagem. Gerando uma descrição de quilombo marginalmente fora da produção, do trabalho e do mercado. Com isso, influenciando toda uma vertente empirista de interpretação. Segundo Gomes (1995, p.197): “combate a visão, por muito tempo predomina na historiografia, de que os quilombos eram agrupamentos marginais ao mundo da escravidão, de que praticavam a política do isolamento, numa tentativa de reconstruir pequenas Áfricas como

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alternativas ao ambiente opressivo das senzalas”.

A conceituação de quilombo referente ao documento elaborado pela Associação Brasileira de Antropologia – ABA ampliou a visão do fenômeno referido e conferiu uma maior pertinência em relação aos pleitos já formulados, De acordo com Leite (2000, p. 341):

Em Outubro de 1994, reuniu-se o Grupo de Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais para elaborar um conceito de “remanescente de quilombo”. O documento procurou desfazer os equívocos referente à suposta condição remanescente, ao afirmar que “contemporaneamente, portanto, o termo não se referia a resíduos arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica”. Tratava-se de desfazer a ideia de isolamento e de população homogênea ou como decorrente de processos insurrecionais. O documento posicionava-se criticamente em relação a uma visão estática do quilombo, evidenciando seu aspecto contemporâneo, organizacional, relacional e dinâmico, bem como a variabilidade das experiências capazes de serem amplamente abarcadas pela ressemantização do quilombo na atualidade. Ou seja, mais do que uma realidade inequívoca, o quilombo deveria ser pensado como um conceito que abarca uma experiência historicamente situada na formação social brasileira.

Nessa perspectiva, Arruti (2006, p.96) também corrobora na definição de quilombo generalizando as suas características, definindo descritivamente seu caráter normativo:

Ruralidade, forma camponesa, terra de uso comum, apossamento secular, adequação a critérios ecológicos de preservação de recursos, presença de conflitos e antagonismos vividos pelo grupo e, finalmente, mas não exclusivamente, uma mobilização política definida em termos de auto-identificação quilombola.

Assim, a partir do dispositivo legal da Constituição Federal de 1988, cujo artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, tornou-se direitos territoriais aos remanescentes das comunidades de quilombos, prevendo o reconhecimento da propriedade das terras. Tal artigo é regulamentado pelo decreto 4.887/2003, que normatizou os “procedimentos para a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos”.

Nesta perspectiva, o presente tem por objetivo descrever o processo de formação da comunidade rural São Joaquim de Paulo no município de Vitória da Conquista/BA a partir dos testemunhos orais dos membros da comunidade.

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2. Metodologia

2.1 Natureza do estudo

A metodologia utilizada para o desenvolvimento desse estudo consistiu de abordagem qualitativa com a técnica de construção da história oral por meio de depoimentos.

2.2 Local do estudo

O local de realização do estudo foi a Comunidade Remanescente de Quilombo São Joaquim de Paulo, assim denominada, se configura como um espaço social identitário de um território de afrodescendente. Localizada na zona rural, no povoado de Capinal, a 15 km do município de Vitória da Conquista - Bahia. Além disto, possui uma população de 750 pessoas em 176 famílias formada por cerca de 30% de mulheres, 20% de homens, 20% de jovens, 25% de crianças e entre os 5% de idosos, dos quais 3,73% refere-se às mulheres negras idosas, que vivem em uma área com cerca de 1.000 hectares (CAR, 2011).

Figura 1. Mapa do perímetro da Comunidade Remanescente de Quilombo São Joaquim de Paulo no

Município de Vitória da Conquista – BA, 2014.

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2.3 Sujeitos do estudo

Trabalhou-se com membros da comunidade e um o professor pesquisador, sendo a amostra do estudo composta por seis sujeitos. Os membros da comunidade foram escolhidos por serem os mais antigos da comunidade, descendentes de escravos, nascidos e criados na comunidade, sendo que entre eles, dois são considerados guardiões desta comunidade.

O professor pesquisador foi escolhido por apresentar um notório saber no campo da historiografia de Vitoria da Conquista, contribuindo de maneira inequívoca, na defesa dos direitos da propriedade das terras da comunidade São Joaquim de Paulo.

2.4 Recursos utilizados para coleta dos dados

Foi realizada uma roda de conversa com os moradores mais antigos que se identificavam, como negros e descendentes de escravos, nascidos e criados na Comunidade Remanescente de Quilombo São Joaquim de Paulo.

A roda de conversa constitui uma técnica de coleta de dados em que as pessoas são expostas em circulo e por meio de perguntas disparadoras feitas pelo pesquisador e que possibilita um diálogo direcionado à temática da pesquisa. Nesse caso, com a realização da roda de conversa, as pessoas puderam expressar espontaneamente suas opiniões e vivências, rememorando as suas histórias, e a história da comunidade, e, sobretudo, ouvindo a história do outro. Assim, houve uma troca de informações bastante produtiva. A opção metodológica pela realização de roda de conversa nesse primeiro encontro possibilitou a emergência de narrativas mais claras e coesas que, consequentemente, resultou em um material rico para análise.

Além da roda de conversa, para complementar a historia da comunidade, foi realizada uma entrevista com o advogado, professor e pesquisador de notório saber no campo da historiografia de Vitoria da Conquista, que contribuiu de maneira inequívoca, segundo os moradores, na defesa dos direitos da propriedade das terras da Comunidade Remanescente de Quilombo São Joaquim de Paulo na década de

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1970. A entrevista, foi de caráter semi-estrutural, seguindo um roteiro de perguntas que contemplava as questões norteadoras da pesquisa, de modo a explorar e direcionar para o desvelamento do objeto de estudo.

2.5 Procedimentos de coleta de dados

A roda de conversa foi previamente agendada com os membros da comunidade e realizada na própria comunidade ambiente tranquilo, sem interrupções, utilizando sempre uma linguagem acessível para o entendimento do que estava proposto, sendo a conversa gravada por meio de gravador eletrônico. A entrevista também ocorreu em horário agendado com o professor pesquisador, sendo gravada.

2.6 Tratamento dos dados

Os dados foram analisados à luz da análise de conteúdo conforme o modelo de Bardin, que deu forma a uma nova “imagem” do objeto, seguindo as três etapas básicas de análises: pré-análise, descrição analítica e interpretação inferencial. Vale ressaltar que, o desenvolvimento proposto nos procedimentos metodológicos de investigação aconteceu de forma simultânea, num movimento de idas e vindas, próprio de uma pesquisa de abordagem qualitativa.

A etapa inicial da pesquisa refere-se à pré-análise, equivale à organização do material da pesquisa, desde o levantamento do material bibliográfico até a determinação do conjunto de dados a ser analisado (BARDIN, 2007). Essa primeira etapa operacional consistiu na pesquisa exploratória sobre a temática com a finalidade de subsidiar o estudo e envolveu: leituras e levantamento bibliográfico e aproximação com o campo empírico.

A priori, as categorias surgiram a partir do objeto da pesquisa, definidas e conceituadas por meio dos referenciais teóricos e utilizadas para análises dos dados coletados. O método de Bardin (2007), a etapa de descrição analítica, não se limitou ao conteúdo das entrevistas, mas ao significado dos sentidos manifestos nos relatos das mulheres entrevistadas, com a finalidade de interpreta-las e apreender o que

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estava nas entrelinhas, nas mudanças de entonação de voz e expressões faciais durante o encontro com a pesquisadora, contudo, buscando os vestígios do fenômeno.

Para Bardin, a terceira etapa constitui a interpretação inferencial, onde os resultados são obtidos a partir da análise da mensagem do emissor, que serve de indicação para identificação dos códigos, que representam o significado do que foi dito (BARDIN, 2007).

A conversa de roda e a entrevista foram gravadas e transcritas, teve-se o cuidado de classificá-las, agrupando-as conforme as semelhanças dos conteúdos temáticos que emergiam, não desprezando nenhuma informação e nem uma interferência. Após esse processo foram realizadas as leituras das transcrições minuciosamente, verificando se as respostas das entrevistas estavam de acordo com os objetivos propostos e com as categorias de análises.

Paulatinamente, as entrevistas foram codificadas de forma sistemática, identificando os elementos da amostra das entrevistas que seriam analisados, agrupando-os em subcategorias, explicadas nas análises dos resultados e aprofundamentos das categorias de análises.

Essa última etapa, refere-se à interpretação inferencial, que foi realizada por meio da exploração dos significados expressos nas entrevistas, deduzindo de maneira lógica para compreender o sentido das mensagens. Na análise de conteúdo as narrativas é o meio de expressão do sujeito, onde a pesquisadora busca categorizar as unidades de texto (palavras, frases) que se repetem, inferindo uma expressão que as representem. A intepretação foi realizada a partir das categorias de análises e com embasamento na fundamentação teórica.

3. Resultados obtidos

As narrativas dos testemunhos, moradores mais antigos são entrelaçadas com suas histórias pessoais e do grupo, suas experiências dão visibilidade aos elementos que se expressam nos seus costumes, tradições e crenças, constituindo a história das mulheres negras idosas da Comunidade Remanescente de Quilombo

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São Joaquim de Paulo. Segundo os relatos, de um morador mais antigo, a formação da Comunidade teve origem na ocupação de terras por ex-escravos no século XIX, mesmo num período pós-abolicionista. Como afirma Tanajura (1992), os senhores latifundiários não viam a liberdade dos escravos com bons olhos, pois representava prejuízos econômicos, gerando aversões, consequentemente com o fim da escravidão, propiciou a formação de quilombos como símbolo da resistência.

As lembranças da ocupação da terra estão presentes na memória dos mais velhos moradores da comunidade que contam o que se sabe sobre o primeiro habitante Paulo Salgado, popularmente conhecido por Paulo Preto, que por sua vez, fugiu do sertão baiano, no início do século XIX, e migrou para Imperial Vila da Conquista atual Vitória da Conquista. Assim, um dos moradores mais antigos da comunidade, com nome fictício Cravo descendente de Paulo Salgado, relata a trajetória de Paulo Salgado:

Paulo Preto natural de Caetité, fugindo de lá da fome, da sede e do chicote, aí ele migrou no mundo a fora e chegando aqui nesta terra ainda em formação, ele deu de cara com conflitos de duas famílias rivais, apelidadas de Meletes e Peduro. Paulo Preto que era também um dos negros servidor de um daqueles senhores, ele não nasceu com a sina de ser bobo, ele achou que devia migrar mais um pouquinho, chamou seus companheiros oriundos de Caetité e adentrou nas matas desta nossa região, em busca de terra fértil, água potável e alimento e chegando aqui encontraram tudo que precisavam [...] Montaram aqui um acampamento e começaram a desenvolver a cultura agrícola, aí uma vez sentindo bem neste lugar, sem briga, sem problema, sem senhores. Voltou com muita dificuldade na terra de sua origem e apanhou familiares, tanto o pessoal dele, tanto dos seus companheiros (CRAVO, entrevista realizada em 14 de janeiro de 2014).

Outro testemunho, vulgo Jacinto, advogado que lutou em defesa dos direitos da propriedade das terras dessa comunidade, se combina com outros membros da comunidade ao mencionar sobre a pessoa de Paulo Preto, fundador da comunidade São Joaquim de Paulo:

[...] Já havia alguns pretos na área, população de afrodescendente e consta que um deles era Paulo Preto que teria sido proprietário de uma boa parte daquela terra, esse Paulo Preto ou Paulo Rico como também chamado Paulo Salgado foi um homem de origem negra que possuía uma grande propriedade como latifundiário daqui, emprestava dinheiro a juro, era homem que vivia de agiotagem, não se sabe bem a origem da riqueza dele, se foi ajudado por Capitão Antônio Ferraz de Araújo ou se por qualquer trabalho ou outro motivo. Ele gozava de uma proteção muito grande do Capitão que era um homem muito rico, fazendeiro que tinha muitas

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ISSN: 16799844 - InterSciencePlace - Revista Científica Internacional Páginas 118 de 206 propriedades urbanas e rurais, inclusive nessa região de Conquista e Barra do Choça (JACINTO, entrevista realizada em 28 de janeiro de 2014).

Nesse contexto, até a década de 1980, os moradores dessa comunidade passaram por disputas e conflitos na luta contra a posse das terras entre os fazendeiros vizinhos, que sofreram as diversas formas de violências praticadas por esses latifundiários e ameaças de invasão de suas terras que foram ocupadas pelos seus antepassados. Assim, afirma Cravo:

[...] Não tinha o dono pra distribuir documentos, parcelar e comercializar a terra. Na época que Paulo Salgado chegou aqui, isso aqui, era um mundão sem dono, o único dono era Deus. Com o golpe de 64, eu me esqueci o nome da lei de uma tal medição, aqueles colonizadores que tinham o dinheiro e podiam pagar para o governo federal, então pagando a medição era dono da propriedade. Nós, os nossos descendentes como não tínhamos, assim, baixa renda, sempre fomos baixa renda, é, se a gente era descendente de escravos como era que a gente ia ter dinheiro! E aquela medição não tinha uma lógica humanitária que viesse a respeitar as pequenas propriedades (CRAVO, entrevista realizada em 14 de janeiro de 2014).

Na entrevista com Lírio (agrônomo), que foi responsável pelo mapeamento das comunidades do território de Vitória da Conquista para serem reconhecidas como comunidades remanescentes de quilombo no meado da década de 1990. Segundo ele as terras naquela época do século XIX eram devolutas, assim procede no seu depoimento:

Paulo Preto chegou a uma região que tinha muita água e muita mata, só que essas terras aqui era terras devolutas, terras do Estado. Alguns fazendeiros ao longo do tempo foram invadindo as terras, foram tomando, comprando e muitos fazendeiros tinham a posse da terra, a escritura. Ninguém sabe a origem dessas escrituras! Como as terras naquela época eram devolutas, eles poderiam medir a quantidade de terras e diziam que eram suas, isso poderia fazer naquela época. Então, muitas pessoas demarcaram as terras e Paulo Preto poderia ter marcado 150 alqueires de terras e poderia dizer que era sua, mas só que não tinha recurso para poder cercar, teria de marcar e cercar. Foi à oportunidade para pessoas que vinham de fora, acabou tomando conta do território (LÍRIO, entrevista realizada em 12 de setembro de 2014).

Na década de 1970, os moradores da comunidade de São Joaquim de Paulo foram orientados a reivindicar na justiça a posse de suas terras, e sucessivamente por luta política, buscando o reconhecimento e conquista de direitos territoriais.

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Neste relato, Cravo descreve:

Através da Diocese de Vitória da Conquista, com ajuda de um grupo de padres italianos e do advogado Dr. Ruy Medeiros, nos ajudou a educar, catequisar esse povo aqui. “Fomos contemplados com aquele trabalho da Igreja dos direitos humanos”, e aí aprendemos coisas boas e a gente começou a dizer não a determinadas questões que era ações, a nós oferecidos por parte dos senhores [...] (CRAVO, entrevista realizada em 14 de janeiro de 2014).

Sobre a posse das terras, Jacinto (advogado) ainda acrescenta em seu depoimento:

Quando eu comecei a trabalhar (processo) em defesa do pessoal que hoje constitui aquela comunidade quilombola, a terra formalmente era de propriedade de Osvaldina Santos Silva e outra parte do irmão dela Odilon, que afirmavam haver adquirido por herança dos pais. Porém, o que se percebe que antes deles, os irmãos estarem com o imóvel registrado em seu nome, o pessoal já residia ali. Então, a gente começou a brigar para que eles não saíssem dali, era muito difícil tirar o pessoal, porque a prova da antiguidade deles na área estava patente, eles já tinham direitos do usucapião pelo código civil que se contava por 15 anos (JACINTO, entrevista em 28 de janeiro de 2014).

A partir de 1996, a comunidade São Joaquim de Paulo se caracterizou como remanescente de quilombo, quando atestou mediante a auto definição, conforme descrito no Art. 68 da Constituição Federal de 1988, que reconheceu direitos territoriais aos “remanescentes das comunidades dos quilombos”. Esse reconhecimento garantiu a titulação definitiva pelo Estado Brasileiro e sendo ainda considerado pela Fundação Cultural de Palmares patrimônio imaterial relativo à herança da população escravizada. Mas somente a partir do ano de 2006 que a comunidade recebeu a certidão de auto-reconhecimento através da Fundação Cultural de Palmares. Segundo relato do morador a iniciativa:

Partiu da Prefeitura de Vitória da Conquista, mas sendo uma determinação do governo federal reconhecer as terras quilombolas. Foi no ano de 1996, a nossa carta de auto reconhecimento, lá numa forma coletiva, em conjunto com a Comunidade Paneleiros. Foi festa, passamos o dia em lazer, nós cantávamos até 01:40 da madrugada. (CRAVO, entrevista realizada em 28 de janeiro de 2014)

A Comunidade Remanescente de Quilombo São Joaquim de Paulo foi reconhecida como remanescente de quilombo, por se caracterizar pela identidade

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étnica com a peculiaridade em relação às demais comunidades rurais negras por preservar as suas raízes culturais africanas. Assim, por meio dos testemunhos orais tornou-se possível perceber um sentimento de pertença deste grupo em dar continuidade a sua história de descendente de escravos e transmitir seus conhecimentos tradicionais através da narrativa as suas futuras gerações.

No relato de Lírio, a comunidade é considera remanescente de quilombo:

Porque é de origem africana, é uma parte da África que está dentro do Brasil. Muitos autores não concordam como remanescente de quilombo, eles dizem que é resto, mas na verdade, não é resto. As comunidades ainda existem, embora não sejam na África. O termo remanescente de quilombo, está no artigo 68 da ADCT da Constituição Federal para que os territórios quilombolas sejam reparados. Ninguém tinha conhecimento da existência das comunidades da zona rural, isso não tem muito tempo, cerca de 10 anos a 15 anos atrás, década de 1990, que diziam que não existia quilombo. Quilombo para eles é o Quilombo Zumbi dos Palmares. Depois perceberam que existiam muitos grupos isolados no país. Ficou claro depois da Lei que quilombo existe em todos os estados brasileiros. Com o decreto 4.8743 realmente fez com que todas as comunidades quilombolas de fato aparecessem no Brasil. Com o decreto incluiu no projeto políticas para entender que a população negra realmente teve sua origem, e veio da África (LÍRIO, entrevista realizada em 12 de setembro de 2014).

Vale dizer que, no trabalho, as relações sociais da Comunidade Remanescente de Quilombo São Joaquim de Paulo assentavam-se na solidariedade entre o grupo, no sentimento de pertença e na necessidade de sobrevivência, que os levavam a um comprometimento com o outro, compartilhando a produção agrícola e criação de animais num esforço coletivo, denotando uma preocupação com o bem estar comum e formação de uma consciência coletiva:

[...] Antigamente se plantava e se criava todo mundo embolado, junto. Essa coisa da unidade, a colaboração de compadre para compadre, viver a vida no conjunto. Tínhamos pastos e roças no conjunto, no coletivo. Tanto que a gente fazia mutirões na época, popularmente chamado de “adjunto”, até meados de 70 nós não sabíamos a palavra coletivo (CRAVO, entrevista realizada em 14 de janeiro de 2014).

Outro aspecto, a ser observado são as técnicas tradicionais utilizadas no trabalho na agricultura familiar. Segundo Lírio:

As técnicas que eles (quilombolas) utilizam na agricultura familiar, tem a sua origem na África. Essa coisa de trabalhar em família vem da África. A África tem essa característica da relação da família com o trabalho, de um está ajudando o outro, uma corrente de solidariedade. Quando o homem vai pra roça, vai mulher e vão filhos. Até os próprios utensílios são africanos, fação, enxada, tudo isso são práticas culturais agrícola do povo africano. No Brasil não existia isso, uma foice, uma enxada, os índios usavam arco e flecha, os índios não tinham técnicas de trabalhar com essas peças de aço: fação, enxada, foice, tudo são de origem africana. Se você ver lá em gêneses, o

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ISSN: 16799844 - InterSciencePlace - Revista Científica Internacional Páginas 121 de 206 Egito tinha essa prática agrícola, tanto que os egípcios saiam de um lugar para outro, em busca de terras férteis, eles plantavam em terras férteis, em baixada. Então os escravos no Egito tinham essas técnicas culturais, eles mantinham muitas pessoas na prática da agricultura, isso herdou de lá pra cá (LÍRIO, entrevista realizada em 12 de setembro de 2014).

A memória ajuda a reconstruir a história desse povo negro, pois a memória sempre recorre aos fatos, cronologias, costumes, linguagem, as experiências pessoais e dos grupos, pois através desses recursos que vai contribuir no processo de construção da memória. As transmissões dos saberes na comunidade eram feitas de forma natural e informal através da socialização entre o grupo. Dessa maneira, Sá profere:

[...] são as pessoas que se lembram, embora a forma e boa parte do conteúdo das suas memórias sejam socialmente determinadas, pelos grupos, pelas instituições, pelos marcos mais amplos da sociedade, por recursos culturalmente produzidos, dentre os quais se inclui a própria linguagem (SÁ, 2007, p. 291).

A partir daí, outros relatos destacam o cotidiano dos moradores nos afazeres e comemorações, expressando suas tradições, valores e crenças, principalmente no respeito pela terra que se festejavam nos períodos do fim da plantação e do fim da colheita, como foi enunciado:

[...] Juntava homens, mulheres e meninos para fazer as limpezas e aberturas de cacimbas à beira do brejo, para adquirir água boa, e ali se passa um dia, até mais de um dia, num clima de festa. Como se fosse uma festa! Era a harmonia do ser humano para ser humano, e nós cantávamos “chula”, ou seja, cantigas de trabalho. A nossa crença era o seguinte se a gente produzisse, fizesse o investimento cantando, Deus estaria presente. Ele via que nós éramos unidos e ele cobria com sua benção. O retorno na nossa safra era sagrado, ela não se perdia! (CRAVO, entrevista realizada em 14 de janeiro de 2014).

Os moradores mais antigos da comunidade tentam dar continuidade as tradições recebidas dos seus antepassados, lutam para preservar a sua identidade cultural, através da prática de costumes e cultos de suas crenças e valores, transmitindo por meio da oralidade as novas gerações para que se perpetue a história de seu povo. Uma destas tradições é o casamento entre parentes, que para os quilombolas é ainda uma tradição proeminente para constituição das famílias, pois considerou por muito tempo a união conjugal entre parentes como forma de preservação tanto das famílias como da posse das terras. Segundo Cravo expõe:

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ISSN: 16799844 - InterSciencePlace - Revista Científica Internacional Páginas 122 de 206 casar no bojo, negro sempre procurou casar entre si, por um fator muito considerado, a etnia (CRAVO, entrevista realizada em 14 de janeiro de 2014).

A Comunidade Remanescente de Quilombo São Joaquim de Paulo é formada por um conjunto de cinco famílias: Salgado, Oliveira, Santos, Custódio e Ferreira da Silva. O entrevistado Cravo afirma ainda que, na sua maioria, o povo da comunidade quando não era da mesma família tem um grau de parentesco:

Tudo que se faz esbarra no parentesco, tanto aqui na comunidade como nos quilombos tem parentes de um canto a outro (CRAVO, entrevista realizada em 14 de janeiro de 2014).

Vale ressaltar ainda, que o casamento na Comunidade Remanescente de Quilombo São Joaquim de Paulo tem um sentido significativo e simbólico de valores sociais e culturais, sendo motivo de mobilização entre todos os moradores. Um exemplo disso é a confecção do vestido da noiva por uma única senhora costureira da comunidade, que além de costurar o vestido, é testemunha dos casamentos, tornando-se madrinha da maioria das moradoras da comunidade.

As práticas e costumes desta comunidade foram preservados coletivamente por um longo processo histórico que perpetuam experiências de gerações. A análise dos depoimentos realizados permitiu observar que a cultura está diretamente relacionada com o modo de resistência e enfrentamento ao racismo. Com isso, a comunidade busca valorizar as suas raízes étnicas e as reconstruções identitárias e de pertencimento sem o estigma de inferioridade e visões estereotipadas neste contexto social.

Cada povo se expressa de forma diferente em relação ao seu universo, ao seu lugar. Neste contexto, a Comunidade Remanescente de Quilombo São Joaquim de Paulo representa a singularidade de um povo que faz desse lugar a sua própria identidade, resistência e memória. Para o entrevistado:

O lugar refere à sobrevivência, criação dos filhos, a questão do patrimônio histórico da comunidade que ali foi feito pelos antepassados, como a questão do cemitério, como a questão de alguns utensílios, a questão do plantio, as ervas medicinais, esse afeto pelo território quilombola é justamente por causa das raízes, dos antepassados, de como construiu e como tudo iniciou. Eles valorizam por causa desta questão. Ninguém quer sair da comunidade, muitos vão para São Paulo e vão para outros lugares, mas sempre retornam, os mais novos e os mais velhos sempre ficam (LÍRIO, entrevista realizada em 12 de setembro de 2014).

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4. Considerações finais

Assim, diante dos fatos mencionados, observou-se que a trajetória de construção da comunidade rural negra de São Joaquim de Paulo ocorreu com participação coletiva na luta pela efetividade das garantias de direitos constitucionais. Por décadas esse povo negro vem marcado pelo enfrentamento de lutas e resistência pelo direito da posse da terra que foi ocupada pelos seus antepassados.

Paulatinamente, essa garantia de posse das terras se deu conforme a Lei da Constituição Federal de 1988 Art. 68 reconhecendo e garantindo à titulação das terras da comunidade de São Joaquim de Paulo no ano de 1996. Assim, com essa nova realidade jurídica fez surgir à revalorização da identidade desse povo negro e fortaleceu a busca por um pertencimento identitário que associasse a comunidade a sua história étnico-racial, em um fluxo de valorização dos elementos (culturais, raciais, étnicos, históricos) que atestassem tais vinculações.

Desse modo, a formação de quilombo trouxe para o povo negro o significado de liberdade, pois a relação social construída a partir de uma vida coletiva entre homens e mulheres regidos pelos mesmos propósitos sociais configurou-se numa identidade étnica movida por um sentimento de pertença, levando um comprometimento com o outro, e na partilha da terra. Esse povo buscou estabelecer e valorizar as condições de enquadramento na categoria de remanescentes de quilombo. E, neste contexto, ainda se espera que sejam estabelecidas políticas públicas que viabilizem melhores condições de vida para este povo remanescente de quilombo.

Referências

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PAIVA, E.F. Dar nome ao novo: uma história lexical das Américas portuguesa e espanhola, entre os séculos XVI e XVIII (as dinâmicas de mestiçagem e o mundo do trabalho). Tese de professor titular em história do Brasil apresentada ao Departamento de História da universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2012.

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ISSN: 16799844 - InterSciencePlace - Revista Científica Internacional Páginas 125 de 206

UESB, 1992, 209p.

Sobre Autores:

Tânia Maria Rodrigues da Rocha: Mestranda em Memória, Linguagem e Sociedade - UESB, Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia - UFBA e Especialização em Gerenciamento de Micro e Pequenas Empresas pela Universidade Federal de Lavras - UFLA. Atua na área de Economia Solidária, Elaboração de Projetos, Gestão, Meio Ambiente, Educação e Coordenação de Programas e Projetos Econômicos e Sociais. Atualmente é integrante do grupo de pesquisa Museu Pedagógico: História, Trabalho e Educação (UESB CNPq).

Ana Elizabeth Santos Alves: Possui graduação em Economia pela Universidade Católica do Salvador, Mestrado em Educação pela Universidade Federal da Bahia e Doutorado em Educação pela Universidade Federal da Bahia. Pós-doutorado em educação pela Unicamp. Atualmente é professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, atuando em cursos de graduação e no Programa de Pós graduação Stricto Sensu em Memória Linguagem e Sociedade. Orientadora de alunos do Mestrado e Doutorado. Membro do Museu Pedagógico da UESB. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: trabalho e educação; qualificação profissional; divisão sexual do trabalho; educação rural e história da educação.

Luciana Araújo do Reis: Possui graduação em Fisioterapia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Mestrado em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Doutorado em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Pós-Doutorado em Saúde Coletiva pelo Instituto de saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Atualmente é Coordenadora de Pesquisa da Faculdade Independente do Nordeste, pesquisadora colaboradora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Docente Titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. É orientadora do Programa de

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Pós-ISSN: 16799844 - InterSciencePlace - Revista Científica Internacional Páginas 126 de 206

Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade (Mestrado e Doutorado) e Co-orientadora do Mestrado Profissionalizante em Direito e Saúde no município de Vitória da Conquista da Fundação Oswaldo Cruz/ Fiocruz. Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Envelhecimento e Obesidade (NEPEO). Revisor de Periódicos: Revista Baiana de Enfermagem, Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Revista de Enfermagem UFPE online, Revista Baiana de Saúde Pública e Revista texto e Contexto em Enfermagem. Editor chefe da Revista Ciência e Desenvolvimento. Atua no ensino, pesquisa e extensão, no nível de Graduação em Fisioterapia, com ênfase em Neuro-geriatria, Docente nas Disciplinas de Estágio Supervisionado em Fisioterapia (Área de Concentração em Neuro-geriatria) e Trabalho de Conclusão de Curso.

Data de submissão: 19/06/2015 Data de aceite: 14/12/2015

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Figura 1. Mapa do perímetro da Comunidade Remanescente de Quilombo São Joaquim de Paulo no  Município de Vitória da Conquista – BA, 2014

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