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Coleção QUESTÕES DA NOSSA ÉPOCA

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Academic year: 2019

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Coleção

QUESTÕES DA NOSSA ÉPOCA

Volume

23

Dados I nternacionais de Catalogação na Publicação ( CI P)

( Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Í ndices para catálogo sistem ático:

1. Educação e política 379

2. Política e educação 379

Freire, Paulo, 1921 – 1997

Política e educação : ensaios / Paulo Freire. – 5. ed - São Paulo, Cortez, 2001.

(Coleção Questões de Nossa Época ; v.23)

ISBN 85-249-0506-9

1. Educação - Brasil 2. Política e educação I. Título. II.Série

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PAULO FREI RE

POLÍ TI CA E

EDUCAÇÃO

(5)

POLÍTICA E EDUCAÇÃO: Ensaios

Paulo Freire

Capa:

Carlos Clémen

Revisão:

Maria Bacelar, Marise S. Leal

Composição:

Dany Editora Ltda.

Coordenação Editorial:

Danilo A. Q. Morales

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização

expressa do espólio do autor e do editor.

1993 by Paulo Freire

Direitos para esta edição

CORTEZ EDITORA

Rua Bartira, 317 – Perdizes

05009- 00 – São Paulo – SP

Tel.: (11) 3864- 0111 Fax: (11) 3864 - 4290

Email:

cortez@cortezeditora.com.br

www.cortezeditora.com.br

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Sumário

PRI MEI RAS PALAVRAS... 8

EDUCAÇÃO PERMAN EN TE E AS CI DADES EDUCATI VAS ... 1 1

EDUCAÇÃO DE ADULTOS, H OJE. Algum as Reflexões ... 1 6

AN OTAÇÕES SOBRE UN I DADE N A DI VERSI DADE ... 1 8

EDUCAÇÃO E QUALI DADE ... 2 1

ALFABETI ZAÇÃO COMO ELEMEN TO DE FORMAÇÃO DA CI DADAN I A ... 2 5

DO DI REI TO DE CRI TI CAR – DO DEVER DE N ÃO MEN TI R, AO CRI TI CAR .. 3 1

EDUCAÇÃO E PARTI CI PAÇÃO COMUN I TÁRI A ... 3 4

NI NGUÉM NASCE FEI TO: É EXPERI MENTANDO-NOS NO MUNDO QUE NÓS

N OS FAZEMOS ... 4 0

EDUCAÇÃO E RESPON SABI LI DADE ... 4 4

ESCOLA PÚBLI CA E EDUCAÇÃO POPULAR ... 4 7

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PRI MEI RAS PALAVRAS

Os t ext os que com põem est e pequeno volum e, com exceção de apenas um , “ Alfabet ização com o elem ento de form ação da cidadania” , foram escritos no decorrer de 1992 e discutidos em reuniões realizadas ora no Brasil, ora fora dele.

Há um a not a que os at ravessa a t odos: a reflexão polít ico- pedagógica. É est a not a que, de cert a m aneira, os unifica ou lhes dá equilíbrio enquant o conj unt o de t ext os.

Gost aria de t ecer uns poucos com ent ários nest a espécie de conversa diret a com os seus prováveis leitores em torno de dois ou m ais pontos de reflexão político- pedagógica a eles sem pre present e.

O prim eiro a sublinhar é a posição em que m e acho, crit icam ent e em paz com m inha opção polít ica, em int eração com m inha prát ica pedagógica. Posição não dogm át ica, m as serena, firm e, de quem se encont ra em perm anent e est ado de busca, abert o à m udança, na m edida mesma em que, de há m uit o, deixou de est ar dem asiado cert o de suas cert ezas.

Quant o m ais cert o de que est ou cert o m e sint o convencido, t ant o m ais corro o risco de dogm at izar m inha postura, de congelar- m e nela, de fechar- m e sectariam ente no ciclo de m inha verdade.

I sto não significa que o correto sej a “ peram bular” irresponsavelm ente, receoso de afirm ar- m e. Significa reconhecer o carát er hist órico de m inha cert eza. A hist oricidade do conhecim ent o, a sua nat ureza de processo em perm anent e devir. Significa reconhecer o conhecim ent o com o um a produção social, que result a da ação e reflexão, da curiosidade em constante m ovim ento de procura. Curiosidade que term inou por se inscrever historicam ente na natureza hum ana e cuj os obj et os se dão na Hist ória com o na prát ica hist órica se gest am e se aperfeiçoam os m ét odos de aproxim ação aos obj etos de que resulta a m aior ou m enor exatidão dos achados. Mét odos sem os quais a curiosidade, t ornada epist em ológica, não ganharia eficácia. Mas, ao lado das cert ezas hist óricas em torno das quais devo estar sem pre aberto à espera da possibilidade de revê- ias, eu t enho cert ezas ont ológicas t am bém . Cert ezas ont ológicas, social e hist oricam ent e fundadas. Por isso é que a preocupação com a nat ureza hum ana se acha t ão present e em m inhas reflexões. Com a natureza hum ana constituindo- se na História m esm a e não antes ou fora dela. E historicam ente que o ser hum ano veio virando o que vem sendo: não apenas um ser finito, inconcluso, inserido num perm anente m ovim ento de busca, m as um ser conscient e de sua finit ude. Um ser que, vocacionado para ser m ais pode, hist oricam ent e, porém , perder seu endereço e, dist orcendo sua vocação, desum anizar- se1. A desum anização, por isso m esm o, não é v ocação mas dist orção da

v ocação para o ser m ais. Por isso, digo, num dos t ext os dest e volum e, que t oda prát ica, pedagógica ou não, que t rabalhe cont ra est e núcleo da nat ureza hum ana é im oral.

Est a v ocação par a o ser m ais que não se realiza na inexistência de t er , na indigência, dem anda liberdade, possibilidade de decisão, de escolha, de aut onom ia. Para que os seres hum anos se m ovam no tem po e no espaço no cum prim ento de sua v ocação, na realização de seu dest ino, obviam ente não no sentido com um da palavra, com o algo a que se está fadado, com o sina inexorável, é preciso que se envolvam perm anentem ente no dom ínio político, refazendo sem pre as est rut uras sociais, econôm icas, em que se dão as relações de poder e se geram as ideologias. A vocação para o ser m ais, enquanto expressão da natureza hum ana fazendo- se na História, precisa de condições concret as sem as quais a vocação se dist orce.

Sem a lut a polít ica, que é a lut a pelo poder, essas condições necessárias não se criam . E sem as condições necessárias à liberdade, sem a qual o ser hum ano se im obiliza, é privilégio da minoria dom inant e quando deve ser apanágio seu. Faz part e ainda e necessariam ent e da nat ureza hum ana que t enham os nos t ornado est e cor po conscient e que est am os sendo. Est e corpo em cuj a prát ica com out ros corpos e cont r a out ros corpos, na experiência social, se t ornou capaz de produzir socialm ente a linguagem , de m udar a qualidade da curiosidade que, tendo nascido com a vida, se aprim ora e se aprofunda com a exist ência hum ana. Da curiosidade ingênua que caract erizava a

1. A est e propósit o ver Paulo Freire; a) Pedagogia do oprim ido; 1975; b) Pedagogia da esperança.

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leitura pouco rigorosa do m undo à curio sidade exigente, m etodizada com rigor, que procura achados com m aior exatidão. O que significou m udar tam bém a possibilidade de conhecer, de ir m ais além de um conhecim ent o opinat ivo pela capacidade de apreender com rigor crescent e a razão de ser do obj et o da curiosidade.

Um dos riscos que necessariam ente correríam os ao ultrapassar o nível m eram ente opinativo de conhecer, com a m et odização rigorosa da curiosidade, era a t ent ação de supervalorizar a ciência e m enosprezar o senso com um . Era a tentação, que se concret izou no cient ificism o que, ao absolut izar de t al m aneira a força e o papel da ciência, t erm inou por quase m agicizá- la. É urgent e, por isso m esm o, desm itificar e desm istificar a ciência, quer dizer, pô- la no seu lugar devido, respeit á- la, port ant o.

O corpo conscient e e curioso que est am os sendo se veio t ornando capaz de com preender, de int eligir o m undo, de nele int ervir t écnica, ét ica, est ét ica, cient ífica e polit icam ent e.

Consciência e m undo não podem ser entendidos separadam ente, dicotom izadam ent e, m as em suas relações cont radit órias. Nem a consciência é a fazedora arbit rária do m undo, da obj et ividade, nem dele puro reflexo.

A im port ância do papel int erferent e da subj et ividade na Hist ória coloca, de m odo especial, a im port ância do papel da educação.

Se os seres hum anos fossem puram ente determ inados e não seres “ program ados para aprender”2 não haveria por que, na prát ica educat iva, apelarm os para a capa- cidade crít ica do educando. Não havia por que falar em educação para a decisão, para a libert ação. Mas, por out ro lado, não havia tam bém por que pensar nos educadores e nas educadoras com o suj eitos. Não seriam suj eitos, nem educadores, nem educandos, com o não posso considerar Jim e Andra, m eu casal de cães past ores alem ães, suj eitos da prática em que adest ram seus filhot es, nem a seus filhot es obj et os daquela prát ica. Lhes falt a a decisão, a faculdade de, em face de m odelos, rom per com um , opt ar por outro.

A nossa experiência, que envolve condicionam entos m as não determ inism o, im plica decisões, rupt uras, opções, riscos. Vem se fazendo na afirm ação, ora da aut oridade do educador que, exacerbada, anula a liberdade do educando, caso em que est e é quase obj et o, ora na afirm ação de am bos, respeitando- se em suas diferenças, caso em que são, um e out ro, suj eit os e obj et os do processo, ora pela anulação da autoridade, o que im plica um clim a de irresponsabilidade.

No prim eiro caso, tem os o autoritarism o; no segundo, o ensaio dem ocrático, no terceiro, o espont aneísm o licencioso. No fundo, conceit os – aut orit arism o, ensaio dem ocrático, espontaneísm o – que só fom os capazes de inventar porque, prim eiro, som os seres program ados, condicionados e não det erm inados; segundo, porque, ant es de invent á- los, experim entam os a prática abstratizada por eles.

Enquant o condicionados nos veio sendo possível reflet ir crit icam ent e sobre o próprio condicionam ento e ir m ais além dele, o que não seria possível no caso do determ inism o. O ser determ inado se acha fechado nos lim it es de sua det erm inação.

A prát ica polít ica que se fund a na com preensão m ecanicista da História, redutora do fut uro a algo inexorável, “ castra” as m ulheres e os hom ens na sua capacidade de decidir, de optar, m as não tem força suficiente para m udar a natureza m esm a da História. Cedo ou tarde, por isso m esm o, prevalece a com preensão da Hist ória com o possibilidade, em que não há lugar para as explicações m ecanicist as dos fat os nem t am pouco para proj et os polít icos de esquerda que não apost am na capacidade crít ica das classes populares.

Neste sentido, aliás, as lid eranças progressist as que se deixam t ent ar pelas t át icas em ocionais e m ísticas por lhes parecerem m ais adequadas às condições histórico- sociais do cont ext o, t erm inam

2 François Jacob. Nous som m es program m és, m ais pour apprendre, Le Courrier de L’Unesco. Paris,

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por reforçar o at raso ou a im ersão em que se acham as classes populares devido aos níveis de exploração e subm issão a que se acham tradicionalm ente subm etidas pela realidade favorável às classes dom inant es. Obviam ent e que seu equívoco não est á em respeit ar seu est ado de preponderant em ent e im ersas na realidade, m as em não problem atizá- las.

E assim que se im põe o reexam e do papel da educação que, não sendo fazedora de tudo é um fator fundam ental na reinvenção do m undo.

Na pós- m odernidade progressista, enquanto clim a histórico pleno de otim ism o crítico, não há espaço para otim ism os ingênuos nem para pessim ism os acabrunhadores.

Com o processo de conhecim ent o, form ação polít ica, m anifest ação ét ica, procura da bonit eza, capacit ação cient ífica e t écnica, a educação é prát ica indispensável aos seres hum anos e deles específica na Hist ória com o m ovim ent o, com o luta. A História com o possibilidade não prescinde da controvérsia, dos conflitos que, em si m esm os, j á engendrariam a necessidade da educação.

O que a pós- m odernidade progressist a nos coloca é a com preensão realm ent e dialét ica da confront ação e dos conflitos e não sua inteligência m ecanicista. Digo realm ente dialética porque m uit as vezes a prát ica assim cham ada é, de fat o, puram ent e m ecânica, de um a dialét ica dom esticada. Em lugar da decretação de um a nova História sem classes sociais, sem ideologia , sem luta, sem utopia, e sem sonho, o que a cotidianidade m undial nega contundentem ente, o que t em os a fazer é repor o ser hum ano que at ua, que pensa, que fala, que sonha, que am a, que odeia, que cria e recria, que sabe e ignora, que se afirm a e que se nega, que const rói e dest rói, que é t ant o o que herda quant o o que adquire, no cent ro de nossas preocupações. Rest aurar assim a significação profunda da radicalidade. A radicalidade de m eu ser, enquant o gent e e enquant o m istério, não perm ite, porém , a inteligência de m im na estreiteza da singularidade de apenas um dos ângulos que só aparentem ente m e explica. Não é possível entender- m e apenas com o classe, ou com o raça ou com o sexo, m as, por outro lado, m inha posição de classe, a cor de m inha pele e o sexo com que cheguei ao m undo não podem ser esquecidos na análise do que faço, do que penso, do que digo. Com o não pode ser esquecida a experiência social de que participo, m inha form ação, m inhas crenças, m inha cultura, m inha opção política, m inha esperança.

Me darei por sat isfeit o se os t ext os que se seguem provocarem os leit ores e leit oras no sent ido de um a com preensão crít ica da Hist ória e da educação.

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EDUCAÇÃO PERMANENTE E

AS CI DADES EDUCATI VAS

Mais um a vez m e ponho em frente de um a proposta tem ática envolvida num a frase, cuj a int eligência espera por um discurso que, não sendo neut ro, dirá de com o, quem o faça, se posiciona em face do t em a fundam ent al. Quer dizer, se posiciona em face da educação, em face do que o conceit o sofre ao receber o at ribut o perm anent e que incide qualit at ivam ent e sobre a com preensão do t erm o, em face da cidade que se alonga em educat iva. Em face, finalm ent e, das relações ent re educação, enquant o processo perm anent e e a vida das cidades, en quant o cont ext os que não apenas acolhem a prát ica educat iva, com o prát ica social, m as t am bém se const it uem , at ravés de suas m últ iplas at ividades, em cont ext os educat ivos em si m esm as.

O que quero dizer é que o discurso sobre o enunciado que, ao desvelá- la, dest rinça ou esm iúça a sua significação m ais íntim a, expressa ou explícita a com preensão do m undo, a opção política, a posição pedagógica, a int eligência da vida na cidade, o sonho em t orno dest a vida, t udo isso grávida de preferências polít icas, ét icas, est ét icas, urbaníst icas e ecológicas de quem o faz. Não há possibilidade de um discurso só sobre os diferentes aspectos do tem a. Um discurso que agrade, em t erm os absolut os, a gregos e t roianos. Em verdade, est e não é um t em a neut ro cuj a int eligência e cuj as conseqüências prát icas sej am com uns a t odas ou a t odos os que dele falem .

I sso não deve significar, porém , que as diferenças de opções que m arcam os dist int os discursos devam afastar do diálogo os suj eitos que pensam e sonham diversam ente. Não há crescim ent o dem ocrát ico fora da t olerância que, significando, subst ant ivam ent e, a convivência ent re dessem elhantes, não lhes nega contudo o direito de brigar por seus sonhos. O im portante é que a pura diferença não sej a razão de ser decisiva para que se rom pa ou nem sequer se inicie um diálogo at ravés do qual pensares diversos, sonhos opost os não possam concorrer para o crescim ent o dos diferent es, para o acrescent am ent o de saberes. Saberes do corpo int eiro dos dessem elhantes, saberes resultantes da aproxim ação m et ódica, rigorosa, ao obj et o da curiosidade epist em ológica dos suj eit os. Saberes de suas experiências feit os, saberes “ m olhados” de sent im ent os, de em oção, de m edos, de desej os.

Enquant o cert a m odernidade de direit a e de esquerda, m ais para cient ificist a do que para cient ífica, t endia a fixar- se nos lim it es est reit os de sua verdade, negando a seu cont rário qualquer possibilidade de acert o, a pós- m odernidade, sobretudo progressista, rom pendo as am arras do sect arism o, se faz radical. É im possível, hoj e, para o pensam ent o pós- m oderno radical, fechar- se em seus próprios m uros e decretar a sua com o a única verdade. Sem ser anti- religioso, m as, de m aneira nenhum a, dogm ático, o pensam ento pós- m oderno radical reage cont ra t oda cert eza dem asiado cert a das cert ezas. Reage cont ra a “ dom est icação” do t em po, que t rans- form a o futuro num pré- dado, que j á se conhece – o fut uro afinal com o algo inexorável, com o algo que será porque será, porque necessariam ente ocorrerá.

Ao recusar a “ dom est icação” do t em po, a pós- modernidade progressist a não apenas reconhece a im port ância do papel da subj et ividade na hist ória, m as at ua polít ico- pedagogicam ent e no sent ido de fortalecer aquela im portância. E o faz através de program as em que a leitura crítica do m undo se funda num a prática educat iva crescent em ent e desocult adora de verdades. Verdades cuj a ocult ação int eressa às classes dom inant es da sociedade.

Me sint o, obviam ent e, num a posição pós- moderna- m ent e progressist a e é com o t al que discut irei a educação perm anent e e as cidades educat ivas.

Num a prim eira aproxim ação ao tem a direi algo sobre educação, que se alongará à com preensão de sua prática enquanto necessariam ente perm anente. Em seguida, estudarei a sua relação com a cidade até surpreender esta com o educadora tam bém e não só com o o cont ext o em que a educação se pode dar, form al e inform alm ente.

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Ressalt am os inicialm ent e a sua condição de ser hist órico- social, experim entando continuam ente a t ensão de est ar sendo para poder ser e de est ar sendo não apenas o que herda m as t am bém o que adquire e não de form a m ecânica. I sto significa ser o ser hum ano, enquanto histórico, um ser finito, lim itado, inconcluso, m as conscient e de sua inconclusão1. Por isso, um ser ininterruptam ente em busca, naturalm ente em processo. Um ser que, tendo por vocação a hum anização, se confront a, no ent ant o, com o incessant e desafio da desum anização, com o dist orção daquela v ocação2.

Por out ro lado, com o salient a François Jacob3, nós som os seres “ program ados m as para aprender” .

Nesse sentido, aprender e ensinar, já que um im plica o outro sem que jam ais um prescinda norm alm ente do outro, vieram , na história, tornando- se conot ações ont ológic as.

Aprender e ensinar fazem parte da existência hum ana, histórica e social, com o dela fazem parte a criação, a invenção, a linguagem , o am or, o ódio, o espant o, o m edo, o desej o, a at ração pelo risco, a fé, a dúvida, a curiosidade, a art e, a m agia, a ciê ncia, a t ecnologia. E ensinar e aprender cort ando t odas est as at ividades hum anas.

O im possível teria sido ser um ser assim , m as ao m esm o tem po não se achar buscando e sendo às vezes int erdit ado de fazê - lo ou sendo às vezes est im ulado a fazê- lo. O im possív el seria, tam bém , estar sendo um ser assim , em procura, sem que, na própria e necessária procura, não se tivesse inserido no processo de refazer o m undo, de dizer o m undo, de conhecer, de ensinar o aprendido e de aprender o ensinado, refazendo o aprendido, m elhorando o ensinar. Foi exatam ente porque nos

t ornam os capazes de dizer o m undo, na m edida em que o transform ávam os, em que o

reiventávam os, que term inam os por nos tornar ensinantes e aprendizes. Suj eitos de um a prática que se veio t ornando polít ica, gnosiológica, est ét ica e ét ica.

Seria realm ente im pensável que um ser assim , “ program ado para aprender” , inacabado, m as consciente de seu inacabam ento, por isso m esm o em perm anente busca, indagador, curioso em torno de si e de si no e com o m undo e com os out ros; porque hist órico, preocupado sem pre com o am anhã, não se achasse, com o condição necessária para est ar sendo, inserido, ingênua ou crit icam ent e, num incessant e processo de form ação. De form ação, de educação que precisam ent e devido à invenção social da linguagem conceituai vai m uito m ais além do que o treinam ento que se realiza entre os outros anim ais.

A educação é perm anent e não porque cert a linha ideológica ou cert a posição polít ica ou cert o int eresse econôm ico o exij am . A educação é perm anent e na razão, de um lado, da finitude do ser hum ano, de out ro, da consciência que ele t em de sua finit ude. Mais ainda, pelo fat o de, ao longo da hist ória, t er incorporado à sua nat ureza “ não apenas saber que vivia mas saber que sabia e, assim , saber que podia saber m ais. A educação e a form ação perm anente se fundam aí.

Um a coisa é a “ form ação” que dão a seus filhot es os sabiás cuj o cant o e bonit eza m e encant am , salt it ant es, na folhagem verde das j abot icabeiras que t em os em frent e à nossa bibliot eca e out ra é o cuidado, o desvelo, a preocupação que t ranscende o inst int o, com que os pais hum anos se dedicam ou não aos filhos. O ser “ aberto” em que nos tornam os, a existência que in- vent am os, a linguagem que socialm ente produzim os, a história que fazem os e que nos faz, a cult ura, a curiosidade, a indagação, a com plexidade da vida social, as incert ezas, o rit m o dinâm ico de que a rotina faz parte m as a que não o reduz, a consciência do m undo que tem neste um não eu e a de si com o eu const it uindo- se na relação cont radit ória com a obj etividade, o “ ser program ado para aprender” , condicionado m as não determ inado, a im aginação, os desej os, os m edos, as fantasias, a at ração pelo m ist ério, t udo isso nos insere, com o seres educáveis, no processo perm anent e de busca de que falei. O que eu quero dizer é que a educação, com o form ação, com o processo de conhecim ento, de ensino, de aprendizagem , se tornou, ao longo da aventura no m undo dos seres hum anos um a conot ação de sua nat ureza, gest ando- se na hist ória, com o a vocação para a hum anização de que falo na Pedagogia do oprim ido e na Pedagogia da esperança, um reencont ro

1. Ver: Paulo Freire, Pedagogia do oprim ido, 1975.

2 Ver: I dem , Pedagogia do oprim ido e pedagogia da esperança; um reencontro com a pedagogia do

oprim ido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992.

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com a Pedagogia do oprim ido. Em outras palavras e talvez reiteradam ente, não é possível ser gente sem , desta ou daquela form a, se achar entranhado num a cer t a pr át ica educat iva. E entranhado não em term os provisórios, m as em term os de vida inteira. O ser hum ano jam ais pára de educar- se. Num a cert a prát ica educat iva não necessariam ent e a de escolarização, decert o bast ant e recent e na hist ória, com o a ent endem os. Daí que se possa observar facilm ent e quão violenta é a política da Cidade, com o Estado, que interdita ou lim ita ou m inim iza o direito das gent es, rest ringindo- lhes a cidadania ao negar educação para t odos. Daí t am bém , o equívoco em que tom bam grupos populares, sobretudo no Terceiro Mundo quando, no uso de seu direit o m as, indo além dele, criando suas escolas, possibilitam às vezes que o Estado deixe de cum prir seu dever de oferecer educação de qualidade e em quant idade ao povo. Quer dizer, em face da om issão crim inosa do Est ado, as com unidades populares criam suas escolas, inst alam- nas com um m ínim o de m aterial necessário, contratam suas professoras quase sem pre pouco cientificam ente form adas e conseguem que o Est ado lhes repasse algum as verbas. A sit uação se t orna côm oda para o Est ado. Criando ou não suas escolas com unit árias, os Movim ent os Populares t eriam de cont inuar, de m elhorar, de enfat izar sua lut a polít ica para pressionar o Est ado no sent ido de cum prir o seu dever. Jam ais deixá- la em sossego, jamais eximi - lo de sua t arefa pedagógica, j am ais perm itir que suas classes dom inantes durm am em paz. Sua bandeira de luta, a dos Movim entos Populares, deve ser alçada noit e e dia, dia e noit e, em favor da escola, que sendo pública, deve ser dem ocrát ica, à alt ura da dem anda social que dela se fará e em busca sem pre da m elhoria de sua qualidade. Este é tam bém um direito e um dever dos cidadãos do Prim eiro Mundo: o de se baterem por um a escola m ais dem ocrática, m enos elitista, m enos discrim inatória. Por um a escola em que as cr ianças do Terceiro Mundo do Prim eiro não sej am tratadas com o gente de um m undo estranho e dem asiado exót ico. Um a escola abert a, que supere preconceit os, que se faça um cent ro de alegria com o, por est e sonho, se vem bat endo est e not ável pensador francês, incansável lutador pela alegria na escola, que é Georges Snyders4.

Os cont eúdos, os obj et ivos, os m ét odos, os processos, os inst rum ent os t ecnológicos a serviço da educação perm anent e, est es sim , não apenas podem m as devem variar de espaço t em po a espaço t em po. A ont ológica necessidade da educação, da form ação a que a Cidade, que se t orna educat iva em função desta m esm a necessidade, se obriga a responder, esta é universal. A form a com o esta necessidade de saber, de aprender, de ensinar é at endida é que não é universal. A curiosidade, a necessidade de saber são universais, repit am os, a respost a é hist órica, polít ico- ideológica, cultural.

Por isso é que é im port ant e afirm ar que não bast a reconhecer que a Cidade é educat iva, independentem ente de nosso querer ou de nosso desej o. A Cidade se faz educat iva pela necessidade de educar, de aprender, de ensinar, de conhecer, de criar, de sonhar, de im aginar de que todos nós, m ulheres e hom ens, im pregnam os seus cam pos, suas m ontanhas, seus vales, seus rios, im pregnam os suas ruas, suas praças, suas font es, suas casas, seus edifícios, deixando em t udo o selo de cert o t em po, o est ilo, o gost o de cert a época. A Cidade é cult ura, criação, não só pelo que fazem os nela e dela, pelo que criam os nela e com ela, m as tam bém é cultura pela própria m irada est ét ica ou de espant o, grat uit a, que lhe dam os. A Cidade som os nós e nós som os a Cidade. Mas não podem os esquecer de que o que som os guarda algo que foi e que nos chega pela continuidade histórica de que não podem os escapar, m as sobre que podem os t rabalhar, e pelas m arcas culturais que herdam os.

Enquant o educadora, a Cidade é t am bém educanda. Muit o de sua t arefa educat iva im plica a nossa posição política e, obviam ente, a m aneira com o exerçam os o poder na Cidade e o sonho ou a ut opia de que em bebam os a polít ica, a serviço de que e de quem a fazem os. A polít ica dos gast os públicos, a polít ica cult ural e educacional, a polít ica de saúde, a dos t ransport es, a do lazer.

A própria polít ica em t orno de com o sublinhar est e ou aquele conj unt o de mem órias da Cidade at ravés de cuj a só exist ência a Cidade exerce seu papel educat ivo. At é aí, a decisão polít ica nossa pode interferir.

Mas há um m odo espontâneo, quase com o se as Cidades gesticulassem ou andassem ou se m ovessem ou dissessem de si, falando quase com o se as Cidades proclam assem feit os e fat os

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vividos nelas por m ulheres e hom ens que por elas passaram , m as ficaram , um m odo espontâneo, dizia eu, de as Cidades educarem .

I nsist am os em que at é sobre esse m om ent o espont âneo da vida das Cidades, em que elas revelam sua m em ória desnuda, o poder político pode interferir.

De qualquer form a, esse m om ento espontâneo é de grande riqueza, não im porta que tenha suas negat ividades t am bém . No fundo ele explícit a form as de est ar sendo de gerações ant eriores, m aneiras de valorar, de reagir, expressões discrim inatórias disto ou daquilo, que não se acham apenas arquivadas na m em ória das Cidades. São m anifest ações vivas de sua cult ura, de nossa cult ura.

O respeito m útuo que as pessoas se têm nas ruas, nas loj as. O respeit o às coisas, o zelo com que se t rat am os obj et os públicos, os m uros das casas, a disciplina nos horários. A m aneira com o a Cidade é t rat ada por seus habit ant es, por seus governant es. A Cidade som os nós t am bém , nossa cult ura, que, gest ando- se nela, no corpo de suas t radições, nos faz e nos refaz. Perfilam os a Cidade e por ela som os perfilados.

No fundo, a t arefa educat iva das Cidades se realiza t am bém at ravés do t rat am ent o de sua m em ória e sua m em ória não apenas guarda, m as reproduz, estende, com uni ca- se às gerações que chegam . Seus m useus, seus cent ros de cult ura, de art e são a alm a viva do ím pet o criador, dos sinais de avent ura do espírit o. Falam de épocas diferent es, de apogeu, de decadência, de crises, da força condicionant e das condições m at eriais.

Às vezes, sint o um cert o descom passo em cert as Cidades ent re a quant idade de m arcos que falam ou que proclam am envaidecidam ent e feit os de guerra e os que falam da paz, da doçura de viver. Não que est ej a defendendo a ocult ação dos fat os belicosos que escondem ou explicitam m alvadezas, perversidades in - críveis de que t em os sido capazes nos descom passos de nossa história. Mostrá los às gerações m ais j ovens é t am bém t arefa educat iva das Cidades. Mas m ost rá -los nem sem pre com o quem deles se orgulha.

Como não há educação sem polít ica educat iva que est abelece prioridades, m et as, cont eúdos, m eios e se infunde de sonhos e utopias, creio que não faria m al nenhum neste encontro que sonhássem os um pouco. Que nos aventurássem os um pouco, que corrêssem os o risco de pensar em cert os valores concret os que pudessem ir se incorporando a nós e aos anseios de Cidades educativas neste fim de século que já vivem os e que é tam bém fim de m ilênio.

Um desses sonhos por que lut ar, sonho possível m as cuj a concret ização dem anda coerência, valor, t enacidade, senso de j ust iça, força para brigar, de t odas e de t odos os que a ele se ent reguem é o sonho por um m undo m enos feio, em que as desigualdades dim inuam , em que as discrim inações de raça, de sexo, de classe sej am sinais de vergonha e não de afirm ação orgulhosa ou de lam ent ação puram ent e cavilosa. No fundo, é um sonho sem cuj a realização a dem ocracia de que t ant o falam os, sobret udo hoj e, é um a farsa.

Que dem ocracia é est a que encont ra para a dor de m ilhões de fam int os, de renegados, de proibidos de ler a palavra, e m al lendo seu m undo, razões clim áticas ou de incom petência genét ica?

Um outro sonho fundam ental que se deveria incorporar aos ensinam entos das Cidades educativas é o do direito que tem os, num a verdadeira dem ocracia, de ser diferentes e, por isso m esm o que um direit o, o seu alongam ent o ao direit o de ser respeit ados na diferença.

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Não se faz nem se vive a subst ant ividade dem ocrát ica sem o pleno exercício dest e direit o que envolve a virt ude da t olerância. Talvez as Cidades pudessem est im ular as suas inst it uições pedagógicas, cult urais, cient íficas, art íst icas, religiosas, polít icas, financeiras, de pesquisa para que, em penhando- se em cam panhas com est e obj et ivo, desafiassem as crianças, os adolescent es, os j ovens a pensar e a discut ir o direit o de ser diferent e sem que ist o signifique correr o risco de ser discrim inado, punido ou, pior ainda, banido da vida.

Em lugar, por últim o, da hipocrisia arvorada em ética dos costum es, que vê im oralidade no corpo do hom em ou da m ulher, que fala de castigo divino ou o insinua, associado à tragédia da AI DS com o se am ar fosse pecado, que as cidades educat ivas t est em unhem sua busca incessant e da Pureza e sua recusa veem ente ao puritanism o.

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EDUCAÇÃO DE ADULTOS,

HOJE. Algum as Reflexões

No Brasil e em outras áreas da Am érica Lat ina a Educação de Adult os viveu um processo de amadure- cim ento que veio transform ando a com preensão que dela tínham os há poucos anos atrás. A Educação de Adult os é m elhor percebida quando a sit uam os hoj e com o Educação Popular. Trat em os de com ent ar est a t ransform ação que, a nosso ver, indica os passos qualit at ivos da experiência educativa refletida por inúm eras pessoas/ grupos latino- am ericanos.

O conceit o de Educação de Adult os vai se m ovendo na direção do de educação popular na m edida em que a realidade com eça a fazer algum as exigências à sensibilidade e à com pet ência cient ífica dos educadores e das educadoras. Um a dest as exigências t em que ver com a com preensão crít ica dos educadores do que vem ocorrendo na cotidianidade do m eio popular. Não é po ssível a educadoras e educadores pensar apenas os procedim ent os didát icos e os cont eúdos a serem ensinados aos grupos populares. Os próprios conteúdos a serem ensinados não podem ser t ot alm ent e est ranhos àquela cot idianidade. O que acont ece, no m eio popula r, nas periferias das cidades, nos cam pos – trabalhadores urbanos e rurais reunindo - se para rezar ou para discut ir seus direitos –, nada pode escapar à curiosidade argut a dos educadores envolvidos na prát ica da Educação Popular.

A Educação de Adult os, virando Educação Popular, se t ornou m ais abrangent e. Cert os program as com alfabet ização, educação de base em profissionalização ou em saúde prim ária são apenas um a parte do trabalho m ais am plo que se sugere quando se fala em Educação Popular.

Educadores e grupos populares descobriram que Educação Popular é sobret udo o processo perm anente de refletir a m ilitância; refletir, portanto, a sua capa- cidade de m obilizar em direção a obj et ivos próprios. A prát ica educat iva, reconhecendo - se com o prát ica polít ica, se recusa a deixar-se aprisionar na est reit eza burocrát ica de procedim ent os escolarizant es. Lidando com o processo de conhecer, a prát ica educat iva é t ão int eressada em possibilit ar o ensino de cont eúdos às pessoas quant o em sua conscient ização.

Nesse sent ido, a Educação Popular, de cort e progressist a, dem ocrát ico, superando o que cham ei, na Pedagogia do oprim ido, “ educação bancária” , t ent a o esforço necessário de t er no educando um suj eito cognoscente, que, por isso m esm o, se assum e com o um suj eito em busca de, e não com o a pura incidência da ação do educador.

Dessa form a são t ão im port ant es para a form ação dos grupos populares cert os cont eúdos que o educador lhes deve ensinar, quant o a análise que eles façam de sua realidade concret a. E, ao fazê-lo, devem ir, com a indispensável aj uda do educador, superando o seu saber ant erior, de pura experiência feito, por um saber m ais crítico, m enos ingênuo. O senso com um só se supera a partir dele e não com o desprezo arrogante dos elitistas por ele.

Preocupada seriam ent e com a leit ura crít ica do m undo, não im port a inclusive que as pessoas não façam ainda a leit ura da palavra, a Educação Popular, m esm o sem descuidar a preparação t écnico-profissional dos grupos populares, não aceit a a posição de neut ralidade polít ica com que a ideologia m odernizant e reconhece ou ent ende a Educação de Adult os.

Respeit ando os sonhos, as frust rações, as dúvidas, os m edos, os desej os dos educandos, crianças, j ovens ou adultos, os educadores e educadoras populares têm neles um ponto de partida para a sua ação. I nsist a- se, um pont o de part ida e não de chegada.

Crianças e adult os se envolvem em processos educat ivos de alfabet ização com palavras pert encent es à sua experiência exist encial, palavras grávidas de m undo. Palavras e t em as.

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no m undo e com ele. Este m ovim ento de superação do senso com um im plica um a diferente com preensão da História. I m plica entendê- la e vivê- la, sobret udo vivê - la, com o tem po de possibilidade, o que significa a recusa a qualquer explicação determ inista, fatalista da História. Nem o fatalism o que entende o futuro com o a repetição quase inalterada do presente nem o fat alism o que percebe o fut uro com o algo pré - dado. Mas o t em po hist órico sendo feit o por nós e refazendo- nos enquant o fazedores dele. Daí que a educação popular, prat icando - se num tem po-espaço de possibilidade, por suj eit os conscient es ou virando conscient es dist o, não possa prescindir do sonho.

É preciso m esm o brigar contra certos discursos pós- m odernam ente reacionários, com ares triunfantes, que decretam a m orte dos sonhos e defendem um pragm atism o oportunista e negador da Ut opia.

É possível vida sem sonho, m as não exist ência hum ana e História sem sonho.

A dim ensão global da Educação Popular contribui ainda para que a com preensão geral do ser hum ano em torno de si com o ser social seja m enos m onolítica e m ais pluralista, seja m enos unidirecionada e m ais abert a à discussão dem ocrát ica de pressuposições básicas da exist ência.

Esta vem sendo um a preocupação que m e tem tom ado todo, sem pre – a de m e entregar a um a prát ica educat iva e a um a reflexão pedagógica fundadas am bas no sonho por um m undo m enos m alvado, m enos feio, m enos autoritário, m ais dem ocrático, m ais hum ano.

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ANOTAÇÕES SOBRE UNI DADE NA DI VERSI DADE

Part o de duas const at ações óbvias:

a) As diferenças interculturais existem e apresent am cort es: de classe, de raça, de gênero e, com o alongam ent o dest es, de nações.

b) Essas diferenças geram ideologias, de um lado, discrim inatórias, de outro, de resistência.

Não é a cultura discrim inada a que gera a ideologia discrim inatória, m as a cult ura hegem ônica a que o faz. A cult ura discrim inada gest a a ideologia de resist ência que, em função de sua experiência de luta, ora explica form as de com portam ento m ais ou m enos pacíficos, ora rebeldes, m ais ou m enos indiscrim inatoriam ente violentos, ora crit icam ent e volt ados à recriação do m undo. Um ponto im portante a ser sublinhado: na m edida em que as relações entre estas ideologias são dialét icas, elas se int erpenet ram . Não se dão em est ado puro e podem m udar de pessoa a pessoa. Por exem plo, posso ser hom em , com o sou, e nem por isso ser m achista. Posso ser negro m as, em defesa de m eus interesses econôm icos, contem porizar com a discrim inação branca.

c) É im possível com preendê- las sem a análise das ideologias e a relação dest as com o poder e com a fraqueza.

As ideologias, não im porta se discrim inatórias ou de resistência, se encarnam em form as especiais de conduta social ou individual que variam de tem po espaço a tem po espaço.

Se expressam na linguagem – na sint axe e na sem ânt ica –, nas form as concret as de at uar, de escolher, de valorar, de andar, de vest ir, de at é dizer olá, na rua. Suas relações são dialét icas. Os níveis dest as relações, seus cont eúdos, sua m aior dose de poder revelado no ar de superioridade, de dist ância, de frieza .- com que os poderosos tratam os carentes de poder; o m aior ou m enor nível de acom odação ou de rebelião com que respondem os dom inados, tudo isso é fundam ental no sentido de superação das ideologias discrim inatórias, de m odo a que possam os viver a Ut opia: não m ais discrim inação, não m ais rebelião ou adaptação, m as Unidade na Diversidade.

d) É im possível pensar, pois, na superação da opressão, da discrim inação, da passividade ou da pura rebelião que elas engendram , prim eiro, sem um a com preensão crítica da História, na qual, finalm ent e, essas relações int ercult urais se dão de form a dialét ica, por isso, cont radit ória e processual. Segundo, sem proj et os de nat ureza polít ico- pedagógica no sent ido da t ransform ação ou da re- invenção do m undo.

Falem os um pouco da prim eira quest ão, a com preensão da Hist ória que t em os, um a vez que, históricos, m ulheres e hom ens, nossa ação não apenas é histórica tam bém m as historicam ente condicionada.

Às vezes, nem sequer, ao at uar, est am os conscient em ent e claros em t orno de que concepção da Hist ória nos m arca. Daí a im port ância que reconheço, nos cursos de form ação de educadores, das discussões em torno das diferentes m aneiras de com preenderm os a História que nos faz e refaz enquanto a fazem os.

Falem os sucintam ente de algum as das diferentes m aneiras de reflet irm os sobre nossa presença no m undo em que e com que estam os. De acordo com um a prim eira versão, m ulheres e hom ens, seres espirituais, dotados de razão, de discernim ento, capazes de separar o bem do m al, m arcados pelo pecado original, precisam evit ar a t odo cust o cair no pecado ou nele recair, pecado sem pre precedido de fort es t ent ações e procurar o cam inho da salvação.

O pecado e a sua negação se tornam de tal m odo, o prim eiro, sinal de absoluta fraqueza, a segunda, um grit o fácil de vit ória, que a existência hum ana, reduzida a essa luta, term ina por quase se perder no m edo à liberdade ou na hipocrisia puritana que é um a form a de ficar com a feiúra e negar a boniteza da pureza.

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concepção da Hist ória são as orações, as penit ências, as prom essas. A Teologia da Libert ação, diga- se de passagem , significa um a radic al ruptura com essa form a m ágico- m ítica de religiosidade e, pondo suas raízes na experiência concret a t em po- espacial, dos hom ens e das m ulheres, do Povo de Deus, fala de out ra com preensão da Hist ória, na verdade feit a por nós. De acordo com est a inteligência da História, Deus é um a Presença nela que, porém , não m e proíbe de fazê- la. Pelo contrário, em purra- m e a fazê- la. E de fazê- la não no sent ido da negação dos direit os dos out ros, só porque diferentes de m im .

Que ét ica é essa que só vale quando a ser aplicada em favor de mim?

Que est ranha m aneira é essa de fazer Hist ória, de ensinar Dem ocracia, espancando os diferent es para, em nom e da Dem ocracia, continuar gozando da liberdade de espancar!

Com relação ainda ao fut uro, gost aria de sublinhar duas out ras com preensões da História, am bas im obilizadoras, determ inistas. A prim eira, que tem no futuro a pura repetição do presente. De m odo geral assim é que pensam os dom inadores. O am anhã para eles e para elas é sem pre o seu presente de dom inadores sendo reproduzido, com alt erações adverbiais. Não há nest a concepção lugar para a subst ant iva superação da discrim inação racial, sexual, lingüíst ica, cult ural, et c.

Os negros continuam inferiores, m as, agora, podem sentar em qualquer lugar do ônibus... Os latino- americ anos são boa gent e, m as não são pontuais... Maria é um a excelente j ovem . É negra m as é m uit o int eligent e... Nos t rês exem plos a conj unção adversat iva m as est á grávida da ideologia autoritariam ente racista, discrim inatória.

Um a out ra concepção da Hist ória e, tanto quanto as dem ais, no m ínim o, condicionadora de prát icas, não im port a em que cam po, o cult ural, o educat ivo, o econôm ico, o das relações ent re as nações, o do m eio am bient e, o da ciência, o da t ecnologia, o das art es, o da com unicação, é a que reduz o am anhã a um dado dado. O futuro é um pré- dado, um a espécie de sina, de fado. O fut uro não é problem át ico. Pelo cont rário, é inexorável. A dialét ica que essa visão da Hist ória reclam a, e que tem sua origem num certo dogm atism o m arxista, é um a dialética dom est icada.

Conhecem os a sínt ese ant es de experim ent arm os o em bat e dialét ico ent re a Tese e a Ant ít ese.

Um a outra m aneira de entender a História é a de subm etê- la aos caprichos da vont ade individual. O indivíduo, de quem o social depende, é o sujeito da Hist ória. Sua consciência é a fazedora arbitrária da História. Por isso, quanto m elhor a educação trabalhar os indivíduos, quanto m elhor fizer seu coração um coração sadio, am oroso, t ant o m ais o indivíduo, cheio de bonit eza, fará o m undo feio virar bonito.

Para esta visão da História e do papel das m ulheres e dos hom ens no m undo o fundam ental é cuidar de seu cor ação deixando, porém , int ocadas as est rut uras sociais. A salvação dos hom ens e das m ulheres não passa por sua libertação perm anente e esta pela re invenção do m undo.

Vej o a História, exatam ente com o os teólogos da libertação entre quem m e sinto m uito bem , em t ot al discordância com as dem ais com preensões dela de que falei.

Para m im , a História é tem po de possibilidade e não de determ inações. E se é tem po de possibilidades, a prim eira conseqüência que vem à tona é a de que a História não apenas é m as tam bém dem anda liberdade. Lutar por ela é um a form a possível de, inserindo- nos na História possível, nos fazer igualm ente possíveis. Em lugar de ser perseguição const ant e ao pecado em que m e inscrevo para m e salvar, a História é a possibilidade que criam os ao longo dela, para nos libertar e assim nos salvar.

Som ente num a perspectiva histórica em que hom ens e m ulheres sej am capazes de assum ir- se cada v ez mais com o suj eit os- obj etos da História, vale dizer, capazes de reinventar o m undo num a direção ét ica e est ét ica m ais além dos padrões que aí est ão é que t em sent ido discut ir com unicação na nova et apa da cont inuidade da m udança e da inovação.

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Natureza política que descarta práticas puram ente assistencialistas de quem pensa com prar um ingresso no céu com o que colhe na terra de sua falsa generosidade.

Pensar a História com o possibilidade é reconhecer a educação tam bém com o possibilidade. É reconhecer que se ela, a educação, não pode t udo, pode algum a coisa. Sua força, com o cost um o dizer, reside na sua fraqueza. Um a de nossas t arefas, com o educadores e educadoras, é descobrir o que hist oricam ent e pode ser feito no sentido de contribuir para a transform ação do m undo, de que resulte um m undo m ais “redondo”, m enos arestoso, m ais hum ano, e em que se prepare a m aterialização da grande Utopia: Unidade na Diversidade.

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EDUCAÇÃO E QUALI DADE

O título geral com que o SENAC ( Serviço Nacional de Aprendizagem Com ercial) nom eia este encont ro, Educação e Qualidade, possibilit a, com o o próprio program a exem plifica, diferent es hipót eses t em át icas que se desdobram dele ou que nele se acham inseridas.

Educação para a qualidade. Qualidade da educação. Educação e qualidade de vida.

Nest e prim eiro m om ent o do Encont ro, nos cabe, com o deve ser, um a reflexão abrangent e sobre o tem a de tal m aneira que possam os passar de um tem a a outro, apreendendo ou nos predispondo para apreender suas necessárias int er- relações.

Creio, porém , que o m elhor cam inho para o processo dest a busca de apreensão das int er- relações dos tem as tem com o ponto de partida um a reflexão crítica em torno de Educ ação e Qualidade. Não propriam ente um a reflexão crítica sobre a educação em si ou sobre a qualidade m as em torno de educação e qualidade que nos rem et e à educação para a qualidade, qualidade da educação e educação e qualidade de vida.

Me parece fundam ent al, neste exercício, deixar claro, desde o início, que não pode existir um a prát ica educat iva neut ra, descom prom et ida, apolít ica. A diret ividade da prát ica educat iva que a faz transbordar sem pre de si m esm a e perseguir um certo fim , um sonho, um a utopia, não perm ite sua neutralidade. A im possibilidade de ser neutra não tem nada que ver com a arbitrária im posição que faz o educador aut orit ário a “ seus” educandos de suas opções.

É por isso que o problem a real que se nos coloca não é o de insistir num a teim osia sem sucesso – a de afirm ar a neut ralidade im possível da educação, m as, reconhecendo sua polit icidade, lut ar pela post ura ét ico- dem ocrát ica de acordo com a qual educadoras e educadores, podendo e devendo afirmar- se em seus sonhos, que são polít icos, se impõem, porém:

1) deixar claro aos educandos que há out ros sonhos cont ra os quais, por várias razões a ser explicadas, os educadores ou as educadoras podem at é lut ar;

2) que os educandos têm o direito de ter o dever de ter os seus sonhos tam bém , não im port a que diferent es ou opost os aos de seus educadores.

O respeito aos educandos não pode fundar- se no escam ot eam ent o da verdade – a da polit icidade da educação e na afirm ação de um a m entira: a sua neutralidade. Um a das bonitezas da prática educat iva est á exat am ent e no reconhecim ent o e na assunção de sua polit icidade que nos leva a viver o respeit o real aos educandos ao não t rat ar, de form a sub- reptícia ou de form a grosseira, de impor- lhes nossos pont os de vist a.

Não pode haver cam inho m ais ético, m ais verdadeiram ent e dem ocrát ico do que t est em unhar aos educandos com o pensam os, as razões por que pensam os desta ou daquela form a, os nossos sonhos, os sonhos por que brigam os, m as, ao m esm o tem po, dando- lhes provas concret as, irrefut áveis, de que respeit am os suas opções em oposição às nossas.

Não haveria exercício ét ico- dem ocrático, nem sequer se poderia falar em respeito do educador ao pensam ent o diferent e do educando se a educação fosse neut ra – vale dizer, se não houvesse ideologias, polít ica, classes sociais. Falaríam os apenas de equívocos, de erros, de inadequações, de “ obst áculos epist em ológicos” no processo de conhecim ent o, que envolve ensinar e aprender. A dim ensão ét ica se rest ringiria apenas à com pet ência do educador ou da educadora, à sua form ação, ao cumprim ent o de seus deveres docent es, que se est enderia ao respeit o à pessoa hum ana dos educandos.

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im perativo que exige a eticidade do educador e sua necessária m ilitância dem ocrática a lhe exigir a vigilância perm anente no sentido da coerência ent re o discurso e a prát ica. Não vale um discurso bem art iculado, em que se defende o direit o de ser diferent e e um a prát ica negadora desse direit o.

A natureza form adora da docência, que não poderia reduzir- se a puro processo t écnico e m ecân ico de t ransferir conhecim ent os, enfat iza a exigência ét ico- dem ocrát ica do respeit o ao pensam ent o, aos gost os, aos receios, aos desej os, à curiosidade dos educandos. Respeit o, cont udo, que não pode exim ir o educador, enquanto autoridade, de exercer o direit o de t er o dever de est abelecer lim ites, de propor t ar efas, de cobr ar a execução das m esm as. Lim ites sem os quais as liberdades correm o risco de perder- se em licenciosidade, da m esm a form a com o, sem lim ites, a autoridade se extravia e vira autoritarism o.

A im possibilidade ainda de poder ser a educação neut ra coloca ao educador ou educadora, perm it a-se- m e a repetição, a im periosa necessidade de optar, quer dizer, de decidir, de rom per, de escolher. Mas, lhe coloca t am bém a necessidade da coerência com a opção que fez. Coerência que j am ais podendo ser absolut a, cresce no aprendizado que vam os fazendo pela percepção e const at ação das incoerências em que nos surpreendem os. É descobrindo a incoerência em que caím os que, se realm ente hum ildes e com prom etidos com serm os coerentes, avançam os no sent ido de dim inuir a incoerência. Esse exercício de busca e de superação é, em si, j á, um exercício ét ico.

Façam os agora um as rápidas considerações sobre a quest ão da qualidade ou das qualidades1.

Os gregos se preocuparam com as qualidades das coisas, dos obj et os, dos seres. Preocupação que continuou durante a im plantação da ciência m oderna m as foi Locke quem m ais sistem atizou a quest ão no seu An Essay concerning hum an underst anding. Em seu est udo m et iculoso ele classific a as qualidades em :

a) Prim árias b) Secundárias c) Ter ciár ias.

As qualidades prim árias independem , para sua existência, da presença de um observador – m ovim ento, figura, form a, im penetrabilidade, dureza –, enquant o as secundárias exist em com o cont eúdos de consciência – dor , cor , gost o, et c. –, causados em nós pelas qualidades prim árias e secundárias inerent es à m at éria.

As terciárias são as que se som am às prim árias e às secundárias; são valores que atribuím os às coisas que têm suas qualidades prim árias.

São as qualidades t erciárias as que, sobret udo, nos int eressam aqui na análise da frase educação e qualidade.

Um a prim eira afirm ação que gostaria de fazer é a de que assim com o é im possível pensar a educação de form a neutra é im possível igualm ente pensar a valoração que se dê a ela neutralm ente. Não há qualidades por que lutem os no sentido de assum i - ias, de com elas requalificar a prát ica educat iva, que possam ser consideradas com o absolut am ent e neut ras, na m edida m esm a em que, valores, são vistas de ângulos diferent es, em função de int eresses de classes ou de grupos.

É nest e sent ido, por exem plo, que t em os de reconhecer que se, de um pont o de vist a progressist a, a prát ica educat iva deve ser, coerent em ent e, um fazer desocult ador de verdades e não ocult ador, nem sem pre o é do ponto de vista reacionário. E se o faz, o será de form a diferente. É que há form as ant agônicas de ver a verdade – a dos dom inantes e a dos dom inados.

1 Pet er Angeles, Dictionary of Philosophy. Harper Collins, 1992.

A. R. Lacey, A Dictionary of Philosophy. Routledge, 1991.

Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia. São Paulo, Edit ora Mest re Jou, 1970. Dict ionary of Philosophy, edit ed by Dagobert D. Runes, 1983.

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No fundo, ocult ar ou desocult ar verdades não é um a prát ica neut ra.

Um racista ensina que o que lhe parece ser a “ inferioridade” do negro radica na genét ica, dando ainda ares de ciência a seu discurso. Um sect ário de esquerda, necessariam ent e aut orit ário, nega o papel da subj et ividade na Hist ória e nega t udo o que difere de si. Recusa qualquer diferença. Confront a o diferent e, vaia - o, ofende- o, enquanto o antagônico, seu inim igo principal, descansa em paz.

A t ít ulo de exercício em t orno de afirm ações que venho fazendo nest e pequeno t ext o, reflit am os um pouco sobre o enunciado dos t rês t emas.

1) Educação para a Qualidade.

O enunciado deixa claro que nos est am os referindo a um a cert a educação cuj o obj et ivo é a qualidade, um a qualidade fora da educação e não a “ qualidade prim ária” que a prática educativa tem em si. Um a certa qualidade com que sonham os, um cert o obj et ivo. Mas, exat am ent e porque não há um a qualidade substantiva, cuj o perfil se ache universalm ente feito, um a qualidade da qual se diga: est a é a qualidade, tem os de nos aproxim ar do conceito e nos indagar em torno de que qualidade est am os falando. É exat am ent e quando percebem os que há qualidades e qualidades, enquant o qualidade t erciária, quer dizer, valor que at ribuím os aos seres, às coisas, à prát ica educat iva.

Nos Estados Unidos, por exem plo, se vem falando, de um tem po para cá, em excelência da

educação. Um a coisa era o que o president e Nixon ou o President e Reagan ent endiam por excelência da educação e out ra, apost a, era e é o que pensadores radicais, com o Giroux, Madaleine Grum et, Michael Apple, MacLaren, I ra Shor, Donaldo Macedo ou econom ist as com o Mart in Carnoy, Bowls, Gint ies e cient ist as polít icos com o St anley Aronowit z, alongados t am bém em pedagogos, pensam da excelência, para falar só nest es.

Um elitista com preende a expressão com o um a prática educativa centrando- se em valores das elites e na negação im plícita dos valores populares. O culto da sintaxe dom inante e o repúdio, com o feiúra e corruptela, da prosódia, da ortografia e da sintaxe populares. Por outro lado, um dem ocrat a radical, j am ais sect ário, progressist am ent e pós- m oderno, entende a ex- pressão com o a busca de um a educação séria, rigorosa, dem ocrática, em nada discrim inadora nem dos renegados nem dos favorecidos. I sso, porém , não significa um a prát ica neut ra, m as desveladora das verdades, desocultadora, ilum inadora das t ram as sociais e hist óricas.

Um a prática fundam entalm ente j usta e ética contra a exploração dos hom ens e das m ulheres e em favor de sua vocação de ser m ais.

O m esm o tipo de análise se estende aos tem as 2 e 3.

O tem a 2 diz: Qualidade da Educação. Aparent e- m ent e aqui no enunciado do t em a 2, a palavra

educação se refere a um a provável qualidade prim ária do conceit o de educação. Na verdade,

cont udo, a explicit ação da significação da palavra qualidade vem à t ona quando o redat or do enunciado diz: rela t o da experiência da Secret aria da Educação Municipal de São Paulo. Fica claro, pois, que não se t rat a de qualquer qualidade da educação, m as de um a cert a qualidade, a que caract erizou e ainda caract eriza a adm inist ração da cidade de São Paulo ( Adm inist ração pet ist a de Luiza Erundina, 1989 - 1992) . Essa adm inistração, por sua vez, não se bate por qualquer tipo de qualidade, m as por um a certa qualidade da educação – a dem ocrática, popular, rigorosa, séria, respeitadora e estim uladora da presença popular nos dest inos da escola que se vá t ornando cada vez m ais um a escola alegre. Escola alegre que Snyders tanto defende.

O terceiro tem a, Educação e Qualidade de Vida, se oferece ao m esm o t ipo de análise e revela t ant o quant o os out ros a nat ureza polít ica não só da educação m as da qualidade, enquanto valor.

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Qualidade da educação; educação para a qualidade; educação e qualidade de vida, não im porta em que enunciado se encontrem , educação e qualidade são sem pre um a quest ão polít ica, fora de cuj a reflexão, de cuja com preensão não nos é possível entender nem um a nem outra.

Não há, finalm ente, educação neutra nem qualidade por que lutar no sentido de reorientar a educação que não im plique um a opção política e não dem ande um a decisão, tam bém política de m aterializá- la.

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ALFABETI ZAÇÃO COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO DA CI DADANI A

Est e é o t em a sobre o qual m e propuseram falar aqui e agora os organizadores dest e encont ro.

É interessante observar a m aneira pela qual se com binam ou relacionam os term os da frase, em que a conj unção com o, valendo enquanto, na qualidade de, est abelece um a relação operacional entre alfabet ização e form ação da cidadania. É verdade que o bloco elem ent o de form ação am eniza um pouco a significação da força que, de cert a form a, se em prest a à alfabet ização, no corpo da frase. Seria m ais fort e ainda se disséssem os: a alfabet ização com o form ação da cidadania ou a alfabet ização com o form adora da cidadania.

Por outro lado, se faz necessário, neste exercício, relem brar que cidadão significa indivíduo no gozo dos direit os civis e polít icos de um Est ado e que cidadania t em que ver com a condição de cidadão, quer dizer, com o uso dos direit os e o direit o de t er deveres de cidadão.

Buscar a int eligência da frase significa, de fat o, indagar em t orno dos lim it es da alfabet ização com o prát ica capaz de gera r nos alfabetizandos a assunção da cidadania ou não. I m plica pensar tam bém nos obst áculos com os quais nos defront am os na prát ica e sobre os quais ou sobre alguns dos quais espero falar m ais adiante.

Considerando que a alfabetização de adultos, por m ais im portante que sej a, é um capítulo da prát ica educat iva, m inha indagação se orient a no sent ido da com preensão dos lim it es da prát ica educat iva, que abrange a prát ica da alfabet ização, bem com o dos obst áculos acim a referidos.

A prim eira afirm ação que devo fazer é a de que não há prática, não im porta em que dom ínio, que não est ej a subm et ida a cert os lim it es. A prát ica que é social e hist órica, m esm o que t enha um a dim ensão individual, se dá num certo contexto tem po- espacial e não na int im idade das cabeças das gent es. É por isso que o volunt arism o é idealist a, pois se funda precisam ent e na com preensão ingênua de que a prát ica e a sua eficácia dependem apenas do suj eit o, de sua vont ade e de sua coragem . E por isso, por outro lado, que o espontaneísm o é irresponsá vel, porque im plica a anulação do intelectual com o organizador, não necessariam ente autoritário, m as organizador sem pre, de espaços para o que é indispensável sua intervenção. Voluntarism o e espontaneísm o têm am bos assim sua falsidade no m enosprezo aos limites. No prim eiro, se desrespeitam os lim ites porque nele só há um , o da vont ade do volunt arist a. No segundo, o int elect ual não int ervém , não direciona, cruza os braços. A ação se ent rega quase a si m esm a, é m ais alvoroço, algazarra.

Nest e sent ido, volunt arism o e espont aneísm o se const it uem com o obst áculos à prát ica educat iva progressist a.

A com preensão dos lim it es da prát ica educat iva dem anda indiscut ivelm ent e a claridade polít ica dos educadores com relação a seu proj eto. Dem anda que o educador assum a a polit icidade de sua prát ica. Não bast a dizer que a educação é um at o polít ico assim com o não bast a dizer que o at o polít ico é t am bém educat ivo. É preciso assum ir realm ent e a polit icidade da educação. Não posso pensar- m e progressist a se ent endo o espaço da escola com o algo m eio neutro, com pouco ou quase nada a ver com a lut a de classes, em que os alunos são vist os apenas com o aprendizes de cert os obj et os de conhecim ent o aos quais em prest o um poder m ágico. Não posso reconhecer os lim it es da prát ica educat ivo- polít ica em que m e envolvo se não sei, se não est ou claro em face de a favor de quem prat ico. O a favor de quem prat ico m e sit ua num cert o ângulo, que é de classe, em que divisa o cont ra quem prat ico e, necessariam ent e, o por que prat ico, ist o é, o próprio sonho, o t ipo de sociedade de cuj a invenção gost aria de part icipar.

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Um a coisa, por exem plo, foi trabalhar em alfabet ização e educação de adult os no Brasil dos fins dos anos cinqüent a e com eços dos sessent a, out ra, foi t rabalhar em educação popular durant e o regime militar.

Um a coisa foi trabalhar no Brasil, na fase do regim e populista que, por sua própria am bigüidade, ora continha as m assas populares ora as trazia às ruas, às praças, o que term inava por lhes ensinar a vir às ruas por sua cont a, out ra, foi t rabalhar em plena dit adura m ilit ar com elas reprim idas, silenciadas e assustadas. Pretender obter no segu ndo m om ent o o que se obt eve no ant erior na aplicação de um a cert a m et odologia revela falt a de com preensão hist órica, desconhecim ento da noção de lim ite. Um a coisa foi trabalhar no início m esm o da ditadura m ilitar, out ra, nos anos set ent a. Um a coisa foi fazer educação popular no Chile do governo Allende, out ra é fazer hoje, na ditadura. Um a coisa foi trabalhar em áreas populares no regim e Som oza na Nicarágua, out ra, é t rabalhar hoj e, com o seu povo se apossando de sua hist ória.

O que quero dizer é que um a mesm a com preensão da prática educativa, um a m esm a m etodologia de t rabalho não operam necessariam ent e de form a idênt ica em cont ext os diferent es. A int ervenção é histórica, é cultural, é política. É por isso que insisto tanto em que as experiências não podem ser transplantadas m as reiventadas. Em outras palavras, devo descobrir, em função do m eu conhecim ento tão rigoroso quanto possível da realidade, com o aplicar de form a diferente um m esm o princípio válido, do ponto de vista de m inha opção política.

A leitura at ent a e crít ica da m aior ou m enor int ensidade e profundidade com que o conflit o de classes vai sendo vivido nos indica as form as de resist ência possíveis das classes populares, em certo m om ento. Sua m aior ou m enor m obilização que envolve sem pre um certo grau de organização. A lut a de classes não se verifica apenas quando as classes t rabalhadoras, mobilizando- se, organizando- se, lutam claram ente, determ inadam ente, com suas lideranças, em defesa de seus int eresses, m as, sobret udo, com vist as à superação do sist em a capit alist a. A lut a de classes exist e t am bém , lat ent e, às vezes escondida, ocult a, expressando- se em diferent es form as de resist ência ao poder das classes dom inant es. Form as de resist ência que venho cham ando “m anhas” dos oprim idos, no fundo, “im unizações” , que as classes populares vão criando em seu corpo, em sua linguagem , em sua cultura. Daí a necessidade fundam ental que tem o educador popular de com preender as form as de resist ência das classes populares, suas fest as, suas danças, seus folguedos, suas lendas, suas devoções, seus m edos, sua sem ânt ica, sua sint axe, sua religiosidade. Não m e parece possível organizar program as de ação político- pedagógica sem levar seria- m ent e em cont a as resist ências das classes populares.

É preciso ent ender que as form as de resistência envolvem em si m esm as lim ites que as classes populares se põem com relação à sua sobrevivência em face do poder dos dom inantes. Em m uitos m om entos do conflito de classe, as classes populares, m ais im ersas que em ersas na realidade, têm em sua resist ência um a espécie de m uro por det rás de que se escondem . Se o educador não é capaz de entender a dim ensão concreta do m edo e, discursando num a linguagem já em si difícil, propõe ações que ult rapassam dem asiado as front eiras da resist ência, obviam ent e será recusado. Pior ainda, pode intensificar o m edo dos grupos populares. I sto não significa que o educador não deva ousar. Precisa saber, porém , que a ousadia, ao im plicar um a ação que vai m ais além do lim ite aparente, tem seu lim ite real.

Se falt a est e à percepção do grupo popular não pode falt ar ao educador.

Em últim a análise, quanto m ais rigorosam ente com petentes nos considerem os a nós m esm os e a nossos pares, t ant o m ais devem os reconhecer que, se o papel organizador, int erferent e, do educador progressista não é j am ais o de aloj ar- se, de arm as de bagagens, na cot idianidade popular, não é tam bém o de quem , com desprezo inegável, considera nada ter a fazer com o que lá ocorre. A cotidianidade, Karel Kosik1 deixou- o m uito claro em sua Dialét ica do concr et o, é o espaço- t em po em que a m ent e não opera epist em ologicam ent e em face dos obj et os, dos dados, dos fat os. Se dá cont a deles m as não apreende a razão de ser m ais profunda dos m esm os. I st o não significa, porém , que eu não possa e não deva tom ar a cotidianidade e a form a com o nela m e

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m ovo no m undo com o objeto de m inha reflexão; que não procure superar o puro dar- m e cont a dos fat os a part ir da com preensão crít ica que dele vou ganhando.

Às vezes, a violência dos opressores e sua dom inação se fazem t ão profundas que geram em grandes set ores das classes populares a elas subm et idas um a espécie de cansaço exist encial que, por sua vez, est á associado ou se alonga no que venho cham ando de anest esia hist órica, em que se perde a idéia do am anhã com o projeto. O am anhã vira o hoje repetindo- se, o hoj e violent o e perverso de sem pre. O hoj e do ontem , dos bisavós, dos avós, dos pais, dos filhos e dos filhos destes que virão depois. Daí a necessidade de um a séria e rigorosa “ leitura do m undo” , que não prescinde, pelo cont rário, exige um a séria e rigorosa leit ura de t ext os. Daí a necessidade de com pet ência cient ífica que não exist e por ela e para ela, m as a serviço de algo e de alguém , port ant o cont ra algo e cont ra alguém ... Daí a necessidade da int ervenção com pet ent e e dem ocrática do educador nas situações dram áticas em que os grupos populares, dem itidos da vida, estão com o se tivessem perdido o seu endereço no m undo. Explorados e oprim idos a tal ponto que até a identidade lhes foi expropriada2.

Recent em ent e, em conversa com igo em que falava de sua prát ica num a área cast igada, sofrida, da periferia de São Paulo, um a pré- escola que funciona em salão paroquial e de cuj a direção hoj e fazem part e represent ant es das fam ílias locais, m e descreveu a educadora Madalena Freire Weffor t um dos seus m om entos de intervenção.

O caso de Madalena t em que ver com as reflexões que fiz ant eriorm ent e.

Rondando a escola, peram bulando pelas ruas da vila, sem inua, suj o na cara, que escondia sua beleza, alvo de zom baria das out ras crianças e dos adult os t am bém , vagava perdida, e o pior, perdida de si m esm a, um a espécie de m enina de ninguém .

Um dia, diz Madalena, a avó da m enina a procurou pedindo que recebesse a neta na escola, dizendo tam bém que não poderia pagar a quota quase sim bólica est abelecida pela direção popular da escola.

“ Não creio que haj a problem a, disse Madalena, com relação ao pagam ento. Tenho, porém , um a exigência para poder receber ‘Carlinha’. que m e chegue aqui lim pa, banho tom ado, com um m ínim o de roupa. È que venha assim t odos os dias e não só am anhã.” A avó aceit ou e prom et eu que cum priria. No dia seguinte Carlinha chegou à sala com pletam ente m udada. Lim pa, cara bonita, feições descobert as, confiant e. Cabelos louros, para surpresa de t oda gent e.

A lim peza, a cara livre das m arcas do suj o, sublinhavam sua presença na sala. Em lugar das zom barias, elogios dos outros m eninos. Carlinha com eçou a confiar nela m esm a. A avó com eçou a acreditar tam bém não só em Carlinha m as nela igualm ente. Carlinha se descobriu; a avó se re-descobriu.

Um a apreciação ingênua diria que a intervenção de Madalena teria sido pequeno- burguesa, elit ist a, alienada. Com o exigir que um a criança favelada venha à escola de banho tom ado?

Madalena, na verdade, cum priu o seu dever de educadora progressist a. Sua int ervenção possibilit ou à criança e à sua avó a conquist a de um espaço, o da sua dignidade, no respeit o dos outros. Am anhã, será m ais fácil a Carlinha se reconhecer, tam bém , com o m em bro de um a classe toda, a trabalhadora, em busca de m elhores dias.

Sem int ervenção do educador, int ervenção dem ocrát ica, não há educação progressist a.

Mas, a int ervenção do educador não se dá no ar. Se dá na relação que est abelece com os educandos no cont ext o m aior, em que os educandos vivem sua cot idianidade na qual se cria um

2 É preciso deixar claro, m esm o correndo o risco de repetir- m e, que a superação de um a tal form a de

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