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Canalopatias e risco de morte súbita.

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Academic year: 2021

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ICBAS-UP

CANALOPATIAS E RISCO DE MORTE SÚBITA

Artigo de revisão bibliográfica

Ana Margarida Fernandes Ribeiro

Orientador

Dr. António Hipólito Reis

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1

Índice

Resumo 2

Introdução 4

Abordagem do paciente com risco de morte súbita cardíaca 6

Síndrome de Brugada 11

Síndrome do QT longo congénito 20

Síndrome do QT curto 26

Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica 29

Conclusão 32

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2

Resumo

As canalopatias são doenças hereditárias caracterizadas por uma susceptibilidade aumentada a arritmias e que, frequentemente, levam à morte súbita cardíaca, sobretudo em jovens aparentemente saudáveis. Apesar do grande progresso feito nesta área nas últimas décadas, a abordagem e o prognóstico destes pacientes permanece um assunto controverso. Perante a grande variabilidade fenotípica, que vai desde a ausência de sintomas até à morte súbita cardíaca, foi objectivo deste trabalho a pesquisa de parâmetros que ajudem a estratificar o risco e desta forma reunir a informação sobre quais os marcadores que permitem estimar o prognóstico destes pacientes.

Sintomas prévios, história familiar de morte súbita cardíaca, determinados achados electrocardiográficos e características genéticas são os marcadores actualmente disponíveis para a estratificação do risco. Contudo, apesar destas doenças possuírem uma base fisiopatológica semelhante, os factores que parecem predizer o prognóstico variam muito entre elas. Para a Síndrome de Brugada, é a presença de sintomas o que identifica o maior risco; mas nesta doença, até mesmo o género parece influenciar o risco. No Síndrome do QT longo, o intervalo QTc é o factor preditor de morte súbita cardíaca mais importante; já na Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica, estudos recentes vieram contradizer os critérios anteriormente propostos pela Sociedade Europeia de Cardiologia na estratificação do risco. Na Síndrome do QT curto, a canalopatia mais recente, os estudos até agora realizados não conseguiram identificar nenhum factor preditor de arritmias.

Assim, as dúvidas relativas à estratificação do risco nas canalopatias permanecem por esclarecer, sendo necessários estudos de larga escala que obtenham dados conclusivos. A apresentação clínica é muito variável de indivíduo para indivíduo de forma que, perante a ameaça de morte súbita cardíaca, até nos pacientes de baixo risco se opta frequentemente pela colocação de um cardioversor-desfibrilhador implantável como forma de prevenção.

Palavras-chave: Canalopatia, Morte súbita cardíaca, Síndrome de Brugada, Síndrome do QT longo, Síndrome do QT curto, Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica

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3

Abstract

Channelopathies are inherited diseases characterized by increased susceptibility to arrythmias and that, frequently, lead to sudden cardiac death, mostly in apparently healthy young people. Despite the substantial progress made in the past decades, approach and prognosis of these patients remains a controversial subject. Because of the great phenotypic variability, that goes from no symptoms to sudden cardiac death, the goal of this work became the search of parameters that help to estimate risk and collect information about markers that allow the assessment of these patients prognosis.

Previous symptoms, family history of sudden cardiac death, specific electrocardiographic findings and genetic features are the currently available markers for risk stratification. However, despite the similar pathophysiologic basis of these diseases, factors that seem to predict prognosis vary widely among them. For the Brugada syndrome, the presence of symptoms is the marker that predicts the biggest risk; but, in this disease, even gender seems to influence risk. In Long QT syndrome, the QTc interval is the most important predictor of SCD, while in Catecholaminergic polymorphic ventricular tachycardia, recent studies contradict the criteria for risk stratification defined by the European Society of Cardiology. In Short QT syndrome, the most recent channelopathy, studies carried out so far failed to identify any arryhthmias predictor.

Thus, doubts relating to risk stratification in channelopathies remain unclear, requiring large-scale studies with conclusive data. The clinical presentation varies widely among patients and as the sudden cardiac death threat remains, even in low risk patients many physicians opt for the placement of an implantable cardioverter defibrillator for prevention.

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Introdução

Em 2006, o American College of Cardiology, a American Heart Association e a Heart Rhythm Society definiram a morte súbita cardíaca (MSC), como cessação repentina da actividade cardíaca com consequente deterioração rápida do estado de consciência, levando à ausência de actividade respiratória e da circulação sanguínea, o que implica a instituição de medidas de suporte imediatas, pois, caso contrário, evolui muito rapidamente para um desfecho fatal.(1) Considera-se uma morte natural de causa cardíaca, que se manifesta por perda abrupta do estado de consciência, dentro de uma hora após o início dos sintomas agudos; a doença cardíaca poderá já ser conhecida, mas o momento e a forma como ocorre a morte são inesperados.

A MSC representa um problema cada vez mais actual e debatido pelos meios de comunicação social e que gera uma preocupação crescente por parte da população em geral. Um estudo publicado em 2001, que recolheu dados de 1889 a 1998, estimou que a MSC contribua para aproximadamente 15% da mortalidade total nos EUA e outros países industrializados.(2) Outro estudo estimou uma incidência anual de MSC na população geral de 1 por cada 1000, mas este número provavelmente subestima a verdadeira incidência pois os eventos não testemunhados tornam-se difícieis de categorizar e não são incluídos.(3,4) A MSC é, ainda, responsável por mais de 50% de todas as mortes de causa cardiovascular, contribuindo para mais de 300 000 mortes, anuais, nos EUA.(2,5-6)

As causas mais importantes de MSC incluem a doença cardíaca isquémica, as anomalias das artérias coronárias e as doenças miocárdicas primárias: cardiomiopatia hipertrófica, cardiomiopatia dilatada e displasia arritmogénica do ventrículo direito. O risco de MSC é, portanto, superior em pacientes com doença cardíaca estrutural, mas esta condição também ocorre em indivíduos com coração, aparentemente, normal. Num estudo de 121 casos de MSC, 48% possuiam função ventricular esquerda normal.(7) Entre estes pacientes, metade não tinha história de doença coronária estabelecida.Vários outros estudos estimaram que aproximadamente 10 a 12% dos casos de morte súbita entre indivíduos com idade inferior a 45 anos ocorre na ausência de doença cardíaca estrutural. Os síndromes hereditários arritmogénicos (Síndrome de Brugada, Síndrome do QT longo, Síndrome do QT curto e Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica) parecem estar incluídos nestes casos, dada

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5 a sua predisposição para gerar arritmias ventriculares em corações estruturalmente normais. Constituem as chamadas canalopatias, um grupo de doenças caracterizado por alterações dos canais iónicos transmembranares, que participam no potencial de acção celular, e que levam a susceptibilidade aumentada para arritmias. São doenças puramente eléctricas e que, caracteristicamente, não apresentam doença cardíaca estrutural associada. Nas últimas duas décadas, foi feito um grande progresso na compreensão da electrofisiologia da célula miocárdica, graças à extensa pesquisa realizada nesta área e que procurou, incessantemente, compreender a base destas doenças.

Apesar dos avanços no tratamento das patologias cardíacas, a evolução dos pacientes com história de MSC prévia, de uma forma geral, permanece reservado.(1)

O aparecimento de terapêuticas eficazes no tratamento das canalopatias, sobretudo o cardioversor-desfibrilhador implantável (CDI), levou à necessidade de um rastreio universal que permita o diagnóstico atempado destas doenças cardíacas ocultas, uma abordagem multifacetada que inclua avaliações clínica, anatómica, genética e metabólica. Mas uma vez que a avaliação cardíaca prospectiva de toda a população não é economicamente viável, talvez a solução passe por determinar os subgrupos de alto risco.

Com este trabalho de pesquisa bibliográfica pretende-se fazer um levantamento dos artigos mais recentes e relevantes que abordam o tema “As canalopatias” e que nos alertam para a necessidade de sensibilizar a comunidade médica para a existência de um conjunto de patologias, de carácter hereditário, que apesar de silenciosas durante uma grande parte da vida dos portadores, apresentam risco elevado de MSC. Esta, é muitas vezes a primeira manifestação da doença. A possibilidade de identificação desta população de doentes e a estratificação do risco, podem hoje ajudar a seleccionar quais os doentes que poderão beneficiar de um tratamento altamente eficaz na prevenção da MSC e que é a implantação de um CDI.

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6

Abordagem do paciente com risco de morte súbita cardíaca

História familiar

Num paciente jovem com sintomas do foro cardíaco, a história de casos familiares de morte súbita prematura deve levar à preocupação imediata do médico.(8) Todos os pacientes devem ser questionados, especificamente sobre a presença de sintomas cardíacos, a história familiar detalhada de, pelo menos, três gerações e a ocorrência de MSC na família. Por exemplo, uma história de síndrome de morte súbita infantil, surdez congénita ou afogamento são sugestivos de Síndrome do QT longo (SQTL).

Esta história familiar na ausência de doença cardíaca estrutural aparente está associada a um aumento do risco para MSC primária. Foi estimado que o risco relativo ajustado, comparando a controlos, é de 1.6 a 1.8 em indivíduos sem doença cardíaca estrutural aparente com um familiar de 1º grau vítima de MSC.(9,10) Algumas destas famílias possuem doenças cardíacas hereditárias, como foi demonstrado num estudo de 147 familiares de 1º grau de 32 pacientes que sofreram MSC e que foram submetidos a avaliação detalhada.(11) Sete (22%) das 32 familias sofriam de uma doença cardíaca hereditária, incluindo quatro com SQTL, uma com distrofia miotónica e uma com cardiomiopatia hipertrófica.

A avaliação dos familiares das vítimas de morte súbita deve procurar a identificação quer das doenças miocárdicas primárias quer dos síndrome arritmogénicos hereditários. Questionar as famílias sobre os sintomas premonitórios da vítima e as circunstâncias da morte pode fornecer pistas importantes para o diagnóstico. O SQTL, por exemplo, tem vários subtipos clínicos causados por diferentes mutações dos canais iónicos. Os factores desencadeantes dos episódios arrítmicos parecem ser específicos de cada gene e a identificação de determinadas manifestações num indivíduo pode ajudar a prever a evolução da doença e a estimar o seu prognóstico nos restantes membros da família. Assim, obter um relatório de autópsia completo constitui o primeiro passo na avaliação clínica da família.

Sintomas prévios

Um estudo realizado em 2000, que analisou o resultado de autópsias de 270 indivíduos, encontrou evidência de anomalia estrutural em 95% dos casos, apesar

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7 dessas anomalias serem inespecíficas em 30%.(12) Entre os 14 pacientes (5,2%) com coração normal, sete tiveram sintomas prévios (síncope, palpitações ou dor torácica) e oito, uma condição identificável associada a MSC, incluindo história familiar, síndrome de pré-excitação, ou evidência de uso de fármacos associados a MSC.

1. Palpitações

Uma história de palpitações sustentadas justifica uma investigação mais aprofundada. Sintomas associados tais como dificuldade respiratória e/ou alteração da consciência levantam a suspeita de taquiarritmia ventricular e realçam a necessidade de avaliação urgente. Contrariamente, dispneia e pré-síncope apontam para arritmia supraventicular. Na presença de um coração estruturalmente normal, o esteio da avaliação do paciente com palpitações assenta na documentação do ritmo através da monitorização ambulatorial de electrocardiograma (Holter).(8) É importante não esquecer que a documentação de uma arritmia benigna na ausência de sintomas não é suficiente; um paciente com episódios assintomáticos de taquicardia supraventricular pode sentir palpitações devido a arritmia ventricular noutras ocasiões.

2. Síncope

A síncope é definida como a perda súbita da consciência e do tónus postural, com recuperação espontânea. A maioria dos episódios sincopais nos adolescentes e jovens adultos são vasovagais, com os seus factores precipitantes conhecidos: ortostatismo prolongado, alterações posturais repentinas e depleção de volume. Já uma síncope durante o esforço, recorrente, associada a outros sintomas cardíacos, que leva a lesões ou é complicada por actividade epiléptica, deve suscitar preocupação e levar a avaliação mais extensa.

Na presença de um paciente com avaliação cardíaca normal, o passo seguinte será documentar um novo episódio. O teste de Tilt tem valor limitado em pacientes com síncope inexplicada pois um teste positivo não permite excluir uma causa arrítmica primária. A monitorização de longa duração através da implantação de um detector de eventos sub-cutâneo, se necessária, apresenta maior probabilidade de esclarecer o diagnóstico.(8)

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8 3. Pré-síncope

A verdadeira pré-síncope é a sensação de perda de consciência eminente, manifestada por tontura, fraqueza, perda transitória da visão, da audição e/ou a dificuldade em manter o tónus postural. Como tal, a pré-síncope é semelhante na etiologia à síncope, justificando uma abordagem similar. Indivíduos normais, frequentemente, sentem tonturas após alterações posturais ou após cessação súbita de exercício físico. Estas tonturas e a queda da pressão arterial durante o período de recuperação são manifestações fisiológicas; de forma contrária, pré-síncope que ocorre durante o exercício já deverá suscitar preocupação.

Exames complementares de diagnóstico

No que respeita aos exames complementares, os elementos da avaliação cardíaca continuam a ser alvo de discussão. Os achados obtidos por Corrado et al sugeriram que a avaliação cardíaca que incluísse um electrocardiograma (ECG) de 12 derivações é insuficiente na identificação dos diversos síndromes hereditários arritmogénicos, pois um ECG de repouso normal não permite excluir estas hipóteses.(13) A inclusão do ecocardiograma bidimensional, da prova de esforço e do Holter neste estudo permitiria melhorar a sensibilidade, mas diminuiria o seu custo-efectividade, na população em geral. Além disso, e recorrendo ao teorema de Bayes que diz que o valor preditivo positivo de um exame de rastreio é dependente da prevalência da doença na população examinada, sabemos que o rastreio da população geral levaria, inevitavelmente, a uma proporção significativa de falsos positivos, com indivíduos saudáveis a serem submetidos a exames extensos e a serem sujeitos a um grande stress psicológico.

A avaliação cardíaca de subgrupos de alto risco seleccionados pode representar uma solução viável. Os indivíduos com sintomas cardíacos constituem o primeiro alvo. Os familiares de vítimas de MSC representam o segundo grupo-alvo, seguido dos atletas de alta competição, sujeitos a um grande nível de resistência, que devem ser encorajados a realizar uma avaliação cardíaca.

1. ECG de 12 derivações

Quando se avalia um paciente relativamente a doenças cardiovasculares hereditárias, o achado mais importante no ECG em repouso é a repolarização anormal, um sinal que traduz quase sempre doença cardíaca subjacente.(8) Diversas

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9 pequenas alterações podem ser encontradas e que no seu conjunto podem fornecer informação importante. Por exemplo, apesar do prolongamento do intervalo QT ser patognomónico de SQTL, alterações na morfologia da onda T também são comuns, rapidamente discerníveis e muitas vezes mais sensíveis. Padrões ST-T específicos têm sido reconhecidos nos diferentes subtipos de SQTL. O síndrome do QT curto (SQTC) é caracterizado por um intervalo QT <320 ms e ondas T altas e estreitas. A elevação do segmento ST é um dos sinais electrocardiográficos de Síndrome de Brugada (SB) (neste caso, o teste de provocação farmacológica com bloqueadores dos canais de sódio também é recomendado).

2. Prova de esforço

A prova de esforço constitui um exame importante da avaliação cardíaca, sobretudo para identificar SQTL e Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica (TVPC). Extrasístoles ventriculares frequentes durante o exercício constituem um sinal sensível de doença cardíaca subjacente e não devem ser assumidas como normal num indivíduo jovem. O SQTL e o SQTC podem estar associados a incapacidade de encurtar o intervalo QT perante frequências cardíacas elevadas ou então mostrar um encurtamento persistente durante o período de recuperação.

3. Holter

Monitorização electrocardiográfica ambulatorial por 24 ou 48 horas pode ser importante na documentação de bradi ou taquiarritmias espontâneas, anomalias da condução, análise do QT e quantificação de extrassístoles. Pode ainda ser útil para crianças fisicamente activas que ainda não têm capacidade de realizar a prova de esforço.

4. Teste de provocação farmacológica com bloqueadores dos canais de sódio

O padrão electrocardiográfico do SB é dinâmico e está frequentemente oculto, mas pode ser desmascarado através do teste provocativo com bloqueadores dos canais de sódio, tais como a flecaínida, a ajmalina e a procainamida. A monitorização contínua durante este teste é aconselhada dado os efeitos pro-arrítmicos destes fármacos. A ajmalina é normalmente preferida, se disponível, pois tem uma semivida

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10 de poucos minutos; a semi-vida da flecainida é de 20 horas e a sensibilidade da procainamida no diagnóstico do SB tem sido posta em causa.

Estes teste é recomendado na ausência de doença cardíaca estrutural nos seguintes pacientes: (1) familiares de indivíduo com diagnóstico de SB; (2) pacientes com achados no ECG compatíveis com SB; (3) paciente com episódio de síncope inexplicada e (4) familiares de vítima de MSC, particularmente se esta ocorreu durante o sono.(8)

5. Análise genética molecular

Nas últimas duas décadas muito se tem descoberto sobre a base genética das doenças cardíacas, em especial dos síndrome arritmogénicos primários. A genotipagem de um indivíduo afectado permite o rastreio dos familiares assim como torna possível esclarecer dúvidas diagnósticas em casos borderline. Além disso, a evolução clínica da doença e a resposta à terapêutica variam conforme o genótipo, podendo identificar grupos de maior risco.

Contudo, a não descoberta da mutação num dos genes conhecidos como causadores de determinada doença não permite excluí-la como hipótese diagnóstica pois muitos genes e mutações ainda permanecem por identificar.

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Síndrome de Brugada

A síndrome constituída por bloqueio de ramo direito, elevação do segmento ST e MSC, mais conhecida por Síndrome de Brugada (SB), foi descrita pela primeira vez em 1992 como uma nova síndrome clínica e electrocardiográfica que envolvia uma susceptibilidade a arritmias ventriculares e MSC em pacientes jovens sem doença cardíaca estrutural aparente e que ocorrem, habitualmente, durante o descanso e à noite.

A SB é a causa de 4 a 12% de todas as MSC e de até 20% das MSC que ocorrem em corações estruturalmente normais.(14) A prevalência do SB está calculada em 5/10000, mas este número parece subestimar a actual prevalência, já que muitos pacientes podem ter formas silenciosas da doença, isto é, o padrão electrocardiográfico pode ser dinâmico e está muitas vezes oculto, pelo que é difícil estimar a verdadeira prevalência da doença na população geral.(15)

Os pacientes com SB, frequentemente, mantém-se assintomáticos. Contudo, 17 a 42% podem apresentar síncope ou MSC consequentes a arritmia ventricular em algum momento da sua vida.(16)

Graças às inúmeras investigações realizadas nos últimos 19 anos, foi possível identificar múltiplas mutações causais e, por isso, compreender quais os mecanismos implicados no desenvolvimento das características fenotípicas e quais os factores determinantes do prognóstico dos pacientes. Contudo, apesar desses esforços, muitas questões importantes continuam por responder, nomeadamente qual a melhor estratégia de avaliação do risco de arritmias associadas à doença, especialmente em pacientes assintomáticos.

Definição

A SB é uma doença que se caracteriza por um padrão electrocardiográfico específico na derivações precordiais direitas e que predispõe a arritmias ventriculares malignas e, consequente, morte súbita.

Três diferentes padrões electrocardiográficos para o SB foram descritos:

a) tipo 1, caracterizado por elevação de segmento ST tipo arqueado (coved-type) ≥2

mm (0.2 mV) em mais de uma derivação precordial direita (V1-V3), seguida por ondas T negativas;

(13)

12

b) tipo 2, caracterizado por uma elevação do segmento ST ≥2 mm nas derivações

precordiais direitas, seguida por ondas T positivas ou bifásicas, resultando uma configuração côncava, em "sela de cavalo" (saddleback);

c) tipo 3, definido por qualquer um dos tipos anteriores se a elevação do segmento ST

for ≤1mm.

Apesar destes três padrões poderem ser observados na SB, o tipo 1 é o único considerado diagnóstico da doença, segundo os dois consensos publicados em 2002 e 2005.(17,14) Ambas as publicações definiram que o diagnóstico definitivo de SB deverá ser estabelecido apenas quando existe um padrão electrocardiográfico tipo 1 (na presença ou ausência de agente bloqueador dos canais de sódio) associado a pelo menos um dos seguintes critérios: fibrilhação ventricular (FV) documentada, taquicardia ventricular (TV) polimórfica documentada, arritmias ventriculares induzidas durante um estudo electrofisiológico, síncope ou respiração nocturna agónica, história familiar de MSC antes dos 45 anos de idade ou um padrão electrocardiográfico tipo 1 em familiares.

Contudo, estes critérios diagnósticos estão a tornar-se desactualizados, particularmente se tivermos em conta aspectos importantes da doença agora conhecidos, como as mutações causais. Os dados agora disponíveis demonstram que um padrão electrocadiográfico tipo 1, por si só, sem a presença de outros critérios clínicos, está associado a maior risco de MSC durante o follow-up.(15) Desta forma, todos os pacientes com este tipo de padrão, mesmo quando isolado, têm sido considerados pacientes de risco.

Prognóstico e estratificação do risco

Num estudo apresentado por Brugada et al baseado no Registo de Dados Internacional de SB, a percentagem de indivíduos que documentaram MCS ou FV em algum momento da sua vida foi de 25% (178 de 724 pacientes).(18) Incontestavelmente, este número sobrestima a incidência porque, por um lado, este estudo inclui os primeiros pacientes identificados após a descoberta da doença (normalmente o período em que apenas os casos óbvios são identificados) e, por outro lado, porque a população desta base de dados é, normalmente, a de maior risco. Contudo, nesta análise, o importante é que foi possível concluir que a incidênca de

(14)

13 eventos ameaçadores da vida variou entre 3% e 45%, justificando a necessidade de realizar uma estratificação do risco a todos os pacientes com SB.

Inicialmente, os pacientes que exibem um ECG com padrão de Brugada quer sintomáticos, quer assintomáticos, foram considerados pacientes com alto risco para MSC e tratados como tal. Contudo, estudos mais recentes demonstraram que, pelo menos os pacientes assintomáticos apresentam baixo risco para episódios arritmícos e assim a estratificação do risco e a abordagem terapêutica nestes pacientes permanece controversa.

O segundo consenso sobre SB, publicado em 2005(14), considerou o estudo electrofisiológico a base da estratégia terapêutica. Este exame diagnóstico era recomendado aos pacientes com padrão de ECG tipo 1 espontâneo e a pacientes com padrão de ECG tipo 1 documentado após teste de provocação farmacológica e com história familiar de MSC positiva (indicação classe IIb). Contudo, esta abordagem implicaria a realização de um grande número de estudos electrofisiológicos que, por sua vez, levaria a um grande número de colocações de CDI. Consequentemente teriamos, não só, grandes custos de cuidados de saúde mas também a exposição de indivíduos assintomáticos a complicações relacionada com o CDI.(19) Para além disso, e apesar deste teste ter sido assumido como uma ferramenta preciosa de estratificação dos pacientes assintomáticos, muitos estudos realizados, posteriormente, falharam em demonstrar a indutibilidade de taquiarritmias ventriculares como preditora de MSC.

(20-22)

Perante isto, o que fazer? É universalmente aceite que os pacientes com padrão ECG tipo 1 e com taquiarritmias ventriculares (pacientes com SB sintomáticos) devem receber um CDI para prevenir um segundo ataque de FV. Já para os pacientes com SB assintomáticos, a melhor estratégia é controversa pois a prevalência do aparecimento de ECG tipo Brugada, segundo análise de exames médicos de rotina, é de aproximadamente 0.1-1.0% em indivíduos saudáveis, mas o seu prognóstico é bom quando comparado com o prognóstico de pacientes sintomáticos.(23) Contudo, mesmo alguns pacientes assintomáticos com SB podem, ocasionalmente, tornar-se sintomáticos e a MSC pode ocorrer no primeiro ataque de FV. Por esse motivo, é tão necessário e urgente um marcador que permita distinguir pacientes assintomáticos de alto risco de pacientes assintomáticos de baixo risco.

Até à data, diversos parâmetros invasivos e não-invasivos já foram propostos para identificação dos pacientes com risco de FV, incluindo elevação de ST tipo 1

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14 espontânea, características da onda S, presença de potenciais tardios, coexistência de fibrilhação auricular (FA), alterações do complexo QRS, padrão de repolarização precoce nas derivações inferiores e laterais, ECG com eléctrodos colocados no terceiro espaço intercostal e indutibilidade de FV durante estimulação eléctrica programada.

Sintomas prévios

A história de MSC é um factor de risco indiscutível para nova arritmia ventricular. Dados de um estudo de Brugada et al confirmaram que, entre o pacientes com MSC prévia, 62% sofreram uma nova arritmia durante um período médio de seguimento de 54 meses.(25) Isto significa que estes pacientes devem ser protegidos com um CDI como prevenção secundária (indicação classe I).(14) Em pacientes sem paragem cardíaca prévia, Brugada et al demonstrou que a presença de síncope prévia, um padrão de ECG tipo I espontâneo ou a indutibilidade de arritmias ventriculares durante um estudo electrofisiológico também são factores de prognóstico importantes.(25) Segundo este estudo, os pacientes com história de síncope ou um padrão electrocardiográfico tipo 1 espontâneo possuem uma taxa de recorrência de 19% (em 26±36 meses de follow-up). Foi observada também um ocorrência de 8% de episódios cardíacos em pacientes inicialmente assintomáticos. Entre os pacientes assintomáticos, os de alto risco serão, portanto, os que apresentam um padrão de ECG tipo 1 espontâneo; os pacientes cuja elevação do segmento ST surge apenas após um teste de provocação farmacológica com bloqueadores dos canais de sódio parecem estar sob risco mínimo ou nenhum risco de episódios arrítmicos.

Distúrbios da condução

Os distúrbios da condução podem, por vezes, ser observados em ECGs de pacientes com SB. De facto, uma diminuição nas correntes de sódio pode levar aos dois fenótipos (SB e distúrbio da condução), quer isolados quer ambos na mesma família. Num estudo de 2008, Junttila et al verificou que determinados distúrbios da condução, tais como um complexo QRS prolongado são observados mais frequentemente entre pacientes sintomáticos do que entre assintomáticos.(26) Nesta população, um ponto de cut-off para o QRS ≥120ms previu efectivamente um odds

ratio=2.5 (intervalo de confiança 95%, 1.4-4.6; p=0.003) de ser sintomático. Por

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15 distúrbios da condução que os homens, pois a administração de bloqueadores de canais de sódio durante um teste de provocação em mulheres levou a um aumento significativamente maior do intervalo PR e da duração do QRS, quando comparado ao mesmo teste realizado em homens.(27)

Género

O fenótipo da SB é aproximadamente 8 a 10 vezes mais prevalente no sexo masculino do que no feminino.(14) De facto, cerca de 71 a 77% dos pacientes diagnosticados com SB são homens, um achado consistente um diversos estudos.(16,22,25,28) Uma análise de 2008 cujo objectivo foi precisamente avaliar as diferenças fenotípicas entre os géneros, documentou que, no momento do diagnóstico, os homens apresentavam mais frequentemente sintomas prévios e padrão electrocardiográfico tipo 1 espontâneo, para além de que desenvolveram mais frequentemente FV induzida durante o estudo electrofisiológico, quando comparados às mulheres.(27) Em termos de seguimento, 11,6% dos homens documentaram MSC ou FV durante um período médio de 58 meses, enquanto que esta taxa para a população feminina durante o mesmo período foi de 2,8% (teste de log-rank

p=0.007).

Com o objectivo de explicar o porquê da SB se manifestar mais frequentemente e de forma mais grave em homens do que em mulheres, duas hipóteses foram propostas. Por um lado, foi demonstrado que existem diferenças constituicionais nas correntes iónicas transmembranares entre sexos: a densidade das correntes de saída de potássio (Ito) epicárdicas é significativamente maior no sexo masculino o que, de acordo com a teoria do desequilíbrio iónico na fase 1 do potencial de acção, predispõe a maior elevação do segmento ST e maior susceptibilidade a arritmias ventriculares.(29) Por outro lado, há evidências que sugerem que os efeitos hormonais desempenham um papel importante nas diferenças fenotípicas entre os sexos. A este respeito, foi relatado o desaparecimento do padrão tipo 1 no ECG após castração em pacientes com SB e cancro prostático concomitante;(30) para além disso, as concentrações de testosterona parecem ser significativamente maiores em homens com SB do que em controlos.(31) Ainda a apoiar esta hipótese, a informação disponível, apesar de escassa, sobre a população pediátrica com SB não mostrou diferenças em termos de comportamento da doença

(17)

16 entre rapazes e raparigas com menos de 16 anos de idade, ou seja, antes da puberdade e dos efeitos hormonais que dela advém.(32)

Uma análise de 2009, que se debruçou sobre todas estas variáveis verificou que, de facto, os factores associados a um pior prognóstico para a população em geral (sintomas, padrão de ECG tipo 1 espontâneo e indutibilidade no estudo electrofisiológico) foram confirmados como válidos na estratificação do risco em homens.(15) Em contraste, e tendo em conta a taxa de eventos extremamente baixa em mulheres, nenhuma destas variáveis teve capacidade suficiente para identificar aquelas em maior risco. Na população feminina, contudo, os distúrbios da condução estiveram mais associados à taxa de eventos e o intervalo PR, especificamente, foi o único preditor do risco em mulheres.

Fibrilhação auricular

Como dito anteriormente, cerca de 20% dos pacientes desenvolvem arritmias supraventriculares, sobretudo FA, sendo que a presença desta arritmia foi associada a pior prognóstico. Num estudo de 2008, com 73 pacientes, Kusano et al estabeleceram que os pacientes com FA espontânea documentada mostraram uma maior evidência de síncope (60%) e FV (40%) do que os pacientes sem evidência de FA (22 e 14% respectivamente; p<0.05).(33) Cruzando variáveis (FA e género), Brugada et al demonstraram que a influência deste factor se aplica de forma semelhante tanto para a população masculina como para a feminina.(15)

Prolongamento do intervalo QT, sinal aVR, alternância da onda T e padrão de repolarização

Outros achados electrocardiográficos poderão ter significado prognóstico, entre os quais estão um intervalo QT corrigido (QTc) prolongado em V2, o sinal aVR, a presença de alternância da onda T ou um padrão de repolarização nas derivações inferiores e laterais. As anormalidades da despolarização, incluindo na duração da onda P e intervalos PR e QRS são frequentemente observados, sobretudo em pacientes com mutação SCN5A.

Pitzalis et al, em 2003, descreveu um ligeiro prolongamento do QTc nas

derivações precordiais direitas (mas não nas derivações precordiais esquerdas) em pacientes com SB, presumivelmente devido a um prolongamento preferencial da duração do potencial de acção no epicárdio ventricular direito e consequente

(18)

17 agravamento do entalhe do potencial de acção, sobretudo após a administração de bloqueadores dos canais de sódio.(34) Subsequentemente, isto foi relacionado a um pior prognóstico, especialmente se a duração do intervalo QTc em V2 fosse igual ou superior a 460 ms.

De forma semelhante, o sinal aVR (definido como a presença de uma onda R

≥3 mm ou um ratio R/q ≥0.75 na derivação aVR) foi associado a um risco aumentado de arritmias ventriculares.(35) Neste contexto, acredita-se que o aumento da onda R indique provavelmente um maior atraso na condução ventricular e, deste modo, uma maior heterogeneidade eléctrica.

A presença de alternância da onda T, também este um sinal de dispersão da repolarização, pode ser observada em pacientes com SB após a administração de bloqueadores dos canais de sódio, o que parece permitir a identificação de subgrupos com maior risco de FV durante o seguimento.(36)

Por outro lado, em 2009, foi demonstrado que até 11% dos pacientes com SB podem apresentar um padrão de repolarização precoce nas derivações inferiores ou laterais, o que também estará associado a uma maior taxa de sintomas.(37)

História familiar de MSC e factores genéticos

Nem a história familiar de MSC nem a presença de mutações no gene SCN5A foram definidos como factores de risco nos estudos de larga escala realizados até à data.

Contudo, estudos recentes indicam que outros achados genéticos poderão ter significado prognóstico. Um estudo de 2009, que inclui 147 pacientes com SB ou doença progressiva do sistema de condução, possuindo, no conjunto total, 32 mutações diferentes no gene SCN5A, Meregalli et al demonstrou que os pacientes com a mutação que resultava num codão stop prematuro (cujo efeito final é a produção de uma proteína truncada) apresentaram maior taxa de síncope que os pacientes com outros tipos de mutação (25.3% vs 5.7%, respectivamente; p=0.03).(38) Contudo, os autores não conseguiram demonstrar diferenças na taxa de complicações arrítmicas major (MSC ou FV) de acordo com a mutação. Por outro lado, outro estudo de 2009, que incluiu 188 paciente com SB, num total de 69 mutações do gene SCN5A diferentes, demonstrou diferenças na taxa de manifestações major em algum momento da vida (mutação truncada vs outras mutações, 23.9% vs 7.7%; p= 0.01).(39) Para além disso, a presença de determinados polimorfismos pareceu modular o risco entre

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18 pacientes com SB. A este respeito, foi observado que a presença concomitante do polimorfismo H558R e a mutação no gene SCN5A está associada a um fenótipo mais benigno da doença.(40)

A pesquisa destes parâmetros genéticos com valor prognóstico é especialmente atraente uma vez que a informação genética, em contraste com a informação clínica, é constitucional e, por conseguinte, não sofre variação individual.

O estudo FINGER

Em 2009 foi realizado um estudo de larga escala, que analisou os dados de 1029 pacientes incluídos no registo FINGER (dados de 4 países: França, Itália, Holanda e Alemanha).(41) Neste estudo, a taxa de manifestações cardíacas por ano foi de 7.7% em pacientes com MSC prévia, 1.9% em pacientes com síncope e 0.5% em pacientes assintomáticos; sintomas e ECG com padrão tipo 1 revelaram-se preditores dos episódios arrítmicos, mas o género, a idade, a história familiar de MSC, a indutibilidade de taquiarritmias ventriculares durante o estudo electrofisiológico e a presença de mutações SCN5A não se mostraram preditivos de arritmias; a indutibilidade de taquiarritmias ventriculares durante o estudo electrofisiológico não se mostrou apropriada para estratificação do risco de arritmia.

Neste mesmo registo, a taxa de episódios cardíacos durante o estudo electrofisiológico em pacientes com SB assintomáticos foi baixa: a MSC ocorreu em 2 (0,4%) dos 478 pacientes assintomáticos sem CDI. A taxa de episódios cardíacos foi de 0.5% ao ano. Dada esta baixa taxa de episódios, permanece difícil estabelecer uma abordagem terapêutica apropriada para pacientes assintomáticos. Mesmo na análise multivariável não foi possível identificar preditores de manifestações cardíacas para estes pacientes. Um risco de 0.5% por ano por um período de 40 anos (esperança média de vida de um paciente diagnosticado com SB) leva a um risco cumulativo potencial de 20%. Se este cálculo fosse verdadeiro, a colocação de CDI deveria ser recomendada; contudo, é de momento impossível estimar a evolução do risco de arritmia ao longo do tempo em pacientes com SB. Para tentar resolver esta questão foi realizada um subanálise dos pacientes cujo registo no FINGER foi realizado ante de 2003. A taxa de episódios por ano para esta subpopulação foi de 0.8% em pacientes assintomáticos, taxa que é similar à taxa de 0.5% calculada para toda a população assintomática. Quererá isto dizer que o risco de episódios arrítmicos nesta população permanece estável ao longo do tempo? Provavelmente não, pois deve ser realçado que

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19 no registo FINGER a idade média de desenvolvimento dos episódios arrítmicos (45 [35 a 55] anos) estava próxima à idade do diagnóstico (45±14 [35 a 55] anos). Por conseguinte, mesmo que o seguimento fosse prolongado por 3 a 6 anos, esse período permaneceria próximo ao pico do período de tempo em que ocorrem os episódios, o que levaria a uma sobrestimação do risco de episódios.

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20

Síndrome do QT longo congénito

A SQTL é uma doença causada por mutações nos genes que codificam os canais iónicos cardíacos de potássio, sódio ou cálcio, ou que codificam proteínas ligadas a esses mesmos canais iónicos, levando à sobrecarga positiva da célula miocárdica e consequente heterogeneidade no tempo de repolarização entre as várias camadas do miocárdio. Estas diferenças, que no ECG se apresentam por prolongamento do intervalo QT, facilitam o desenvolvimento de pós-despolarizações precoces e o fenómeno de reentrada, com o desenvolvimento subjacente de TV

torsade de pointes que frequentemente leva a síncope, paragem cardíaca e MSC,

normalmente em jovens até então saudáveis. Nos últimos anos diversos genes foram associados à SQTL: até ao momento, já foram identificadas 12 mutações diferentes. Entre os indivíduos com genótipo identificado, as formas LQT1 e o LQT2 constituem as mais prevalentes, contribuindo para cerca de 80 a 90% dos casos, com o LQT3 surgindo em 5 a 8% dos casos.(42) As restantes mutações são extremamente raras.

Em termos epidemiológicos, a maioria dos estudos estima a prevalência da doença entre 1/5000 e 1/20000 nados vivos.(43) Contudo, o maior estudo prospectivo sobre SQTL realizado, que analisou ECGs de 44596 crianças com idade compreendida entre 3-4 semanas, veio contradizer estes números, estimando a prevalência da SQTL em cerca de 1/2500.(44)

Apesar da definição relativamente simples da doença, a patofisiologia desta doença é complexa, não está completamente compreendida e, provavelmente, apresenta variações entre pacientes. A elevada mortalidade entre pacientes sintomáticos e não tratados e a disponibilidade de um tratamento altamente eficaz torna inaceitável a existência de pacientes sintomáticos e não diagnosticados.(45)

Estratificação do risco

Segundo um estudo de Priori et al, de 2003, que analisou e seguiu durante 28 anos 647 pacientes de 196 famílias (sem tratamento e com idades próximas dos 40 anos), 13% dos pacientes morreram subitamente ou sofreram paragem cardíaca, definindo assim a história natural da doença.(46) Este risco de eventos ameaçadores da vida torna importante ou, mais do que isso, fundamental a estratificação do risco dos pacientes com SQTL. A forma como esta estratificação é feita permanece um assunto

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21 controverso e pouco claro pois a evolução do SQTL varia segundo diversos factores, incluindo a duração do intervalo QT, síncope ou paragem cardíaca prévias, sexo, idade, história familiar e genótipo.

Intervalo QT

O intervalo QTc sempre foi considerado o principal factor de risco nos pacientes com SQTL. No estudo de Priori et al referido anteriormente, que analisou o prognóstico dos pacientes em função do genótipo, foi demonstrado que os quartis de QTc (<460 ms, entre 447 e 468 ms; entre 469 e 498 ms; >498 ms) fornecem informação importante e independente do genótipo sobre o risco dos pacientes se tornarem sintomáticos.(46)

Moss et aldemonstraram que cada aumento de 10 ms no QTc contribui para

um aumento exponencial de cerca de 5% no risco de episódios cardíacos.(47,48) Desta forma, um paciente com um QTc de 550 ms possui um risco 63% maior de desenvolver manifestações cardíacas do que um paciente com um QTc de 450 ms (1.0510 = 1.63). Diversos outros estudos demonstraram que um QTc superior a 500 ms está associado a um risco 2 a 3 vezes superior de desenvolvimento de manifestações cardíacas, definidas como síncope, paragem cardíaca ou MSC, quando comparado a um intervalo QT normal.(46,49-51)

Há assim um consenso clínico quanto ao limite de 500 ms, acima do qual o risco de arritmias ventriculares é preocupante. Contudo, quando analisamos a associação de risco cardíaco aumentado para valores de QT inferiores, as evidências são menos claras.

Outros marcadores electrocardiográficos

A alternância da onda T na polaridade ou amplitude a cada batimento, podem estar presentes em repouso por alguns momentos mas surgem mais frequentemente durante stress físico ou emocional e podem preceder a taquicardia torsade de

pointes.(45) Parecem ser um marcador de instabilidade eléctrica, identificando

pacientes em especial alto risco.

Por outro lado, muitos pacientes com SQTL têm pausas súbitas do ritmo sinusal que excedem 1,2s e que não estão relacionadas com nenhuma arritmia sinusal e que podem contribuir para o início das arritmias ventriculares nestes pacientes.(45) A

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22 sua documentação em pacientes com LQT3 representa um marcador de risco importante que deve suscitar preocupação.

Frequência cardíaca

Foi em 1975 que Schwartz et al chamaram pela primeira vez a atenção para a presença de frequências cardíacas inferiores ao normal em muitos pacientes com SQTL, um fenómeno particularmente evidente em crianças.(52) Estes autores constataram que durante o exercício, muitos pacientes com LQTS atingiam uma frequência cardíaca significativamente menor do que a população controle saudável, correspondente em idade e sexo.Apesar destas evidências, a FC parece que continua a ser um factor de risco subvalorizado no SQTL. Muitos pacientes com SQTL têm tendência a ser bradicárdicos, o que pode ainda ser agravado pela terapêutica com bloqueadores ß. Uma análise de mais de 513 familiares de pacientes com SQTL, sem terapêutica ß bloqueante, demonstrou que a bradicardia está associada a um risco duas vezes superior de episódios cardíacos, em comparação a indivíduos com FC dentro dos limites normais.(51) Este risco permaneceu significativo quando foram incluídos no estudo indivíduos sob terapêutica com bloqueadores ß. Por outro lado, este mesmo estudo revelou que a taquicardia está igualmente associada a um risco duas vezes superior de manifestações cardíacas em pacientes sem terapêutica ß bloqueante, risco este que diminuiu quando foram incluídos familiares a fazer bloqueadores ß.

Uma explicação para esta associação pode residir no facto de que perante FC baixas, há um aumento da inactivação da corrente repolarizante de saída de potássio e uma redução da corrente dependente da bomba Na+-K+-ATPase (saída de 3 Na+/entrada de 2 K+ = aumento da carga positiva no exterior). A bradicardia pode ainda potenciar a actividade de certos fármacos antiarrítmicos na repolarização (aumentando o tempo de repolarização e o intervalo QT). Esta característica é chamada reverse use dependence e pode levar a correntes iónicas que facilitam as pós-despolarizações precoces e a TV polimórfica - torsade de pointes.

Síncope

É hoje reconhecida a importância prognóstica das manifestações cardíacas prévias no SQTL. Uma análise recente demonstrou a grande importância da síncope como factor preditivo de manifestações frequentemente fatais.(53-56) Em particular, uma história recente de episódios sincopais (últimos 2 anos) está associada a um risco

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23 extremamente alto de ameaça de MSC em todas as idades, com um ratio de 5 a 27. Síncope mais remota (há mais de 2 anos) também está associada a um aumento do risco de pelo menos 2 vezes de MSC.

Período pós-parto

Também foi demonstrado que o período pós-parto constitui um momento de maior risco de manifestações cardíacas, sobretudo para mulheres com LQT2 (comparativamente a pacientes com LQT1).(57-59) Este aumento do risco parece estar relacionado principalmente com a fragmentação do sono que ocorre nesta fase.

Genótipo

É digno de atenção o facto de que diferentes mutações, mesmo dentro do mesmo gene, levam a diferentes expressões fenotípicas e diferentes níveis de risco. Até mesmo os factores que desencadeiam mais frequentemente as manifestações do SQTL variam conforme o genótipo presente: os pacientes com LQT1 estão mais propensos a desenvolver sintomas cardíacos durante o exercício, as manifestações no LQT2 surgem mais frequentemente associadas ao stress emocional ou à estimulação auditiva, e nos pacientes com LQT3 os episódios surgem sobretudo ao acordar ou durante o sono.

As investigações que têm sido feitas neste domínio apoiam o conceito de que certas mutações, com a sua localização e a topologia específicas, acarretam maior risco arritmogénico do que outras.

No estudo de Priori et al já referido anteriormente (população constituída por 647 pacientes de genótipo conhecido provenientes de 193 famílias) verificou-se que a incidência de eventos ameaçadores da vida registada foi inferior para os pacientes LQT1 comparativamente a outros genótipos, em parte devido à alta prevalência de portadores de mutações silenciosas (QTc <440 ms); o risco revelou-se superior em mulheres LQT2 vs. homens LQT2 e em homens LQT3 vs. mulheres LQT3.(46) Esta mesma análise constatou que a prevalência de "portadores silenciosos", isto é, de indivíduos com a mutação mas com QTc normal foi de 36% e que, apesar do risco de manifestações cardíacas se revelar baixo nestes indivíduos, não era igual a zero. Isto reforça a importância do rastreio genético dos familiares de indivíduos sintomáticos, mesmo que estes apresentem ECG normal.

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24

Donger et al, em 1997, sugeriram, pela primeira vez, que a topologia genética,

mais do que apenas "o gene" auxilia na estratificação do risco do doente.(60) Estes autores propuseram que as mutações localizadas na região C-terminal estariam associadas a um fenótipo menos grave, proposta que foi apoiada por Piippo et al num estudo de 2001.(61) Já Moss et al, em 2002, documentaram que os pacientes LQT2 com mutações na região do poro do KCNH2 estavam sob maior risco comparativamente aos pacientes com mutações em diferentes regiões do mesmo gene.(62) Estes mesmos autores, em 2007, demonstraram, em 600 pacientes LQT1, que tanto a localização transmembranar da mutação como o seu efeito dominante negativo são factores de risco independentes de manifestações cardíacas.(63)

Assim, parece que as mutações localizadas na região do poro da proteína estão normalmente associadas a um fenótipo mais grave quando comparadas a mutações da região C-terminal. Infelizmente, o processo de estratificação do risco não é assim tão simples: variações genéticas adicionais podem estar presentes e modificar a gravidade clínica. Como exemplo temos uma família LQT2 com a mutação A1116V localizada na região C-terminal.(64) O probando deste estudo apresentava uma forma grave da doença contrariamente aos familiares que eram todos assintomáticos, para além de que era o único membro da família que possuía o polimorfismo KCNH2-K897T, um polimorfismo muito comum; evidência electrofisiológica mostra agora que o K897T leva a um agravamento da corrente de potássio despolarizante rápida (IKr) dependente

da mutação, desmascarando a mutação LQT2 do C-terminal que, de outra forma, seria clinicamente latente.(65) Também Crotti et al conduziu um estudo que focou na mutação KCNQ1-A341V (uma mutação comum em todo o mundo e responsável pela doença em 25 famílias sul-africanas) demonstrando uma gravidade clínica preocupante e pouco comum nestas famílias sul-africanas e noutros pacientes LQT1 com diferentes origens étnicas mas com a mesma mutação A341V.(66) Contudo, sabe-se que o efeito dominante negativo da mutação KCNQ1-A341V é moderado (a perda da corrente quase não excede os 50%) pelo que este fenótipo severo, surpreendentemente, não pode ser explicado nem pela localização (transmembranar) nem pelas consequências funcionais da mutação (o seu efeito dominante negativo). Isto implica que a actual avaliação biofísica dos efeitos electrofisiológicos da SQTL-mutações causais não fornece toda a informação necessária para fazermos uma correlação genótipo-fenótipo completa.

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25 Sabemos, então, que as correlações genótipo-fenótipo no SQTL são dificultadas, sobretudo pelo facto de que nos muitos genes SQTL, apenas algumas mutações foram identificadas. A heterogeneidade intra-alélica também representa um papel, já que mutações no mesmo gene pode comportar riscos diferentes de manifestações cardíacas conforme a sua localização, pelo que o fenótipo da doença pode ser muito diferente nos membros afectados da mesma família.

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26

Síndrome do QT curto

Nas últimas décadas, muita atenção tem sido prestada relativamente ao risco relacionado com o prolongamento excessivo do intervalos QT. Em 1993, Algra et al foram os primeiros a suspeitar que não apenas o prolongamento mas também o encurtamento deste intervalo, teria um papel na patogénese da morte súbita.(67) Realizaram um estudo que contou com uma análise de 6693 resultados de Holter e que demonstrou que tanto o intervalo QT longo (>440 ms) como o intervalo QT curto (<400 ms) estão associados a um risco similar, 2 vezes superior, de morte súbita, comparativamente a indivíduos com QTc dentro dos valores normais (durante um seguimento de 2 anos).

Mas foram Gussak et al que, em 2000, descreveram pela primeira vez este síndrome, documentando uma associação entre o intervalo QT curto e o aumento da taxa de FA.(68) Três anos depois, Gaita et al apresentaram dois casos de duas familias não relacionadas, ambas com encurtamento do intervalo QT e alta taxa de MSC, fazendo com que esta doença tenha passado a ser considerada uma nova entidade clínica com herança autossómica dominante.(69) Em 2004, Brugada et al relacionaram o SQTC com a mutação genética KCNH2.(70) Surge assim uma nova canalopatia, caracterizada por intervalo QT curto constante (QTc ≤320 ms) e ondas T altas e apiculadas nas derivações precordiais, associada a FA, episódios sincopais e/ou MSC em pacientes sem doença cardíaca estrutural. Até cerca de 2008, aproximadamente 50 pacientes foram diagnosticados com SQTC, grupo que inclui algumas famílias e alguns casos esporádicos. Também já foram identificadas mutações em 5 genes e, consequentemente, 5 formas da doença são reconhecidas.

A clínica do SQTC varia de indivíduos totalmente assintomáticos até à MSC como primeiro sintoma. No maior estudo sobre SQTC realizado até ao momento,

Giustetto et al analizaram a apresentação clínica de 29 pacientes diagnosticados com

SQTC (25 pacientes de 8 famílias e 4 casos esporádicos), todos com história familiar e/ou pessoal de MSC e encurtamento do intervalo QT documentado no ECG.(71) Os resultados mostraram que 18 (62%) dos pacientes eram sintomáticos, com paragem cardíaca, sendo a manifestação mais frequente (31%) e, muitas vezes, a primeira.

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27 Diagnóstico e estratificação do risco

Não existem critérios de diagnóstico para o SQTC e até o limite inferior do intervalo QT ainda não está completamente estabelecido. Para todos os casos até agora descritos, o intervalo QT (corrigido para a frequência cardíaca usando a fórmula de Bazett) foi sempre inferior a 320 ms, excepto em três casos, documentados por

Antzelevitch et al, nos quais um fenótipo de SB e uma história familiar de MSC

estavam associados a um QTc ≤360 ms.(72)

Mas, não são apenas os critérios de diagnóstico que são alvo de discussão. Também a forma de estratificar o risco dos pacientes com intervalo QT curto ainda não está definida, sobretudo devido à falta de informação e estudos conclusivos. O estudo electrofisiológico mostrou baixa sensibilidade, não podendo ser utilizado com este propósito. Por outro lado, não existem dados suficientes que nos permitam concluir que o estudo genético é uma ferramenta útil e fidedigna na identificação de grupos de alto risco. Além disso, no estudo de Giustetto et al, nem o género nem o intervalo QTc foram factores preditivos de paragem cardíaca.(71) Os factores precipitantes ainda não foram identificados, sendo a MSC observada quer em repouso quer sob stress. Uma investigação mais aprofundada neste sentido é essencial e urgente.

Na tentativa de melhor definir a distribuição e o significado prognóstico do intervalo QT curto, duas abordagens diferentes foram utilizadas. Inicialmente, um grupo de pacientes com FV idiopática foi estudado com o objectivo de se determinar se apresentavam intervalos QT curtos relativamente a indivíduos saudáveis.(73) Algum tempo depois, duas populações "normais" com valores QTc conhecidos foram seguidas prospectivamente para identificar uma possível correlação entre o QTc curto e o risco de MSC.(74,75)

No primeiro estudo, os ECGs de 28 pacientes com FV idiopática foram comparados com 280 controlos saudáveis correspondentes em idade e género. Valores de QTc inferiores a 360 ms foram encontrados, mais frequentemente entre homens com FV idiopática do que em controlos, achado que não se verificou no sexo feminino. Para além disso, valores inferiores de QTc foram encontrados com alguma frequência entre controlos saudáveis, especialmente perante frequências cardíacas baixas, mostrando a necessidade de maiores e melhores estudos que permitam estabelecer que valor de QTc é realmente "demasiado curto".

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28 A primeira população "normal" estudada incluiu 12012 indivíduos que realizaram exames médicos de rotina por razões ocupacionais: o QTc mais curto encontrado neste cohort era de 335 ms e que o percentil 5 (o percentil mais baixo) era de 360 ms. Informação acerca do seguimento estava disponível para cerca de 36 dos 60 indivíduos com QTc ≤360 ms e nenhum destes pacientes morreu durante os 7,9±4,5 anos de seguimento. Concluíram, assim, que um QTc ≤330 ms é extremamente raro em indivíduos saudáveis e que a presença de um intervalo QT no percentil 5 de variação normal não implica um risco significativo de MSC.

Mais recentemente, uma população finlandesa adulta (n=10822) foi estudada e seguida durante 29±10 anos. A prevalência do QTc <320 ms foi de 0,1% (usando a fórmula Bazett); a prevalência do QTc <340 ms foi de 0,4%. A mortalidade por qualquer causa e a mortalidade cardiovascular não diferiu entre indivíduos com intervalo QT muito curto (<320 ms) e curto (<340 ms) ou normal (360-450 ms). Não foram documentados casos de MSC ou taquiarritmias ventriculares entre indivíduos com QTc <340 ms.

Estes estudos sugerem que a presença de intervalo QT curto no ECG não é suficiente para diagnosticar SQTC. Outros factores como a clínica, a onda T e o segmento ST no ECG, a história pessoal e a história familiar necessitam de ser tidos em conta. Apenas, perante um diagnóstico de certeza de SQTC (e que não se baseie apenas no QTc) nos permitirá avaliar e tirar conclusões acerca do risco de MSC que este comporta.

Assim, perante tanta controvérsia e falta de certezas, e tendo em consideração o alto risco de MSC dos pacientes e famílias estudadas, é recomendada a colocação de CDI em todos os casos documentados. Para além disso, perante um paciente que apresenta um intervalo QT curto no ECG, todos os factores que possam, potencialmente, encurtar o intervalo QT, tais como hipercalemia, hipercalcemia, acidose, hipertermia e, acima de tudo digitálicos, devem ser excluídos no momento do diagnóstico.

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29

Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica

A TVPC é uma doença arritmogénica hereditária que ocorre na ausência de doença cardíaca estrutural ou síndromes associados conhecidos e causa episódios de síncope relacionados com o stress ou emoções, podendo até levar a MSC. É definida como um ritmo instável com um complexo QRS continuamente variável, documentado em qualquer derivação electrocardiográfica. Uma frequência de pelo menos 200 bpm é geralmente aceite como mínimo para a TV polimórfica, mas um número absoluto ainda não foi estabelecido e a TV numa frequência baixa pode manifestar alterações da morfologia do QRS. Alguns episódios de TV polimórfica podem levar ao colapso hemodinâmico e evoluir para FV; contudo, muitos episódios terminam espontaneamente.

Durante a última década, o conhecimento sobre a genética e a fisiologia da TVPC tem melhorado e, actualmente, a base fisiopatológica da TVPC é bem compreendida. Contudo, a clínica desta doença arritmogénica induzida pelo stress, especialmente a incidência e os factores de risco para os episódios arrítmicos, ainda não está completamente definida.

Diagnóstico

A prova de esforço é a forma mais confiável de diagnosticar TVPC.(76) As arritmias ventriculares surgem quando a frequência sinusal excede um limite individual, normalmente uma frequência cardíaca de 110-130 bpm. As arritmias surgem como complexos ventriculares prematuros, TV bigeminal, bidireccional ou polimórfica. Quando a prova de esforço é descontinuada, as arritmias desaparecem gradualmente não levando, normalmente, a compromisso hemodinâmico. A síncope e a MSC por TVPC são consequência de TV mais rápida e sustentada ou FV.

O ECG de 12 derivações em repouso é frequentemente normal, apesar de uma bradicardia sinusal relativa ou ondas U proeminentes poderem estar presentes, sendo achados não específicos.(76)

(31)

30 A mortalidade cumulativa de TVPC não tratada é de 30-50% numa idade média de 20-30 anos.(77) Um estudo de 2004 sugeriu que as mutações RyR2 podem contribuir para pelo menos um em cada sete casos de morte súbita inexplicada.(78)

Os factores de risco para MSC incluem FV documentada, história familiar de morte súbita e início dos sintomas na infância.

Recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia para estratificação do risco de MSC: TVPC(79)

Recomendações

FV documentada Classe I

História familiar de MSC Classe IIa

Início precoce dos sintomas (idade pediátrica) Classe IIa

Síncope Classe IIb

Um estudo de 2009 analisou e seguiu, durante 7.9±4.9 anos, 101 pacientes com TVPC; 27 pacientes (27%) apresentaram manifestações cardíacas, sendo que, em 13 destas foram episódios fatais ou quase fatais (13%), o que resulta numa taxa estimada de episódios cardíacos fatais ou quase fatais aos 8 anos de 32 e 13%, respectivamente.(80) Na maioria dos pacientes (12 de 13 pacientes [92%]) o episódio fatal ou quase fatal ocorreu a uma idade entre os 13 e os 26 anos de idade. Na análise multivariável constataram que a ausência de terapêutica com ß-bloqueadores constitui um factor preditivo independente para manifestações cardíacas, assim como uma idade jovem ao diagnóstico. Esta última também constitui um factor preditivo independente da episódios fatais ou quase fatais, assim como a história de ameaça de morte súbita. Não se verificaram diferenças entre os pacientes com ou sem episódios prévios de síncope ou entre pacientes assintomáticos com genótipo positivo e outros pacientes.

Este estudo constatou ainda, assim como diversas análises anteriores, que os episódios cardíacos também ocorrem em indivíduos com a mutação genética e com prova de esforço normal. Este resultado realça a importância do rastreio familiar, incluindo teste genético, e de que os familiares devem ser medicados com ß-bloqueadores, mesmo após uma prova de esforço negativa, pois esta, tal como foi referido, anteriormente, pode alterar-se com o tempo. Contudo, é importante não esquecer que alguns pacientes com TVPC podem não ter arritmias na prova de

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31 esforço durante a infância precoce, havendo mudança do fenótipo numa fase mais tardia na vida. (81)

Além disso, também demonstraram que a idade precoce de diagnóstico é um factor preditivo independente de episódios cardíacos futuros.(80) A base desta associação entre a idade e o risco ainda não está esclarecida e é, provavelmente, multifactorial. Têm sido proposto que, por um lado, as crianças terão mais oportunidades de realizar actividades físicas extenuantes ou ficar mais excitadas e que, por outro lado, os pacientes com formas mais severas da doença, mal controlada por fármacos, serão diagnosticados em idades mais jovens.

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32

Conclusão

A MSC representa, actualmente, um enorme desafio para todos os clínicos, principalmente quando se aplica a indivíduos sem doença cardíaca estrutural, o que corresponde a cerca de 10-12% dos casos. Neste grupo incluem-se as canalopatias, doenças cardíacas arritmogénicas hereditárias, de evolução maligna e com altas taxas de mortalidade sobretudo em crianças e jovens aparentemente saudáveis. Estas compreendem a Síndrome de Brugada, a Síndrome do QT longo, a Síndrome do QT curto e a Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica.

Nos últimos anos, inúmeros estudos têm sido realizados com o objectivo de desvendar a base destas doenças, identificar as suas características clínicas e electrocardiográficas e determinar o seu significado prognóstico. E de facto, com a melhoria dos algoritmos de estratificação do risco e a disponibilidade de terapias eficazes, a prevenção da MSC está a tornar-se uma realidade. O diagnóstico atempado da doença é muitas vezes o elo que falta na cadeia. Mas, uma vez que o rastreio da população geral não é viável, a recomendação actual é seleccionar a população-alvo, como os grupos de alto risco. Destes fazem parte os indivíduos sintomáticos e aqueles com história familiar de MSC; alguns autores defendem, ainda, a inclusão dos atletas de alta competição.

Por este motivo, actualmente, grande parte da pesquisa nesta área tem sido realizada com o objectivo de identificar novos marcadores de risco e o seu possível significado prognóstico.

No que respeita à SB, apesar da abordagem terapêutica desta doença ter sido extensamente descrita em dois relatórios dos consensos globais e ser da opinião geral que os pacientes que exibem sintomas são pacientes de alto risco e devem ser tratados como tal, a polémica permanece na abordagem de pacientes assintomáticos.Apesar dos estudos mostrarem que nesta população o prognóstico é favorável, estes indivíduos podem ocasionalmente tornar-se sintomáticos, podendo ser a MSC a primeira manifestação da doença.

Na pesquisa dos marcadores de risco que possam ser úteis na abordagem destes pacientes, muitos estudos debruçaram-se sobre o género, pois esta síndrome é significativamente mais prevalente no sexo masculino. Os resultados mostraram que, efectivamente, os homens estão sob maior risco que as mulheres, apresentando mais

Referências

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