Relatório de Estágio apresentado para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciências Politicas e Relações Internacionais realizado sob a orientação científica da Professora Doutora Teresa Maria Ferreira
Rodrigues e da Mestre Hanna Matos
Para o meu pai
AGRADECIMENTOS
À equipa do GIPAA pela grande disponibilidade, atenção e simpática
Um palavra de agradecimento à minha orientadora Teresa Rodrigues pelo apoio prestado durante a elaboração deste relatório de estágio
Ao meu pai, ao meu irmão e à minha namorada pelas inúmeras correções, sugestões
RESUMO
RELATÓRIO DE ESTÁGIO: APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA NO
ESPAÇO EUROPEU
Ricardo Miguel Mendes Rodrigues Alves
PALAVRAS-‐CHAVE: Gabinete de Integração Profissional e de Antigos Alunos (GIPAA) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Aprendizagem ao Longo da Vida, Processo de Bolonha, Estágios Leonardo Da Vinci
O presente relatório é o resultado de 800 horas de estágio no Gabinete de Integração Profissional e de Antigos Alunos (GIPAA) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSHUNL). Este desenvolveu-‐se com quatro finalidades distintas: o apoio e coordenação do programa de estágios Leonardo Da Vinci; a elaboração de ações de incentivo ao voluntariado nacional e internacional; a construção e atualização do arquivo de protocolos de estágio; e o apoio aos afazeres diários e eventos periódicos organizados pelo GIPAA.
Tendo em conta os propósitos e valências especificas do GIPAA e os objetivos da faculdade onde este se insere, foi feito um enquadramento teórico da temática da Aprendizagem ao Longo da Vida no espaço europeu. Mais do que uma descrição e análise das atividades desenvolvidas e de uma apresentação do serviço, este relatório almeja ser uma reflexão sobre a importância e a pertinência de uma aprendizagem continua e duradoura no mundo atual e a sua institucionalização no espaço europeu.
ABSTRACT
REPORT: LIFELONG LEARNING IN THE EUROPEAN AREA
Ricardo Miguel Mendes Rodrigues Alves
KEYWORDS: Gabinete de Integração Profissional e de Antigos Alunos (GIPAA) of FCSH, Lifelong Learning, Bolonha Reform, Leonardo Da Vinci Programme
This report is the culmination of 800 hours of work experience at Gabinete de Integração Profissional e de Antigos Alunos -‐ GIPAA based on the Faculty of Social and Human Sciences of the Universidade Nova de Lisboa. This internship was carried out with four main goals: to help with the coordination of the Leonardo da Vinci work experience programme; to elaborate of activities to encourage participation in volunteer work, both nationally and internationally; to create and
update archives for work experience protocols; to support the daily running of the office as well as the organization of events run by its services.
A theoretical framework based on lifelong learning within the European space was developed taking in consideration the specific purposes and functions of GIPAA and the purposes of the faculty where it is based. This report aims to be more than a mere exercise in description and analysis, but rather a reflection on the importance and relevance that continuous and enduring learning has in today´s world and its institutionalization within Europe.
ÍNDICE
Agradecimentos...i
Resumo/Abstract...ii
Introdução...1
Capítulo I: Aprendizagem ao Longo da Vida (ALV)...3
1. Contextualização Histórica...3
2. Contextualização Teórica...5
2.1 Perspectiva de Mercado...7
2.1 Perspectiva Social...9
Capítulo II: Agenda da (ALV) no Espaço Europeu...12
1. Processo de Bolonha...12
1.1 Reformas no Currículo...15
1.2 Garantia de Qualidade...16
1.3 Mobilidade de Estudantes...16
1.4 Desenvolvimento de uma Dimensão Social...20
1.5 Críticas ao Processo de Bolonha...25
3. Estrutura Atual do Programa de ALV na União Europeia...26
Capítulo III: Estágio Curricular no GIPAA da FCSH...32
1. GIPAA...32
2. Apoio e Coordenação do Programa Leonardo Da Vinci...33
3. Elaboração de Ações de Incentivo ao Voluntariado...34
3.1 Portal de Promoção ao Voluntariado...34
3.2 Integração do Programa de Voluntariado na FCSH...37
5. Apoio a Outras Atividades do GIPAA...41
6. Avaliação Individual e Análise SWOT...42
7. O Papel do GIPAA no Contexto de uma Aprendizagem Permanente...46
Capítulo IV: Análise da Experiência Leonardo Da Vinci...48
1. Estágio Leonardo Da Vinci...49
2. Trajeto Pós-‐Estágio Leonardo Da Vinci...52
3. Conclusões das Entrevistas Leonardo Da Vinci...55
Bibliografia ...58 Anexos...62
Introdução
O estágio curricular do mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais, na área de especialização em Estudos Europeus, decorreu no Gabinete de Integração Profissional e de Antigos Alunos (GIPAA) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSHUNL), de Novembro de 2010 a Abril e 2011, com uma carga horária total de 800 horas.
No gabinete, e de acordo com o plano de estágio, tive o cargo e desempenhei funções de assistente administrativo. Os propósitos do plano de estágio articulam-‐se em quatro pontos: em primeiro lugar, o apoio à coordenação do programa de estágios Leonardo Da Vinci – uma valência nova no gabinete – e, por esta razão, com desafios acrescidos na construção dos moldes burocráticos e no estabelecimento de contactos institucionais indispensáveis para a concretização dos intercâmbios. Em segundo lugar, pretendia-‐se elaborar ações de incentivo ao voluntariado nacional e internacional com alunos da FCSH. Assim, coube-‐me a concepção e construção de um portal de promoção ao voluntariado a ser colocado na página da internet da GIPAA, além de apoiar a criação e integração de um programa de voluntariado no currículo da FCSH. A produção e atualização do arquivo de protocolos de estágio foi a terceira área de estágio e ocupou grande parte da atividade do gabinete nos primeiros meses. O último objectivo visado diz respeito ao desenvolvimento de ações de apoio às tarefas diárias e eventos periódicos organizados pelo GIPAA.
No primeiro capítulo deste relatório faz-‐se uma breve contextualização histórica e revisão teórica sobre a Aprendizagem ao Longo da Vida (ALV). Parece-‐ nos especialmente pertinente enquadrar este conceito neste trabalho tendo em conta os objetivos de uma faculdade como a FCSH e os propósitos do próprio GIPAA, com um importância fulcral neste relatório.
No capítulo seguinte o tema da Aprendizagem ao Longo da Vida será apresentado à luz de uma agenda comum no espaço europeu. No atual paradigma económico e social, instituições como a Comissão Europeia têm insistido nesta concepção como um dos pontos de partida para melhor lidar com os atuais problemas de emprego e formação no espaço europeu. O investimento no capital humano continua a ser determinante no mercado de concorrência mundial, onde a Europa procura manter o seu relevo e primazia. Assistiu-‐se nas últimas décadas a desenvolvimentos políticos na Comunidade Europeia que levaram à criação de
diversos programas de intercâmbio e a novos enquadramentos jurídicos, como é o caso do programa de estágios Leonardo Da Vinci.
O terceiro capítulo é uma súmula das atividades desempenhadas no GIPAA seguindo os quatro objetivos identificados no plano de estágio e supra-‐descritos. Faz-‐se igualmente uma apresentação do gabinete tendo em conta as suas valências e principais propósitos no contexto da faculdade, terminando com uma análise individual da experiência e uma análise (SWOT) ao GIPAA.
Por fim, como conclusão, no quarto capítulo faz-‐se uma análise dos testemunhos dos alunos da FCSH que participaram no programa Leonardo Da Vinci, e também das entrevistas realizadas a antigos estagiários do mesmo programa, centradas no percurso profissional dos entrevistados e no impacto que a experiência do estágio teve nas suas vidas. Com este último capítulo visou-‐se identificar o impacto do programa Leonardo Da Vinci na vida futura dos alunos, nomeadamente nas seguintes dimensões: contribuição da experiência para a realização de uma área Europeia para AVL; avaliação do papel do intercâmbio na promoção da criatividade, competitividade, empregabilidade e estimulação de um espírito empreendedor; importância do programa no reforço da coesão social, de uma cidadania ativa, diálogo intercultural e realização pessoal.
Capítulo I: Aprendizagem ao Longo da Vida (ALV)
1. Contextualização Histórica
A Aprendizagem ao Longo da Vida, não sendo um conceito novo, tem adquirido uma crescente relevância no panorama internacional e uma especial atenção por parte de algumas das principais organizações mundiais, como a União Europeia, a UNESCO, o Banco Mundial e, mesmo, nas mais recentes reuniões do G20.
Foi há cinco décadas que surgiu o relatório da UNESCO conhecido pelo título de “Aprender a Ser”1 que esteve na origem da introdução deste tema. Na altura
ainda denominando-‐o como Educação ao Longo da Vida, defendia a ideia de que a educação não deveria ser apenas um fardo da Escola e Universidade, dirigida a um determinada faixa etária, ou a uma minoria especializada. Por outro lado, referia a importância de destacar e valorizar o papel da educação não-‐formal e informal nas competências adquiridas por cada indivíduo. O discurso tinha um enfoque mais emancipatório e destacava o desenvolvimento de um sistema de aprendizagem equitativo e solidário – capaz de oferecer oportunidades para todas as frações da sociedade, incluindo as menos privilegiadas e com mais carências a esse nível.
Numa carta enviada ao então diretor-‐geral da UNESCO, René Maheu, Edgar Faure – ex-‐ministro da educação de França e um dos principais responsáveis pelo relatório – refere algumas das principais ideias que viriam a marcar todo o discurso e políticas na área da aprendizagem das décadas seguintes. Entre elas, destaca-‐se esta: “O nosso último postulado é o de que a educação para formar este homem completo, cujo advento se torna mais necessário à medida que coações sempre mais duras separam e atomizam cada ser, terá de ser global e permanente. Trata-‐se de não mais adquirir, de maneira exata, conhecimentos definitivos, mas de se preparar para elaborar, ao longo de toda a vida, um saber em constante evolução e de <aprender a ser>”2.
1 O relatório da Comissão Internacional para o Desenvolvimento da Educação, da UNESCO –presidida
por Edgar Faure, conhecido pelo título “Aprender a Ser” em Maio de 1972.
2 Faure E. Aprender a Ser. Brasil: Livraria Bertrand; 1977
Só mais tarde, nos anos 90 é que esta ideia passou a fazer parte do vocabulário corrente e entrou na agenda política das mais altas organizações mundiais e de alguns Estados do ocidente. Num contexto de construção de um mercado único europeu, a Comissão Europeia, já sob presidência de Jacques Santer, declara 1996 o Ano Europeu da Aprendizagem ao Longo da Vida. Dois anos antes, num documento oficial sobre o tema da competitividade, a Comissão Europeia tinha já realçado essa importância: “Preparation of life in tomorrows world cannot be satisfied by a once-‐and-‐for-‐all acquisition of knowledge and know-‐how (...) All measures must therefore necessary be based on the concept of developing, generalising sytematizing lifelong learning and training”3.
É consensual que o discurso sobre a Aprendizagem ao Longo da Vida nas políticas europeias e internacionais radica em muito nas mudanças de perspetiva introduzidas pelas alterações económicas que marcaram os anos 80 e 90. Os desenvolvimentos na difusão de informação e tecnologia, a globalização dos mercados de mercadorias e serviços, entre outros, tornaram difícil uma exclusiva dependência na educação e formação existentes na altura. O investimento no capital humano surgiu como solução para a corrida ao emprego e concorrência mundial. Em 1999, os G8 reforçaram a importância do projeto apresentado pela Comissão Europeia, que defendia que os cidadãos de cada país deveriam estar munidos de conhecimentos, competências e capacidades para enfrentar as exigências do novo século.
Assim, e segundo Schuetze4, na agenda das principais organizações
internacionais para a promoção da Aprendizagem ao Longo da Vida tem havido uma mudança gradual ao longo das últimas décadas. Da visão emancipatória e utópica inicial passou-‐se para uma mais liberal e orientada para o mercado. A ideia que começara essencialmente com o intuito de reforçar a coesão social, através de reformas para uma educação mais abrangente e inclusiva, foi substituída por outra perspectiva onde o principal desígnio é preparar uma classe laboral mais versátil, flexível e especializada. O autor argumenta ainda que este discurso internacional não pode ser visto apenas pela influência que tem nas políticas internas e nas estruturas dos sistemas de educação de alguns países, sendo fulcral a pressão
3 Field J. Lifelong Learning and the new Educational Order. Trentham Books; 2006, página 16
4 Schuetze HG, Casey C. Models and meanings of Lifelong Learning: progress and barriers on the road
to a Learning Society. Compare: A Journal of Comparative and International Education; 2006, página 284
exercida por certos estados para a introdução do debate deste tema na alçada internacional, com o intuito de legitimar e reforçar reformas internas.
2. Contextualização Teórica
A ideia de uma aprendizagem que se prolonga ao longo da vida é frequentemente associada a etapas ulteriores ao ensino superior e à formação na vida adulta. No entanto, a discussão suscitada por este tema levou, em muitos casos, ao próprio questionamento da forma como se concebe o período escolar obrigatório. Fundamental para a percepção deste conceito é a forma como se podem relacionar essas duas fases: a escolar como uma preparação para a vida adulta, face ao entendimento da educação pós-‐escolar como sendo uma compensação por um ensino escolar insuficiente, ou como uma aprendizagem específica para a vida adulta. A ideia de aprendizagem ao longo da vida rejeita esta visão fracionada e integra num único conceito todas as experiências e atividades que, durante a vida de um indivíduo, resultam num acréscimo de conhecimentos, competências e capacidades úteis para a vida em sociedade5. Nelas estão incluídas todas as fases de
aprendizagem quer sejam de cariz formal, não formal ou informal. Assim, a palavra-‐ chave é aprendizagem, substituindo a de educação, esta mais institucional e limitada por uma estrutura inflexível e uma hierarquia.
Assim, de acordo com as diferentes interpretações e contornos e a consequente evolução que o conceito de Aprendizagem ao Longo da Vida tem tido na agenda económica, social e educacional, é possível enquadrá-‐lo segundo quatro tipos de modelos ideais6:
• Um mais idealista e utópico, como arquétipo emancipatório para a sociedade em geral, promovendo a criação de oportunidades para todos, a partir de uma aprendizagem também ao alcance dos que mais precisam. Aqui, grupos específicos na sociedade com obstáculos no acesso à educação e formação são um
5 Leicester M, Field J. Lifelong Learning: Education Across the Lifespan. Routhledge Falmer; 2000
, página 16
6 Schuetze HG, Casey C. Models and meanings of Lifelong Learning: progress and barriers on the road to a Learning Society. Compare: A Journal of Comparative and International Education; 2006, página 282
alvo determinante. Os conceitos de cidadania e justiça social são a chave para uma sociedade próspera.
• Outro concebe o ideal como um sistema aberto e capaz de se adequar e responder às exigências das sociedades modernas, multiculturais e democráticas. Nesta concepção, não deverá haver barreiras institucionais para as oportunidades de aprendizagem. No entanto, ao contrário da primeira visão acima descrita, a responsabilidade recai no indivíduo, sendo que compete a cada um a busca contínua e o aproveitamento das oportunidades de aprendizagem.
• O terceiro modelo ideal centra-‐se na perspetiva individual, que coloca a ALV como instrumento de realização pessoal e profissional dos objectivos de cada individuo. Neste modelo, o plano global da sociedade não é tido em conta.
• E, por fim, a visão liberal que realça a importância do capital humano, aquela mais em voga e frequentemente destacada por importantes instituições, organizações mundiais, e empresas. A Aprendizagem ao Longo da Vida é entendida aqui como uma formação e desenvolvimento contínuo de competências individuais que possibilitam o acompanhamento das mudanças do mercado, tornando os trabalhadores mais flexíveis e qualificados para as necessidades de uma economia competitiva.
Quadro 1 – Modelo Teórico para a ALV
Como tipo ideais, estes modelos não existem nem são praticáveis qualquer que seja a sociedade, no entanto ajudam-‐nos a identificar as orientações e preferências políticas nesta área em épocas distintas e em diferentes países, desde o início do debate até a materialização das políticas em medidas concretas.
Indivíduo Sociedade
Social Modelo de Sociedade Aberta Modelo Emancipatório e de Justiça Social
Liberal Modelo de Autorrealização Modelo de Capital Humano e Mercado
2.1 Aprendizagem ao Longo da Vida numa perspetiva de mercado
Um aspecto fundamental, do ponto de vista de uma visão mais liberal do paradigma da Aprendizagem ao Longo da Vida, é o modo como este modelo pode a ajudar a facilitar os processos de mudanças nas estruturas económicas e de mercado. As crises económicas devem-‐se, em muito, à falta de informação e à ausência de correspondência entre aquilo que são as necessidades de mercado e as prioridades e os montantes do investimento aplicados na educação e formação. Tuijnam defende esta ideia dizendo: “labour force qualifications do not necessarily correspond closely to the skills and competencies possessed by people and required for jobs in a fast-‐changing labour market. This lack of fit between educational attainment and actual labour force skills can represent a problem”7.
O autor apresenta duas causas responsáveis por esse desfasamento entre as necessidades do mercado e a formação e competências da classe laboral. O primeiro factor tem a ver com as circunstâncias em que é feita a seriação das capacidades individuais à entrada no mercado de trabalho. Tradicionalmente, são tidos em conta os anos de escolaridade e as classificações obtidas. Esses parâmetros, no entanto, não conseguem medir capacidades muito importantes como, por exemplo, as de resolver problemas ou as de gerir relações interpessoais em situações de trabalho: “For example, people who enter the labour market with similar educational qualifications have not necessarily acquired the same level of proficiency in solving problems or managing interpersonal relations”8.
Por outro lado, os conhecimentos adquiridos no meio laboral, ou em ambiente exterior à escola, universidade ou centros de formação, são de difícil contabilização. Tal facto condiciona o segundo desfasamento a que se faz referencia no parágrafo anterior, pois daí resulta uma consequente dificuldade em identificar, definir e avaliar as competências e conhecimentos adequados à satisfação das necessidades do mercado de trabalho adquiridas por outros meios que não o ensino estruturado. Este ponto é também resultado direto das transformações constantes que ocorrem no próprio meio laboral, uma vez que, ao condicionarem as experiências a de cada indivíduo, vão assumir importância central no seu processo
7 Tuijnman A. Measuring Lifelong Learning for the New Economy. Compare: A Journal of
Comparative and International Education; 2000, página 475
de aprendizagem. Assim, é não só fundamental promover essa aprendizagem extra-‐ escolar como arranjar estratégias para a valorizar e legitimar de modo a que possa integrar competências reconhecidas e certificadas institucionalmente.
Não obstante, Tuijnam identifica as instituições tradicionais de ensino – escolas e universidades – como a chave incontornável nesta situação. Sendo as detentoras do monopólio da avaliação, creditação e validação dos conhecimentos adquiridos e não estando sujeitas à mudança permanente que condiciona o desempenho do mercado, por vezes não possuem a flexibilidade e a capacidade de adaptação que lhes permitam acompanhar as alterações ocorridas no meio laboral. As escolas foram idealizadas num contexto de uma sociedade industrial com um padrão sectorial de emprego estável e categorias profissionais mais claras e definidas. Detêm um papel determinante por serem a primeira etapa do percurso em direção ao primeiro emprego. No entanto, em muitas situações não têm sido capazes de ajustar os conteúdos que ministram e impõe-‐se com urgência uma apresentação mais versátil e abrangente do teor daquilo que é reconhecido como o essencial da aprendizagem
Em suma, a incapacidade de analisar em tempo oportuno e com eficácia quer a procura, quer a oferta no mercado de trabalho, leva os governos e as empresas a investimentos com falhas de raiz, com consequentes lacunas na qualificação da classe laboral. Aumentar a flexibilidade e reduzir os riscos de falhas no mercado depende pois, em grande parte, da informação que se tem do mesmo: “Doing so depends crucially on the supply of information about the private and social costs and benefits of human capital investment. But this cost-‐benefit analysis hinges on valuations of human capital, and hence it requires that knowledge, skills and attitudes are somehow measured”9.
Vale a pena referir brevemente como é que esse modelo teórico descrito anteriormente, se têm enquadrado em contextos específicos de diferentes países, tendo em conta as suas políticas económicas e de welfare, bem como o seu desenvolvimento económico e social.
9 Tuijnman A. Measuring Lifelong Learning for the New Economy. Compare: A Journal of
De acordo com Andy Green10, o modelo mais liberal tem sido posto em
prática em países anglo-‐saxónicos, permitindo uma redução nos custos com a educação e a uma abertura maior para o investimento privado na educação e formação de trabalhadores. O caso irlandês é talvez aquele onde a agenda liberal tem tido os resultados menos positivos. O crescimento económico exponencial esconde desigualdade e exclusão social e disparidades no acesso à educação. Como exemplo do terceiro modelo, o autor destaca o nórdico e descreve-‐o como o mais eficaz a conciliar a competitividade económica e a coesão social e considera que nesses países o investimento na equidade de acesso à educação tem contribuído para proporcionar aos cidadãos oportunidades de vida mais equitativas.
Este tema ganha outros contornos quando analisado no contexto de um país como o México, onde a literacia entre adultos é percentualmente muito baixa comparada com a de outros países do ocidente. Neste país a Aprendizagem ao Longo da Vida aparece como fundamental para colmatar discrepâncias entre a população instruída e a população económica e educacionalmente desfavorecida. Neste caso, dificilmente se consegue mais competitividade laboral no mercado internacional sem atuar também ao nível das desigualdades sociais.
2.2 Aprendizagem ao Longo da Vida numa perspetiva social
Uma visão essencialmente económica e de mercado revela-‐se manifestamente incompleta e insuficiente tendo em conta a complexidade do conceito de ALV, bem como o debate e investigação gerados por esta ideia. Em vez de ser apenas limitada a um instrumento da educação para adultos, com o intuito de dar resposta a uma concepção neoliberal em voga no panorama internacional, pode ser vista também como uma promessa de um novo modo de pensar o nosso papel e as nossas responsabilidades individuais na vida em sociedade.
As mudanças das últimas décadas exigem um novo modo de estar, entender e agir sobre o que nos rodeia: alterações no papel do Estado em oposição ao do mercado; o peso cada vez maior da indústria da informação e do conhecimento; a maior diversidade cultural nos centros urbanos; a hegemonia do individuo como
10 Schuetze HG, Casey C. Models and meanings of Lifelong Learning: progress and barriers on the
road to a Learning Society. Compare: A Journal of Comparative and International Education; 2006, página 285
consumidor em detrimento do papel de cidadão; a sofisticação, alcance e influência dos meios de comunicação e de informação. Estas alterações e dinâmicas explicam a necessidade e as vantagens de, no plano individual, se dotar as pessoas com instrumentos adequados para lidar e melhor reagir às transformações no decurso da suas vidas. “(...) ganha acuidade a aquisição e o desenvolvimento de competências de vida ou competências-‐chave que permitam às pessoas compreender e participar na sociedade do conhecimento, mobilizando através delas o saber, o ser e o saber resolver os problemas com que o mundo atual em mudança as confronta constantemente”11.
Podemos destacar então dois conceitos chave inerentes a este tema: o indivíduo como cidadão, com tudo que isso implica (cidadania), e sua adaptação às exigências do mercado de trabalho (empregabilidade). São duas dimensões que estão presentes e são equacionadas e desenvolvidas segundo o prisma da Educação ao Longo da Vida.
Este conceito está também intimamente ligado à ideia de uma sociedade de aprendizagem, ou seja, uma sociedade capaz de se organizar de modo a disponibilizar o máximo de oportunidades possíveis aos seus membros, bem como saber valorizá-‐los, aproveitando aquilo que de inovador, crítico e sustentável se cria. Esta é uma perspectiva inseparável deste conceito se analisarmos a Aprendizagem ao Longo da Vida como agenda política, económica e social. Identificaremos uma pressão para a cidadania, procurando mais participação cívica, uma adaptação aos constrangimentos do mercado tendo em vista a prosperidade económica, e um reconhecimento das escolhas individuais e desenvolvimento pessoal12. Acaba por
ser entendida como uma metáfora para descrever uma sociedade, organização ou região em constante transformação. Numa realidade ideal, quando os membros mais influentes nas respectivas áreas materializam essa aprendizagem, introduzindo mudanças nos procedimentos e na sua organização, o processo de aprendizagem social acontece. Na sua essência, este desenvolvimento é sinónimo de flexibilidade13,
a capacidade de responder de um modo sensível e versátil, fazendo mudanças estruturais e encontrando soluções alternativas para ultrapassar obstáculos e desafios que se vão apresentando.
11 Alonso L. Aprendizagem ao Longo da Vida no Debate Nacional sobre a Educação. Conselho Nacional de educação; 2007, página 143
12 Leicester M, Field J. Lifelong Learning: Education Across the Lifespan. Routhledge Falmer; 2000, página 17
Partimos de uma perspetiva centrada no sujeito (o indivíduo não pode ser visto e valorizado tendo em conta apenas o seu trajeto institucional mas, pelo contrário, deve ser-‐lhe reconhecida e incentivada a assimilação contínua e consciente de um conjunto diverso de competências e experiências) para uma ideia social (a de que a sociedade tem de apresentar uma lógica intrínseca para a mudança, fruto de uma aprendizagem contínua dos seus atores).
Capítulo II: Agenda para uma (ALV) no Espaço Europeu
Conforme descrito no capítulo anterior, ao longo das últimas décadas o conceito de Aprendizagem ao Longo da Vida foi concebido e ganhou forma e consistência segundo diversos paradigmas, sendo hoje empregue por intervenientes sociais diferenciados na defesa de interesses, políticas e novos modos de pensar a educação e a sociedade em geral. Mas, mais do que tentar encontrar uma definição para esta ideia, importa inventariar e analisar a maneira como ela se concretizou em diferentes contextos. Dito isto, neste relatório interessa-‐nos aprofundar o modo como a Aprendizagem ao Longo da Vida serviu de chapéu conceptual para a União Europeia apresentar um vasto conjunto de políticas e programas, focadas no ensino superior e na mobilidade de estudantes e trabalhadores.
1. Processo de Bolonha
A entrada em vigor do Processo de Bolonha foi sem dúvida um momento chave na aplicação de uma agenda para a Aprendizagem ao Longo da Vida na União Europeia. Não sendo um fenómeno recente, a mobilidade académica começou a ser vista como determinante para a criação de uma classe laboral mais flexível e competitiva, ao mesmo tempo que envolve os estudantes numa experiência de identidade europeia14. É neste âmbito que o processo de Bolonha foi desenvolvido:
para facilitar e promover a circulação de estudantes entre diferentes universidades europeias e criar um espaço europeu do ensino superior. Esta declaração tornou-‐se num documento importante e cada um dos países signatários utilizou-‐a para estabelecer o quadro geral de reforma e modernização do ensino superior nos respectivos países.
O sistema adoptado baseia-‐se em dois ciclos (posteriormente três) e o processo foi simplificado com a criação de um mesmo sistema de créditos (ECTS) de modo a permitir a equivalência dos conteúdos lecionados entre diferentes instituições.
14 Byram M, Dervin F. Students, Staff and Academic Mobility in Higher Education. Cambridge Scholars; 2008, página 2
No seguimento das mudanças preconizadas por Bolonha em 1999, a última década foi palco de uma evolução dos objectivos, normas e rotinas empregues nas instituições de ensino superior europeu. Enquanto os países foram adotando estas metas, outras foram acrescentadas fruto de encontros entre ministros europeus15.
Em 2003, depois do encontro de Berlim, declarou-‐se a inclusão de um terceiro ciclo (doutoral) e insistiu-‐se no aumento de uma ligação institucional entre a educação superior e a área de investigação na Europa.
Mais tarde, em 2007 no encontro de Londres, criou-‐se o European Quality Assurance Register para o ensino superior com o intuito de reforçar a transparência na garantia de qualidade deste sector ao nível europeu. Foi ainda destacada a dimensão social, ou seja, a necessidade de avaliar as estratégias e eficácia ao nível nacional de medidas que virão abranger grupos socais sub-‐representados na educação superior.
Já em 2009 em Lovaina, definiu-‐se como meta para 2020 que pelo menos 20% dos graduados no ensino superior tivessem uma experiência de estudo ou formação no estrangeiro. Foi ainda referida a importância de integrar mais objectivos da Aprendizagem ao Longo da Vida na lógica do ensino superior.
Neste contexto, e à medida que esta passou a tema central da agenda de Bolonha, duas dimensões que se interligam são sublinhadas como essenciais: o acesso e o reconhecimento16. Se, por um lado, as universidades devem facilitar o
acesso a indivíduos sem formação formal requeridas à partida por estas instituições, contemplando assim grupos de estudantes não tradicionais, de faixas etárias e trajetos formativos diversos, por outro, é indispensável que estas instituições de ensino superior sejam capazes de reconhecer competências adquiridas fora da esfera académica como valiosas e importantes para o êxito da carreira profissional dos seus detentores.
No último encontro realizado em Bucareste, foram estabelecidas as principais prioridades até 2020 na agenda de Bolonha. O conjunto de objetivos que
15 Education, Audiovisual and Culture Executive Agency (2010) “Focus on Higher Education in
Europe 2010: The Impact of the Bologna Process”
16 Jakobi AP, Rusconi A. Lifelong learning in the Bologna process: European developments in higher
foi sendo construídos desde 1999, podem ser divididos em 10 ações17 bem
definidas:
• Assegurar a qualidade do ensino superior
• Adoptar um sistema de 2 ou 3 ciclos de estudo nas universidades (Bacharelato, Mestrado, Doutoramento)
• Promover a mobilidade de estudantes e corpo académico e administrativo
• Introduzir um sistema de créditos (ECTS) que permita a avaliação do desempenho de estudo
• Adoptar um sistema de fácil comparação dos diversos níveis de aprendizagem
• Proporcionar um envolvimento ativo das instituições do ensino superior europeu, professores e alunos no Processo de Bolonha e um maior participação dos estudantes na gestão do ensino superior
• Promover uma dimensão europeia no ensino superior
• Tornar o espaço europeu do ensino superior mais atrativo para o exterior
• Incluir a Aprendizagem ao Longo da Vida como essencial na agenda do Processo de Bolonha
• Fomentar uma sociedade baseada em 2 pilares de conhecimento – o Espaço Europeu para o Ensino Superior e o Espaço Europeu para a Investigação
Importa então agora perceber que resultados concretos a Declaração de Bolonha e todos os esforços subsequentes tiveram nos países europeus, e se estes produziram mais oportunidades de Aprendizagem ao Longo da Vida para estudantes e trabalhadores. Iremos destacar algumas das principais conclusões
17 Prioridades e objetivos estabelecidas para 2010-‐2020 para Processo de Bolonha [Online]. 2012
[Citado a Setembro de 2012] Disponível em: URL: http://ec.europa.eu/education/higher-‐ education/bologna_en.htm
retiradas de um estudo independente18 encomendado pela Comissão Europeia,
entre 2008 e 2009, no qual é feita uma avaliação dos resultados do Processo de Bolonha após uma década.
1.1 Reformas no Currículo
Começando pelas reformas no currículo implementadas ou a implementar pelos países signatários com o objetivo de criar um sistema equivalente e de fácil comparação e compatibilidade, Identifica-‐se como sua principal formulação a adoção de um sistema de 2 ciclos, em que a duração dos mesmos é definida segundo um número mínimo e máximo de ECTS (European Credit Transfer and Accumulation System).
Quadro 2 – Percentagem de estudantes integrados no sistema de 2 ciclos em 2008
Pelo quadro 2, pode constatar-‐se que em 2008 grande parte dos estudantes do ensino superior europeu estavam já inseridos neste formato de 2 ciclos, sendo que grande parte usa ECTS ou sistemas compatíveis com este. Importa destacar que alguns cursos, como o de medicina, foram excluídos deste sistema uma vez que a
18 Westerheijden DF. Beerekens E. Cremonini L. The first decade of working on the European Higher
Education Area: The Bologna Process Independent Assessment. Final Report to the European Union. European Union; 2010
maior parte dos países não conseguiu enquadrar os seus conteúdos no formato exigido.
Talvez a maior dificuldade neste processo tenha sido a generalização da aplicação de um modelo estandardizado de definição e contabilização dos ECTS com base nas duas dimensões adoptadas: student workload (carga de trabalho) e learning outcomes (resultados da aprendizagem). Só em 12 países se aplicaram ambos os critérios, e foram necessárias mudanças significativas nos currículos para conseguir uma compatibilidade mais justa e credível entre as diferentes universidades aquando da mobilidade dos estudantes.
1.2 Garantia de Qualidade
Outra área de desenvolvida neste quadro legal de Bolonha foi a criação da agência de European Quality Assurance (EQAR) com o intuito de implementar mecanismos internos e externos de garantia de qualidade no espaço do ensino superior europeu. Devido ao facto de estar operativa apenas desde 2008, os resultados ainda são escassos e encontram-‐se em fases inicial de implementação. Por outro lado, a aplicação dos critérios definidos no European Standards and Guidelines (ESG) em 2005, apresenta ainda alguns obstáculos tendo em conta a diversidade de sistema de ensino na Europa. Todos os países envolvidos, excepto um, adotaram critérios, externos e internos de garantia de qualidade. No entanto, isso não significa que estes estejam a ser postos em prática nem que a aplicação dos mesmos critérios de garantia de qualidade resulte numa avaliação da qualidade de ensino compatível e comparável entre os diferentes países.
Uma crítica feita a estas medidas de garantia de qualidade prende-‐se com facto de estes tenderem a funcionar numa abordagem essencialmente de cima para baixo. Passam a ideia de estes serem impostos externamente, em detrimento de uma mudança com origem e o envolvimento do próprio corpo académico no desenvolvimento de um ensino de qualidade. Esta preocupação foi refletida no último encontro para discussão do Processo de Bolonha em Bucareste em 2012, já referido no subcapítulo anterior. É acrescentada como uma das 10 dimensões chave, a necessidade de um envolvimento ativo das instituições do ensino superior
europeu, professores e alunos no Processo de Bolonha e um maior participação dos estudantes na gestão do ensino superior.
1.3 Mobilidade de Estudantes
A mobilidade de estudantes foi sempre vista como um dos pontos fulcrais no Processo de Bolonha. Os esforços e mudanças para um sistema de ensino europeu mais compatível e competitivo está intimamente articulada com a ideia de uma classe móvel de estudantes, investigadores e funcionários móvel, capaz de partilhar e difundir experiências, novas práticas e conhecimentos. Neste seguimento, interessa então, não só aumentar a mobilidade dentro do espaço europeu do ensino superior, mas também tornar este espaço mais atrativo fora da Europa, fazendo crescer o intercâmbio com outros continentes. Os autores do estudo fazem referência às dificuldades em avaliar a mobilidade, tendo em conta a falta de dados e as diferentes metodologias usadas nos diferentes países e instituições para medir esta realidade. Países dos Balcãs, como Servia, Montenegro, Estónia ou Bósnia-‐ Herzegovina, não dispõem de dados sobre a mobilidade.
Quadro 3 – Estudantes em Mobilidade no Ensino Superior na Europa
Pelo gráfico 4 podemos ver que, entre 1999 e 2007, a percentagem total de estudantes estrangeiros no espaço europeu do ensino superior cresceu 74%, com o número de estudantes estrangeiros oriundos de fora do espaço europeu a mais do que duplicar. Esta percentagem é significativa mesmo tendo em conta o crescimento
no número total de estudantes, sendo que em 1999 os alunos estrangeiros representavam 3,5% e em 2007, 4,6%. A mobilidade interna foi mais modesta durante este período, aumentou 38% em termos absolutos, mas tendo em conta o crescimento da população universitária em muitos países, o conjunto de estudantes europeus em mobilidade dentro do espaço europeu do ensino superior subiu apenas de 1,9% para 2,0% em 2007.
Gráfico 1 – Percentagem do crescimento (1999-‐2007)/total (2007) de estudantes vindos de fora do espaço europeu
Os gráficos 1 e 2 comparam o crescimento do número de estudantes em cada país europeu. O gráfico 1 refere-‐se aos estudantes estrangeiros vindos de fora do espaço europeu e o gráfico 2 diz respeito aos estudantes em mobilidade de um país do espaço europeu. Concluímos que o número de estudantes não europeus subiu principalmente em países do ocidente do continente, duplicando na Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Suécia ou Grã-‐Bretanha. Países como a Alemanha, Espanha e França, juntamente com Grã Bretanha, completam o grupo dos países que mais