• Nenhum resultado encontrado

DO CAMPO AO CAMPUS A OCUPAÇÃO DOS UNIVERSITÁRIOS SEM-TERRA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "DO CAMPO AO CAMPUS A OCUPAÇÃO DOS UNIVERSITÁRIOS SEM-TERRA"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

DO CAMPO AO CAMPUS

A OCUPAÇÃO DOS UNIVERSITÁRIOS SEM-TERRA

Emerson Dias1

RESUMO

Queremos com esta apresentação ampliar as discussões sobre a questão agrária no Brasil e destacar os avanços conquistados pelos movimentos sociais rurais dentro dos “espaços públicos” arendtianos (ARENDT, 1992). São nestas arenas que a reorganização das mobilizações populares atuais aprimorou um setor considerado primordial para os movimentos sociais, principalmente em se tratando de melhorias sociais futuras e permanentes para a população brasileira: a Educação.

O objetivo deste trabalho é apresentar um breve relato sobre os resultados das pesquisas concentradas durante o Mestrado do autor (DIAS, 2004) em um novo personagem sociológico: o universitário sem-terra. Este que desponta como prova da resistência e da capacidade de reorganização dos movimentos sociais do campo e que agora se integra à frente de uma nova ação: a ocupação do campus, onde busca absorver conhecimento científico enquanto dialoga, debate e troca experiências com acadêmicos oriundos da cidade.

Os sem-terra vêm provocando reformulações em pesquisas nos últimos 20 anos, teorias que não previam uma mobilização de origem camponesa ocupar um espaço até 1 Emerson Dias é jornalista e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Contatos: Rua Cecília Meireles, 79 – apto 401. Jardim Santo Antônio. CEP 86.600-600 – Londrina (PR). Fone: (43) 3357 3489. E-mail: emersondias1@hotmail.com

(2)

então propenso às organizações sindicais urbanas. Contrariando expectativas históricas, o pequeno agricultor e os trabalhadores rurais brasileiros sobreviveram à expulsão do campo e à condenação prévia de que seriam consumidos pela estrutura econômica que os envolviam. Os sem-terra – sejam eles integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) ou de outras dezenas de organizações rurais existentes no Brasil – continuam no campo, empenhando-se em táticas consideradas legais ou ilegais, ocupações ou invasões, enfim, ações em posições-chave dentro do território brasileiro, enquanto mantêm como linha mestra sua independência, tanto internamente - por meio da descentralização das ações e de uma estrutura formal de liderança substituída por comissões e setores atuantes nos quatro cantos do País - como fora do movimento (visível no distanciamento de partidos políticos, ONGs ou de qualquer subordinação a segmentos internacionais organizados). Se pela visão de Hobsbawm (1970) seriam interpretados como “rebeldes primitivos” até há pouco tempo (situação muitas vezes presenciada em outros movimentos sociais do século passado), em apenas duas décadas de existência (embora os sem-terra sejam conhecidos desde a década de 1970, oficialmente o MST foi criado em janeiro de 1984, durante o 1º Encontro Nacional realizado aqui em Cascavel, no Paraná) os integrantes do movimento passaram a racionalizar e a buscar fundamentações teóricas, equacionando interesses científicos, ecológicos, jurídicos, sociais, entre outros. “Uma das principais dificuldades interpretativas enfrentadas pela academia que se depara com o MST continua sendo a heterogeneidade da base social deste movimento, suas formas de representação e a especificidade de suas demandas, que fogem ao croqui do caráter tradicional” (BASSANI 2003, p. 12).

Atualmente, os sem-terra estão engrossando a resistência de outras lutas sociais, como as do direito à casa própria, melhor distribuição de renda, qualidade na saúde pública e até mesmo à inserção dos excluídos em instituições de ensino. Especificamente no caso do MST, temos centenas de jovens utilizando faculdades e universidades do Brasil e do

(3)

exterior. Até o primeiro semestre de 2004, cerca de 750 acadêmicos sem-terra estudavam em instituições públicas e privadas do país, enquanto 58 cursavam Medicina em Cuba. Somados aos 190 mil estudantes sem-terra que integram o ensino fundamental e médio, cursos de alfabetização para adultos e cursos técnicos/profissionalizantes para jovens, o resultado desta “ocupação” tornou-se um gigantesco espectro disponível para o desenvolvimento de estudos sociológicos, antropológicos e pedagógicos.

Como metodologia, este trabalho (assim como a pesquisa de Mestrado) utilizou-se do resgate histórico e sociológico dos movimentos agrários e principalmente dos depoimentos de acadêmicos sem-terra bolsistas de um projeto pioneiro criado em 1999 entre a parceria da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) com o MST. Os resultados apontam vias alternativas para a busca de soluções dos conflitos agrários recentes que não resultem em mais violência no campo, mas sim no aprimoramento das ações internas em conjunto com segmentos da sociedade interessados em mudar a estrutura agrária brasileira, engessada há séculos e que perpetua a concentração de renda e a desigualdade social.

É a busca por fissuras no capitalismo globalizado que expõe meios para que jovens sem-terra aglutinem conhecimento e também recursos para continuarem um processo de conquistas sociais. O resultado é cíclico e crescente: a aprendizagem levando ao conhecimento, que questiona as condições sociais decadentes, que por sua vez leva a um processo de mobilização que busca melhorias nas condições da população e que tende a desenvolver um sistema alternativo (seja de ensino, de inclusão social ou de mobilização) que busca por mais conhecimento e desenvolvimento social.

No caso específico dos universitários sem-terra, as “costuras sociais” que eles fazem no campus – expondo suas idéias e dialogando com os colegas acadêmicos urbanos enquanto acumulam conhecimento científico – acabam funcionando como ponte entre os “de fora” e os “de dentro” (BRANCO, 2003). Eles são reflexos da formação do movimento e funcionam como reagentes dentro de um meio estranho ao que eram acostumados.

(4)

Processando as duas condições de vivência, o jovem sem-terra indica ao próprio MST novos caminhos e novos meios para penetrar nas fissuras da sociedade capitalista atual. Mas este processamento feito por eles também explicita que muitas ações e iniciativas atuais do MST são incompatíveis ou que não estão surtindo efeito dentro das atuais condições sociais e econômicas, como as ocupações de terra (fora dos parâmetros que definem propriedades como improdutivas) e invasões de prédios, órgãos públicos ou estabelecimentos privados tachados de ineficientes. O exemplo dos estudantes mostra que é preciso inicialmente voltar a dialogar com a comunidade, interagir e organizar ações com a participação de todos. Por meio destes diálogos externos, os setores internos do movimento social também podem sofrer mudanças.

Encarar a formação educacional como formação também política é a condição proposta pela coordenação do MST, mas serve para qualquer mobilização social. Ponce (1989) defende está teoria, mas afirma que nem mesmo as principais revoluções mundiais conseguiram sistematizar a educação fora dos moldes históricos de dominação. “Ligada estreitamente à estrutura econômica das classes sociais, a educação, em cada momento histórico, não pode ser outra coisa senão um reflexo necessário e fatal dos interesses e aspirações dessas classes” (PONCE, 1989, p. 168).

Depois de analisar o comportamento dos universitários do MST, é possível dizer que a saída encontrada por eles para este problema foi o complemento educacional em escolas dos assentamentos e acampamentos, em conjunto com a busca por mudanças sociais. As condições pedagógicas criadas pelas MST em 1999 (antecedendo leis Federal e estaduais que prevêem cotas de vagas para negros, índios ou estudantes carentes) e mantidas pelos universitários sem-terra ajudam a forçar a remodelação da estrutura educacional do país. A conquista do espaço acadêmico pode transformar-se numa porta ainda maior, por onde poderão passar outros excluídos do processo de aprendizagem no ensino superior, sem esquecer, é claro, de exigir as mudanças necessárias na educação básica. “Se o que a escola

(5)

deve fazer, afinal, é ajudar a produzir seres humanos, é preciso (...) que ela não se negue a cumprir esta tarefa, o que ainda acontece em muitas escolas atualmente, à medida que ignoram ou não enxergam os sujeitos que estão dentro dela” (CALDART, 2000, p. 246).

Compreender este novo personagem é um passo importante para a sociedade: um “novo estranho” chegando (MARTINS, 1993) e lutando para agir dentro e fora das fronteiras sociais, ocupando espaços públicos e debatendo as condições do país nas arenas político-sociais, enquanto tenta manter sua a identidade junto às raízes históricas ao mesmo tempo em que serve de ponte para a integração entre o urbano e o rural.

(6)

BIBLIOGRAFIA

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992. BASSANI, Paulo. Uma ótica para ver o MST. Jornal Terra Vermelha, UEL, Londrina, n. 56, p. 11-13, dez. 2003.

_____________. Núcleos de assalariados rurais temporários–Lugar de resistência e

descoberta. 1999. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - PUC-SP, São Paulo.

_____________. Campesinato, potencialidade e processo (Reflexões teóricas). Londrina, Revista Semina, v. 10, n. 3, UEL, 1989.

BRANCO, Maria Teresa C. Jovens sem-terra: Identidades em movimento. Curitiba: Editora UFPR, 2003.

PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1989.

CALDART, Roseli S. Pedagogia do Movimento Sem-Terra. Petrópolis : Vozes, 2000. _________. Educação em movimento: formação de educadoras e educadores no MST. Petrópolis: Vozes, 1997a.

DIAS, Emerson S. A maioridade do MST e o futuro dos universitários sem-terra. 2004. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – UEL-PR, Londrina.

_________. Conflitos e contradições nas raízes dos movimentos sociais rurais brasileiros.

Revista Mediações, v. 8 / n. 2, Londrina: Eduel, 2003.

_________; TELES, Benedito P. A vida dos semterra no Pontal do Paranapanema

-Reportagem documental como alternativa para o telejornalismo. 1998. Monografia – UEL,

Londrina.

HOBSBAWM, Eric. Rebeldes primitivos. Estudo sobre formas arcaicas de Movimentos Sociais dos séculos 19 e 20. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

(7)

Referências

Documentos relacionados

O presente artigo demonstra o trabalho diferenciado pela escola do campo e a luta do MST por uma educação de qualidade e igualitária para seu povo, onde se formem

"O MST, diz frei Sérgio Gõrgen, se considera um movimento social de massas cuja principal base social são os camponeses sem terra, que tem caráter, ao mesmo tempo sindical

Observa-se, na Figura 3, que para as temperaturas de 33 e 50  1°C, as curvas de taxa de secagem apresentaram um período de taxa constante seguidas por um período

Não será permitida a permanência de candidatos no local de realização das provas após o término e a entrega do cartão respostas, devendo o candidato

[r]

O MST, em seu cotidiano, pratica os “rituais do reconhecimento ideológico” ao realizar a mística, ao valorizar o trabalho de base e renovação da direção,

OBSERVAÇÕES: Destaque para o documento Nossa luta é nossa escola – a educação das crianças nos acampamentos e assentamentos, que aborda o início das

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, também conhecido como Movimento dos Sem Terra ou MST, é fruto de uma questão agrária que é estrutural e histórica no