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Nós Gregos, eles Modernos. Notas acerca da historiografia para a filosofia antiga 1.

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Academic year: 2021

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Nós Gregos, eles Modernos.

Notas acerca da historiografia para a filosofia antiga1.

Nos Grecs, leur Modernes é o título de um livro publicado na França por Barbara Cassin2; são textos reunidos que tratam da apropriação da Antiguidade pelos modernos. Não quero discutir deste assunto, seria de mais pretensioso. Quero somente dar uma pequena perspectiva para abordar os estudos clássicos que seja útil para esclarecer alguns problemas hermenêuticos. Este texto é inspirado e se baseia no livro de Giovanni Casertano, La nascita dela filosofia vista dai Greci. Aqui gostaria de retomar o discurso dele para dar algumas indicações a mais em relação às aulas gravadas, porque o caso da filosofia se presta bem a uma conceituação da interpretação dos “textos” (qualquer tipo de texto).

O problema de todos os tipos de estudos é a relação entre o pesquisador (ou mais geralmente quem estuda quer conhecer algo) e o objeto da pesquisa. Isso é, mais em geral, o problema da relação do sujeito e do objeto...tema filosófico como poucos! Mas, no interior desta macro-categoria, encontramos a relação entre pesquisador e seu objeto. A primeira coisa que temos que tomar em conta é que nós, modernos, também quando pesquisamos, tomamos contato com a realidade sempre a partir do presente em que, hic et nunc, vivemos. Isso comporta já uma primeira “distorção” na abordagem do objeto. Mas esta “distorção” é mesmo o que se chama de pesquisa, porque a pesquisa é esta ligação entre o presente (e muitas vezes o futuro) e o passado que queremos esclarecer. Isso significa que a nossa pesquisa é a ponte que botamos entre nós e o passado. Mas, em fazer, colocando uma ponte, precisamos de dois pontos de apoio, se não a ponte cai! A nossa reconstrução do passado não é diretamente o passado, quase como                                                                                                                          

1 Este presente texto repõe uma pequena parte (os primeiros capítulos e as primeiras paginas do texto

«Può ancora Talete essere considerato il “primo filosofo”») de um texto de Giovanni Casertano, La nascita dela filosofia vista dai Greci. Com in appendice: Può ancora Talete essere considerato il “primo filosofo”, Petite Plaisance, Pistoia 2007. Infelizmente este texto não é traduzido em português, mas me parece que o discurso dele para a metodologia dos estudos clássicos é importante e pode ajudar na compreensão de vários aspectos do trabalho do classicista.

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uma máquina do tempo, mas é uma estrada (entre muitas) através do mare Magnum das interpretações. Quando se faz uma pesquisa, traça-se uma estrada e precisamos não somente saber, ter consciência do ponto onde queremos chegar, mas também – e talvez sobretudo – do ponto de partida.

Nossos conhecimentos, hábitos, nossa cultura, formada por nossas leituras, são, podemos dizer, alguns a priori que influenciam todas nossas interpretações. E mesmo destes a priori temos que ter consciência. Como diz Giovanni Casertano, na nossa leitura do passado nós lemos através de “um certo tipo de óculos”, que nunca podemos tirar do nosso nariz.

O facto é que, na pesquisa sobre as origens da filosofia, se se quiser encontrar tudo o que depois veio na história da filosofia, e isso constitui um problema porque as categorias que utilizamos foram criadas na antiguidade, os termos foram cunhados. Mas a identidade dos termos pode significar a identidade dos conceitos? Responder a esta pergunta já significa tomar uma posição no interior do debate filosófico, histórico, artístico, literário, politico etc. A complicar as coisas há o facto que a história da filosofia foi feita por filósofos! Ou seja por pensadores que, em fazer “história”, já interpretaram de uma maneira muito pessoal, conforme ao pensamento de cada um deles, o material que encontraram. É um facto que Aristóteles, o primeiro “historiador” da filosofia, adaptou a seus próprios fins as filosofias dos pré-socráticos. Mas já Platão, em citar os filósofos a ele anterior, desenvolve o pensamento deles levando os assuntos às últimas consequências; o caso mais indicativo está no Teeteto onde se discute a “doutrina secretas” de Protágoras!

Pensemos nas outras “histórias” filosóficas da filosofia, por exemplo naquela de Hegel, que vê na história da humanidade um desenvolvimento contínuo em que cada etapa tem sua própria razão na etapa anterior. Desse jeito, a história da filosofia acaba por ser um movimento sem solução de continuidade em que cada filósofo é um “precursor” do filósofo que vem logo e o sucessor de quem vem antes. Claramente este tipo de historiografia tem seu fundamento em uma leitura da filosofia que foi dada já a partir da antiguidade tardia, época em que se iniciaram as “escolas” filosóficas, em que se colocaram cada autor: exemplo é a “escola de Mileto” e a “escola eleática”.

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Como nota Giovanni Casertano, no caminho do pesquisador se encontram dois problemas opostos, mas que podem ser ambos chamados de anacrônicos: um é o tipo de anacronismo que leva categorias próprias do presente no passado (exemplos podem ser o comunismo platônico ou as figuras do Espírito que Hegel atribuiu aos vários sistemas de pensamento da antiguidade); o outro tipo de anacronismo, talvez mais perigoso porque portador de fundamentações políticas e ideológicas, é o que leva categorias do passado no presente. Por isso quando falamos de democracia, ditadura, monarquia, temos que verificar o sentido histórico dos termos que são utilizados no nosso discurso, o discurso que quer ligar o passado ao presente. E isso é ainda mais importante, por exemplo, no momento mesmo em que para fundar a Europa se busca achar uma origem comum para todos os povos e claramente esta origem é encontrada agora – e não como no terceiro humanismo –, ideologicamente, nas raízes cristãs.

Como já podemos ver, os paradigmas de apropriação mudam muito e as vezes muito rapidamente, conforme o fim que se quer perseguir.

Mas o problema que quero mostrar na filosofia antiga é que nós trabalhamos ainda sob a influência de padrões “filosóficos”, como aquele de Aristóteles ou de Hegel.

1- Hegel

A origem da filosofia, seu nascimento, interessou e interessa muito também os filósofos e os pesquisadores de filosofia contemporâneos. Se isso acontece é porque, como já disse, se opera uma ligação entre o presente da filosofia com seu passado; e isso depende do facto que para justificar “filosoficamente” uma determinada filosofia não há nada melhor do que procurar e mostrar que esta filosofia contemporânea tem raízes mesmo na filosofia do passado, ou seja que esta filosofia obedece ao princípio da auctoritas, justificativa poderosa quanto poucas. O discurso, portanto, sobre a origem da filosofia foi – e talvez ainda é ou tem que ser – um discurso filosófico. Como nota o mesmo Hegel (Lições sobre a história da filosofia), há uma parcialidade na história e na filosofia, contra as aspirações à objetividade

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e à neutralidade. Mas esta parcialidade é um “lembrete crítico” que nos ajuda a ter consciência do facto que, no momento mesmo em que fazemos história, ou abordamos um assunto que pertence a um período do passado, nós estamos no âmbito da interpretação; por conta de uma suposta narração de facto separada das opiniões do historiador.

Como mostram os textos de Mario Vegetti propostos para a leitura sobre as interpretações da política de Platão, o historiador, o pesquisador, o filólogo, dá importância a alguns aspectos particulares, destacando termos e conceitos para sua própria linha interpretativa, mas estes termos e conceitos, nos vários textos, estão juntos a outros termos e conceitos que compõem um texto.

Mas esta parcialidade não tem que ser concebida como a afirmação que “todas as interpretações” são corretas, e que cada um que diga algo sobre o passado tem razão porque o que diz é expressão de sua opinião. A parcialidade tem que ter, seja como for, uma ligação com a verdade. Cada interpretação tem que ser verdadeira, e o verdadeiro tem que ser concebido como algo que tem um próprio sentido, um próprio horizonte conceitual. Cada interpretação é uma opinião, mas não cada opinião é uma interpretação, porque uma interpretação tem que ser avaliada através do aprofundamento do conceito e não basear-se sobre um sentimento, uma ideia não refletida, um “se diz” não verificado. Sobretudo, como nota Casertano, “o facto importante é que esta verdade não é nunca absoluta e supratemporal, mas é sempre um saber histórico” (p. 16).

Claramente, se quisermos fazer “história da filosofia antiga”, como nota Hegel, temos que ter, mais ou menos, um conceito de filosofia. Isso é fundamental, mesmo em épocas em que se fala de “morte da filosofia”, e é fundamental porque na definição de qualquer disciplina, âmbito de pesquisa, temos que ter já um conceito que justifique a “realidade” da disciplina. Esta notação está ligada à operação que antes mostramos, ou seja a operação de levar no passado categorias próprias do presente. Mas este problema é constitutivo da obra de quem pesquisa! Temos que ter um conceito (no presente, agora) para indagar o passado, e é sempre a partir deste presente que começa a pesquisa.

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Este problema põe em causa um outro problema, que é o paradoxo do conhecimento, exposto magistralmente no Menon platônico: quem vai à procura de algo conhece já o que está procurando, porque senão não saberia o que procurar, mas, ao mesmo tempo, não o conhece, porque senão não o procuraria.

Nesse ponto, revela-se a visão de Hegel que concebe o desenvolvimento histórico do pensamento filosófico como a história do Pensamento que procura e encontra a si mesma. O valor histórico deste desenvolvimento encontra sua razão no valor meta-temporal da Ideia, que está no mesmo tempo dentro e fora do tempo. Cada etapa deste desenvolvimento representa para Hegel uma etapa do Espírito, e estas etapas são históricas porque se concretizam na história da humanidade, mas também, para assim dizer, metafísicas, porque atuam em um projeto que não está na história. Esta visão implica que a “filosofia” e a “história da filosofia” são conjuntas, sendo esta última a encarnação da primeira, que é um continuum ideal-temporal necessário. E neste esquema “necessário” cada filosofia, cada pensamento de um autor assume o caráter necessário deste desenvolvimento.

A abordagem de Hegel dá, portanto, uma imagem das filosofias (as várias que se seguiram na história) como epifenômenos da mais alta Filosofia, causa destas concretizações históricas.

2- Windelband e Zeller

Um outro filósofo, Wilhelm Windelband (1848-1915 – História da filosofia, 1892), do ambiente neo-kantiano de Heidelberg, também se interessou por problema de historiografia filosófica. Ele criticou a ideia de Hegel da história da filosofia, porque recusou o princípio pelo qual as categorias eternas do Espírito “aparecem historicamente nos sistemas dos filósofos. Contra a concepção de Hegel ele pensou que as filosofias de cada autor refletem exigências espirituais dos pensadores e condições pessoais.

O resultado geral da história da filosofia e as variedades dos movimentos ideais são determinados, para Windelband, em última instância

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descobrir que os problemas filosóficos são já dados, ao longo da história, representam-se como enigmas originários da existência; 2) um fator de desenvolvimento da civilização, que está na relação entre arte, religião, momento social, momento político e filosofia, e pelo qual, a um certo ponto, os sistemas filosóficos se revelam como consciência reflexa de um determinado século; 3) um fator individual pelo qual também as convenções gerais recebem uma importância das personalidades singulares. Como nota Casertano, Windelbandafirma que para acertar mais nossa metodologia de pesquisa temo que cuidar dos sentidos que o termo “filosofia” pegou nas várias épocas.

Mas também em Windelband podemos achar um paradigma da “idealístico” para a história da filosofia, porque ele atribui grande importância à Filosofia em relação às várias filosofias e porque, seja como for, mesmo destacando o fator individual, o desenvolvimento das filosofias segue uma linha já traçada, já definida. Prova seja o facto que ele divide a filosofia antiga em três momentos: 1) cosmológico, 2) antropológico e 3) sistemático, categorias, estas, que foram dominantes e que ainda reagem com os trabalhos dos historiadores da filosofia antiga, sobretudo de área continental.

O trabalho de Eduard Zeller (1814-1908), A filosofia dos Gregos em seu desenvolvimento histórico (1844-1852), apresenta um cuidado muito forte para as fontes, contendo muito material documentário e fica, ainda hoje, um trabalho importante para a história da filosofia antiga (esta obra foi traduzida parcialmente e revisada por um pesquisador italiano, Rodolfo Mondolfo).

O problema do qual Zeller parte é o problema do termo “filosofia”, porque ele constata que este termo, em seu uso ao longo de toda a literatura grega, indicou as coisas mais diferentes; por isso, se tivéssemos que pegar todos estes sentidos para dar uma imagem da filosofia teríamos de ou restringir muito o âmbito da filosofia, ou, na maioria dos casos, de alargar este âmbito, até deixar entrar muitas cosias que não consideramos mais filosofia. Fazendo isso, ele passa através de Homero, de Tucídides, de Sócrates, de Platão, de Aristóteles, até dos Neoplatônicos.

Por essa razão, Zeller teve que dar uma definição de filosofia; mesmo como destacamos para Hegel, fazer história da filosofia significa em primeiro

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lugar ter já uma ideia e uma definição do que é a filosofia. E Zeller dá esta definição: “a filosofia é uma atividade puramente teorética, tal que nela se trata só de conhecer”, ou seja, é uma ciência, “uma reflexão metódica que se põe como fim cientemente um conhecimento racional das coisas”.

Não queremos aqui dar juízos sobre estas três concepções da filosofia e da história da filosofia; queremos só mostrar algumas das mais importante vertentes da historiografia filosófica, muito em breve como estes três autores resolveram os problemas que temos em começar um trabalho de pesquisa acerca da filosofia antiga, o, mais em geral, um trabalho de reconstrução histórica sobre a antiguidade clássica.

Mas a solução de Zeller, embora exclua muito com esta perspectiva cognitiva e intelectual, nos parece interessante, porque é o mesmo Zeller que tem consciência do facto que, mesmo tendo esta definição de filosofia, em nosso trabalho, quando realizamos uma delimitação que podemos não dar conta do real cruzamento de concepções, filosofias, sistemas científicos, então temos que adaptar nosso paradigma às novas exigências de pesquisa.

3- Uma pequena notação de método de Giovanni Casertano

Giovanni Casertano indica três erros a evitar em fazer história da filosofia antiga, mas podemos também utilizar estas indicações, gerais e adaptadas, para qualquer estudo sobre a antiguidade e às quais nossas aulas se inspiraram, para assim concluir esse pequeno discurso, certamente não exaustivo, mas que pode dar direções para não cair em erros e ter uma bússola em nosso mare Magnum.

O primeiro erro que o estudioso italiano indica é “operar anacronismos”. “Anacronismo” é a entender aqui como transposição de temáticas, hábitos mentais, impostações culturais. Esta transposição acontece usualmente do presente para o passado, no sentido que no passado se tenta achar precursores para as filosofias que vão ser seguidas depois (isso é, uma forma mentis típica do idealismo, cujo máximo representante é Hegel, de quem mais acima demos algumas indicações). O perigo deste modo de fazer história do

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pensamento é o de perder a peculiaridade de uma época. Este anacronismo Casertano o chama de “anacronismo positivo”.

O outro tipo de anacronismo é o “anacronismo negativo”, que consiste em não ver um tipo de pensamento novo de um contexto tradicional; ou seja atribuir categorias do passado para algo que, mesmo fazendo parte de um contexto cultural ligado ao passado, cria uma descontinuidade nas concepções sobre um determinado argumento. Podemos ligar isso com o discurso sobre o contínuo e o descontínuo.

No primeiro tipo de anacronismo se leva o presente para o passado; no segundo o passado para presente.

O segundo erro é “operar esquematizações”. Procurar esquemas é uma exigência da ciência, mas o erro consiste em sobrepor um esquema aos factos, em constringir os factos ao esquema. Isso claramente impede de encontrar dados que podem mudar o esquema mesmo. Mas isso nos levaria muito longe, porque implica em um discurso epistemológico que pertence ao modo de procurar dados, discurso que se joga entre teoria da ciência e hermenêutica.

Podemos dizer que a validade de um esquema consiste na capacidade do esquema de dar conta mesmo de dados não contemplados por ele; dar conta da diversidade e complexidade do objeto de pesquisa.

O terceiro erro é “operar absolutizações”. Este erro consiste em achar os resultados de uma pesquisa, de uma interpretação como “definitiva”. Cada obra de compreensão, a qualquer nível, não é nunca uma obra terminada, que chega a resultados dados uma vez e para sempre. Não absolutizar a própria pesquisa significa não somente não afirmar os resultados conseguidos como “verdades absolutas”, mas também ser conscientes que os resultados são pontos de partida para outras pesquisas, deixando, assim, a pesquisa aberta a verificações ulteriores.

Referências

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