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41º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

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41º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS GT20 - OS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS E DE OUTRAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS E AS POLÍTICAS DO ESTADO: EIXOS DE DESENVOLVIMENTO E RESISTÊNCIAS SOCIAIS NA

AMÉRICA LATINA

DIÁLOGOS INTERCULTURAIS: A

RESSIGNIFICAÇÃO DA ESCOLA PELOS PANHĨ (APINAJÉ)

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Diálogos interculturais: a ressignificação

da escola pelos Panhĩ (Apinajé)

Resumo

Este artigo pretende analisar o processo de ressignificação da escola pelo povo Panhĩ. A pesquisa foi realizada entre o povo indigena da aldeia Mariazinha. Com a investigação, percebi que, diante deste contexto marcado por uma história de relações assimétricas, a presença da escola na cidade tende a reproduzir a situação existente de conflito entre indígenas e não indígenas. Portanto, a escola como instituição que pertence ao Estado, estabelece uma relação hierárquica com o povo de Panhĩ, a imposição de valores e comportamentos e subordina-os a um único modelo de escola constitucionalmente projetado e legitimado pela sociedade nacional. Com isso, as etratergias de ressignificação da escola é antes de tudo uma tentativa de resistir a imposição do Estado de uma escola homogenia e distante da realididae Panhĩ.

Palavras-chave:Panhĩ. Conhecimento Tradicional. Escola. Política.

Introdução

A proposta deste artigo é compreender a relação dos Panhĩ1

com a instituição escolar e suas estratégias de ressignificação, ou seja, as formas como eles atribuem um novo significado a escola, a partir de seus próprios termos. Busca-se pensar a respeito das implicações da homogeneização e padronização do modelo de escola imposto aos Panhĩ, pois como veremos, esse modelo não corresponde a especificidade cultural deste povo. Por fim, trata-se de apresentar algumas das ações que os professores Panhĩ, com o

1 Os Panhĩ, conhecidos também por Apinajé, pertencem à família linguística Jê e ao tronco linguístico

MacroJê, falam a língua nativa Apinajé, além do português que, foi adotado como segunda língua e é falado pela maioria dos jovens e adultos desde o contato com a sociedade não indígena. Os Panhĩ integram o grupo denominado por Curt Nimuendajú (1983), como Timbira. Os Timbira incluem, além dos Panhĩ, os Krahó, os Ramkokamekrá, os Apaniekrá, os Krikati, os Pykobyê, os Gaviões. Os Timbiras se assemelham culturalmente e falam línguas semelhantes.

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apoio da comunidade, estão mobilizando contra os princípios homogeneizadores da escola ocidental implantada na aldeia.

Estive entre os Panhĩ nos meses de outubro de 2014 e janeiro de 2015. Durante este tempo na aldeia Mariazinha pude observar que os professores Panhĩ, com o apoio da comunidade, têm se mobilizado na luta pela ressignificação da Escola Estadual Indígena Tekator, desenvolvendo estratégias para a inserção dos conhecimentos tradicionais na escola, visando a produção de um espaço escolar menos hierarquizado.

O território Panhĩ está situado no estado do Tocantins, na microrregião conhecida por Bico do Papagaio2. Atualmente somam uma população de aproximadamente 2.412 (SESAI, 2012) e estão distribuídos em trinta e nove (42) aldeias pelo seu território. É importante ressaltar, que a maioria das aldeias estão concentradas nas proximidades do município de Tocantinópolis-TO.

Segundo dados do IBGE (2010), o município de Tocantinópolis-TO, tem população estimada em 22.608 habitantes e está situado na microrregião do Bico do Papagaio, uma região historicamente marcada por grandes conflitos fundiários. A própria demarcação do território Panhĩ ocorreu em um contexto de grande hostilidade, entre os indígenas e os moradores locais, o que contribuiu ainda mais para o que DaMatta (1976) denomina como „relações paradoxais‟ entre as sociedades indígenas e as sociedades nacionais, confinadas em um mesmo espaço geográfico.

Neste sentido, DaMatta (1976) chama a atenção para as contradições existentes entre os Panhĩ e os moradores locais, apresentando dois componentes estruturais oriundos das relações sociais estabelecidas entre as duas sociedades. Por um lado, a proximidade física que tende a unir as duas populações que coabitam um mesmo território; por outro, a distância cultural que gera a produção de representações englobantes e preconceituosas.

Segundo Gonçalves (1980, p. 30), “a população de Tocantinópolis refere-se aos Apinayé de modo genérico (“caboclos”, “Índios”), raramente atualizando uma referência personalizadora”. Assim, “manter a proximidade física salvaguardando a distância cultural, por meio da hierarquização das relações entre as duas sociedades em

2 O nome faz alusão ao desenho que se forma no mapa do estado do Tocantins, dando a impressão da

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conjunção” (DAMATTA ,1976, p. 52), parece ser a medida adotada pelos moradores locais para mediar a relação com os seus vizinhos Panhĩ, algo que segundo estudos recentes (Demarchi e Moraes, 2015) continua sendo a forma contemporânea de tratamento dos indígenas.

Neste sentido, assim como no caso dos indígenas Tukúna [atualmente grifados e conhecidos como Tikuna, situados na região do Alto Solimões] e os seringalistas, apontado por Roberto Cardoso de Oliveira(1964), os Panhĩn também vivem essa relação de oposição, em fricção com a população local, vivendo as dinâmicas próprias e suas próprias contradições. Segundo Roberto Cardoso de Oliveira (1964, p. 28.), essa situação pode ser vista “enquanto situação de contato entre duas populações dialeticamente “unificadas” através de interesses diametralmente opostos, ainda que interdependentes, por paradoxal que pareça”.

Diante disso, DaMatta (1976), chama a atenção para as contradições existentes entre os Panhĩ e os moradores locais, apresentando dois componentes estruturais oriundos das relações sociais estabelecidas entre as duas sociedades. Por um lado, a proximidade física que tende a unir as duas populações que coabitam um mesmo território; por outro, a distância cultural que gera a produção de representações englobantes e preconceituosas.

Considerando a complexa relação gerada no contexto de contato entre indígenas e não indígenas, a escola, quando inserida nas aldeias, caracteriza–se, obrigatoriamente, como um espaço de grandes tensões. Por um lado, o Estado, que pautado no que Tubino (s/d) chama de “interculturalidade funcional”, tenta reproduzir a cultura hegemônica, impondo um modelo de escola aos moldes da sociedade colonizadora; por outro, os Panhĩ, por meio de seus professores e lideranças, resistem na luta pela subversão dos conhecimentos e valores impostos a eles através da escola.

Neste sentido, o conceito de interculturalidade, como política afirmativa, tem sido questionado nos últimos tempos como forma de abarcar as especificidades, assim como as vividas pelos Panhĩ. Tubino (s/d) ao analisar o uso da categoria interculturalidade como projeto político no Peru, chama a atenção para os significados e abordagens do conceito, destacando uma distinção muito clara entre a “interculturalidade funcional” e o que pode e deve ser a “interculturalidade crítica”.

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Segundo o autor, a interculturalidade funcional, utilizada pelo discurso oficial dos estados nacionais, não leva em consideração as relações de poder e dominação existentes entre os povos e as culturas, impondo um modelo genérico que não leva em conta a diversidade cultural e as especificidades linguísticas, sociais e culturais. Já a interculturalidade crítica, busca a compreensão das causas das desigualdades, para suprimi-las através daquilo que alguns autores têm chamado de “domesticação” da escola (Giraldin,2012; Baniwa 2006), ou seja, as formas de apropriação da escola pelos povos indígenas, levando-se em conta suas especificidades culturais.

Tal situação pode ser notada nas palavras do professor Panhĩ Nhĩnô, em que expressa a relação de poder e dominação exercido pelo estado, impondo um modelo de escola que não leva em consideração as especificidades do povo Panhĩ.

É difícil negociar com a Secretaria de Educação do Estado. A escola da aldeia tem que ter outro modelo, que seja de qualidade.E nós que estamos à frente da escola temos que lutar junto com a comunidade por uma política para melhorar o funcionamento da escola, para que ela possa atender as necessidades do nosso povo que é preparar os jovens para dialogar com o branco, para lutar pelos nossos direitos e a escola tem que ajudar nesse processo de manutenção do nosso território, trabalhado a interculturalidade, os dois conhecimentos de forma contextualizada.

Assim, vê-se que os professores estão lutando pela ressignificação da escola na aldeia, que reproduz a relação de hierarquização histórica do Estado para com os povos indígenas.

Segundo Gersen Baniwa (2006), a educação escolar atualmente tem ganhado uma grande importância para os povos indígenas que se encontram em situação de contato com os não indígenas. Contemporaneamente para os Panhĩ tem sido uma das maiores preocupações presente em assembleias, reuniões e etc. A consciência a respeito da necessidade de criar um modo próprio de fazer escola se fortalece cada vez mais.

Nesta perspectiva, é importante ressaltar que diante do contato com os Kupẽ3 a escola passa a ser vista pelos Apinajé contemporâneos ou pelo menos, por boa parte deles como algo necessário para promover um intercâmbio entre as culturas, ao passo

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que esta será um instrumento de luta e resistência do povo indígena frente à sociedade do não indígena. Diante disso, o povo indígena Panhĩ vem lutando e resistindo contra o modelo educacional da sociedade não indígena, tal como Gersen Baniwa (2006), apresenta o processo de ressignificação da escola entre os povos indígenas do Rio Negro, atualmente os Panhĩ também estão usando estratégias para ressignificar e aproximar a escola o máximo possível do mundo Panhĩ.

Como já foi dito, diante dos novos contextos que surgem a partir do contato com os não indígenas a escola passa a ser vista como mais um dos elementos necessários e integrantes da vida dos Panhĩ.Vemos, portanto, que o agenciamento dos professores na escola está ligado diretamente a preocupação com a gestão territorial, haja vista, que como já mencionado o contexto dessa região é marcado por grandes conflitos fundiários; embate direto com fazendeiros, o avanço da pecuária e do agronegócio (a criação de gado e o plantio de eucalipto e soja) avançando sobre o território indígena Panhĩ. Além do constante perigo causado pelas construções de hidrelétrica. Por exemplo: a hidrelétrica de Estreito Maranhão no rio Tocantins e ainda a possibilidade da construção de uma segunda hidrelétrica (Serra Quebrada), nas proximidades, sendo que esta última se construída inundara metade da terra indígena Panhĩ.

Segundo Almeida (2008), esses grupos possuem um conjunto de práticas sociais em que a posse e o usufruto têm um forte componente comunitário, concebendo a terra como um bem natural, divergindo, assim, da visão de propriedade privada capitalista na qual possui terra quem pode pagar por ela. Assim, como vemos na fala do professor Panhĩ, as práticas, costumes, conhecimentos e valores dos povos indígenas estão imbricados na forma como se relacionam entre si e com o território.

A escola na aldeia

Diante desse contexto marcado por um histórico de relações assimétricas, a presença da escola na aldeia tende a reproduzir a situação de conflito existente entre indígenas e não indígenas. Assim, a escola, enquanto instituição pertencente ao Estado, estabelece uma relação hierárquica com o povo Panhĩ, impondo valores e condutas e subordinando-os a um único modelo de escola constitucionalmente concebido e legitimado pela sociedade nacional.

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Durante uma entrevista, o cacique Nhĩnô, diretor da escola Tekator, falou a respeito da política de imposição desenvolvida pela Secretaria de Educação do Estado do Tocantins – SEDUC, dizendo que, “os horários e dias letivos estabelecidos pela SEDUC, não dá para ser aplicado na aldeia, porque aqui é diferente, além disso, é muito difícil negociar alguma alteração, eles não sabem o que é uma educação diferenciada, tudo é igual à escola do branco”.

Como vemos, o modelo de escola4 imposto aos Panhĩ é o mesmo oferecido aos habitantes de Tocantinópolis-TO. Por isso, apresenta elementos comuns aos da maioria das escolas brasileiras, tais como: calendários letivos instituídos para todas as escolas pelo Ministério da Educação; prédios escolares com estruturas tal qual a escola dos não indígenas; modelo de educação pautado no aprender e ensinar entre quatro paredes; horários escolares padronizados, com horários fixos e de difícil negociação; merenda escolar insuficiente para a quantidade de alunos; material didático-pedagógico, diretrizes, currículos e programas inadequados às especificidades culturais dos Apinajé; exigência de assiduidade, que desconhece o contexto e a organização comunitária onde a escola está inserida.

Assim, esse modelo de escola imposto à aldeia, de forma hierárquica e descontextualizada, vem sendo cada vez mais criticado pela comunidade. Como vemos na fala de outro professor:

“Vejo que a escola é importante, hoje precisamos aprender a ler e escrever, eu mesmo me formei na UFG, mas vejo que a escola toma muito tempo da vida da comunidade, funciona de manhã, tarde e noite. Tudo que a comunidade vai fazer tem que pensar na escola, para não atrapalhar os estudos das crianças e dos jovens, por isso, acho que a

4 Segundo os dados obtidos na escola Tekator, os Panhĩ, da aldeia Mariazinha, iniciaram o contato com

educação formal na década de 1960.Gerenciadas pelo Serviço de Proteção ao Índio - SPI, as aulas funcionavam em um local denominado pela comunidade de “casa redonda”, espaço utilizado para reuniões e eventos. No ano de 1970, a escola passou a ser gerenciada pela Fundação Nacional do Índio- FUNAI, e funcionava em um pequeno prédio feito de alvenaria. É importante ressaltar que no período do SPI e da FUNAI não haviam professores indígenas e nem o ensino da língua materna (Panhĩ Kapẽr), a escola tinha apenas a função de alfabetizar na língua portuguesa. No ano de 1995 o Estado assumiu a gerencia da escola e os primeiros professores Panhĩ foram contratados para trabalhar alfabetizando na língua materna. Em 2001, foi criada a Escola Estadual Indígena Tekator e os moradores da aldeia colocaram o nome de Tekator em homenagem ao primeiro cacique da aldeia.

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escola atrapalha a dinâmica da aldeia. Vejo que a escola é que deve acompanhar a dinâmica da aldeia, não o contrário”.

Nota-se, na passagem acima, que a escola é vista como algo importante, no entanto, deve se estabelecer como mais um dos elementos que compõe a aldeia, e não como uma instituição que submete toda a organização social Panhĩ a seus valores. Na aldeia, o pátio é o local onde os conhecimentos tradicionais são aprendidos e o ritual configura-se como um momento de grande aprendizado. As atividades ligadas aos rituais como as cantorias, o manuseio do maracá, as danças, a fabricação de ornamentos ritualísticos, as pinturas corporais, o choro coletivo, o corte de cabelo, a preparação dos alimentos, a caçada e a forma como cada ritual é conduzido, são formas tradicionais de educação ensinadas principalmente no pátio.

Neste sentido, podemos sugerir que, segundo os professores Panhĩ, o pátio da aldeia, enquanto local de construção e de transmissão dos conhecimentos tradicionais, deve englobar a escola. Isso nos remete à reflexão proposta por Clastres (1979) em sua obra A Sociedade contra o Estado, quando se refere à forma como as culturas indígenas têm, ao longo da história, “rodado em torno da civilização ocidental”. Neste sentido, a rotação, de perspectiva proposta pelo autor, contribui para pensarmos que, para os Panhĩ a escola deve girar em torno da cultura e não o contrário.

Os professores da escola Tekator, com o apoio da comunidade, vem resistindo à imposição do Estado, mobilizando-se em um processo constante de ressignificação da escola, produzindo práticas que dialogam com os conhecimentos tradicionais. Fazendo da escola, tal como o pátio, um lugar de aprendizado da cultura Panhĩ.

As estratégias de ressignificação da escola Tekator

A busca pela ressignificação da escola tem se configurado como um desafio enfrentado pelos Panhĩ, sobretudo pelos professores(as), na luta contra as imposições da escola, expressados na falta de diálogo entre escola (Estado) e cultura indígena.

Na tentativa de aproximar a escola do mundo Panhĩ, podemos inferir que a própria escolha do nome de “Tekator” para escola é uma forma de ressignificar o

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elemento “estrangeiro”. Tendo em vista que, Tekator foi um chefe importante para a construção da aldeia Mariazinha, inclusive reconhecido simbolicamente. Ao escolherem o nome Tekator para a escola, os Panhĩ estão, também, escolhendo certos valores e conhecimentos que a escola e todos os Panhĩ devem ter.

Além disso, a ocupação da escola pelos profissionais Panhĩ parece ser uma importante estratégia, no sentido de ressignificar a escola. Um exemplo disso é o aumento gradativo dos profissionais Panhĩ na escola.

Em 19955 o estado do Tocantins contratou os primeiros funcionários para escola, sendo: cinco (5) profissionais Panhĩ; três (3) professores (as), uma (1) merendeira e uma (1) auxiliar de serviços gerais, além de quatro profissionais não indígenas; uma (1) diretora e três (3) professoras. Por meio de concurso público realizado em 2008 pelo governo do estado para o cargo de professor indígena, foram aprovados oito professores(a) Panhĩ efetivo para atuar na escola Tekator. Em 2008, estavam atuando na escola da aldeia, 10 profissionais Panhĩ e cinco não indígenas, a partir de então, o número de professores indígenas passou a crescer sucessivamente.

Quando estive na aldeia em 2014, o quadro de funcionários era composto por 14 profissionais indígenas e nove (09) não indígenas. Os Panhĩ ocupam várias funções na escola, tais como: direção; professores(as); merendeiras; vigilância e auxiliar de serviços gerais. Esses cargos têm grande representatividade para os Panhĩ pois, além do status dentro da comunidade, e da conquista do seu próprio dinheiro, representa, sobretudo, a conquista e ocupação deste espaço social e político de grande importância para os Panhĩ contemporâneos, que antes eram gerenciados totalmente pelos kupẽ6

. Outro exemplo, do processo de ressignificação da escola, é o crescimento significativo do quantitativo de alunos Panhĩ que estão buscando a educação escolar. Em 2010 a escola Tekator atendia a 225 alunos, já em 2014, 338 alunos. Esses dados evidenciam que os Panhĩ estão ocupando cada vez mais o espaço da escola. Este contexto de ocupação da escola configura-se como um importante passo na luta pela ressignificação da mesma.

5 Dados obtidos através de diálogo com uma das primeiras professoras Panhĩ contratada pelo Estado para

atuar na escola Tekator.

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Na busca por uma educação escolar de qualidade como instrumento de redução da desigualdade, de afirmação de direitos e conquistas e de promoção do diálogo intercultural entre diferentes agentes sociais, os professores(as) procuram estabelecer um diálogo com os conhecimentos não indígenas. Isso fica evidente na fala do professor Júlio Kamêr Apinajé:

“Para nós Panhĩn, a educação escolar complementa os conhecimentos tradicionais e garante o acesso aos códigos escolares não-indígenas. Além disso, dá a capacidade de reformulação de estratégias de resistência, e também de conhecer a cultura da sociedade não-indígena. Por isso estamos nos unindo, para lutar por uma escola de qualidade para nosso povo. Uma escola intercultural que trabalha contextualizando os dois tipos de conhecimento, para preparar os nossos jovens para lutar pala nossa terra, pelos nossos direitos.”

Os professores vêem na interculturalidade crítica através do diálogo entre escola e cultura indígena, o caminho para construção de uma escola que corresponde às novas formas de organização social Panhĩ, geradas a partir do contato com os não indígenas. Neste sentido, a escola na aldeia se justifica enquanto potencial fonte de preservação e transmissão da cultura Panhĩ.

Nesta perspectiva de aproximar escola e cultura, pude acompanhar durante a pesquisa de campo, o projeto Kapehãmẽharĩ (cantorias na escola), criado pelo professor Júlio Kamêr e desenvolvido pela escola. O projeto foi realizado em parceria com o cantor Nhĩnô, reconhecido pelo seu conhecimento com o mẽõkrepôx (cantos).

O projeto foi dividido em cinco etapas. Na primeira etapa, o professor Kamêr coletou informações com anciões sobre os significados dos cantos, depois trouxe a letra dos cantos para os alunos aprenderem quais tipos de cantos eram utilizados para cada tipo de ritual. Na segunda etapa, realizou-se a leitura visual, ilustrando com desenhos os significados dos cantos. Quando se tratava do canto das emas, o aluno deveria desenhar as emas da forma como elas apareciam no canto. Na terceira etapa, produziu-se um ensaio dos cantos e das danças, com as mulheres ficando lado a lado formando o coral, enquanto os atentos homens seguiam o cantor, aos passos e ao movimento do maracá. Na quarta etapa, as mulheres cantavam e dançavam e os homens revezavam entre -si o maracá. Na quinta, e última, etapa, realizou-se a apresentação para toda a aldeia dos cantos e danças aprendidos e ensaiados em todas as etapas anteriores.

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Além dessas estratégias apresentadas aqui, é importante ressaltar que existe um movimento contínuo no processo de ressignificação da escola na aldeia. Neste sentido, podemos dizer que os professores indígenas Panhĩ exercem um papel significativo na luta pela ressignificação da escola na aldeia.

Desta forma, podemos conjecturar que a escola pode ser considerada o espaço que possibilita o agenciamento desses autores professores indígenas (intelectuais indígenas).Haja vista que, a escola abre caminhos para que os jovens Panhĩ possam buscar outras formas de ver o mundo, ampliando seus conhecimentos. Assim, vejo na figura dos professores indígenas aos quais chamo de intelectuais indígenas, não no sentido que (Jean Paraíso Alves 2007:166 apud Gersen Baniwa 2011, p. 170), acredita ser, quando diz que, “o intelectual indígena é um produto do indigeníssimo de Estado na tentativa de cooptar o movimento indígena independente mediante a formação consciente de uma nova elite”, mas como os agentes preparados para o diálogo com o Estado e demais setores da sociedade não indígena. Sobre a visão de Jean Paraíso Alves (2007), no tocante aos intelectuais indígenas,Gersen Baniwa 2011, p. 170), defende que “essa intelectualidade indígena teria escapado da estratégia de cooptação estatal/ocidental/burguesa e do controle dos princípios indigenistas tutelares e não-indígenas e passaram a construir seus projetos indianistas ou étnicos.”

Pensar a escola como espaço de ampliação de conhecimento é discutir a diferença e refletir sobre as formas de lidar com ela. Neste sentido, os intelectuais indígenas que atuam na escola da aldeia, são os sujeitos que estão operando o tempo todo com essas duas formas de conhecimento. Tendo em vista que, eles passaram e passam o tempo todo em suas profissões pelo processo da busca de outros conhecimentos em outros espaços. Desta forma, são vistos como o elo entre indígenas e não indígenas, os interlocutores entre o mundo indígena e o mundo do “branco” na luta pelos direitos indígenas.

Considerações Finais

A partir das questões colocadas acima, percebe-se que a escola Tekator da aldeia Mariazinha não corresponde à especificidade cultural do povo Panhĩ, haja vista que a

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escola tende a reproduzir a relação de hierarquização histórica do Estado para com os povos indígenas. Como vimos, o discurso do interculturalismo funcional, utilizado pela gestão pública não leva em consideração a diversidade cultural e as especificidades linguísticas, sociais e culturais deste povo, impondo um modelo de escola hierarquizado, pautado em uma superioridade sociocultural e linguística.

Diante dessa realidade, os professores Panhĩ estão se mobilizando com apoio da comunidade contra o modelo de escola homogenia e hierárquica imposta a eles, criando estratégias de ressignificação da escola, isto é, uma forma própria dos Apinajé de se apropriar da escola e do conhecimento científico, em prol da escola que querem. Uma escola que contribua de forma significativa para manutenção do território, que mobilize aproximando a escola do pátio, trabalhando com dois conhecimentos, duas culturas, na perspectiva de uma interculturalidade crítica.

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Referências

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TUBINO, F. (s/d). Del intercultutralismo funcional al interculturalismo crítico. Disponível

em:<https://www.academia.edu/la_interculturalidad_critica_como_proyectoéticopolíti co>.Acesso em: 18 de julho de 2016.

Referências

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