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A CRISE DO MASCULINO E DO FEMININO

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CIRCULO PSICANALÍTICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

A CRISE DO MASCULINO E DO FEMININO

BELO HORIZONTE – MINAS GERAIS

2013

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Autores:

Alexandre Meinicke: 9951-9813

José Maurício da Silva: 9629-1353

Lucas Silveira Magalhães: 9995-3765

Patrícia Rossi: 8211-8003

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A Crise do Masculino e do Feminino

Introdução

Nosso trabalho tem por finalidade refletir acerca da crise do masculino e do feminino, ou melhor, levantar alguns elementos teóricos que possam auxiliar nessa reflexão. Como fio condutor, que perpassa e costura toda a discussão, utilizaremos a concepção de função paterna.

Recorrendo ao Complexo de Édipo e, mais precisamente, ao pai que aí se apresenta, podemos afirmar que a função se manifesta como aquela que introduz o infans na cultura e lhe possibilita configurar-se simbolicamente, aquela que promove a vida psíquica. Ou seja, pai é aquele que promove a alteridade, o encontro com o Outro. Alteridade referida a algo externo a mim.

Convencionou-se atrelar à figura do pai da realidade a responsabilidade pela saúde psíquica dos filhos. A função paterna não passa necessariamente pelo pai biológico, genitor; qualquer sujeito, independentemente do lugar onde esteja, pode se apresentar, via discurso da mãe, como o outro na constituição do sujeito. O importante é ter a lei paterna como referência, isto é, proibição do incesto e assassinato e, sobretudo, acessar a alteridade e por ela ser reconhecido.

Fundamentação Teórica

As sociedades contemporâneas, segundo Kumar (1997), apresentam um reforçado grau de fragmentação, pluralismo e individualismo. Fragmentação de sentidos, multiplicidade de direções acerca do comportamento humano e pluralidade do conhecimento.

Segundo Joel Kovel, citado por Lasch (1983), a pós-modernidade “criou um novo tipo de “indivíduo social” graças à estimulação de desejos infantis por meios de anúncios, a usurpação da autoridade parental pelos meios de comunicação de massa, e pela escola e a racionalização da vida interior, acompanhadas pela falsa promessa de satisfação pessoal.” Como resultado, temos um novo sujeito na clínica, não mais o das neuroses clássicas, “em que o impulso infantil é reprimido pela autoridade patriarcal, mas sim um sujeito em que o impulso é estimulado, pervertido, e ao qual não é dado nem um objeto adequado com o qual satisfazer-se, nem formas coerentes de controle,” segundo Lasch (1981). Ou, como afirma Birman (1999), que numa cultura narcisista, o que conduz o sujeito à clinica é o “fracasso do indivíduo em realizar a glorificação do eu e a estetização da existência.”

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Nesse sentido, Birman (1999), comentando sobre a cultura do narcisismo, desse individualismo exacerbado, afirma que “a alteridade tende ao apagamento e quase ao silêncio na economia do sujeito”. Além disso, o autor destaca o fato de esse autocentramento redundar numa predação do outro, sobretudo no campo da sexualidade: “evidencia no registro sexual, nas formas corriqueiras pelas quais o indivíduo realiza a predação do corpo do outro”. Por meio da predação, o sujeito empreende também a estetização de seu eu, por um outro viés, polindo seu brilho pelo cultivo infinito da admiração do outro. Constitui-se aqui a manipulação do outro como técnica de existência para a individualidade, maneira privilegiada para a exaltação de si mesmo. Com efeito, para o sujeito, não importam mais os afetos, mas sim a tomada do outro como objeto de predação e gozo, por meio do qual se enaltece e glorifica.

Observando-se atentamente essa realidade contemporânea, deparamo-nos com eventos em que o Outro foi literalmente apagado, sobressaindo aí um Eu que quer sempre gozar ou, numa essencialmente linguagem popular, “levar sempre a melhor”. Ou, conforme afirma Drawin (2006), que a sociedade atual não apenas se apresenta como mortal, senão mortífera, ou seja, nota-se um processo de declínio do grande Outro. “A destituição do Outro leva ao declínio das definições ternárias e heterorreferenciais do sujeito e são substituídas por definições autorreferenciais. O sujeito pretende ser autoinstituinte, mas como o sujeito pode tornar-se ele mesmo e alcançar a autonomia, o árduo caminho do “torne o que tu és” sem ter sido assujeitado?” Como pode o sujeito fundar a si mesmo sem o pai, sem uma anterioridade e exterioridade simbólica? – pergunta Drawin.

Dentre as mudanças ocorridas na contemporaneidade, presenciamos o declínio do patriarcado. Nesse modelo, o homem configura-se como peça central, responsável pelas decisões, administração do patrimônio, ocupando o topo de uma hierarquia com poderes sobre mulher e filhos. Embasado numa ideologia religiosa, o sacramento do matrimônio sustentava esse lugar, conferindo-lhe o status de único identificador familiar na família conjugal. Na condição de chefe e de cabeça da família, o homem dispõe de instrumentais religiosos para manter e controlar a unidade familiar.

No contexto patriarcal, a autoridade do pai se fundamentava na sua condição de pai provedor financeiro da família, figura que fazia a ligação entre passado-presente, acenava para o futuro, destacava-se no topo da pirâmide na condição de marido, pai e representação da instituição familiar. Somadas a essas dimensões, ressalta-se a dimensão cultural das representações constituídas acerca de papéis de masculino e autoridade.

Hoje, novos arranjos familiares põem em xeque o modelo tradicional, obrigando todos a rever os papéis de gênero e, consequentemente, a ordem simbólica. Romper com algo historicamente acostumado como natural implica perda da referência ou, mais precisamente, constitui uma “crise identitária”.

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Criou-se, no imaginário social, a ideia de que a família “con-jugo-(al)” é a única referência possível, capaz de produzir e assegurar uma ordem social e subjetividades saudáveis. Há que se ressaltar sempre que o sujeito que cumpre a função de separação da simbiose mãe-filho varia de cultura para cultura. O que é certo é que o complexo de castração impõe limites para a constituição de sua psicossexualidade, pois o Complexo de Édipo é, concomitantemente, universal e singular, e a circulação pulsional que suscita é resultante da ordem social que organiza seu elemento. De acordo com esse raciocínio, pode-se citar o sistema de valores de cada cultura que, uma vez introjetado, passa a fazer parte do superego. Freud afirma que mais importante que as figuras que aparecem na cena edípica, são os caminhos da pulsão e as escolhas objetais que conduzem à constituição do sujeito.

Segundo o entendimento Freud, de acordo com o Complexo de Édipo, a criança renuncia a gozar-se por meio da mãe. Assim, a função paterna é a que possibilita o aparecimento do desejo do sujeito em constituição. O pai, no sentido de função, introduz a proibição do incesto e abre caminho para que o sujeito entre no mundo da cultura. Graças à função paterna, o complexo de Édipo será superado e, consequentemente, a lei é introjetada, fazendo com que o superego se torne o herdeiro do complexo de Édipo.

Na cena edípica, aparece a problemática do outro – o pai. E ela aparece como fantasia, sonhos e desejos do eu. O outro – pai –, advindo da cena, edípica caracteriza-se por outro passivo. Embora a cena edípica anuncie a triangulação da relação que exige a presença do outro, aqui esse outro emerge no psiquismo do sujeito; portanto, numa condição ad intra. A questão da alteridade aparece, porém, não em sua totalidade, pois o Complexo de Édipo, nesse momento, centra-se sobre o eu, segundo Moreira (2004).

Já em “Totem e Tabu” (FREUD, (1913[1912-13])/1996), segundo Marcos (2006), a concepção de pai expressa é a daquele que introduz a rede simbólica, o que assegura o nome e a lei. Tanto em “Édipo” como em “Totem e Tabu”, o pai apresentado é o pai morto, isto é, só tem acesso a ele como morto, como simbólico. Ele aparecerá como pai após o assassinato, e os filhos o reconhecem como tal no pós-morte.

Sob a ótica da alteridade, conforme Moreira (2002), o pai que comparece em “Totem e Tabu” não é o que estabelece uma relação de alteridade, pois se trata do pai violento que desconsidera e não reconhece a existência do outro. A alteridade só aparece como possibilidade após a morte do pai totêmico, pois aqui os irmãos perguntam uns aos outros sobre as suas responsabilidades. A fraternidade formada é a primeira possibilidade de construção da alteridade. Os irmãos são iguais, e a identificação entre eles é assegurada pela presença de algo em comum, que é o pai introjetado.

Em “Moisés e o Monoteísmo” (FREUD, (1939[1934--38])/1996), o tema do assassinato do pai retorna, ao abordar o tema do assassinato de Moisés. Segundo Marcos

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(2006), as tentativas para esquecer o crime cometido contra Moisés apagam também a concepção de Deus transmitido por Moisés. O Deus Javé, cultuado pelos israelitas, nada tem em comum com o Deus de Moisés. Com o passar do tempo, esse Deus, que estava recalcado, retorna e impõe suas características ao povo.

De acordo com a perspectiva segundo a qual a sociedade humana nasceu da morte do pai pelos filhos, pondo fim a um período tirânico, e que esse pai é revalorizado pela instauração da lei, Freud (1939[1934-38]/1996) vai aplicar esse mesmo princípio para o monoteísmo. Com a morte de Moisés, o Judaísmo – religião do pai – cede lugar ao Cristianismo – religião do filho –, fato que se funda no reconhecimento da culpa associada a essa morte necessária. Dessa forma, um Cristianismo que expia a morte do pai pela morte do filho abandona a prática da circuncisão, deixa de lado aquilo que constituía a identidade do povo como povo eleito, povo da aliança. Para Roudinesco (1994, p.84), o monoteísmo, segundo Freud, “recapitulava a interminável história da instauração da lei do pai e do logos separador sobre a qual Freud construíra toda a sua doutrina da família edipiana”.

Comparando a história da constituição do sujeito e a do monoteísmo, podemos dizer que são construídas a partir de um ponto não representável. É desse ponto não representável que se outorga o privilégio da figura paterna, a qual constitui o núcleo do complexo de Édipo, a partir da função de apresentar ao sujeito um lugar Outro. O que está em jogo aí é a função do pai que instaura um campo que se organiza em torno de algo não inscritível. (Ribeiro 2006)

Em “Os nomes do pai”, Lacan (1963) diz que o lugar do pai na cultura ocidental estabeleceu-se a partir da experiência religiosa em um Deus único da cultura judaica e cristã. A cultura ocidental, pela tradição monoteísta, vai substituir a figura do mestre tradicional pela figura da autoridade paterna, em que uma instância simbólica é a fonte e seu poder. A força do pai primitivo estava, de fato, no poder real. Na cultura ocidental, a autoridade paterna está referenciada pela existência de um Deus único e ausente. Esse pai difere do pai primitivo, visto que seu poder não emana dele mesmo, e sim de um vazio. Ou seja, “se vive com a ideia de que há um lugar Outro que se pode supor habitado por alguém

– alguém com quem se mantém um diálogo interior e que é suposto saber sobre o que nos falta,” afirma Ribeiro (2006, p. 116).

Segundo Lacan, é o nome-do-Pai que cria a função do pai. Mas como o pai não é uma figura, e sim função, não tem nome próprio, isto é, têm tantos nomes quantos suportes têm a função. E sua função é por excelência religiosa, ou seja, re-ligare: ligar significante ao significado, ligar lei e desejo, pensamento e corpo. É o que se espera de um pai: ligar.

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CONCLUSÃO

A concepção de homem e de mulher é resultado de um processo de construção. Acontece, porém, que, nesse processo, a ideologia cumpre a função de inverter a realidade, ou seja, ela transfigura os processos históricos construídos em dados naturais, eternos e sagrados. A ideologia apaga a imagem da construção e, no seu lugar, como diz Sousa Filho,

“[...] institui uma imagem que seja sua consagração simbólica como algo cuja existência não é histórica nem produto da ação humana”. Ou seja, por meio de uma representação social,

os indivíduos vivenciam a dominação como dado cultural.

No processo de inversão da realidade, do construído historicamente pelo natural, homens e mulheres de todos os tempos e culturas alimentam a ilusão de que são assim por definição natural e apagam de suas memórias que são produtos de construções sociais. Dessa forma, evidencia-se que não se nasce homem e mulher, mas que se constroem, e que a concepção de gênero e a vivência da sexualidade estão sob a égide de convenções culturais e históricas. Assim, tudo o que foge das convenções é entendido como anormal e põe em risco a ordem simbólica.

Sob esse prisma é que precisamos entender a crise do masculino e do feminino. Cada sociedade cria seus ideais, suas representações. A cultura ocidental, por exemplo, influenciada pela cultura judaico-cristã, tem um modelo, um ideal de família – patriarcal, tradicional – modelo que se tornou lente pela qual deve ser lida toda e qualquer realidade.

E a grande mudança que vivemos hoje é o declínio do patriarcado, resultado de transformações, sobretudo econômicas, responsáveis pelo surgimento do homem moderno. Nesse sentido, o que está em xeque é o que até então era tido como única via de subjetivação, ou seja, a referência do pai. Como diz Ceccarelli, aqui se conjuga a crise do masculino com a crise fálica, entendida como organizadora do sócio. O que se evidenciou com as mudanças econômicas, políticas e sociais foi a dimensão imaginária de uma maneira de organização social em que o homem ocupava o centro; vivemos uma crise de referências simbólicas, construções atreladas a um momento histórico-político e, portanto, passíveis de remanejamento e reorganização.

Assim, podemos afirmar que masculinidade e feminilidade não são realidades vincadas em ordens naturais e menos ainda em dados anatômicos ou biológicos. Enfatizamos, então, que há outros discursos sendo pronunciados e outras verdades sendo construídas. Masculinidade e feminilidade são, portanto, formas culturais dentro das quais tais concepções emergem e, nesse momento, no bojo das grandes reviravoltas históricas, há um novo sendo gestado, uma nova masculinidade e uma nova feminilidade.

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Referência Bibliográfica

BIRMAN, Joel. Mal-estar na atualidade; a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeio: Civilizaçao Brasileira, 1999.

CECCARELLI, Paulo R. As bases mitológicas da normalidade. Latin American Journal of Fundamental

Psychopathology on Line, São Paulo, 2006. Disponível em: htpp://www.ceccarelli.psc.br. Acesso em

maio de 2012.

DEREZENSKY, Ernesto. Sobre pais e semblantes. In: Os Destinos da angústia. Escola Brasileira de Psicanálise, MG. Curinga, n.22, p.153-165, Junho 2006.

FREUD, Sigmund. A dissolução do complexo de Édipo (1924). Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XIX, p. 189-199.

FREUD, Sigmund. Moisés e monoteísmo (1939[1934-38]) Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro, 1996, v. XXIII, p.13-150.

FREUD, Sigmund. Totem e tabu (1913[1912-13]). Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XIII, p. 11-162

KUMAR, Krishan. Da sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

LACAN, Jacques. Nomes-do-pai. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. Trad. André Telles.

LASH, Christopher. A cultura do narcisismo – a vida americana numa era de esperanças em

declínio. Trad. Ernani Pavaneli. Rio de Janeiro, Imago, 1983 Pag- 55-78.

MARCOS, Cristina M. O homem Moisés e a religião monoteísta; da escrita do texto ao assassinato do pai. Revista Percurso, v.XVIII, n.36, p.101-108, 1º semestre 2006.

MOREIRA, Jacqueline de Oliveira. Figuras de alteridade no pensamento freudiano. 2002. 262f. Tese (Doutorado em Psicologia). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

RIBEIRO, Paula Mancini Mello. Um real em jogo: a função do pai e o sujeito na clinica. 2006. 151f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Departamento de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

ROUDINESCO, Elisabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. Trad. André Telles.

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SOUSA FILHO, Alípio. Cultura, ideologia e representações. IN: CARVALHO, Maria do Rosário et al. (Org.) Representações sociais. Mossoró RN: Fundação Guimarães Duque/Fundação Vingt-Un Rosado. Serie C, Vol. 1376 – Set 2003

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