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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE DIREITO RAFAEL HOMSI LOUREIRO

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Academic year: 2021

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RAFAEL HOMSI LOUREIRO

STARE DECISIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILERO: TENSÕES E VISÕES DISSONANTES

NITERÓI 2018

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STARE DECISIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILERO: TENSÕES E VISÕES DISSONANTES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em Direito.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Bárbara Gomes Lupetti Baptista

NITERÓI 2018

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RAFAEL HOMSI LOUREIRO

STARE DECISIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILERO: TENSÕES E VISÕES DISSONANTES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Niterói, ___ de __________________ de____

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________

Profa. Dra. Bárbara Gomes Lupetti Baptista (Orientadora) UFF – Universidade Federal Fluminense

______________________________________________________________________

Profa. Dra. Giselle Picorelli Yacoub Marques UFF – Universidade Federal Fluminense

______________________________________________________________________

Prof. Me. Daniel Navarro Puerari UNESA – Universidade Estácio de Sá

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À Valéria Homsi, minha Valzord, em perene Amor, Gratidão e Admiração.

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Agradeço a Deus, ao meu Anjo da guarda e à espiritualidade amiga por tantas bênçãos ao longo da constante jornada evolutiva, em busca da reforma íntima.

À minha genetriz nessa vida, a qual tive o privilégio de chamar de Mamãe e em quem pude me espelhar, por quase três décadas, aprendendo como se porta um espírito bondoso, caridoso, batalhador e ético.

À Bárbara Lupetti, orientadora, por: em sala de aula, lições não apenas de Processo Civil, mas também de brilhantismo e amor ao magistério, bom humor e sinceridade; durante esta etapa, lições diárias de estímulo, empatia e carinho.

À professora Giselle Picorelli e ao professor Daniel Puerari por, gentilmente, aceitarem o convite de compor a banca de apresentação do presente trabalho, que materializa a concretização de um sonho e o início de uma nova etapa.

À minha Príncipa, Ju, por ser uma parceira tão preciosa. Obrigado por me fazer me sentir amado todos os dias, sem exceção. Te Amo!

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STARE DECISIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILERO: TENSÕES E VISÕES DISSONANTES

Rafael Homsi Loureiro1

Sumário: Introdução; 1. Stare decisis: gênese no common law e aplicabilidade no civil law brasileiro; 2. Tensões e visões dissonantes sobre o uso de precedentes em nossa

cultura: argumentos favoráveis e desfavoráveis; 2.1 Argumentos favoráveis; 2.2 Argumentos desfavoráveis; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.

Resumo: Este trabalho pretende analisar e refletir sobre a mudança paradigmática

ocorrida, no ordenamento jurídico brasileiro, com a promulgação da Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015, isto é, o novo Código de Processo Civil. Antes da vigência do CPC/15, os precedentes, no sistema nacional, tinham, em regra, apenas eficácia persuasiva. A partir desse novo Códex Processualístico, a natureza jurídica dos precedentes passa a ser dotada de normatividade, obrigatoriedade e vinculatividade. Ou seja, o ordenamento pátrio, construído com base no civil law ou sistema romano-germânico, incorporou a doutrina denominada stare decisis, fundada com base no sistema common law, de origem anglo-saxã. Pretende-se apontar e balancear os argumentos doutrinários - a favor e contra – acerca dessa nova cultura de precedentes vinculantes. Ao final, registram-se alterações e estratégias surgidas no sistema jurídico nacional.

Palavras-chave: Precedentes judiciais obrigatórios. Stare decisis. Common law. Civil law. Novo Código de Processo Civil.

1 Rafael Homsi Loureiro, Graduando do Curso de Direito da Universidade Federal Fluminense – UFF.

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Abstract: This work intends to analyze and reflect on the paradigmatic change that took

place in the Brazilian legal system, with the enactment of Law 13.105 of March 16, 2015, that is, of the new Code of Civil Procedure. Prior to CPC / 15, precedents in the national system were, as a rule, only persuasive. From this new Processional Codex, the legal nature of the precedents will be endowed with normativity, mandatory and binding. In another words, the patriarchal order, built on the civil law or Roman-Germanic system, incorporated the doctrine called stare decisis, founded on the common law system of Anglo-Saxon origin. The intention is to point and balance the doctrinal arguments - for and against - about this new culture of binding precedents. At the end, there are changes and strategies emerging in the national legal system.

Keywords: Binding precedents. Stare decisis. Common law. Civil law. New Code of

Civil Procedure.

Introdução

O objetivo do presente Trabalho de Conclusão de Curso é abordar e refletir sobre, provavelmente, a maior mudança - de paradigma legislativo - ocorrida ao longo do período de graduação em Direito do autor do trabalho, qual seja, a valorização dos precedentes obrigatórios pelo sistema jurídico brasileiro, notadamente após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil.

O atual Código de Processo Civil (CPC/15) trouxe, consigo, uma conquista hermenêutica para o direito brasileiro. Sua promulgação – através da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – é um fato a ser comemorado, tendo em vista que o CPC/15 “é o primeiro grande código de processo elaborado e aprovado, no Brasil, sob a égide de um regime democrático”.2

Tal conquista hermenêutica decorre da introdução de um novo conceito de precedente no ordenamento jurídico brasileiro, alterando-se a natureza jurídica do vocábulo (instituto) e fornecendo-lhe novas características, tais como normatividade, obrigatoriedade e vinculatividade.

2 TRINDADE, André Karam. Hermenêutica e jurisprudência: o controle das decisões judiciais e a

revolução copernicana no Direito processual brasileiro. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD 7(3):243-252, setembro-dezembro, 2015. p. 244.

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Ao longo da vigência do Código Processualístico anterior – CPC/73 – os precedentes, no ordenamento pátrio, tinham, em regra, apenas eficácia persuasiva, voltando-se, primordialmente, ao convencimento dos magistrados para a aplicação de determinada tese jurídica, sem possuir, entretanto, força vinculante ou obrigatória.

Nessa esteira, destaca-se que a formação jurídica brasileira é de raiz romano-germânica, fundada na tradição do civil law. Em contraposição, tem-se que o outro grande sistema jurídico clássico possui raiz anglo-saxônica, fundado na tradição do

common law. Salienta-se, entretanto, que é notória a interpenetração ocorrida entre esses

grandes arcabouços sistemáticos e, por conseguinte, não há mais como concebê-los como “puros”.

Segundo Adriano Antonio de Sousa, o diálogo constantemente travado entre o

civil law e o common law deve-se, em parte, ao fenômeno da globalização,

especialmente no que tange à facilidade das comunicações entre as sociedades contemporâneas. De tal fenômeno, origina-se o que se denomina “commonlawlização do direito nacional”. Contudo, afirma também que a commonlawlização não se origina apenas da globalização, mas, principalmente, de uma notória crise no sistema judiciário brasileiro, consubstanciada no número excessivo de demandas e na proliferação desmedida de recursos; esta, fomentada por divergências jurisprudenciais, de onde surgem decisões distintas – e até mesmo conflitantes – para casos idênticos ou semelhantes.3

Nesse diapasão, Halis4, citado por Bárbara Gomes Lupetti Baptista, destaca as expressões “loteria judiciária” e “jurisprudência lotérica” comumente utilizadas, pejorativamente, por autores que desejam ilustrar as decisões do judiciário brasileiro, em meio a percepções de “sorte” ou “azar”, tamanha a insegurança jurídica proporcionada por esse sistema incoerente e desigual. A autora da referida tese de doutorado, inclusive, faz alusão ao jogo de azar conhecido como “roleta russa”5 para ilustrar o fenômeno em comento. Em meio a esse cenário caótico de imprevisibilidade é que ganha força e adesão a doutrina do stare decisis e dos precedentes vinculantes, cerne do presente trabalho.

3 SOUSA, Adriano Antonio de. O tradicional sistema processual brasileiro e a revolução dos

precedentes judiciais no CPC/2015. 2017?. p.3.

4 HALIS, Denis de Castro. Por que conhecer o judiciário e os perfis dos juízes? O pragmatismo de Oliver

Holmes e a formação das decisões judiciais. Curitiba: Juruá, 2010, apud LUPETTI BAPTISTA, Bárbara Gomes. Entre “quereres” e “poderes”: paradoxos e ambiguidades da imparcialidade judicial. Rio de Janeiro, 2012. 446 f. Tese (Programa de Pós-Graduação em Direito – Doutorado) – Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 2018, p.372.

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Emerge, em tal contexto, o professor e pesquisador da Universidade Federal do Paraná, advogado e procurador de justiça, Luiz Guilherme Marinoni, cujas reflexões se coadunam com as interpretações daqueles que afirmam que a implementação, pelo sistema jurídico pátrio, da doutrina do stare decisis e de seus precedentes, importa em ganhos em termos de: segurança jurídica (contendo benefícios em termos de previsibilidade, estabilidade e proteção da confiança); de igualdade (ao processo, no processo e diante das decisões judiciais); de coerência; de uma - suposta - garantia de imparcialidade dos julgadores; de uma maior facilidade de aceitação das decisões judiciais por parte dos jurisdicionados, por ocasião do que o autor entende por “despersonalização das demandas”; de contribuição para a duração razoável do processo (com economia de despesas), além de outras que derivam das aqui pontuadas.

Aliado de Marinoni, no que tange à questão do otimismo em relação ao novo cenário paradigmático brasileiro, encontra-se o também professor e pesquisador da Universidade Estadual do Piauí, e juiz de Direito, Mário Soares de Alencar, que, recentemente, publicou o livro “Jurisprudência e Racionalidade: o precedente judicial como elemento de coerência do sistema jurídico brasileiro”, fruto de sua pesquisa realizada em nível de mestrado junto à Universidade Federal do Ceará. Os ensinamentos de Alencar são dignos de nota no presente trabalho, não apenas pela qualidade e clareza em seus apontamentos, mas, também, por ser uma hodierna doutrina. Digna de menção é sua divisão dos fundamentos do respeito aos precedentes judiciais em fundamentos formais, deontológicos, pragmáticos e o fundamento epistemológico: a coerência; esta última à luz de Ronald Dworkin, em especial.

Simultânea e divergentemente, há doutrinas levantadas no sentido de criticar a vinculação dos julgadores ao novo sistema de precedentes obrigatórios brasileiro (com destaque para Lenio Luiz Streck), aprimorado e solidificado a partir da entrada em vigor do atual Códex Processual. Inicialmente, as reflexões partiram da hermenêutica do vocábulo “observarão” do caput do artigo 927 do CPC/15, implicando na retirada da eficácia vinculante do dispositivo; posteriormente, ventilou-se, inclusive, a inconstitucionalidade da vinculação dos precedentes. Em maior número, as críticas se concentram no comprometimento da independência dos juízes, na elevação da “rigidez” do sistema jurídico, na violação do princípio da separação dos poderes e na violação da garantia do aceso à justiça.

O presente artigo, então, através de revisão bibliográfica - não se propondo a esgotar as fontes de informações sobre o tema -, objetiva selecionar informações

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relevantes e atuais para embasar a reflexão acerca da mudança paradigmática deflagrada com o advento do CPC/15. Inicialmente, proceder-se-á a uma breve contextualização histórica sobre a origem da doutrina do stare decisis e dos precedentes, desde seu berço no common law até a sua importação pelo civil law brasileiro. Sequencialmente, apontar-se-ão potenciais aspectos positivos e negativos oriundos de tal importação. Por fim, o trabalho mencionará alterações específicas ocorridas no ordenamento brasileiro, de forma a ilustrar as adaptações evolutivas da práxis jurídica nacional.

O problema de pesquisa, que serve de pano de fundo para a abordagem de todo o trabalho, esteve assentado na curiosidade e no meu estranhamento pessoal de tentar entender se (e como) seria possível para o nosso sistema jurídico, materializar um instituto importado de uma cultura jurídica tão distinta da nossa, considerando-se, especialmente, a extrema desigualdade jurídica que marca a nossa sociedade. Ou seja, me despertou especial interesse tentar compreender como a sociedade brasileira receberia os precedentes obrigatórios. E foi, portanto, mobilizado por esta inquietação, que o presente trabalho se desenvolveu.

1. Stare decisis: gênese no common law e aplicabilidade no civil law brasileiro

O mundo ocidental se concretizou alicerçado em dois grandes sistemas jurídicos ou famílias jurídicas: trata-se do civil law e do common law. Tais sistemas, segundo Luiz Guilherme Marinoni, “surgiram em circunstâncias políticas e culturais completamente distintas, o que naturalmente levou à formação de tradições jurídicas diferentes, definidas por institutos e conceitos próprios a cada um dos sistemas.”6 É notório, entretanto, que, com o passar do tempo e com a necessidade inerente de os sistemas se auto-aperfeiçoarem - auxiliados pelas facilidades de um mundo globalizado -, suas famílias dialogaram, evoluíram e não mais podem ser encontradas em seus estágios “puros”.

Antes, porém, da análise da interpenetração dos sistemas jurídicos em tela, recorda-se das origens dos mesmos. Veja-se apontamento de Marinoni:

[...] a superação do jusnaturalismo racionalista pelo positivismo teve efeitos completamente diversos nos dois sistemas, tendo colaborado – certamente em termos essencialmente teóricos – para a formação das

6 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

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concepções antagônicas de juge bouche de la loi (juiz boca-de-lei) e de judge make law (juiz que cria o direito).7

O juge bouche de la loi representa o ideário francês, pós-revolução, de magistrado. Antes da Revolução Francesa, os cargos judiciais eram comprados ou herdados e, por conseguinte, os juízes eram tendenciosos – para dizer o mínimo – a aplicarem as leis em favor da aristocracia feudal, em uma engrenagem de mútuo favorecimento. É nessa esteira que a teoria da separação dos poderes, de Montesquieu, ganha força e impõe, sobretudo, claras distinções entre as funções do Legislativo e do Judiciário. Portanto, idealizou-se tanto os juízes, que seriam meras bocas-da-lei, quanto a legislação, que deveria ser clara e capaz de abarcar todas as situações conflitivas.

De forma contrastante, o judge make law faz referência ao magistrado inglês que, diferentemente do Francês, esteve ao lado do Parlamento na luta contra o absolutismo, reivindicando a tutela dos direitos e das liberdades dos cidadãos. Conforme registra OLIVEIRA8:

[...] o direito inglês, além de conter os excessos do monarca, também determinava o conteúdo da produção legislativa. Ou seja, as leis estavam submetidas a um direito superior, cabendo ao juiz controlar os atos legislativos a partir da common law, reafirmada pela própria Revolução (Inglesa de 1688).

Não havendo motivos para se desconfiar dos juízes ingleses, os mesmos, então, podiam criar o direito, isto é, podiam não apenas interpretar a lei como, também, extrair direitos e deveres a partir da common law.

Comparativamente falando, ressalta Marinoni:

Se no civil law imaginou-se que a segurança e a previsibilidade poderiam ser alcançadas por meio da lei e da sua estrita aplicação pelos juízes, no common law, por nunca ter existido dúvida de que os juízes podem proferir decisões diferentes, enxergou-se na força vinculante dos precedentes o instrumento capaz de garantir a segurança de que a sociedade precisa para se desenvolver.9 (grifo

nosso.)

“Força vinculante dos precedentes”, conforme grifado acima, remete-nos aos

binding precedents, que, por sua vez, nos remetem à doutrina do stare decisis. Contudo,

7 MARINONI, ibid., p.44.

8 OLIVEIRA, Thaís Gonçalves. A problemática da adoção de precedentes e o dever de fundamentação

das decisões judiciais no CPC/15. 2016. 76 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016, p.5.

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ainda que stare decisis nos remeta à família do common law, há de se destacar que não se tratam da mesma coisa. Salienta Marinoni que “o common law, compreendido como os costumes gerais que determinavam o comportamento dos Englismen, existiu por vários séculos sem stare decisis e rule of precedent.”10

SIMPSON11, citado por Marinoni, acrescenta:

Além de o common law ter nascido séculos antes de alguém se preocupar com tais questões, ele funcionou muito bem como sistema de direito sem os fundamentos e conceitos próprios da teoria dos precedentes, como, por exemplo, o conceito de ratio decidendi.

Entendidas as diferentes origens dos sistemas jurídicos common law e civil law e, ademais, que a doutrina do stare decisis pode ser vista como um auto-aperfeiçoamento do common law - mas com ele não se confundindo -, concebe-se a possibilidade do ordenamento jurídico pátrio, de origem romano-germânica, importar tal doutrina para suprir uma carência de melhor prestação jurisdicional.

Esse fenômeno, afirma Sousa:

[...] não tem como único fator o fenômeno da globalização, mas também, preponderantemente, a observância de uma notória crise no sistema judiciário brasileiro consubstanciada no excessivo número de demandas e na proliferação desmedida de recursos, não raras vezes fomentada por excessiva divergência jurisprudencial onde, diante de uma mesma regra jurídica, se perfazem inúmeras decisões distintas e conflitantes para casos idênticos ou semelhantes, originadas de interpretações personalistas e individualizadas, numa dinâmica caótica de loteria das decisões judiciais.12 (grifo nosso.)

Nesse contexto, a denominada “commonlawlização do direito nacional”13 passa a ocorrer, no Brasil, de forma gradativa. A Emenda Constitucional nº 03, de 1993, é tida como um marco no que diz respeito à aproximação do sistema de influência romano-germânica adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro ao sistema de influência anglo-saxã, na medida em que introduz, em nosso arcabouço, a Ação Declaratória de Constitucionalidade, possuidora de eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e, também, ao Poder

10 MARINONI, ibid., p.31.

11 SIMPSON, A. W. B. The common law and legal theory. In: Horder, Jeremy (ed.). Oxford essas in

jurisprudence. Oxford: Clarendon Press, 1973. p.77 apud MARINONI, ibid., p.32.

12 SOUSA, Adriano Antonio de, loc. cit. 13 SOUSA, ibid., loc. cit.

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Executivo. Segue a interpenetração dos sistemas com a edição da Lei nº 9.868/99, que atribuiu efeitos vinculantes também a Ação Direta de Inconstitucionalidade.14

Nesse diapasão, contudo, tem-se que o marco mais reconhecido para o estudo dos precedentes judiciais é a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, - responsável pela denominada “reforma do Poder Judiciário” – que, além de criar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), positivar o Princípio da Celeridade Processual (no inciso LXXVIII do artigo 5º da CRFB/88) e introduzir as súmulas vinculantes15, também inseriu a repercussão geral nas questões submetidas a recurso extraordinário (art. 102, §3º, CRFB/88).16

A culminância dessa evolução se materializa na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: o atual Código de Processo Civil brasileiro, cuja promulgação é um fato a ser comemorado, tendo em vista tratar-se do “primeiro grande código de processo elaborado e aprovado, no Brasil, sob a égide de um regime democrático”.17 Há quem diga que o CPC/15 “incorporou de forma mitigada os valores da tradição jurídica de

common law”18; há quem diga que o Códex “representa uma revolução copernicana” ou

“uma conquista hermenêutica” para o direito brasileiro, devido à “institucionalização de mecanismos de combate ao ativismo e à discricionariedade judicial”.19 Trata-se, sobretudo, de uma mudança de paradigma, cerne do presente estudo.

A conquista, em termos hermenêuticos, decorre da ressignificação do vocábulo

precedente, isto é, da alteração de sua natureza jurídica, passando a adquirir

características de normatividade, obrigatoriedade e vinculatividade. Destaca-se que, na vigência do Código Processualístico anterior (CPC/73), os precedentes brasileiros tinham, em regra, apenas eficácia persuasiva; ou seja, voltavam-se, primordialmente, ao convencimento dos julgadores, mas sem possuir força vinculante ou obrigatória.

14 SOUSA, ibid., p.5.

15 LAGES, Cintia Garabini; JUNIOR, Lúcio Antônio Chamon. Acerca da segurança jurídica e da

uniformidade das decisões a partir do novo código de processo civil à luz do modelo constitucional do processo brasileiro. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília: UniCEUB Centro Universitário de Brasília, 7, 2, ago. 2017. p.287-288

16 SOUSA, loc. cit.

17 TRINDADE, André Karam, loc.cit.

18 CARDOSO, Juliana Provedel. O contraditório na aplicação em juízo prima facie da tese jurídica

firmada no julgamento de casos repetitivos. Revista de Processo, Jurisdição e Efetividade da Justiça, Minas Gerais: Index Law Journals, 1, 2, Jul/Dez, 2015. p.256.

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No novo Diploma, basilar é o art. 926, in verbis: “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.”.20 Outro artigo de fundamental importância para o entendimento do novo mecanismo de uso dos precedentes é o subsequente, art. 927. Neste, o legislador positiva um rol de precedentes que, dentro do novo prisma para se conceber o vocábulo, possuem natureza vinculativa. A listagem do rol em comento pode ser encontrada, de forma organizada, na obra de Adriano Antonio de Sousa21:

[...] nos termos da Lei 13.105/2015 são normativos:

a) os precedentes do STF proferidos em controle concentrado de constitucionalidade;

b) os precedentes judiciais que conduzam à edição de enunciado de súmula vinculante;

c) os precedentes proferidos em incidente de assunção de competência;

d) os precedentes proferidos em resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; e) os precedentes judiciais que conduzam à edição de enunciados de súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional;

f) os precedentes oriundos do plenário ou órgão especial do tribunal.

Nesse ponto, entretanto, incumbe destacar a crítica realizada por Luiz Guilherme Marinoni ao art. 927 do CPC/15, ao afirmar que o mesmo:

[...] além de desnecessário, tem caráter meramente exemplificativo. À parte das súmulas – que obviamente não são precedentes e só existem por terem que ser respeitadas -, decisões lembradas nos seus incs. I e III estão situadas entre os precedentes das Cortes Supremas. Precedente é gênero, que obviamente encarta os precedentes firmados em controle concentrado (art. 927, I, do CPC/2015) e os precedentes estabelecidos em ‘julgamento de recursos extraordinários e especial repetitivos’ (art. 927, III, do CPC/2015). Já as decisões proferidas nos incidentes de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas [...] deveriam ser observadas em razão de sua natureza erga omnes. Significa que a norma do art. 927 consiste apenas na lembrança de alguns precedentes, além de súmulas e controversas decisões tomadas em incidentes de natureza erga omnes, que deverão ser observados pelos juízes e tribunais (grifo nosso).22

Para o referido autor, as hipóteses do dispositivo supramencionado “não guardam nenhuma homogeneidade”; além disso, o artigo “surpreendentemente, nada diz sobre precedente, ratio decidendi ou fundamentos determinantes da decisão”.23,24

20 BRASIL. Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União,

Brasília, DF, 17 de março de 2015.

21 SOUSA, Adriano Antonio de, op. cit., p.14. 22 MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit., p.288. 23 MARINONI, ibid., p.285.

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Para além dos artigos 926 e 927 do CPC/15, é importante destacar, conforme observa Ravi Peixoto, “a tentativa de desenvolvimento de uma cultura de precedentes obrigatórios” (grifo nosso) e que, portanto, existem diversos outros dispositivos que auxiliam nas engrenagens de tal cultura:

a exemplo do art. 8º, que menciona a aplicação do ordenamento jurídico pelo magistrado, que inclui os precedentes vinculantes, pela tutela de evidência com base em algumas espécies de precedentes obrigatórios (art. 311, II), pela improcedência liminar do pedido, que deve estar de acordo com o entendimento dos tribunais (art. 332), pelos poderes do relator (art. 932), pelo incidente de assunção de competência (art. 947), pelo incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 976-987), pela reclamação (art. 988-993) etc., todos eles estão relacionados com a temática base dos precedentes.25

Encerrado o tópico que discorre sobre a origem da cultura do stare decisis e sua respectiva importação para o sistema jurídico brasileiro, perpassando pelo histórico pátrio de adaptação à cultura dos precedentes, passa-se à análise das diferentes opiniões doutrinárias acerca dessa mudança paradigmática.

2. Tensões e visões dissonantes sobre o uso de precedentes em nossa cultura: argumentos favoráveis e contrários

É notório o saber - tanto popular quanto acadêmico - de que, quando de uma mudança de paradigma, não importa de que natureza, sempre haverá divergências na maneira de se lidar com a alteração, por questões subjetivas, tais como otimismo, pessimismo, esperança, desconfiança, recalcitrância, entre outras. Expõe-se, agora, diferentes maneiras de se pensar o uso de precedentes obrigatórios no Brasil.

2.1 Argumentos favoráveis

24 Em consonância com o ponto levantado, confira-se: “Para a superação do ideário de precedentes como

teses enunciadas que resolvem casos no atacado é fundamental o entendimento de que o que efetivamente vincula num precedente é a norma construída a partir dos fundamentos determinantes da decisão, a ratio decidendi.” Trecho extraído do pertinente trabalho que objetivou analisar duas hipóteses em que a decisão do tribunal não possui ratio decidendi qualificada para lhe conferir status de precedente judicial vinculante: a ausência de fundamentação adequada e a inexistência de fundamento vencedor no julgamento colegiado, que se dá com base em fundamentos distintos. BORGES, Carolina Biazatti; BENEVIDES, Nauani Schades. A ausência de força vinculante dos precedentes judiciais diante da não formação de ratio decidendi. In: Congresso de Processo Civil Internacional, 2., 2017, Vitória, Anais do II Congresso de Processo Civil Internacional, Vitória, 2017.

25 PEIXOTO, Ravi. (In)constitucionalidade da vinculação dos precedentes no CPC/2015 um debate

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Prontamente, segue a visão de Mário Soares de Alencar sobre os argumentos favoráveis, ou, segundo o autor, os “argumentos de justificação” para a utilização dos precedentes:

Os argumentos de justificação representam a base sobre a qual se constrói uma teoria para a utilização dos precedentes pelo que se destaca a importância dessa exposição [...] De fato, é observando os motivos do respeito ao precedente que se pode concluir sobre a melhor forma de compreender a posição ocupada pela jurisprudência vinculante no processo jurídico, assim como a forma mais adequada de utilização dessas decisões anteriores obrigatórias como suporte para fundamentar novos julgados. 26

Apresenta-se, agora, o alicerce da teoria da utilização de precedentes obrigatórios com vistas ao melhoramento do sistema jurídico brasileiro. Somente através da comparação e do balanceamento entre os potenciais ganhos e as eventuais perdas é que se poderá fazer qualquer juízo de valor, positivo ou negativo, da alteração paradigmática que vem a ser o cerne do presente trabalho.

Segundo Patrícia Perrone Mello e Luís Roberto Barroso, “três valores principais justificam a adoção de um sistema de precedentes normativos ou vinculantes: a segurança jurídica, a isonomia e a eficiência.”27. Na seara dos precedentes, de suma importância é a opinião do ministro da maior Corte de Vértice brasileira (STF) e de sua assessora. Todavia, serão apresentados posicionamentos de outros autores que, nesse quesito, melhor destrincharam o tema.

Ganhos em termos de segurança jurídica são fundamentais, pois são capazes de aumentar a estabilidade e a previsibilidade do Poder Judiciário e de suas respectivas decisões. Longe de querer simplificar a complexidade inerente à condição humana, salienta ALENCAR:

a ânsia por segurança (lato sensu) é inerente à constituição psicológica da pessoa humana, o que a impele a pôr em movimento uma série de condutas e estratégias para resguardo de sua pessoa e de seus bens no âmbito do convívio social. Desse modo, a própria organização da vida em sociedade desenvolve-se de forma a permitir o maior controle possível dos elementos de instabilidade, com o fim de promover proteção do patrimônio adquirido e a busca de novos fatores de satisfação das necessidades humanas, ao passo que se evita a ocorrência de situações de supressão desses bens. [...] De fato, nada

26 ALENCAR, Mário Soares. Jurisprudência e racionalidade: o precedente judicial como elemento de

coerência do sistema jurídico brasileiro. Fortaleza, 2018. 260 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Direito – Curso de Mestrado) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2018. p.62-63.

27 MELLO, Patrícia Perrone; Campos BARROSO, Luís Roberto. Trabalhando com uma nova lógica: a

ascensão dos precedentes no direito brasileiro. Revista da AGU, Brasília, v.15, n.03, p.09-52, jul./set/2016. p. 17.

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freia mais os impulsos da ação humana quanto a incerteza das consequências de sua conduta para a preservação de sua integridade física e moral, sua liberdade e proteção de seu patrimônio e de sua família. Assim, a possibilidade de antecipar mentalmente o resultado de sua ação é o que permite ao ser humano desenvolver-se integralmente, tanto no âmbito pessoal quanto profissional.28

A segurança jurídica, interpretada como a continuidade estável da ordem jurídica, isto é, a previsibilidade das consequências jurídicas que determinada conduta é capaz de gerar, é fundamental para a consolidação de um Estado Democrático de Direito. Tem-se que a segurança jurídica não se trata apenas de um princípio da ordem jurídica estatal, mas também de um direito fundamental, visto que, por exemplo, a Carta Magna, em seu art. 5º, trata, dentre outras coisas: do princípio da legalidade; da inviolabilidade do direito adquirido, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito; do princípio da legalidade e anterioridade em matéria penal; e da irretroatividade da lei penal desfavorável.

Para Neil MacCormick29:

No que tange ao Estado de Direito, as pessoas podem ter, antecipadamente, razoável certeza a respeito das regras e padrões segundo os quais sua conduta será julgada, e sobre os requisitos que elas devem satisfazer para dar validade jurídica às suas transações. Elas podem ter razoável segurança em suas expectativas acerca das condutas das demais pessoas e, em particular, acerca daquelas que detêm posições de governo [...]

Nesse contexto, a estabilidade proporcionada pela segurança jurídica deve ser aplicada tanto à legislação quanto à produção judicial. Por óbvio, não basta substituir a lei pelo precedente para obter-se certeza do direito, porque tanto o texto normativo quanto o enunciado com fundamento em precedente judicial demandam interpretação pelo órgão judicial aplicador.

Por conseguinte, afirma Marinoni:

o common law, que certamente confere maior segurança jurídica do que o civil law, não relaciona a previsibilidade com o conhecimento das leis, mas sim com a previsibilidade das decisões do Poder Judiciário. O advogado de common law tem possibilidade de aconselhar o jurisdicionado, porque pode se valer dos precedentes, ao contrário daquele que atua no civil law, que é obrigado a advertir o seu cliente que determinada lei pode – conforme o juiz sorteado para analisar o caso – ser interpretada em seu favor ou não. [...] Ora, se a previsibilidade não depende da norma em que a ação se funda, mas da

28 ALENCAR, Mário Soares, op. cit., p.79.

29 MACCORMICK, Neil. Rethoric and the rule of law – A theory of legal reasoning. New York: Oxford

(19)

sua interpretação judicial, é evidente que a segurança jurídica está ligada à decisão judicial e não à norma jurídica em abstrato. [...] Da mesma forma, porque a inteligência de uma norma pode ser controvertida, é claro que a norma em abstrato não é suficiente para que o cidadão possa prever o comportamento dos terceiros que com ele podem se deparar.30

É, nessa esteira, que a doutrina do stare decisis surge com potenciais ganhos positivos na obtenção da segurança jurídica. Marinoni cita a obra de Arthur Goodhart (1934)31 que apresentou a ideia de que, para o stare decisis – ou para o estabelecimento de um sistema de precedentes vinculantes – a certeza jurídica seria a mais importante causa.

Importante salientar que há de se tutelar a confiança dos jurisdicionados para que exista segurança jurídica. José Joaquim Gomes Canotilho32, citado por Marinoni, preleciona que segurança jurídica e proteção da confiança estão intimamente ligadas, destacando que há quem considere o princípio da proteção da confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está relacionada com elementos objetivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito -, enquanto a proteção da confiança prende-se mais com as componentes subjetivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos. Em suma, a previsibilidade dependeria da confiança.

Paralelamente a incrementos no quesito segurança jurídica, encontram-se os prováveis ganhos em termos de igualdade - e isonomia -. (Pontua-se, aqui, que igualdade/isonomia e segurança jurídica são, para ALENCAR, fundamentos

deontológicos do respeito aos precedentes.33) Segundo o autor, “nada há de mais importante para a conformação da justiça que a observação da igualdade entre as pessoas, sendo uma noção elementar nos tratados de Direito e Política, além de intuitiva ao ser humano, que a detém como critério do correto agir desde a terna idade.”.34

Positivam o caput e o inciso I do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

30 MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit., p.100.

31 GOODHART, Arthur L. Precedent in English and Continental law. Law Quarerly Review. vol. 50.

1934, p.40 et seq. apud MARINONI, ibid., p. 102.

32 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra;

Almedina, 2002. p.257 apud MARINONI, Luiz Guilherme, ibid., p. 108.

33 ALENCAR, Mário Soares, op. cit., p.72. 34 ALENCAR, ibid., p.73.

(20)

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.35

Em consonância com os dispositivos supracitados, encontra-se um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, no inciso IV do art. 3º, também da Magna Carta: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”.36

É notório, pois, que a igualdade de tratamento jurídico é fundamental para uma sociedade justa. Entretanto, de indelével importância é o ensinamento aristotélico de tratarmos igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades; e, assim, através de razoáveis diferenciações compensatórias, alcançarmos a isonomia.

Do contrário, como bem aponta Alencar:

em face de discriminações desarrazoadas, os membros da sociedade imediatamente interpretam o fato como injustiça manifesta, como ocorre quando duas pessoas ingressam em juízo, com lides semelhantes, mas obtém respostas diferentes, em razão tão-somente da diversidade dos órgãos jurisdicionais quanto à compreensão do direito. Tais situações, que não são incomuns em países da tradição romano-germânica, como o Brasil, ainda que teoricamente justificadas, sob o vetusto argumento positivista de que o julgador somente se vincularia à lei e à sua consciência, não convence as pessoas comuns do povo, que as interpretam simplesmente como injustiça, na popular expressão “dois pesos e duas medidas”.37

Eis o porquê da máxima treat like cases alike (isto é, tratar da mesma forma os casos iguais, ou melhor, semelhantes) ser fundamento básico da tradição jurídica do

common law, confundindo-se com o próximo sentido do que seria o justo,

corroborando, portanto, com a necessidade de os julgadores estarem vinculados aos precedentes judiciais. Logo, por quase se confundir com o sentido de justiça, fala-se na importância do uso de precedentes vinculantes também em países de origem romano-germânica, como no caso brasileiro.

Todavia, de pouca ou quase nenhuma serventia é a igualdade meramente formal perante a lei, dada a sua divergência interpretativa, principalmente quando se trata dos princípios constitucionais, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, o

35 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 36 idem, 2015, cit.

(21)

princípio da razoabilidade, entre outros, por não possuírem concretude em seus conteúdos deontológicos. Por isso, Marinoni, ao mencionar a técnica legislativa das cláusulas abertas, afirma:

A passagem da técnica casuística, em que a aplicação da norma se dá por subsunção, para a técnica das cláusulas gerais, em face da qual se exige um raciocínio judicial muito mais complexo e sofisticado, faz ver a necessidade de insistir na igualdade perante as decisões judiciais.38

O referido autor, oportunamente, destaca que a igualdade perante a jurisdição contempla não apenas a igualdade de tratamento dos litigantes no processo (igualdade

no processo), mas também a igualdade de acesso à justiça (igualdade ao processo), e,

pelo acima analisado, a igualdade diante das decisões judiciais, gerando, de fato, a legitimação do Poder Judiciário. Certeira e sarcasticamente, comenta o autor:

o Judiciário de civil law não se submete ao princípio da igualdade no momento de decidir, vale dizer, no instante de cumprir o seu dever, prestando a tutela jurisdicional. O Judiciário deixa de observar o princípio da igualdade no momento mais importante da sua atuação, exatamente quando tem de realizar o principal papel que lhe foi imposto. Raciocínio contrário, capaz de desculpá-lo, seria razoável apenas se lhe coubesse decidir os casos iguais de forma desigual.39

A terceira razão apontada por MELLO e BARROSO são os ganhos, do poder jurisdicional, em termos de eficiência. Para os autores, o respeito aos precedentes vinculantes “possibilita que os recursos de que dispõe o Judiciário sejam otimizados e utilizados de forma racional”, mencionando a redução de trabalho dos tribunais, que não precisariam reexaminar e reformar decisões divergentes dos entendimentos já pacificados. Destacam, que “tal ambiente contribui para a redução do tempo de duração dos processos, desestimula demandas aventureiras e reduz a litigiosidade”, além de, consequentemente, aumentar a credibilidade e a legitimidade do Judiciário.40

Nesses aspectos, a discussão volta-se aos aspectos pragmáticos do respeito aos precedentes, conforme classificação de Alencar. São eles: aumento da celeridade do processo, auxiliando em sua duração razoável; desestímulo à litigância e favorecimento de acordos; e fortalecimento institucional do Poder Judiciário.

38 MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit., p.117. 39 MARINONI, ibid., p.112.

(22)

O princípio constitucional da duração razoável do processo encontra-se no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal41, tendo sido incluído pela EC nº45/2004, com a reforma do Judiciário. Para Marinoni, a contribuição à razoável duração do processo beneficia autor, réu e a sociedade como um todo, pois:

Se os tribunais estão obrigados a decidir de acordo com as Cortes Supremas, sendo o recurso admissível apenas em hipóteses excepcionalíssimas, a parte não tem de necessariamente chegar à Corte Suprema para fazer valer o seu direito, deixando de ser prejudicada pela demora e também de consumir o tempo e o trabalho da administração da justiça.42

Alencar complementa:

Nesse sentido, com a adoção de um sistema de respeito aos precedentes judiciais, haveria não somente economia argumentativa ou supressão de vias recursais, quando essas tivessem por finalidade lançar dúvida sobre a tese jurídica adotada pelo julgador, mas também a própria abreviação do procedimento, como se poderia dar, por exemplo, com a improcedência liminar do pedido, previsto no art. 332 do novo Código de Processo Civil, para as causas em que não haja necessidade de instrução probatória e a pretensão do autor contrariar específicos precedentes dos tribunais, bem como, através do julgamento monocrático em via recursal, quando o relator pode negar provimento ao recurso, em face de sua contrariedade aos precedentes judiciais em referência, ou dar provimento ao pleito do recorrente, após apresentadas as contrarrazões, considerando a decisão recorrida contrária àqueles precedentes, conforme art. 932, IV e V, do estatuto processual civil em vigor. Essas possibilidades de suprimir etapas procedimentais, por necessidade de respeito ao entendimento sedimentado, são evidências de um bom uso da teoria dos precedentes no sistema da civil law, desde que respeitado o princípio do devido processo legal (due process of law).43

Ademais, para Luiz Guilherme Marinoni, “a perpetuação da litigiosidade é fonte de angústias e sofrimentos de ordem psicológica, causando males pessoais de difícil dimensionamento”. Logo, em um contexto de previsibilidade das decisões judiciais, haveria um desestímulo à litigância, porque “a parte que se julga prejudicada, quando tem conhecimento de que o Judiciário não ampara a sua pretensão certamente não tem razão para gastar tempo e dinheiro em busca de uma tutela jurisdicional que, de antemão, sabe que lhe será desfavorável.”.44

Interessante ponto - no que tange a questão do favorecimento de acordos – é o levantado por Marinoni, explicitando que, à primeira vista, o elevado grau de

41 BRASIL, 1988, cit.

42 MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit., p.139. 43 ALENCAR, Mário Soares, op. cit., p.88-89. 44 MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit., p.135.

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previsibilidade das decisões judiciais pareceria beneficiar uma parte em detrimento de outra. Todavia, o autor demonstra que tal cenário permite às duas partes a racionalização das vantagens e desvantagens da litigiosidade, porque, se por um lado há uma parte do processo cuja pretensão alinha-se ao precedente e em seu desfavor operam “apenas” o lapso temporal e o custo do processo, por outro há uma parte que tenderá a evitar a lide, oferecendo, para isso, um acordo bom o suficiente para desestimular a propositura da ação. Conclui o escritor: “Quer isso precisamente dizer que a previsibilidade acomoda a situação de conflito, desestimulando ambas as partes a litigar.” (grifo nosso).45

Nessa ambiência, outro ponto relevante a ser levantado é a economia de despesas de toda máquina jurisdicional. Recursos de todos os tipos, desde papéis e equipamentos, passando por salas e prédios, até os recursos humanos (servidores, juízes, desembargadores), podem ser melhor otimizados e eficientemente distribuídos para a aplicação em outras funções, como, por exemplo, na resolução dos chamados hard

cases.

Em suma, assevera Alencar:

Não há dúvida de que, com a estabilização da jurisprudência, reduzindo as decisões contraditórias, em suma, tornando mais coerente e racional o exercício da jurisdição, a consequência é a maior eficiência da máquina judiciária, tanto pela redução das demandas, quanto pela possibilidade de solução mais célere dos feitos, na abreviação dos ritos e na economia argumentativa e recursal, conduzindo naturalmente à diminuição de custos e elevação da eficiência do Poder Judiciário. (grifos nossos.)46

No quesito maior eficiência do Poder Judiciário, Marinoni destaca que “se, ao respeitar precedentes, o sistema torna o processo mais célere e barato, não há dúvida que o Poder Judiciário afigura-se mais eficiente”. Constata o autor que a demora na prestação jurisdicional é mais gravosa a quem dispõe de menos dinheiro e que, “em tal condição, o Poder Judiciário apresenta um déficit de democracia”. Por conseguinte, destaca que o respeito aos precedentes constitui elemento garantidor não só da eficiência, mas também da legitimidade democrática do Poder Judiciário.47

Respeitando-se a proposta e o recorte do trabalho, registra-se aqui, brevemente, os fundamentos meramente formais de respeito aos precedentes, na visão de Mário

45 MARINONI, ibid., p.136.

46 ALENCAR, Mário Soares, op. cit., p.94. 47 MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit., p.140.

(24)

Soares de Alencar: a previsão normativa expressa (imposição constitucional ou legal) e a obediência à hierarquia.48 A previsão normativa expressa restou elucidada no “tópico dois” ao ser abarcado o histórico pátrio de adaptação à cultura dos precedentes. Acerca da obediência hierárquica, aduz Alencar que se trata de argumento utilizado por alguns doutrinadores - tal como Marinoni - para os quais “o caráter nacional e hierárquico do Judiciário brasileiro, estratificado em níveis de jurisdição superpostas, com atribuição competência revisional às instâncias superiores, justificaria a observância aos precedentes judiciais.”49

Nesse ponto, percebe-se o quanto Marinoni valoriza o arcabouço hierárquico brasileiro, visto que, para o autor, respeito à hierarquia é conditio sine qua non para a obtenção da coerência da ordem jurídica, conforme preleciona:

[...] seria pouco mais do que irracional admitir o processamento de uma causa em tribunais que pudessem decidir sem considerar as decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Inicialmente isso significaria um castigo à parte que tem razão perante a Corte Suprema, pois a penalizaria com a necessidade da interposição de recurso – com o consequente consumo de tempo e dinheiro – para chegar à decisão que, desde o início, se sabia – ou ao menos se pressupunha – que prevaleceria. Mas isso também geraria deslegitimação do próprio Judiciário, na medida em que faria ver não apenas inexplicável conflito interno no seio do Poder, como ainda inadmissível falta de respeito à hierarquia, base lógica de todo e qualquer sistema que se proponha a razoavelmente funcionar.50

O professor da Universidade Federal do Paraná também lista, em seus argumentos favoráveis à utilização dos precedentes obrigatórios, a possibilidade de melhor orientação jurídica por parte dos advogados51 e a definição de expectativas52. Sobre este último argumento, realiza interessante observação de cunho mercantil e econômico:

A racionalização das expectativas, implicando racionalização de ganhos e perdas, dá ao empresário maior objetividade e segurança na disponibilização de recursos, eliminando a necessidade de gastos desnecessários e favorecendo as despesas realmente oportunas para a incrementação dos negócios, com benefício para o mercado e para a economia.53

48 ALENCAR, Mário Soares, op. cit., p.64-72. 49 ALENCAR, ibid., p.68

50 MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit., p.127 51 MARINONI, ibid., p.132-133.

52 MARINONI, ibid., p.133-134. 53 MARINONI, ibid., p.134.

(25)

Prossegue, com a despersonalização das demandas e maior facilidade de aceitação da decisão judicial. Nesse ponto, cita SUMMERS:

A prática de seguir precedente despersonaliza as decisões e, assim, torna mais provável, que as partes derrotadas aderirão à decisão sem que a parte vencedora precise recorrer a medidas de execução. Os derrotados perceberão que a decisão não é meramente ‘contra’ eles, ad hoc, mas ‘contra todos os demais’ em situação semelhante.54

Marinoni, como penúltimo argumento a favor da adoção da engrenagem dos precedentes obrigatórios (o último será deslocado para as considerações finais, propositadamente, pelo autor que vos escreve), menciona a racionalização do duplo grau de jurisdição, citando ser admissível recurso em face de decisão que tenha respeitado o precedente, excepcionalmente: “Nada impede que se chegue à Corte Suprema, a partir de fundamentação reveladora de nova realidade ou de nova convicção jurídica acerca de determinada questão, postulando-se a revogação do precedente.”.55

Finalizando o presente tópico, avulta-se o último fundamento da classificação de Mário Soares de Alencar, de cunho epistemológico, que vem a ser a coerência, espinha dorsal de sua dissertação de mestrado. Tendo Ronald Dworkin como referencial teórico, Alencar explora o fundamento epistemológico coerentista subjacente à teoria do direito como integridade e à tese sobre a possibilidade da “resposta correta em direito”. O professor da Universidade Estadual do Piauí afirma:

[...] partindo-se da premissa de que deve haver um esforço racional do intérprete-aplicador na identificação da melhor resposta aos problemas jurídicos da prática, o que pressupõe acreditar na existência de que uma solução seja melhor do que a outra, impõe-se analisar o modo de aferir-se a verossimilhança. Para Dworkin, a chave é a coerência.56

Para Alencar, o precedente judicial é “mais um elemento normativo”, ingressando no sistema e contribuindo para a coerência da engrenagem jurídica como um todo, e não para “ditar a resposta do caso futuro. [...] o novo julgamento deve considerar o sistema jurídico integralmente, incluindo aí o precedente, mas não apenas o precedente.”.57

54 SUMMERS, Robert S. Precedent in the United States (New York State). Interpreting precedents: a

comparative study. London: Dartmouth. 1997. apud MARINONI, ibid., p.137.

55 MARINONI, ibid., p.138.

56 ALENCAR, Mário Soares, op. cit., p.100-101. 57 ALENCAR, ibid., p.101.

(26)

Apontados e destrinchados os argumentos favoráveis à adoção da cultura dos precedentes vinculantes, passa-se ao subtópico seguinte, dos argumentos adversos.

2.2 Argumentos desfavoráveis

Antes de listarmos os argumentos desfavoráveis à força obrigatória dos precedentes no sistema jurídico brasileiro, cabe tratarmos do termo “observarão” contido no caput do art. 927 do CPC/15, que positiva: “Os juízes e os tribunais observarão:”58. Houve conflito doutrinário acerca do vocábulo se referir à mera persuasão ou à vinculação obrigatória.

Nesse contexto, surge o enunciado nº 170 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “As decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos.” (grifo nosso.) 59

Segundo Peixoto, “Em um CPC que tanto fortalece os precedentes, seria um contrassenso a interpretação restritiva da vinculação do art. 927, que implicaria até a retirada da eficácia vinculante já apontada pelo STF no período do CPC/1973.”60

Superada a força obrigatória dos precedentes previstos no artigo supramencionado, surgiu, também, um relevante debate acerca da constitucionalidade da previsão da obrigatoriedade de precedentes por meio da legislação infraconstitucional, caso não houvesse previsão correspondente na CF/88. Para alguns autores, aponta Peixoto, “não seria possível, por meio de lei ordinária, impor a vinculação de ‘preceitos abstratos, gerais, com característica de lei’, com aptidão para obrigar a sociedade como um todo. O STF e o STJ apenas são aptos a decidir caso concreto e não poderiam legislar.” Portanto, “a inserção de tal obrigatoriedade na legislação infraconstitucional violaria a independência funcional dos magistrados e a separação funcional de poderes.”.61

Nesse sentido, destaca-se a crítica do jurista e professor Lenio Luiz Streck, que afirma:

Uma lei ordinária não pode alterar a competência e função dos tribunais prevista originalmente na Constituição. [...] se o CPC-2015 tiver alterado a relação entre lei e jurisdição, criando precedentes vinculantes, o novo CPC não seria inconstitucional? Estamos convictos que, valendo as regras do jogo democrático-constitucional,

58 BRASIL, 2015, cit.

59 ENUNCIADOS DO FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS. Vitória, 2015.

Disponível em: <https://www.novocpcbrasileiro.com.br/enunciados-interpretativos-sobre-o-novo-cpc-do-fppc/>. Acesso em: 12 out. 2018.

60 PEIXOTO, Ravi. op. cit., p.98. 61 PEIXOTO, ibid., p.100.

(27)

não é possível que uma lei ordinária introduza um sistema de precedentes vinculantes sem violar o modelo constitucional do processo adotado pela Constituição.62

Ponto interessante, da publicação de Peixoto, é perceber que tal doutrina – que aponta a suposta inconstitucionalidade dos precedentes – parece estar conexa ao raciocínio realizado pelo Tribunal Constitucional Português para decretar a inconstitucionalidade dos assentos. Os assentos portugueses, conforme esclarece:

[...] eram uma espécie de poder normativo geral atribuído ao Supremo Tribunal de Justiça português com a finalidade específica de limitar o processo de individualização do direito, sendo entendido como detentor das seguintes características: (1) – um critério jurídico universalmente vinculante; (2) – prescrito por um órgão judicial; (3) – sob a forma de uma norma (no sentido de preceito geral e abstrato) que passava a integrar o sistema jurídico ao lado das demais.63

Para que fique mais clara a situação portuguesa, prossegue o autor em seus ensinamentos:

As decisões plenárias tomadas a partir de um recurso de uniformização da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça português eram reduzidas a uma espécie de enunciado com caráter geral e abstrato, com aptidão para vincular a todos – não apenas o Poder Judiciário -. Além disso, ele detinha um caráter imutável, ou seja, não era apto a ser revisado pelo próprio órgão que o editou, eis que o Código de Processo Civil de 1961, embora tivesse mantido a regulação do CPC de 1939, eliminara a faculdade concedida ao Supremo Tribunal de Justiça de alterar a doutrina fixada nos seus assentos.64

O problema pretérito havido na ordem jurídica lusitana, portanto, não era a legislação infraconstitucional fixando a vinculação aos precedentes, mas a forma pela qual a vinculação ocorria, tornando os assentos uma fonte autônoma do direito (impedindo, inclusive, a discussão pelas partes), além do seu caráter de imutabilidade.

Retornando ao contexto jurídico brasileiro, argumenta-se contrariamente ao sistema de precedentes vinculantes porque, dentre outros fatores, haveria o

comprometimento da independência dos magistrados. Como bem destaca Alencar,

“sem a independência do julgador, tanto na interpretação dos fatos quanto na

62 STRECK, Lenio Luiz. O solilóquio epistêmico do ministro Roberto Barroso sobre precedentes. 2016.

Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-nov-03/senso-incomum-soliloquio-epistemico-ministro-barroso-precedentes. Acesso em: 04 dez. 2018

63 PEIXOTO, ibid., p.101-102. 64 PEIXOTO, ibid., p.102.

(28)

compreensão do substrato jurídico, não haveria efetivo exercício da jurisdição, mas sim simulacro de julgamento [...]”.65 Entretanto, assevera o referido autor que, mesmo para autores que defendem a obediência aos precedentes com fundamento no respeito hierárquico - como é o caso de Marinoni – não haveria violação à independência funcional dos juízes, mas apenas a busca da racionalidade do sistema.66

Ilustrando tal fato, afirma Marinoni:

É preciso não confundir independência dos juízes com ausência de unidade, sob pena de, ao invés de se ter um sistema que racional e isonomicamente distribui justiça, ter-se algo que, mais do que falhar aos fins a que se destina, beira a um manicômio, onde vozes irremediavelmente contrastantes, de forma ilógica e improducente, se digladiam.67

Seja um(a) juiz(a) de primeira instância, um(a) desembargador(a) ou um(a) ministro(a) da Suprema Corte, todos exercem e possuem o mesmo poder, atuando apenas com diferenciações em suas competências. Todos são magistrados e devem respeito aos precedentes. Melhor dizendo, quem deve respeito aos precedentes é o Poder Judiciário, que deve se expressar sempre de forma coerente. Simplificadamente, conclui Amilcar Araújo Carneiro Júnior, citado por Alencar, que a independência dos juízes seria tolhida, apenas, em caso de “aplicação mecânica dos precedentes”68, opção que, obviamente, não é a que se defende.

Outro argumento contrário à implementação da doutrina do stare decisis e dos precedentes vinculantes alega que tal fenômeno elevaria a rigidez do sistema jurídico, tornando-se óbice ao desenvolvimento do direito e ao surgimento de decisões apropriadas às novas realidades sociais. Ocorreria o que se denomina de “engessamento do direito”.

Sobre isso, salienta Marinoni69 que “nem mais no berço do common law, em que a força dos precedentes um dia chegou a ser absoluta, insiste-se na imutabilidade dos precedentes”. O autor faz referência ao Practice Statement da denominada House of

Lords inglesa que, em 1966, afirmou que a Corte em comento poderia contrariar seus

precedentes quando isso lhe parecesse o certo a se fazer (depart from a pevious decision

65 ALENCAR, Mário Soares, op. cit., p.107. 66 ALENCAR, ibid., p.108.

67 MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit., p.151.

68 CARNEIRO JÚNIOR, Amilcar Araújo. A contribuição dos precedentes judiciais para a efetividade

dos direitos fundamentais. Coordenação de Ada Pellegrini Grinover e Petronio Calmon. Brasília: Gazeta Jurídica, 2012, p. 309, apud ALENCAR, Mário Soares, op. cit., p.109.

(29)

when it appears right to do so)70. Ademais, afirma que a Suprema Corte estadunidense revoga, com frequência, seus precedentes por variadas razões, que vão desde “inconsistência com os últimos precedentes e caso equivocadamente decidido” até “impraticabilidade e alteração de circunstâncias”.71

Ronaldo Cramer, citado por Alencar, afirma que o perigo de “petrificação do Direito” somente ocorreria com a utilização indevida de precedentes, distinguindo estabilidade de imutabilidade, alegando que todo ordenamento que respeita precedentes pressupõe a possibilidade de seu afastamento em determinados casos, seja por meio das técnicas de superação ou de distinção.72

Mais um argumento, contrário à mudança paradigmática em tela, é o que se baseia na suposta violação do princípio da separação dos poderes. Segundo os adeptos desse argumento, os precedentes seriam equivalentes a preceitos abstratos, gerais, com característica de lei, concedendo poder legislativo ao Poder Judiciário sem autorização constitucional, na mão contrária dos ensinamentos de Montesquieu.

Sobre o tema, STRECK afirma: “No passado, acreditava-se que a lei conteria a infinidade de solução dos casos. Atualmente, essa mística foi transportada e depositada nas decisões dos tribunais superiores.”; e complementa:

Conferimos poderes para Tribunais Superiores sem que antes eles tenham adquirido uma legitimidade para tanto [...]. Neste ponto, há um risco de caminharmos para estabelecimento de juízes legisladores e, por consequência, para uma Juristocracia. Judiciário não faz lei. Cumpre. Todo poder emana do povo e não da jurisprudência. (grifo do autor)73

Corroboram, com Streck, LAGES e JUNIOR, alegando que

estaríamos assumindo os Tribunais Superiores como órgãos legislativo-estabilizadores, ao criar padrões interpretativos de aplicação inquestionável por parte dos órgãos jurisdicionais inferiores, desmoronando-se, assim, a distinção de funções e, portanto, do sentido constitucional do Estado de Direito.74

70 MARONINI, loc. cit. 71 MARINONI, ibid. p.142.

72 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 64,

apud ALENCAR, op. cit., p.111

73 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – o sistema (sic) de precedentes no CPC? 2016. Disponível em:

https://www.conjur.com.br/2016-ago-18/senso-incomum-isto-sistema-sic-precedentes-cpc. Acesso em: 04 dez. 2018.

(30)

Para Alencar esse argumento se baseia em premissas falsas, “como a visão estereotipada das funções do Poder Político, como se houvesse uma absoluta delimitação do campo de ação de cada Poder”.75 Para além da compreensão de que o judiciário predominantemente julga, mas também possui iniciativa legislativa e administrativa em alguns casos, refuta-se o argumento alegando-se que a reconstrução da norma é tarefa imanente à atividade jurisdicional, sendo geral e concreta a norma advinda do precedente, e não geral e abstrata, tal como a lei em sentido estrito.

Castanheira Neves, citado por Peixoto, aponta que “a característica de generalidade não é o que torna uma determinada atuação como detentora de natureza legislativa”.76 Nessa esteira, afirma Ravi Peixoto que “os precedentes, ao se afirmarem obrigatórios, tornam possível a extração de uma norma jurídica – ratio decidendi -, com natureza geral, mas voltada ao concreto. Mesmo com o desenvolvimento da ratio

decidendi, ela sempre está pautada no caso concreto.”.77 Sobre o tema, acrescenta Alencar:

[...] nada é mais inócuo que buscar a segurança jurídica a partir da vedação à atividade hermenêutica, esta própria do ser humano, que ocorre independentemente de intenção. A compreensão de qualquer texto depende sempre de um processo interpretativo, ou seja, da internalização mental do suporte linguístico ordenado, para reconstrução de seu sentido. Portanto, a aplicação da lei sempre ocorre junto com o processo de interpretação, pelo que há uma interferência inevitável do intérprete-aplicador no conteúdo normativo desvelado. Há, assim, uma cooperação, mesmo que não intencional, entre o Legislativo e o Judiciário no estabelecimento das normas jurídicas, já que o texto legal somente se convola em norma por meio do intérprete, sendo os magistrados, por imposição do sistema, os reconstrutores dos sentidos normativos com força institucional. O Judiciário, nessa perspectiva, não cria normas, mas coopera com o Legislador através da revelação dos sentidos do direito legislado, à luz das normas constitucionais.78

Esclarece o autor supramencionado, ainda, que é descabida a alegação de que o Judiciário não possui legitimidade para criar normas, “pois não se trata de ‘criar’ efetivamente normas no processo de interpretação-aplicação do direito, mas de ‘reconstrução’ dos sentidos pelo processo hermenêutico, fenômeno que sempre ocorre por imanente à natureza da compreensão humana.”.79

75 ALENCAR, ibid., p.113.

76 NEVES, A. Castanheira. O instituto dos assentos e a função jurídica dos supremos tribunais. Coimbra:

Coimbra Editora, 1982, apud PEIXOTO, op. cit., p.120.

77 PEIXOTO, loc. cit.

78 ALENCAR, op. cit., p.113-114. 79 ALENCAR, ibid., p.114.

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