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19 de fevereiro de 2020

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Processo 02244/12.3BEPRT 0898/17 Data do documento 19 de fevereiro de 2020 Relator

Suzana Tavares Da Silva

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO | FISCAL

Acórdão

DESCRITORES

Substituição tributária > Titular

SUMÁRIO

I - Nas operações de cash pooling, dada a natureza puramente convencional das titularidades de sujeito passivo e de titular do interesse económico, resultante de, na prática, estas titularidades serem cambiantes em razão da própria natureza dinâmica das operações de crédito que lhe estão subjacentes, é de considerar que estamos perante uma situação jurídica equiparável a um mecanismo de substituição fiscal imprópria.

II - No âmbito desta substituição fiscal imprópria, o titular do interesse económico ainda integra a relação jurídica tributária, uma vez que o legislador visa constituir sobre ele (sobre a sua situação económica) o encargo do imposto, ainda que impropriamente, ou seja, por via da interposição do sujeito passivo.

III - Nestes casos de substituição fiscal imprópria, nada impede que, quando o sujeito passivo não cumpra os seus deveres legais de liquidação do imposto, a Administração Tributária possa exigir, directamente, ao titular do interesse económico, o imposto em falta.

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TEXTO INTEGRAL

Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – A representante da Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, em 24 de Fevereiro de 2017, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela A……… II – ………, S.A., com os sinais dos autos, contra o acto de liquidação adicional de Imposto de Selo (IS) n.° 2012.6430000456, no montante de € 20.976,35, apresentou recurso, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo: A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença, por erro na aplicação do direito, ao julgar procedente a impugnação judicial e anular o acto tributário de liquidação adicional de imposto de selo.

B. In casu, de acordo com a factualidade provada (cfr. n.ºs 5 e 7 do probatório) estamos na presença da modalidade de “cash pooling” designada por "zero balancing", no qual a sociedade dominante desempenha a função de entidade centralizadora de disponibilidades de tesouraria;

C. Este sistema caracteriza-se pela existência de uma conta bancária da titularidade da sociedade dominante para a qual são transferidos diariamente os saldos bancários positivos das contas bancárias das sociedades dominadas (como é o caso da impugnante), sendo que, se, ao invés, os saldos bancários das sociedades dominadas forem negativos, a sociedade dominante transfere para as respectivas contas das sociedades dominadas o montante necessário para cobrir aquela carência, de forma a que o saldo bancário das contas das sociedades dominadas seja sempre igual a zero.

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D. Em face dos factos apurados e relatados pelos SIT no referido relatório, foi possível constatar a existência, entre a impugnante e a empresa mãe de um sistema de crédito, sendo efectuadas diariamente transferências bancárias, ficando a zero as contas das “filhas”, atendendo a que, se o saldo das contas das “filhas” for positivo, o saldo é transferido para a empresa mãe; se for negativo, a empresa mãe repõe o valor.

E. Aos saldos diários em divida, foi aplicada uma taxa de juro equivalente à Euribor a 3 meses, acrescida de um spread de 1,5pp de que resultou a contabilização de custos financeiros (conta 6911000 do POC), no montante de € 238.506,70.

F. Sob ponto de vista fiscal, esta gestão de fluxos financeiros, relativamente ao montante do crédito utilizado, foi submetida pela AT às regras de incidência do Imposto de Selo, por enquadramento na verba 17.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) e sujeita à taxa prevista na verba 17.1.4, cfr. Cap. III, ponto III.4.2 do RIT, fls. 30 e 30/verso dos autos.

Ora,

G. De acordo com o referido nº 1 do art. 3º do Código do Imposto de Selo o imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico, que no caso das concessões de crédito, por aplicação da alínea f) do nº 3 desse artigo, se considera ser o utilizador dos créditos.

H. Na situação em apreço, o interesse económico recaiu sobre a impugnante, já que no exercício económico de 2008 não se encontrava em carência de tesouraria, sendo pois a liquidação aqui impugnada legítima e legal.

I. Com efeito, estabelece o nº 3 do art. 18º da LGT que “O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou organização de facto e de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável”.

J. Referindo, ainda, o nº 1 do art. 3º do CIS que, “O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no art. 1.º”.

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K. Neste enquadramento, e como refere Saldanha Sanches em “Manual de Direito Fiscal”, 3ª edição, “o sujeito passivo puro é aquele que suporta um imposto que por si é devido por motivo da sua própria capacidade contributiva”. L. E, não obstante competir a liquidação do imposto à entidade concedente do crédito, nos termos conjugados dos artigos 2º e 23º do CIS, que no caso em análise é a “B………. II”, sendo a impugnante a devedora do imposto, o contribuinte de facto, será a ela que a AT terá que exigir o imposto em falta nos Cofres do Estado.

M. Assim, a AT considera que se trata de operações financeiras realizadas, dentro do grupo, entre a sociedade dominante e as sociedades dominadas, entre as quais se inclui a concessão e a utilização de crédito.

N. Motivo pelo qual, enquadrou aquelas operações na verba 17.1.4 da TGIS, sujeitando-as a imposto do selo, à taxa de 0,04%, a aplicar sobre a média obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês divididos por 30.

O. E, considerando que o imposto em causa constitui um encargo do titular do interesse económico que, no caso das concessões de crédito se considera ser o utilizador dos créditos, emitiu a liquidação adicional à ora Impugnante (precisamente na qualidade de utilizador dos créditos em causa) o pagamento do IS, pelo facto de a sociedade “B…….. II – ………, S.A.” não ter procedido à liquidação do IS em tempo oportuno.

P. Ora, as operações financeiras, nas quais se inclui a concessão e utilização de crédito a qualquer título, estão sujeitas a Imposto do Selo, atento o disposto na verba 17.1.4, da TGIS, que tributa a utilização de crédito sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou outra, de duração de utilização indeterminado ou indeterminável, sendo sujeito à taxa de 0,04% sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.

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vem questionada nos presentes autos, defendendo a impugnante que não é sujeito passivo do imposto de selo, mas sendo o “titular do interesse económico”, pelo que a AT, tendo concluído que não havia sido efectuada a liquidação do imposto devido pela operação, lhe pode exigir o imposto directamente, como se do sujeito passivo se tratasse.

Assim,

R. Por esta razão, se considera que o tribunal incorreu em erro de julgamento de facto e de direito por violação do disposto no artigo 3.º do CIS».

2 – A Recorrida não apresentou contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso afirmando que “(…) Afigura-se-nos, assim, que no caso concreto dos autos em que está em causa o imposto de selo devido pela concessão de crédito, nada obsta a que, na falta da sua liquidação por parte da entidade concedente do crédito e sobre a qual recai o dever de o entregar ao Estado, na qualidade de sujeito passivo, a AT possa exigir o cumprimento da obrigação tributária ao utilizador do crédito, na qualidade de pessoa onerada com o seu pagamento. Entendemos, assim, que a sentença recorrida padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual se impõe a sua revogação e a baixa dos autos para apreciação das demais questões que o tribunal "a quo" deu como prejudicadas (…)”.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

II – Fundamentação

1. De facto

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1. A Impugnante foi constituída em Abril de 2003, tendo como actividade principal a “promoção imobiliária – desenvolvimento de projectos de edifícios” (CAE 41100), exercendo ainda a actividade secundária de “compra e venda de bens imobiliários” (CAE 68100) (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 17 a 40-v.º do processo administrativo apenso aos presentes autos);

2. A Impugnante dedica-se à exploração do Centro Comercial …………, de que é proprietária, e ao arrendamento e venda dos apartamentos que compõem o empreendimento imobiliário denominado ………, de que também é proprietária (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 17 a 40-v.º do processo administrativo apenso aos presentes autos);

3. O capital social da Impugnante é, desde Julho de 2003, integralmente detido pela sociedade “B………. II – ………, S.A.” (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 17 a 40-v.º do processo administrativo apenso aos presentes autos); 4. A Impugnante integra um grupo de sociedades, juntamente com a sociedade “A……….. – ………., S.A.” e a sociedade “B…….. II – …………., S.A.”, no qual esta última assume a posição de sociedade dominante, sendo tributadas pelo Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS) consagrado no Código do IRC (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 17 a 40-v.º do processo administrativo apenso aos presentes autos);

5. A Impugnante e as restantes sociedades que integram o grupo a que pertence implementaram entre si um sistema de gestão centralizada de tesouraria designado cash pooling, na modalidade zero balancing, no qual a sociedade dominante desempenhava a função de entidade centralizadora de disponibilidades de tesouraria (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 17 a 40-v.º do processo administrativo apenso aos presentes autos)

6. Aquele sistema, naquela modalidade, caracteriza-se pela existência de uma conta bancária da titularidade da sociedade dominante para a qual são transferidos diariamente os saldos bancários positivos das contas bancárias das sociedades dominadas (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 17 a 40-v.º

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do processo administrativo apenso aos presentes autos);

7. Se, ao invés, os saldos bancários das sociedades dominadas forem negativos, a sociedade dominante transfere para as respectivas contas das sociedades dominadas o montante necessário para cobrir aquela carência, de forma a que o saldo bancário das contas das sociedades dominadas seja sempre igual a zero (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 17 a 40-v.º do processo administrativo apenso aos presentes autos);

8. Pela ordem de serviço externa n.º OI201101914 foi desencadeado, pela Divisão de Inspecção Tributária-II da Direcção de Finanças do Porto, um procedimento inspectivo de âmbito geral à actividade da Impugnante, com incidência limitada ao exercício de 2008, tendo-se iniciado em 19/07/2011 e terminado em 21/03/2012 (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 17 a 40-v.º do processo administrativo apenso aos presentes autos);

9. No âmbito da acção inspectiva referida no ponto anterior foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária que ora se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai, além do mais, o seguinte:

“(…)

III. – DESCRIÇÃO DOS FATOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1 – ANÁLISES E CONTROLOS EFECTUADOS EM SEDE DE IRC (…)

III.1.4. ANÁLISE DOS REGISTOS CONTABILÍSTICOS (…)

III.1.4.2. CUSTOS

III.1.4.2.1. CUSTOS FINANCEIROS

III.1.4.2.1.2. JUROS DE OPERAÇÕES DE TESOURARIA (CASH-POOLING)

O restante valor da conta "6911002 - Juros suprimentos grupo" - €238.506,97 – respeita a juros suportados em operações de tesouraria denominadas de Cash-pooling, na modalidade de "zero balancing".

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Em termos concretos, trata-se de um sistema que consiste na centralização de disponibilidades de empresas de um mesmo grupo na conta da empresa mãe, sendo efetuadas transferências bancárias diárias, ficando a zero as contas das "filhas":

· Se o saldo das contas das "filhas" for positivo, o saldo é transferido para a empresa mãe;

· Se for negativo, a empresa-mãe repõe o valor.

Desse modo, o grupo consegue uma diminuição nas despesas financeiras totais, e um melhor controlo das contas.

O saldo em dívida no início do ano de 2008 era de €3 159.970,56 e no final de €304.914,06.

Aos saldos diários em divida foi também aplicada uma taxa de juro equivalente à Euribor a 3 meses acrescida de um spread de 1,5 pp, de que resultou o registo de custos financeiros no montante de €238.506,97.

(…)

III.4. ANÁLISES E CONTROLOS EFETUADOS EM SEDE DE IMPOSTO DE SELO (…)

III.4.2. IMPOSTO DE SELO EM FALTA – CASH-POOLING

As operações financeiras, nas quais se inclui a concessão e a utilização de crédito a qualquer título, estão sujeitas a Imposto do Selo, em função do seu prazo.

No sistema "Cash-Pooling", já referido no ponto III.1.4.2.1.2 deste relatório, será de aplicar a verba 17.1.4 da TGIS, visto estarmos perante um crédito "utilizado sob a forma de conta corrente ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável", sendo devido imposto de 0,04% sobre a "média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês divididos por 30"

De acordo com o artigo 3.º do CIS, o imposto constitui encargo do titular do interesse económico que, no caso das concessões de crédito. por aplicação da

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alínea f) do n.º 3 desse artigo, se considera ser o utilizador dos créditos, ou seja, a sociedade A…….. II.

Dado que a B……….. II não fez a liquidação do imposto do selo em tempo oportuno, e uma vez detetada a falta, deve o respetivo montante ser exigido à entidade que legalmente suporta o encargo, que neste caso é a sociedade A……..II, a qual, desde que pague o respetivo montante no prazo que lhe vier a ser fixado, não ficará sujeita a qualquer penalidade porque não recaia sobre si a obrigação de liquidação.

Junta-se como Documento IV o mapa de cálculo do saldo diário dos valores em dívida, bem como do imposto de selo devido em cada mês, cálculos que originaram os seguintes montantes de imposto em falta:

(…)

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

A sociedade foi notificada nos termos dos artigos 60º da LGT e 60º do RCPITm através do ofício n.º 19140/0505 de 23/03/2012 para, no prazo de 15 dias, se pronunciar sobre o projecto de relatório da inspeção tributária, que passaremos a designar por PR.

No dia 11/04/2012 foi rececionado nestes serviços o exercício do direito de audição, doravante designado por DA, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, e que se passa a analisar.

(…)

IX.1.2. IMPOSTO DE SELO EM FALTA – CASH-POOLING

No que respeita às correcções efectuadas em sede de imposto de selo, o sujeito passivo defende que as operações em causa estão isentas nos termos das alíneas g) e h) do artigo 7º do CIS, alegando cumprir as seguintes condições necessárias a essa isenção:

i. "a B………. II ao longo do ano de 2008 realizou operações financeiras com a requerente para cobrir carências de tesouraria decorrentes de situações

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pontuais de curto prazo".

ii. "as operações foram realizadas por prazo inferior a um ano, a primeira foi constituída em 02 de Julho de 2007 e terminou a 2 de Junho de 2008 e a segunda foi constituída a 02 de Junho de 2008 e terminou também em 2009 antes de decorrido o prazo de um ano".

IX.2. ANÁLISES E COMENTÁRIOS (…)

IX.2.2. IMPOSTO DE SELO EM FALTA - "CASH POOLING"

Para que as operações em causa beneficiem da isenção prevista nas alíneas g) e h) do artigo 7º do CIS, têm de ser cumpridas 3 condições:

i. Tratar-se de operações financeiras por prazo não superior a um ano; ii. Destinadas exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria;

iii. Efectuadas por entidades que detenham uma participação superior a 10% e essa participação tenha permanecido na sua titularidade há pelo menos 1 ano consecutivo,

Após análise desta situação concluiu-se que o SP não cumpre a condição prevista na alínea, ii), não se verificando a situação do destino exclusivo à cobertura de carência de tesouraria, conforme se passa a demonstrar.

Tratando-se de operações de tesouraria de curto prazo, cremos que a carência se deve aferir pela insuficiência de disponibilidades para fazer face a compromissos também de curto prazo.

Para efectivar esta aferição, procedemos à análise da Demonstração de Fluxos de Caixa (DFC) anexa ao Dossier Fiscal do sujeito passivo, e que se junta como Documento VI, expurgando os valores dos movimentos financeiros entre as empresas em causa, uma vez que não faz sentido que a A……… II obtenha financiamentos de curto prazo junto da B……… II para liquidar, junto da mesma, dívidas também de curto prazo.

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(cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 17 a 40-v.º do processo administrativo apenso aos presentes autos);

10. Em anexo ao Relatório de Inspecção Tributária encontra-se o Documento IV com o seguinte teor:

(imagens disponíveis na sentença a fls 413ss do SITAF)

(cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 17 a 40-v.º do processo administrativo apenso aos presentes autos);

11. Em resultado daquela acção inspectiva foi emitida em 27/04/2012 a liquidação de Imposto do Selo n.º 2012 6430000456, na qual foram integrados os juros compensatórios calculados até 13/04/2012, no valor de EUR 20.976,35 12. A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi remetida a este Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 04/09/2012 (cfr. SITAF e documento de fls. 02 do suporte físico dos presentes autos).

Inexistem quaisquer factos relevantes para a decisão a proferir que se tenham considerado não provados.

2. Questão a decidir

Saber se o imposto de selo que é devido pelas operações de gestão centralizada de tesouraria, denominadas cash-pooling (verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo), em que o sujeito passivo é a entidade concedente do crédito, pode, em caso de não liquidação do imposto por parte deste, vir a ser exigido pela AT à entidade beneficiária do financiamento.

3 – Do direito

3.1. Tal como resulta do relatório de inspecção tributária, transcrito no ponto 9 da matéria de facto dada como provada, a impugnante (aqui Recorrida) e as restantes sociedades que integram o grupo a que a mesma pertence implementaram entre si um sistema de gestão centralizada de tesouraria designado cash pooling, na modalidade zero balancing, o que significa que os

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saldos de tesouraria das diferentes contas bancárias das empresas do grupo são consolidados (de forma efectiva e não meramente virtual, como sucede no cash pooling nocional) numa única conta centralizadora. Estas operações traduzem-se, na prática, numa forma de concessão ou obtenção de créditos entre as várias empresas do grupo.

Este sistema é objecto de tributação pela verba 17.1.4 da TGIS, por se tratar de um crédito "utilizado sob a forma de conta corrente ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável", sendo devido imposto de 0,04% sobre a "média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês divididos por 30”. Lembre-se que o Supremo Tribunal Administrativo afirmou já, no acórdão de 28 de Novembro de 2018 (proc. 06/11.4BESNT 0436/16), que “[A]s operações de cash pooling estão sujeitas à tributação em imposto de selo nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS e verba 17.1.4 da TGIS”.

De resto, o legislador terá assumido expressamente que estas operações constituem formas de concessão e obtenção de crédito e que, como tal, estão abrangidas por aquela norma de incidência, na medida em que previu uma isenção fiscal em sede de imposto do selo para “os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo” (v. alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, prevista no artigo 219.º da Proposta de Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2020 (V. Proposta de Lei n.º 5/XIV, disponível em www.parlamento.pt.).

3.2. Mas o que se discute no âmbito do presente recurso não é a subordinação ou não daquelas operações de crédito a tributação e sim a titularidade passiva da relação jurídica fiscal que está subjacente a esta tributação, mais concretamente, a possibilidade de o imposto ser exigido pela Administração

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Tributária directamente ao titular do interesse económico que, segundo a lei, suporta o encargo do imposto, quando o mesmo não tenha sido liquidado e pago pelo sujeito passivo.

E sobre este ponto importa esclarecer que, pela natureza dinâmica e mutável desta forma de concessão de crédito, segundo a qual os papeis de concedente de crédito e de beneficiário do mesmo podem, em tese, inverter-se a cada período de consolidação de saldos (é que a concessão de crédito, não podemos esquecer, resulta neste caso da cobertura de défices de tesouraria ou da transferência dos respectivos excedentes), a determinação do sujeito passivo e do titular do interesse económico apenas podem resultar de convenção, ou seja, do que no âmbito daquela sui generis relação de crédito se entenda qualificar como concedente de crédito e como titular do interesse económico. Em outras palavras, depende da qualificação que, naquela especial relação financeira, se convencione para o titular da conta centralizadora (concedente de crédito ou beneficiário do mesmo).

3.2.1. Do já mencionado relatório de inspecção tributária transcrito no ponto 9 da matéria de facto consta o seguinte: “[D]e acordo com o artigo 3.º do CIS, o imposto constitui encargo do titular do interesse económico que, no caso das concessões de crédito, por aplicação da alínea f) do n.º 3 desse artigo, se considera ser o utilizador dos créditos, ou seja, a sociedade A……… II.

Dado que a B………. II não fez a liquidação do imposto do selo em tempo oportuno, e uma vez detetada a falta, deve o respetivo montante ser exigido à entidade que legalmente suporta o encargo, que neste caso é a sociedade A…… II, a qual, desde que pague o respetivo montante no prazo que lhe vier a ser fixado, não ficará sujeita a qualquer penalidade porque não recaía sobre si a obrigação de liquidação”.

No essencial, o que os serviços de inspecção tributária afirmaram aquando do procedimento inspectivo que realizaram à Recorrida, e que está na base do

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acto tributário impugnado, foi que existia um facto tributário (a concessão de crédito no âmbito da operação de cash pooling) que não havia sido objecto de tributação por parte do sujeito passivo legalmente obrigado a realizar aquela liquidação – no caso, a sociedade B……. II, por ser a sociedade que assumia a posição dominante no grupo – e que a liquidação daquele imposto em falta (respeitante às operações de 2008) ainda estava em tempo de poder ser feita, nada obstando juridicamente à liquidação directa do imposto em falta à A……… II, por ser ela a entidade legalmente obrigada àquele encargo e, como tal, também sujeito da relação jurídica tributária.

3.2.2. A sentença recorrida rejeitou esta tese considerando que

“(…) À Impugnante cabe apenas, em sede de IS, o encargo do imposto, ou seja, é esta entidade que suporta, efectivamente, o valor do imposto em causa, pese embora o dever de o liquidar e entregar ao Estado recaia sobre a sociedade concedente do crédito – in casu, a sociedade “B…….. II – ………., S.A. Pelo que, não impende sobre a Impugnante qualquer dever de liquidar e pagar o IS em causa ao Estado, o que resulta, desde logo, da alínea a) do n.º 4 do art. 18º da LGT que expressamente refere que não é sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”. Ora, de acordo com o disposto no n.º 3 do referido art. 18º da LGT, o sujeito passivo “é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável”. Por conseguinte, não sendo a Impugnante o sujeito passivo do IS em causa, não está naturalmente vinculada ao cumprimento da prestação tributária considerada em falta pela Autoridade Tributária, não lhe podendo ser exigido o seu pagamento por esta, mesmo com o fundamento na falta de entrega do imposto por parte do sujeito passivo. Repare-se que, nem o Código do Imposto do Selo nem a Lei Geral Tributária consagram uma qualquer responsabilidade solidária ou subsidiária que faça

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recair sobre as pessoas e entidades identificadas no art. 3º do CIS como titulares do interesse económico a obrigação de liquidar e entregar o imposto ao Estado, ou sequer que permita à Autoridade Tributária exigir-lhes o pagamento quando este não é efectuado pelo sujeito passivo. Pelo que, a Autoridade Tributária violou manifestamente a lei quando, errando na interpretação e aplicação da norma de incidência subjectiva do imposto em causa, procedeu à liquidação do IS à ora Impugnante, exigindo desta o seu pagamento ao invés de o fazer ao sujeito passivo da relação tributária que nasceu do facto que procura tributar (…)”.

E é contra este entendimento que se insurge a Recorrente no âmbito do presente recurso, considerando que a interpretação sufragada pela sentença recorrida consubstancia uma interpretação errada do disposto no artigo 3.º do CIS e da relação jurídica tributária em que baseia o imposto do selo, por assentar na ideia de que está aqui em causa uma repercussão legal do encargo do imposto e não um caso de substituição fiscal, o que determinaria que nenhuma relação jurídica tributaria se pudesse estabelecer entre a Administração Tributária e os titulares do interesse económico. E tem a Recorrente razão neste caso concreto, pelas razões que passamos a expor.

3.2.2. O imposto de selo é um tributo complexo e heterogéneo, quer pela diversa tipologia de factos tributários sobre que incide (artigo 1.º, n.º 1 do CIS), quer pela diferente estrutura de tributação que pode adoptar, apresentando-se nuns casos como imposto de quota fixa que incide sobre actos e negócios jurídicos e, em outros, como um imposto de quota variável que incide sobre factos tributários mais complexos, como são as operações de crédito aqui em apreço.

Assim, as considerações que se seguem a respeito da especial configuração da relação jurídica tributária aqui subjacente visam exclusivamente o facto

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tributário que está subjacente ao presente recurso, ou seja, as operações tributadas no âmbito da verba 17.1.4 da TGSI que se configurem como operações de crédito do tipo cash-pooling.

3.2.2.1. A tributação daquelas operações repousa, maioritariamente, num mecanismo de substituição fiscal imprópria.

Imprópria, na medida em que não existe verdadeira substituição tributária (i. e. não estamos ante a substituição tributária prevista no artigo 20.º da LGT), porque não existe aqui nenhum caso de retenção da fonte, ou seja, não se trata de a entidade financiadora, que é o sujeito passivo (artigo 2.º, n.º 1, al. b) do CIS), reter na fonte uma percentagem do valor concedido a título de crédito para proceder depois à sua entrega ao Estado a título de imposto devido pela sociedade beneficiária; até porque, como bem destaca a Recorrida na sua impugnação e já afirmámos anteriormente, esta é uma operação complexa de fluxos permanentes em que nem sempre se pode dizer que existe um fluxo de financiamento unívoco, ele é “convencionado” (partindo da sociedade mãe, in casu a B………. II, para a financiada, in casu a A……… II).

Mas apesar de imprópria, a relação jurídica aqui subjacente é ainda qualificável como substituição tributária e não como uma mera repercussão legal do encargo fundada numa relação jurídico-privada de cobrança de uma dívida (ou seja, como se de um direito disponível se tratasse). É que o fundamental neste caso é que o legislador fiscal interessa-se por que esta exigência do montante do imposto pelo sujeito passivo ao titular do interesse económico efectivamente se verifique, pois este é ainda um passo complementar da tributação, que, por essa razão, não é alheio à relação jurídica fiscal que se constitui entre a Administração Tributária e o sujeito passivo. Diremos que, impropriamente, esta relação jurídica tributária também se estende à posição jurídica do titular do interesse económico, sendo a sua posição económica que a tributação visa atingir e, nessa medida, o sujeito passivo surge aqui interposto com carácter

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funcional equivalente ao do substituto tributário nos casos de retenção na fonte.

É essa a razão pela qual o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 23 de Março de 2015 (processo 1080/13), considerou, com arrimo na doutrina nacional, que a liquidação do imposto do selo pelo notário se devia qualificar como uma “substituição fiscal sem retenção” e, por essa razão, naquele caso entendeu que existindo “cobrança em falta da prestação tributária através de liquidação adicional, a única solução materialmente correcta é a de responsabilizar o substituído pelo tributo, desonerando o substituto de qualquer responsabilidade, posto que este tenha empregue na tarefa da cobrança a diligência que dele se deve esperar, pois que não chegou a produzir-se a oneração do contribuinte que é o fim visado por lei atento o seu interesse económico e a sua capacidade tributária”.

3.2.2.2. Resulta desta construção legal, presente, em certa medida, no aresto do Supremo Tribunal Administrativo antes mencionado, que também nestes casos de substituição fiscal imprópria existe, juridicamente, mais do que um obrigado ao pagamento da obrigação tributária: i) existe aquele sobre quem a lei faz incidir directamente a obrigação do imposto, i. e., o sujeito passivo (embora também aqui possamos dizer que, na verdade, ele está a cumprir, de forma imprópria, a obrigação tributária de um terceiro pois a lei obriga-o a repercutir o encargo sobre o titular do interesse económico); e ii) existe aquele que a lei impropriamente responsabiliza pelo cumprimento da obrigação tributária, por via da necessidade de ser constituído sobre ele o encargo do imposto por parte do sujeito passivo.

3.2.2.3. Não se trata, como bem sublinha o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, de diferenciar entre obrigação jurídica do imposto e mera repercussão do mesmo, pois não é isso que sucede no âmbito da relação

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jurídica do imposto do selo que estamos a analisar. O titular do interesse económico não é – juridicamente – alguém que esteja “fora da relação jurídica tributária” e que apenas suporte o encargo do tributo por via de repercussão económica. Pelo contrário, estamos perante um elemento da relação jurídica tributária, só que não é a ele que directamente se exige o cumprimento da obrigação de imposto. Ele é “substituído” pelo sujeito passivo, de forma imprópria, uma vez que o sujeito passivo satisfaz a obrigação tributária com verbas suas e só depois é que transporta aquele encargo para a esfera jurídica do titular do interesse económico.

3.2.3. Ora, ao admitir-se que o titular do interesse económico ainda integra a relação jurídica tributária e que o legislador visa constituir sobre ele (sobre a sua situação económica) o encargo do imposto, ainda que impropriamente, ou seja, por via da interposição do sujeito passivo, então nada impede que nos casos em que aquele não cumpra os seus deveres legais de liquidação do imposto, a Administração Tributária possa exigir-lhe directamente o imposto em falta.

É a esta construção normativa que se subsumem as operações de concessão de crédito através do sistema de cash pooling efectivo ou físico (por oposição aos sistemas virtuais ou nocionais) aqui apreço, dada a circunstância, como vimos, de as posições jurídicas de sujeito passivo e titular do interesse económico resultarem de meras convenções, uma vez que ambos assumem, na prática, reciprocamente, as duas titularidades de forma cambiante e permanente, resultando da lei, de forma convencionada, que a titularidade de sujeito passivo há-de ser atribuída ou reconhecida à entidade titular da conta centralizadora.

Conclusões:

Assim, podemos concluir, relativamente à questão em apreço, que:

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titularidades de sujeito passivo e de titular do interesse económico, resultante de, na prática, estas titularidades serem cambiantes em razão da própria natureza dinâmica das operações de crédito que lhe estão subjacentes, é de considerar que estamos perante uma situação jurídica equiparável a um mecanismo de substituição fiscal imprópria.

- no âmbito desta substituição fiscal imprópria, o titular do interesse económico ainda integra a relação jurídica tributária, uma vez que o legislador visa constituir sobre ele (sobre a sua situação económica) o encargo do imposto, ainda que impropriamente, ou seja, por via da interposição do sujeito passivo. - nestes casos de substituição fiscal imprópria, nada impede que, quando o sujeito passivo não cumpra os seus deveres legais de liquidação do imposto, a Administração Tributária possa exigir, directamente, ao titular do interesse económico, o imposto em falta.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa do processo para a apreciação das questões que o Tribunal a quo deu como prejudicadas.

Custas pela Recorrida [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

*

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2020. - Suzana Tavares da Silva (relatora) – Gustavo Lopes Courinha (com declaração de voto) – Francisco Rothes.

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Votei favoravelmente o acórdão, mas atendendo ao seguinte fundamento, que ora se expõe.

Considero, efectivamente, que a exigibilidade da dívida ao titular de interesse económico e não ao sujeito passivo - tal como identificado no artigo 2.º do Código do Imposto do Selo - configura uma forma muito peculiar de relação jurídica fiscal, a qual apenas pode ser equacionável em situações muito singulares como é a do cenário muito dinâmico do cash-pooling.

Com efeito, a existência de uma substituição fiscal imprópria – como vem sustentado no presente Acórdão, e que melhor designaríamos de substituição fiscal atípica - só pode ser atendida (e entendida) no sentido da existência de uma manifesta singularidade do regime fiscal que lhe vem associado, não podendo, designadamente, partilhar das características de regime tributário que se apontam e enformam as situações de substituição fiscal proprio sensu. É neste especial sentido que votamos favoravelmente o presente acórdão. Lisboa, 19 de Fevereiro de 2020

Gustavo Lopes Courinha.

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