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O samba-enredo carioca e suas transformações nas decadas de 70 e 80 : uma analise musical

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

Mestrado em Musica

0 SAMBA-ENREDO CARIOCA E SUAS TRANSFORMA<;OES NAS DECADAS DE 70 E 80: Uma analise musical.

Carla Made Oliveira Vizeu

(2)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

Mestrado em Mtisica

0 SAMBA-ENREDO CARIOCA E SUAS TRANSFORMAC;OES NAS DECADAS DE

70 E 80: UMA ANALISE MUSICAL.

Carla M• de Oliveira Vizeu

Prol:Or.JOaikber:to Zan

-orientador •

Campinas, 2004.

3

Disserta<;ao apresentada ao curso de Mestrado em Mtisica do Instituto de Artes da UNICAMP, como requisito parcial para obten9ao do grau de Mestre em Mtisica sob a orienta9ao do Prof. Dr. Jose Roberto Zan.

(3)

V839s

FICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IA. -UN! CAMP

Vizeu, Carla.

0 samba-enredo carioca e suas transforma<;;5es nas decadas de 70 e 80. Uma analise musical. I Carla Vizeu. - Campinas,SP: [s.n.], 2004.

Orientador: Jose Roberto Zan.

Disserta<;;ao(mestrado)- Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes.

I. Samba-enredo. 2. Escola de samba. 3. Analise musical.

I. Zan, Jose Roberto. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Titulo.

(4)

AGRADECIMENTOS

A

CAPES; pelo patrocfnio de nove meses desta pesquisa. Ao Institute de Artes- UNICAMP.

A todos os funcionarios deste Institute, em especial a: Cidinha (Coordenadoria de Graduac;ao -Musica), as Teresas (-Musica), Jayme (P6s-Graduac;iio), Cida e Vivien. (Diretoria).

A mens pais e minha familia, que incentivaram e apoiaram minha escolha, apesar dos receios.

A meu marido, Rodrigo Drummond, que, entre outras coisas, varias pesquisas de campo empreendeu COIIllgO.

Aos amigos Andre Batalha e Fabio Saito, pelo apoio tecnico ( edic;iio das partituras e irnpressiio ). A meus amigos, que ajudaram como puderam, principalmente ouvindo meus delfrios e agiientando meus maus humores nos momentos diffceis. Gostaria de citar alguns (sem ordem de irnportil.ncia!): Alessandro Penezzi, Lucilda Sales, Weber Reis, Carolina Scatolin, Catia Urbanetz, Carolina Vivaldi e Budi Garcia.

A

LIESA, especialmente ao Dr.Hiran Araujo e ao Fernando Araujo, pelo livre acesso a seu arquivo e pelas conversas elucidativas que trouxeram muitas informa(i5es inexistentes nos livros.

A Rachel V aienc;a e Alexandre Medeiros, pela confian({a com que abriram suas casas para que eu pudesse pesquisar seus arquivos (literario e sonoro) e pelas muitas duvidas respondidas.

(5)

RESUMO

0 objetivo desta dissertac;ao

e

verificar as transformac;oes ocorridas no samba-enredo durante as decadas de 70 e 80 e as possfveis influencias do processo de racionaliza<;ao da festa carnavalesca e do desfile das escolas de samba sobre esta musica, levando em considera<;ao a entrada e consolida<;ao desta no mercado fonografico no perfodo. Apresenta tambem urn breve hist6rico das escolas de samba, alem de considera<;;5es sobre as mudan<;as na industria cultural brasileira dos anos 70 e 80.

(6)

INDICE

Introdu<;:ao 15

Capftulo I : Carnaval e escolas de samba 19

Capftulo II: 0 Samba-enredo 45

Capftulo III: As decadas de 70 e 80 57

Capftulo IV - Metodologia e resultados 77

Considera<;:oes fmais 109

Anexos 113

Bibliogtafia 299

(7)

INDICE DE TABELAS

T ABELA I Dados comparatives das informa<;:6es dadas pelas fie has tecnicas 84

T ABELA 2 - Aspectos formais 87

T ABELA 3 - Frases conclusivas e suspensivas 94

TABELA 4 -Andamento 100

TABELA 5- Distribui<;:iio das notas fmais (N. F.) das "chamadas" em cada samba (Sb) 104 TABELA 6 - Distribuic;:iio das notas fmais (N. F.) das "reiterac;:oes" em cada samba (Sb) 106

(8)

INDICE DOS ANEXOS

Sb 01 - Lendas e rnisterios da Amazonia Sb 02- Festa para urn rei negro

Sb 03- Alo, alo tal Carmen Miranda Sb 04- Lendas do Abaete

Sb 05-0 rei de fran<;:a na Ilha de assombra<;:ao Sb 06- 0 segredo das minas do Rei Salornao Sb 07- Sonhar com rei da leao

Sb 08- Vov6 e o rei da Saturmilia na Corte Egipciana Sb 09- Cria<;:ao do mundo na tradi<;:ao nago

Sb 10- Descobrirnento do Brasil

Sb 11-0 sol da meia-noite: uma viagem ao pals das maravilhas Sb 12-0 teu cabe1o nao nega

Sb 13- Bumbum paticumbum prugurundum Sb 14- A grande conste1a<;:ao das estrelas negras Sb 15- Yes, n6s temos Braguinha

Sb 16- Ziriguidum 2001 9 113 125 133 . 141 149 161 173 185 197 209 221 233 243 259 273 289

(9)

INDICE DOS FONOGRAMAS - CD ANEXO

Faixa 1: Homenagem Carlos Cacha<;a

Faixa 2: Paz universal- Silas de Oliveira/ Mano Decio da Viola

Faixa 3: 61 anos de Republica- Silas de Oliveira/ Mano Decio da Viola Faixa 4: Aquarela Brasileira- Silas de Oliveira

Faixa 5: Cinco bailes da hist6ria do Rio- Silas de Oliveira/ Ivone Lara/ Bacalhau Faixa 6: Epopeia do samba- BaJa/ Duduca/ Jose Emesto Aguiar

Faixa 7: Chica da Silva Noel Rosa de Oliveira/ Anescarzinho Faixa 8: Lendas e rnisterios da Amazonia Catoni! Jabol6/ Valtenir Faixa 9: 2- Festa para urn rei negro - Zuzuca

Faixa 10: Al6, al6, taf Carmem Miranda- Heitor Achiles, Wilson Diabo/ Maneco Faixa 11: Lendas do Abaete Preto Rico/ Jaja/ Manuel

Faixa 12: 0 rei de Fran<;a na Ilha de Assombra<;iio-

ze

Di/ Malandro

Faixa 13: -0 segredo das minas do rei Salorniio - Nininha/ Dauro Ribeiro/

ze

Pinto/ Mario Pedra Faixa 14: Sonhar com rei da 1eiio- Neguinho/ G.R.E.S. Beija-Flor de Nil6polis

Faixa 15: Vov6 eo Rei da Saturnalia na Corte Egipciana- Savinho da B.F./ Luciano da B.F. Faixa 16: Cria<;;iio do mundo na tradi<;iio Nag6- Neguinho daB. F./ Mazinho/ Gilson

Faixa 17: Descobrimento do Brasil- Toco/ Djalma Cril

Faixa 18: 0 sol da meia-noite: urna viagem ao pais das rnaravilhas -

ze

do Maranhao/ Wilson Bombeiro/ Aluizio

Faixa 19: 0 teu cabelo niio nega -Gibi/ Serjiio/

ze

Catimba

Faixa 20: Bumbum paticumbum prugurundum- Beto sem Bra<;;o/ Alufsio Machado Faixa 21: A grande constela<;iio das estrelas negras- Neguinho daB. F./ Nego

(10)

Faixa 22: Yes, n6s temos Braguinha- Jurandir/ Helio Turco/ Comprido/ Arroz/ Jaja Faixa 23: Ziriguidum 2001- Gibil Tiaozinbo/ Arsenio

(11)

LIST A DE FIGURAS Sb OJ - partitura Sb OJ -esquema rftmico-rnel6dico S b 02 - partitura Sb 02 esquema rftmico-mel6dico Sb 03 partitura Sb 03 -esquema rftmico-mel6dico Sb 04- partitura Sb 04- esquema rftmico-mel6dico S b 05 - partitura Sb 05 - esquema rftmico-mel6dico S b 06 - partitura Sb 06- esquema rftmico-mel6dico Sb 07 - partitura Sb 07 -esquema rftmico-mel6dico Sb 08 - partitura Sb 08 -esquema rftmico-mel6dico Sb 09 - partitura Sb 09- esquema rftmico-mel6dico Sb I 0 - partitura Sb 10 - esquema rftmico-mel6dico Sb 11 - partitura 114, 115, 116 1J7, 118,119,120 J26, J27 J28, 129 134, 135 136, 137 142, 143 144, 145 150, 151, 152 153, 154, 155 162, 163, 164 165, 166, 167 174, 175, 176 177, 178, 179 186, 187, 188 189, 190, 191, 192 198,199,200 201,202,203 210, 211, 212 213, 214, 215 221,222,223

(12)

Sb 11 -esquema rftmico-me16dico Sb 12- partitura Sb 12- esquema rftmico-me16dico S b 13 - partitura Sb 13 -esquema rftmico-me16dico Sb 14- partitura Sb 14 esquema rftmico-mel6dico S b 15 - partitura Sb 15 - esquema rftmico-mel6dico Sb 16 - partitura Sb 16- esquema rftmico-mel6dico 225,226,227 234, 235 236,237 244,245,246,247 248,249,250,251,252,253 260,261,262 263,264,265,266,267 274,275,276 277,278,279,280,281,282 291,292 293,294 13

(13)

INTRODUCAO;

As escolas de samba sao agremia.;:oes que se apresentam todo ano no camaval em urn desfrle competitivo, no qual urn tema

e

contado pelos participantes atraves do canto, das fantasias usadas pelos participantes e dos carros aleg6ricos 1 Esse des file

e

atualmente uma das maio res manifesta.;:oes do carnaval brasileiro, tendo seu maior destaque no Rio de Janeiro. Fundadas no final da decada de 20, as escolas de samba ganharam destaque na decada de 50, tendo posteriormente subjugado outras manifesta<;:6es, como os Ranchos e as Grandes Sociedades, ate tornarem-se o principal atrativo do carnaval carioca.

A musica caracterfstica desse evento e o samba-enredo, que canta o tema ( enredo) apresentado pela escola na avenida. Essa modalidade de musica popular nao nasceu no mesmo momenta em que surgiram as escolas; nos prirneiros desflles, os sambas cantados nem sempre tinham rela.;:ao com o enredo. Nao se pode afirmar com precisao qual foi o primeiro samba-enredo da hist6ria, alguns exemplos datam da decada de 30 e 40. Foi somente em 1952 que passou a ser exigido pelos regulamentos do concurso a rela<;:ao samba!enredo.

As escolas de samba ja foram objeto de estudo de algumas areas, como a antropologia, as ciencias sociais, a literatura e as artes plasticas. Porem, pouco se falou da musica desta manifestac;ao. 0 objeto desta pesquisa e exatamente esta musica, o samba-enredo.

0 samba-enredo sofreu diversas transforma.;:oes ao Iongo de sua existeucia. Hoje faz parte do "maior show da terra", urn megaespetaculo meticulosamente organizado, que mobiliza urn grande contigente pessoas durante todo o ano para que ele aconte<;:a, movirnentando elevadas quantias de dinheiro em diversos setores da sociedades.

1

Carras aleg6ricos sao gigantescas esculturas construfdas sabre vefculos, feitas para ilustrar o enredo contado pela escola, sabre os quais desfilam integrantes da escola.

(14)

Ao Iongo do tempo, as escolas de samba passaram de pequenas manifesta.;;oes populares- feitas ern sua maioria por determinadas comunidades - a institui<;5es de grande porte - com participa<;ao cada vez maior de turistas e integrantes provenientes de diferentes camadas sociais. 0 que se ve hoje em dia no Rio de Janeiro, e ja hi algum tempo,

e

urn desfile cada vez rnais produzido para turistas, povoado de lugares-comuns, onde os sambas cada vez mais se parecern. Esta constata<;ao fez surgir a indagaqao que me levou a este estudo: se todo o carnaval sofreu tantas modifica<;5es durante anos, como se comportou a rnusica que

e

a "trilha sonora" diretamente relacionada ao evento?

Para responder a esta questao, este estudo procurou identificar a estrutura dessa musica, as similaridades e diferen<;;as entre suas partes, verificando a existencia de possfveis padr5es e as rnudan9as ocorridas ao Iongo do perfodo estudado. Isto foi feito atraves uma anaJ.ise descritivo-comparativa dos aspectos rftmico-rne16dicos, da harmonia, instrumenta<;ao, forma e andamento de 16 sambas das escolas cariocas campeas do perfodo de 1970 a 1985. Porter surgido no Rio de Janeiro, julguei rne!hor localizar o estudo do genero nesta cidade. A escolha de sambas das escolas campeas foi feita por elas terem no samba-enredo urn rneio para atingir seu objetivo: veneer o concurso, ganhando o premio e a proje<;ao tanto dentre suas concorrentes quanto na midia. 0 samba-enredo, quando aJcan<;a este objetivo, torna-se consagrado.

A pesquisa pretendeu ainda identificar possfveis rela<;5es entre os processos de racionaliza<;iio, cornercializa<;ao e subordina<;ao da festa carnavaJesca

a

16gica empresariaJ, processo este que estou definindo como industrializayiio do carnavaJ, com as transforma<;6es do samba-enredo. 0 processo de "industrializa<;;ao" do carnavaJ se aprofundou e consolidou a partir da decada de 1970, o que justifica a escolha do perfodo (1970- 1985). Nele ocorrerarn fatos que rnarcararn tanto a hist6ria do Brasil, que vivia o auge da ditadura militar, quanto a das escolas de samba do Rio de Janeiro, que sofriarn grandes mudan<;;as em sua estrutura. Como exemplos dessas mudan<;as, podemos citar o gigantismo (crescirnento desenfreado do numero de seus integrantes), a participa<;;iio cada vez maior de turistas nas

(15)

escolas, a transforma<;ao dos ensaios em bailes para estes turistas, a cria<;ao dos discos anuats de samba-enredo, alem de uma participa<;ao mais efetiva dos bicheiros2 nas escolas.

0 aspecto literario tambem foi levado em considera<;ao nas analises, ja que no decorrer da pesquisa fui percebendo que seus elementos mais relevantes nao sao exclusivarnente os musicais. Os pr6prios quesitos do regulamento do concurso, junto as instru96es dadas aos jurados, indicam quais sao seus aspectos mais relevantes: "Geralmente, sao julgadas a letra e a melodia, surgindo dai a sua contagem de pontos."(Muniz Jr, 1976: 184) "Por samba-enredo deve entender-se Letra do Samba-Enredo. A prirneira preocupa9ao do julgador deve ser se a mesma esta de acordo com o enredo apresentado pela escola." (Alves, 1976: 124) A letra, entao, tern carater fundamental para o entendirnento do samba-enredo.

A disserta9ao esta organizada em cmco capitulos. 0 prirneiro aborda o carnaval, suas caracteristicas e origens, alem de urn pequeno hist6rico do carnaval carioca e sua musica. Nele tambem sao apresentados urn breve hist6rico do samba, alguns fatos marcantes da hist6ria das escolas de samba, alem das origens do sarnba-enredo.

0 segundo capitulo aborda o samba-enredo, suas caracteristicas e ternaticas, e tambem as modifica96es ocorridas em decorrencia da influencia da figura do carnavalesco.

No capitulo tres sao descritos fatos marcantes na hist6ria das escolas de samba e do pais nas decadas de 70 e 80. Nele estao descritas algumas caracteristicas da estrutura literaria do samba-enredo desse periodo e o surgirnento de novas ternaticas nesse periodo.

2 Bicheiro eo agente (banqueiro) de apostas do jogo do bicho. Este jogo foi criado no seculo XIX pelo Barao de

Drummond, com o intuito de aumentar a freqiil~ncia ao Jardim Zool6gico. As pessoas recebiam urn bilhete com urn determinado animal carimbado na entrada. Em certa hora havia urn sorteio e a pessoa cujo animal tivesse sido sorteado

ganhava urn premio. Com o tempo, o jogo se popularizou, mas foi posto na ilegalidade por ser um jogo de azar (Araujo &

J6rio, 1975: 60).

(16)

No capitulo quatro estao descritas as amilises, apresentadas em urn texto que descreve as caracterfsticas gerais da estrutura dessa musica e seu carater de produto da industria fonogr:ifica.

0 capitulo cinco apresenta as considerac;:6es fmais sobre o trabalho, descrevendo as mudanyas ocorridas no samba-enredo e apontando relac;:6es entre estas e o processo de racionalizac;:ao no perfodo estudado.

No anexo constam os esquemas de analise musical, as fichas tecnicas, os esquernas de analises musical, as letras e partituras de cada urn dos sambas-enredo. Tambem consta como anexo urn CD com os sambas analisados e alguns dos sambas citados no decorrer do texto.

Foi levando em considerac;:ao todas essas caracterfsticas que este trabalho foi realizado, com o intuito de responder aos questionamentos colocados ( e levantando muitos outros nesse percurso) e colaborar para o estudo desta marUfestac;:ao tiio irnportante que e o carnaval brasileiro.

(17)

CAPiTULO I ; CARNAYAL E ESCOLAS DE SAMBA

0 camaval

A humanidade, em seus prim6rdios, tinha sua percepc;:iio de tempo relacionada aos ciclos naturais, como as estac;:oes do ano, as colheitas e os ciclos lunares. As sociedades embutidas nessa "circularidade c6smica", na qual os ciclos ocultavam os misterios do sagrado, apresentavam em seus mitos de origem urn fundamento musical (Miranda, 2001: 37).

A essa referenda do tempo cfclico da vida natural, foi-se somando a referenda dos acontecimentos sociais. Com o decorrer do tempo, a sensac;:iio da passagem regular das estac;:oes cfuruiticas e as caracterfsticas naturais do eiclo biol6gico

e

acrescida por fatores que inclufam os eventos da sociabilidade humana. Em todo esse processo, a festa sempre representou importante papel na marcac;:iio do tempo (Miranda, 2001: 38).

Uma das festas mais antigas que se conbece

e

o carnaval, que tern como principal caracterfstica ser o momento em que o tempo da festa 1 se instala em contraposic;:iio ao da ordem funcional da sociedade. Mesmo sendo este momento, ha muito, rigorosamente limitado pelas instituic;:oes oficiais, nele nada, ou quase nada,

e

impossfvel (Augras, 1998: 15).

Ha

uma aparente aproximac;:iio de opostos sociais no congrac;:amento de folioes, as fantasias vern

a

tona, cria-se outra realidade, como em urn jogo que, neste limitado perfodo, toma-se vida real: "0 camaval e a segunda vida do povo, baseada no princfpio do riso.

E

a sua vida festiva" (Bakhtin, 1996: 7).

E

urn evento que desorganiza a normalidade do cotidiano partindo de uma perspectiva que altera o sentido oficial dos fatos (Miranda, 2001: 64).

Sobre o camaval e suas origens, muito ja foi cantado pelos sambas camavalescos:

'Caiu dos olhos da vov6, Ia lain lain uma lngrima sentida lembrando imagens de crian~a do velho tempo que passou

0 seu pranto

e

colorido nas vivos cores da televisao

1 Termo utilizado por Dilmar Miranda (2001).

(18)

que hoje assiste recordando formosos Ranchos e Grandes Sociedades

0 esplendor da noite como era Iindo "A presen~a do dia"

A "Corte Egipciana·, enredos de nostalgia Nao chore nao, vov6, nao chore nao, veja quanta alegria dentro da recordac;ao

Relembre a gra~a do Entrudo eo fasdnio do Baile de Veneza; Ia em Roma paga para festejar a primavera

colhiam frutos e faziam orgias que comec;avam ao romper do dia e vinha o Rei no belo carro naval

alegrando a Saturnalia, inventando o carnaval

De Ia pro ca, tudo se transformou mas a vitoria da folia ficou no encanto do meu povo que brinca sambando quando samba a Beija-Fior"

(Vov6 eo Rei da Saturnalia na Corte Egipciana - G.R.E.S.2 Beija-Flor de Nilopolis-1977)

E ainda:

"0 rei mandou cair dentro da folia e Ia vou eu

o sol que brilha esta noite vem da Ilha Iindo sonho que

e

so meu Vem, vem amor na poesia vem rimar sem dor

Na fantasia vem colorir que a vida tem mais cor Vem na magia me beija nesse mar de amor vem me abrac;a mais que eu quero

e

mais o teu corac;ao

Eu vou tomar um porre de Felicidade vou sacudir, eu vou zoar toda a cidade

E

Boi Apis, Ia no Egito, Festa de Isis

E,

Deus Baco, bebe sem magoa voce pensa que esse vinho

e

agua

E

primavera na lei de Roma a alegria

e

que impera

6

que beleza, mascara negra Ia no bai le de Veneza Oi, joga agua que

e

de cheiro, confete e serpentina

2 A sigla G.R.E.S. significa: Gremio Recreativo Escola de Samba.

(19)

Lan~a-perfume no cangote da men ina'

(Festa profana - G.R.E.S. Uniao da llha do Governador- 1989)

Nao e possfvel afll'!l1lll' com certeza data e local de origem da "festa profana", mas

e

recorrente na hist6ria da humanidade a existencia de urn momento eleito pelos homens para divertir-se, extravasar sua alegria com maior liberdade (Eneida, 1958: 8).

Das variadas origens dessa manifestac;:ao cultural, alguns autores defendem que ela parece ter se originado nas antigas festas de comemorac;:ao das colheitas feitas pelos carnponeses em honra aos deuses (Valenc;:a, 1996: 9). Tarnbem esta relacionada aos cultos egfpcios a deusa Isis, assim como as venerac;:oes a divindades hebraicas, ao culto ao Deus Dionisio na Grecia, as Saturnalias romanas, tendo carater sensual, apresentando danc;:as, mascaras e mtisicas barulhentas (Eneida, 1958: 8).

Durante a Idade Media, a festa paga foi absorvida pelo calendario littirgico na criac;:ao do calendario gregonano, acontecendo imediatarnente antes da quaresma (Miranda, 2002: 46-48). 0 camaval sofreu certa censura da Igreja, que s6 o tolerava com a justificativa de que esse sena o momento de despedir -se dos prazeres mnndanos antes da Quaresma, perfodo no qual os fieis faziarn pertitencia (V alens;a, 1996: 9).

Sendo o foco desta pesquisa o sarnba-enredo carioca, devemos agora descrever como era o carnaval que chegou ao Rio de Janeiro, ainda na epoca colortial, e como ele evoluiu ao Iongo do tempo.

0 carnaval carioca e sua musica

0 camaval brasileiro que hoje conbecemos tern suas raizes em tradic;oes de origem europeia e africana. A mtisica produzida especificarnente para o evento s6 comec;:a a surgir nos tiltimos anos do seculo XIX (Tinhorao, 1974: 105). Mas a festa paga em terras brasileiras comec;:ou bern antes disso.

0 Rio de Janeiro, capital do pais desde 1763, era o Iugar de encontro de brasileiros livres e escravos, alem de africanos vindos diretarnente de seus paises de origem; tarnbem recebia, em maior quantidade, as novidades europeias (Cabral, 1996: 19). Era Ia tarnbem que se concentravarn os

(20)

ernigrantes baianos, constituindo, desde a decada de 1870, a segunda maior colonia de ernigrados da capital do pais3 Este "caldeirao" de influencias certamente propiciou a grande diversidade de festejos mornisticos apresentados pela cidade desde meados do seculo XIX ate hoje.

Durante os primeiros seculos da colonizac;ao, o carnaval carioca restringiu-se apenas

a

pratica do Entrudo. Trazido pelos portugueses, dominou a cidade (eo pais) durante tres seculos. [XVII a inicio do XX] (Eneida, 1958: 16). 0 Entrudo era uma brincadeira individualista, festejado em casa pelas farnilias e nas ruas pe1os escravos e a rale, que saiam pelas ruas atirando uns nos outros lim6es de cheiro e agua, entre outras coisas. Quando, porem, a estrutura social foi se modificando e deu-se o surgimento de camadas diversificadas, o carnaval passou a ter urn sentido de diversao coletiva. Para tanto, a emergente classe media e a aristocracia criaram brincadeiras inspiradas no carnaval veneziano, como o desflle de prestitos (Tinhorao, 1997: 18; Araujo & J6rio, 1969: 110).

Assim, novas brincadeiras iriam se difundir ao Iongo do novo seculo, que trazia consigo uma nova mentalidade; o Rio era uma cidade que queria "civilizar-se", tendo como modelo as cidades europeias. A recem construfda Avenida Central ( atual Avenida Rio Branco) criava em seus moradores a consciencia de cidadaos moradores numa grande cidade. 0 entrudo portugues foi desaparecendo lentamente, dando Iugar a brinquedos mais condizentes com essa mentalidade (Eneida, 1958: 28).

Na virada do seculo, o carnaval se apresentava dividido em dois grupos: o Grande e o Pequeno Carnaval. As brincadeiras coletivas das elites constitufam o "Grande Carnaval", composto principalmente pelas Grandes Sociedades, representado tambem pelos Bailes de Mascaras e os Corsos. As Grandes Sociedades deixaram como heranc;a para as esco1as de samba exatamente o que tinham de mais interessante os seus prestitos ou carros aleg6ricos (Cabral, 1996: 21).

Em oposic;ao ao Grande Carnaval, o povo tambem diversificou suas formas de festejar em meados do seculo XIX. Formado por agruparnentos das classes mais pobres da populac;ao, os cord6es,

3

(21)

os ranchos e os blocos eram os principais representantes do Pequeno Carnaval (Cabral, 1996: 24). Em entrevista dada ao cronista carnavalesco Vagalume, o baiano Hilario Jovino Ferreira - urn destacado personagem da hist6ria do carnaval carioca - inforrnava por quem era feito o pequeno carnaval de 1894: "Pelo cordao dos Velhos, pelos ze-pereiras e pelos dois Cucumbis da Rua Joao Caetano e da Rua do Hospfcio (depois rua Buenos Aires)" (Cabral, 1996: 24).

Aqui nos interessa descrever as manifesta~6es que tiveram algurna influencia sobre as escolas de samba, servindo de modelo em certos aspectos. Destacamos assim os ranchos, os cord6es e os blocos.

Jota Efege em seu "Ameno Reseda, o rancho que foi escola" aponta a origem dos ranchos nos pastoris (Efege, 1965: 19). Pastoris sao dan~as e cantos realizados na epoca do Natal em homenagem ao Deus Menino, nos quais seus integrantes faziam cortejo em pra~as publicas ou em visitas a presepios, cantando e dan~ando ou representando autos natalinos (Araujo, 1967: 173-174; Camara Cascudo, 1988: 662). Seu cariiter sacro foi se profanando ao Iongo do tempo.

Nos ranchos, o cariiter sacro da rnarUfesta~ao foi profanado mais do que nos pastoris, nos quais a origem sacra ganhou contomos recreativos de urna concepc;:ao aleg6rica (Efege, 1965: 19). Foram trazidos do nordeste pelos baianos, provenientes de nucleos rurais nos quais se realizavam os ranchos de Reis. Os baianos da Saude criaram por volta de 1870 os primeiros ranchos cariocas, adaptando a rnarUfestac;:ao fo1c16rica

a

festa citadina do carnaval (Tinhorao, 1997: 19).

Em 1872, quando da chegada de Hilario Jovino Ferreira, jii existia pelo menos urn rancho no Rio de Janeiro: o "Rei de Ouros", conforme ele mesmo confessou ao cronista carnavalesco Vagalume em entrevista ao Diario Carioca, em fevereiro de 1931. (Efege, 1965: 76). Hilario fez hist6ria quando, tendo fundado o rancho "Dais de Ouros", resolveu sair nao mais no dia 6 de janeiro, como era o costume herdado dos pastoris, mas nos dias de carnaval, provavehnente em 1893 ou 1894. (Tinhorao,

1990: 213)

(22)

Os ranchos desfuavam pelas ruas "com foli6es representando pastoras e pastores em roupas de cores vivas, e que, a caminho da lapinha, dan9avam e cantavam carnavalescamente chulas ao som de violao, viola, cavaquinho, ganza e prato raspado com faca4, tendo

a

frente a figura do bicho de que

tiravam o nome ( ... ), mais o mestre-sala, porta-bandeira, porta machados, balizas 'e ainda urn ou dois personagens que lutam com a figura principal que da nome ao rancho"'. 5 0 mesmo aut or acrescenta que nesse tempo as pastoras ainda eram denominadas saloias, indicando a origem portuguesa dos pastoris baianos (Tinhorao, 1990: 213-214). Iniciavam sen desfile na Pedra do Sal, passando tradicionalmente por casas de pessoas importantes, como as casas das tias baianas - citando duas conhecidas historicamente: tia Bebiana e Tia Ciata na Cidade Nova - ate atingir o local de apresentas;ao, o Largo de Sao Domingos - desaparecido em 1942 com a construs;ao da Avenida Presidente Vargas (Valens;a, 1996: 32).

A hist6ria dos ranchos tern urn marco muito importante em 1907: a funda<;:iio do "Rancho-Escola Ameno Reseda", que, segundo Tinhorao, destacou-se por ser feito nao mais pelos nucleos de trabalhadores nao qualificados baianos mas pelos da classe media carioca ligada ao funcionalismo publico e ao trabalho qualificado em fabricas de tecidos e no Arsenal da Marinha (1990: 215). 0 Ameno Reseda introduziu importantes mudans;as na estrutura do desfue, como a desvinculas;ao dos moldes afro-religiosos, a escolha de urn tema [emedo], a utiliza<;:iio de uma concep<;:iio aleg6rico-musical. Diferenciou-se em muito tambem de seus co-irmiios na musica da qual se fazia acompanhar, fazendo urn desfile cadenciado ao som de marchas lentas, cujas melodias cantavam versos rebuscados (Efege, 1965: 22). Tinhorao acrescenta que esse rancho trazia em suas marchas a parte mel6dica mais

4 E

sabido que nos ranchos tam bern eram utilizados instrumentos de sopro, como flauta e clarinete (Almeida, apud

Eneida, 1958: 138)

5 A ultima parte da frase faz parte da entrevista dada ao au torpor Getulio Marinho, em 1962. Ver Tinhorlio, 1990:

(23)

valorizada (1990: 215). 0 rancho estreou no carnaval de rua carioca de 1908 apresentando orquestra de vinte participantes, com set;ao de sopros e coro de pastoras a varias vozes, cantando urn repert6rio de catorze marchas, algumas aproveitando trechos da opera II Guarani, de Carlos Gomes, e da opereta A Gueixa, de Sidney Jones (Tinhorao, 1990: 216).

Os ranchos sobreviveram durante algum tempo, tendo sua popularidade subjugada pela das escolas de samba, que deles herdaram varias caracterfsticas, abordadas posteriormente.

Os cordoes, segundo Tinhorao, surgiram no correr do seculo XIX como uma forma rnais

disciplinada de brincadeira para fugir das perseguic;oes policiais ao .Entrudo, apresentando-se como uma paganizat;ao das procissoes feita pelo povo (1974: 107). Sao considerados pelo mesmo autor como os prirneiros micleos de criadores da autentica musica de carnaval. Sua origem pode ter sido a festa de Nossa Senhora do Rosario, nos tempos de colonia (Rio, apud Eneida: 1958: 123; Tinhorao, 1974: 107).

Seus foli6es avanc;avam pelas ruas de maneira anarquica, brincado fantasiados ao som de instrumentos de percussao, conduzidos por urn mestre que comandava o grupo com urn apito6. Alguns personagens eram comuns, como os velhos, palhac;os, reis, rainhas e diabos, entre outros. Os velhos cantavam marchas lentas e ritmadas, enquanto os palhac;os cantavam chulas em ritmo acelerado (Almeida apud Eneida, 1958: 121-123).

0 compositor Getulio Marinho, o Amor, falou sobre a musica dos cordoes em entrevista a Jose Ramos Tinhorii.o : "Havia tres tipos de chulas: a chula de palhat;o de circo, como o do "6 raia o sol! suspende a lua! viva o palhat;o/ que esta na rua"7; chula de palhac;o de guizos, que safa em cordao de

velho cantando ao som de carnisii.o, pandeiro grande e tamborirn; a chula raiada, que ia dar o samba

6

Talvez esta figura seja o antepassado do atual mestre de bateria, que tambem conduz sua "orquestra" com urn

apito.

7

E

interessante destacar que estes versos podem ser encontrados em urn samba da G.R.E.S. Portela de 1980, que

tern como tema o circo.

(24)

raiado, ou samba do partido alto,

a

base de flauta, violiio, cavaquinho e ritmo de prato raspado com faca, pandeiro e palmas." (1990: 21 0).

Sobre essa musica

e

necessaria fazer alguns esclarecirnentos. A chula, segundo Tinhorao, pode ter sido uma das precursoras do samba. Em entrevista dada ao autor, Joao da Baiana afirma: "Antes de fala (SIC) samba, a gente falava chula. Chula era qualquer verso cantado. Por exemplo. Os versos que os palha~o cantava (SIC) era chula de palha~o. Os que saia (SIC) vestido de palha~o nos cordao-de-velho tinha (SIC) as chula de palha~o de guizo. Agora, tinha a chula raiada, quer (SIC) o samba do partido alto. Podia chama (S/C)chula raiada ou samba raiado. Era a mesma coisa. Tudo era samba do partido alto." (1990: 211).

Nei Lopes, ap6s discutir as manifesta~6es musicais de ongem negra em seu livro sobre o assunto, apresenta as seguintes defini~6es:

"CHULA. s.f. Especie de samba baiano tambem

a

base de solo e coro, porem de melodia mais complexa e extensa que a do samba rural comum. Diz-se tambem da parte solada desse samba.

CHULA RAIADA. Diz-se da chula na qual se entremeiam, ao sabor do entusiasmo da fun<;ao, versos da tradi~ao popular.

SAMBA RAIADO. 0 mesmo que chula raiada ou samba chulado.

SAMBA CORRIDO ou SAMBA DE PRIMEIRA. Samba ja sem refrao, mas ainda sem a segunda parte fixa que caracteriza o samba urbano de consumo de massa. Onde deveria estar a segunda parte, entram solos ad libitum.

PARTIDO-ALTO. No passado, especie de samba instrumental e ocasionalmente vocal (feito para dan~ar e cantar), constante de uma parte solada, chamada "chula" (que dava a ele tambem o nome de samba-raiado ou chula-raiada) e de urn refrao (que o diferenciava do samba corrido)" (1992: 51).

0 autor ainda destaca que o samba corrido e aquele que existia nas "prirnitivas escolas de samba" (1992: 51).

(25)

Os blocos eram fonna<;oes carnavalescas que uniam folioes para brincar livremente na rua. Parece que foram eles os herdeiros dos cordoes, nurna busca dos folioes por urna maneira mais simples de brincar o carnaval. Havia blocos de fonna<;:iio mais aberta, geralmente denominados "blocos de sujo", e os blocos mais fechados, os "blocos comunitarios". Nestes ultirnos, urn samba era tocado por urna bateria fonnada s6 por instrumentos de percussiio, tendo sua prirneira estrofe cantada pelas pastoras e a segunda parte irnprovisada pelos mestres de canto, pnitica que foi herdada pelas escolas de samba. Esta rnanifesta<;;iio sobrevive ate hoje no carnaval de varias cidades brasileiras (Valen<;a, 1996: 40).

Osamba

A rnarcha e o samba sao, de acordo com Jose Ramos Tinhoriio, os generos de musica urbana mais reconhecidos como autenticamente cariocas (1974: 115). Produtos do carnaval, tiveram como origem a necessidade de urn ritmo mais condizente tanto com a cadencia das lentas passeatas dos ranchos quanto com a procissiio desenfreada dos blocos e cordoes (Tinhoriio, 1990: 17 -18).

A origem do termo samba ja foi bastante discutida, mas, atualmente, existe o consenso de que o vocabulo teria vindo de "semba", umbigo em angolano (Miranda, 2001: 283). 0 termo foi utilizado durante muito tempo para designar tanto a dan<;a, a musica, quanto o encontro nos quais eram produzidas essa dan<;;a e essa musica.

0 que nos interessa destacar neste t6pico e o samba urbano carioca como origem do samba-enredo. Nas palavras de Donga, personagem marcante da hist6ria do samba, podemos perceber indfcios de sua procedencia: "0 sarnha niio surgiu comigo. E1e ja existia na Bahia, muito tempo antes de eu nascer, mas foi aqui no Rio que ele se estilizou" (Donga, apud Miranda, 2001: 283).

Num prirneiro momenta, o samba se mostrava urn "estrangeiro" para o Rio de Janeiro, ja que originalmente possuia carater rural, tendo procedencia baiana (Sandroni, 2000: 88).

(26)

Como ja foi falado, a comunidade de baianos no Rio de Janeiro desde 1870 era grande. Os membros dessa comunidade se uniam para receber aqueles que chegavam, para festejar, para realizar seus ritos religiosos. Alguns membros desta comunidade se destacavam: as tias baianas. Eram a viga mestra da comunidade, relacionadas a prole a e as frentes do trabalho comunal - como a religiao; eram "rainhas negras" da regiao que Heitor dos Prazeres charnava de "Pequena Africa", localizada entre a zona do cais do porto ate a Cidade Nova, em torno da Pra~;a Onze (Moura, 1983: 62). Tia Ciata foi a mais famosa delas. Sua casa, situada a rua Visconde de Itauna, perto da Pra~;a Onze, foi apontada por Almirante como o local de nascimento do samba, por ser a casa era urn centro de musica, onde nasceu o polemico "Pelo telefone" (Cabral, 1996: 32). Eo que se tocava nesta casa nos dias de testa? Na sala de visitas acontecia o baile; no qual eram tocados sambas de partido entre os mais velhos e musica instrumental (quando compareciam os musicos profissionais negros); no terreiro, o samba raiado e as vezes as rodas de batuque entre os mais novos (Moura, 1983: 67).

0 samba tambem era cantado na festa de Nossa Senhora da Penha. Festa de origem portuguesa, datada do fmal do seculo XVIII, foi apropriada pelos negros, passando a constar no calendario de festas populares, acontecendo, depois da metade do seculo XIX, em todos os domingos de outubro. Transforrnou-se na principal festividade popular carioca fora dos dias de carnaval, servindo de palco onde os sambistas apresentavam suas composi~;6es, num tempo em que ainda nao havia meios de divulga~;ao, como o radio. Isto passou a atrair musicos e grupos profissionais ou em vias de profissionaliza~;ao para os concursos com patrocinio do comercio e cobertura da irnprensa (Moura, 1983: 71-73).

1917 e urna data que marca a hist6ria do samba: nela foi feito o registro do famoso "Pelo telefone". Antes dele, outras musicas ja haviam sido gravadas sob a denomina~;ao "samba", porem foi ele o estopirn que iniciou o processo no qual o samba adquiriu, como genero musical, a hegemonia das musicas gravadas no Brasil (Cabral, 1996:32). Em urna epoca em que era comum a irnprovisa~;ao dos

(27)

partidos altos, o que propiciava as crial(oes coletivas, criou-se grande alvoroi(O com a atitude de Ernesto dos Santos, o Donga, fllho de uma das famosas tias baianas que abriam suas casas para que seus conterriineos pudessem festejar. Donga registrou "Pelo telefone" como de sua autoria e do jornalista Mauro de Almeida, o Peru dos Pes Frios. De acordo com Moura, o tema do samba teria sido feito numa das rodas de samba na casa de Tia Ciata, como tantos outros. Tinha sua versao inicial como partido, sendo aberto a improvisal(oes, e foi cantado livremente ate 1916 nos pagodes, quando Donga teria !he dado urn desenvolvimento defmitivo com uma letra de Mauro de Almeida (1983: 77).

Mas neste samba e em outros, tanto anteriores, contemporiineos e posteriores a ele, ainda podia-se perceber a influencia do maxixe, genero que teve suas origens na polca e no lundu (Tinhorao, 1974; Sandroni, 2000).

Este samba de carater maxixado ficou conhecido como o samba da "primeira geral(iio de sambistas", tais como Donga, Sinh<\ Heitor dos Prazeres, Joao da Baiana, Caninha, Pixinguinha, entre outros. Sobre eles, uma passagem do livro de Roberto Moura, ja citado, merece ser destacada: "Sinh6 ( ... ) foi o elemento de transil(iiO entre o maxixe ( ... ) eo samba( ... ). Mesclou o samba que nascia como maxixe que resistia as investidas moralizadoras, e criou o samba maxixado, do qual Jura, Gosto que me enrosco, e outros sao exemp1o. Donga seguin seus passos e depois evoluiu musicalmente. Caninha sedimentou-se no tempo e ficou amaxixado. Pixinguinha cresceu e se fez universal. Heitor dos Prazeres, apesar dos esfori(OS, sempre foi amaxixado em todas suas composil(5es de vulto" (Francisco Duarte, apud Moura, 1983: 54).

Porem, uma segunda gera"ao transforrnou esse samba para que ele pudesse adaptar-se

a

novidade carnavalesca que surgia na decada de vinte: as escolas de samba.

(28)

Inovacoes no samba: a formaciio das escolas de samba

Oriundas da jun~ao de elementos dos blocos, cordoes e dos ranchos, as escolas de samba surgiram no fmal da decada de vinte (Augras, 1998; Cabral, 1996; Araujo & J6rio, 1969). Dos ranchos as escolas herdaram, alem da apresenta~ao de urn enredo, a estrutura do desfile: a caminhada como em procissao, o carro abre-alas, a comissao de frente, as figuras de Mestre-sala, Porta-bandeira e Diretor de harmonia (Baliza, Porta-estandarte e Mestre de manobras para os ranchos) sao alguns exemplos. Dos cordoes e blocos vieram seus instrumentos e musica.

0 termo "Escola de Samba" foi utilizado pela prirneira vez pelos compositores do bloco carnavalesco Deixa Falar, fundado em 1928 por compositores jovens do morro do Estacio, como Ismael Silva, Rubem Barcelos e Buci Moreira. Alguns autores defendem a ideia de que o termo tenha sido utilizado com o intuito de conseguir maior aceitao;ao de sua manifesta~ao (Augras, 1998: 24; Araujo & J6rio, 1969: 112). Os blocos eram considerados agrupamentos violentos, e alguns deles, para tirar esta

rna

irnpressao, come9aram a ter sua estrutura mais organizada - a associao;ao com o termo escola lhes garantia essa qualidade e maior credibilidade. Tambem e explicado o uso do termo pelo b1oco devido

a

preseno;a no bairro de uma Escola Normal, perto da qual se reuniam os compositores. Dizia-se que esta forrnava professores para a rede escolar, e que a Deixa Falar forrnava professores de samba, sendo tambem escola (Cabral, 1996: 41).

A Deixa Falar acabou estabelecendo o tftulo. Por isso, e usual considerar a "Deixa Falar" como a prirneira esco1a de samba. Ela acabou transformando-se em rancho (1932) e posteriormente se extinguindo (Cabral, 1996). Alem da adoo;ao do termo, as inovao;oes feitas por seus compositores em seus sambas foram "ensinadas" a seus co-irmiios, e no comeo;o da decada de 30 ja existem algumas escolas, destacando-se entre outras a Portela ( oriunda do bloco V ai Como Pode) e a Mangueira ( oriunda do bloco dos Arengueiros) - duas das escolas mais antigas do carnaval carioca.

(29)

As escolas de samba diferenciavam-se dos ranchos fundamentalmente por sua musica: "Desenvolvirnento do rancho na sua estrutura processional, sornente o samba faz a diferen<;:a fundamental entre ranchos e escolas: diferen<;:a de ritrno, de ginga, de evolu<;:6es e, demonstras:ao de preferencia popular, o nurnero de figurantes. ( ... ) Mais uma vez o samba imp6e uma diferenc;:a, pois enquanto o rancho se acornpanba de urna pequena orquestra convencional, as escolas gingam ao sorn de vigorosa e inumeravel orquestra de percussao" (Carneiro, apud Efege, op. cit. p. 16). Nas escolas de samba a instrumenta<;:ao era diferente: o surdo, por exemplo,

e

inven<;:ao deJa, e nao era pennitido o uso de instrumentos de sopro.

Mas, alem disto, as inova<;:6es dos cornpositores do Estacio deram ao samba urn tratamento que perrnitia as pessoas desfliarern cantando e dan<;:ando no carnaval, que era a inten<;:ao. Em entrevista a Sergio Cabral, Ismael Silva esclareceu: "Quando cornecei, o samba nao dava para os agrupamentos carnavalescos andarem nas ruas, conforme a gente ve hoje em dia. 0 estilo nao dava para andar. Comecei a notar que havia esta coisa. 0 samba era assim: tan tantan tan tan tantan. Nao dava. Como e que urn bloco ia andar na rua assim? Ai, a gente corne<;:ou a fazer urn samba assim: burn burn paticurnburnprugurundurn" (1996: 242). Assim definiu a musica criada por este grupo o veterano compositor da Mangueira, Babau: "era samba de sambar" (Cabral, 1996: 34).

A diferen<;:a entre o samba feito por estes compositores e o da primeira geras:ao de sambistas que freqtientava a casa das tias baianas era marcante, fruto de urn novo tratamento ritrnico dado a marcac;ao do samba, para que ele fosse "samba de sambar". Carlos Sandroni, em seu livro "Feiti~o Decente: transforrnaroes do samba no Rio de Janeiro (1917 - 1933)", fez uma analise minuciosa dessas transformac;:6es. Identificou duas celulas ritrnicas basicas, que chamou paradigmas: o do tresillo, relacionado ao samba da primeira gerac;:ao, e o do Estacio, relacionado aquele produzido pelos sambistas da segunda gera<;:ao - os rnesmos que fundaram a primeira escola de samba (Sandroni, 2001:

32).

(30)

0 "paradigma do tresillo" consiste em urn conjunto de variantes de urn ritmo assimetrico construfdo sobre urn ciclo de oito pulsa<;:6es (aqui representadas pela semicolcheia). Tern como caracterfstica principal a marca contrametrica8 recorrente da quarta pulsac;:ao de urn grupo de oito, ficando dividido em duas "quase-metades" desiguais (3+5).

Como exemplo (Sandroni, 2001: 29):

~l

l

Jl

II

0 paradigma do Estacio apresentava urn novo ciclo, freqiientemente dado pelo tamborim na orquestrac;:ao de percussao ( e tambem encontrada em participac;:6es da cufca) construfdo sobre 16 pulsa<;:6es, sendo esta sua principal caracterfstica. Tambem apresenta variac;:ao.

Como exemplo (Sandroni, 2001: 36):

II

Desta forma , os paradigmas estao pr6ximos no que se refere

a

contrametricidade e noc;:ao de "imparidade rftmica"9, e se afastam por estarem construfdos sobre pu1sac;:6es com ciclos de tamanhos diferentes.

8

Uma articulac;ao ritmica sera cometrica quando acontecer na primeira, terceira ou s6tima semicolcheia do 2/4; e sera contrametrica quando acontecer nas posic;6es restantcs, necessariamente niio podendo ser seguida por outra articulac;ao na posic;ao seguinte.

9 Imparidade rftmica

e

a denominac;ao dada por Simha Arom para urn fen6meno verificado na mllsica africana.

Nela, existem grupos de fOrmulas rftmicas onde se misturam grupos ternirios e bin:irios, originando perfodos rftmicos pares. Por6m, quando se tenta dividi-los em dois, respeitando sua estruturac;ao interna, o resultado sao duas "quase-metades", duas

(31)

0 "samba de sambar", feito de acordo corn o paradigrna do Estacio, criou polernica e foi defmido pelos sambistas da prirneira gerac;:ao como rnarcha. Cabe aqui reproduzir a famosa discussao entre Donga e Isrnael Silva sobre qual era o verdadeiro samba, transcrita de urna entrevista feita por Sergio Cabral:

"DONGA: - Ue, samba e isso ha rnuito tempo '0 chefe da policia/ Pelo telefone/ Mandou me avisar/ que na Carioca/ Tern urna roleta para se jogar'.

ISMAEL: - Isto e rnaxixe.

DONGA:- Entao o que e samba?

ISMAEL: - 'Se voce jurar/ Que me tern amor/ Eu posso me regenerar/ Mas se 61 Para fmgir, rnulher/ a orgia assirn nao vou deixar'

DONGA: - Isto niio e samba, e rnarcha" (1996:37).

As escolas de samba se apresentavam na Pra<;oa Onze ou ern visitas a suas coirrniis - era rnuito cornurn organizar urn desfile para homenagea-las (Valen~a, 1983: 13).

Mas o "samba de sambar" criado no Estacio fazia com que as escolas come~assem a charnar a aten~ao de olhares extemos. Por iniciativa da irnprensa, o prirneiro desfl.le das escolas de samba ocorreu em 1932. A ideia parece ter vindo do diretor e proprietatio do Jomal Mundo Sportivo, Mario Filho. Ao encornendar ao reporter Carlos Pimentel urna serie de entrevistas com personagens das escolas, ele sugeriu que seria mais interessante promover urn concurso entre elas (Cabral, 1996: 59).

E

irnportante ressaltar que ja havia competi<;ooes entre sambistas ha algurn tempo, mas a participac;:iio da irnprensa e que toma concreto a competic;:ao entre as escolas em urn desftle. Niio e possfvel afirrnar qual seria o carninho trilhado pelas escolas sem esta interferencia exterior.

partes desiguais (Sandroni, 2000: 24-25). Para entender melhor estes conceitos, procurar: Arom, S. (1985, !998); Jones, A.

M. (1959); Kolinski, M.(l960, 1973); Kubik, G. (1979); Sandroni, C. (2000).

(32)

Entidades representativas

As primeiras sementes de organizac;;iio dentro das escolas podem ser verificadas em 1934, quando criam sua primeira entidade representativa, a Uniao das Escolas de Samba. Era composta por representantes das escolas existentes na epoca, como a Mangueira, o Prazer da Serrinha - futura Imperio Serrano, a V ai Como Pode - que a partir de 1935 seria batizada por urn chefe de policia de Portela, devido

a

sua localizac;:ao na Estrada do Portela, a Unidos da Tijuca, entre outras. A entidade era organizada em uma diretoria constitufda por: presidente; vice-presidente; I o e 2° secretarios; I o e 2°

tesoureiros; e 1 o e 2° procuradores (Cabral, 1996: 96; Araujo e J6rio, 1969: 199-200). Sua primeira

atitude

e

solicitar ao entao prefeito da cidade, Pedro Ernesto, subven9ao oficial para as novas agremia.,:oes, no mesmo mode1o em que eram dadas

as

grandes sociedades, aos blocos e ranchos. A resposta positiva do prefeito faz com que quase todas as escolas apresentem o enredo "A Vit6ria do Samba", em alusao

a

dita oficializa.,:ao. As escolas de samba passam a fazer parte do carnaval oficial da cidade, inclufdas pouco tempo antes em folheto publicitario da prefeitura como mais uma das atra96es da cidade (Cabral, 1996: 97). Porem, seu envolvimento com a imprensa nao fmda com a oficializa9ao, havendo promo<;ao dos desfiles por diversos jornais da epoca.

A oficializa.,:ao foi urn fato de extrema importancia para os sambistas, que foram alvo de perseguic;:ao da policia durante muito tempo. Isso aconteceu no infcio do processo que transformou o samba de renegado e perseguido a sfmbolo nacional, como pode se ver nos sambas exalta.,:ao da epoca - Aquarela Brasileira, de Ary Barroso e o exemplo classico desse tipo de samba. Com a oficializa<;ao, as escolas puderam ter suas manifesta<;oes menos visadas. Ao mesmo tempo, foi urn mecanismo de controle bastante eficiente por parte do estado, que deste modo tornou a manifestac;:ao espontanea do povo "inofensiva" (Valen<;a, 1983: 15).

(33)

A hist6ria das entidades representativas das escolas de samba

e

cheia de rompimentos e retomadas. Ja em 1939 M uma crise na entidade, e uma assembleia geral mudou seu nome para Uniao Geral das Escolas de Samba.

Em 194 7, ap6s nova crise, ha uma cisiio e e criada a Federa<;:iio Brasileira das Escolas de Samba. (Araujo & J6rio, 1969: 200). No carnaval daquele ano, apenas as escolas filiadas

a

Federa<;:iio receberam a subven<;:iio, esvaziando a Uniiio (Cabral, 1996: 156).

Portela e Mangueira, descontentes com resultado de 1948, resolvem sair da Federa<;:iio e recriar a UGES em 1949. Nos quatro carnavais seguintes, ha dois concursos. Porem, a prefeitura s6 reconhece aquele promovido pela Federa<;:iio, cujas escolas foram as unicas a receberem subven<;:iio. A UGES tern novo nome e novo presidente a partir deste ano, passando a ser designada como Uniao Geral das Escolas de Samba do Brasil (Cabral, 1996: 161).

Mais uma entidade e criada no ano de 1950, a Uniao Civica das Escolas de Samba (Araujo &

J6rio, 1969: 203). Segundo Sergio Cabral, essa entidade teria sido anteriormente charnada de Federa<;:iio Metropolitana das Sociedades Carnavalescas e Recreativas. A associac;ao, rebatizada, ganha neste mesmo ano oficializac;ao de seu desfile e subvenc;ao da prefeitura para realiza-lo. "0 Prefeito s6 niio queria conversa com a UGES" (1996: 156; 163). As grandes escolas como a Mangueira e a Portela desvincularam-se da UGES e filiaram-se

a

Uniiio Cfvica. Sendo assim, em 1950 a cidade viu dois desfiles oficiais: o da Federac;ao - vencido pelo Imperio Serrano, e o da Uniao Cfvica - vencido pela Mangueira.

Em 1951 novamente o quadro

e

alterado. 0 Major Paredes consegue oficializar seu desfile, congregando de volta suas antigas filiadas e esvaziando a Uniao Cfvica - que naquele ano nao logrou realizar seu desfile. Novamente em 1951 houve dois desfiles, tambem reconhecidos pela prefeitura: o da UGESB e o da FBES.

(34)

Em 1952, o panorama era ainda mais ca6tico, apesar de a prefeitura ter conseguido organizar apenas urn desfile.

E

que surgiu neste ano mais uma entidade, a Confedera.;:ao das Escolas de Samba, que substituiu a Uniao Civica. Havia entao nada mais do que tres entidades ligadas as escolas (Araujo

& J6rio, 1969: 203). Seus integrantes eram:

Confederas:ao das Escolas de Samba: Independentes do Leblon, Azul e Branco, Depois Eu Digo, Combinado do Arnor, Paz e Arnor, Floresta do Andarai e Unidos do Catete.

Uniao Geral das Escolas de Samba do Brasil: Portela, Esta<;:ao Primeira de Mangueira, Tres Mosqueteiros, Unidos da Capela, Aventureiros da Matriz, Unidos da Tamarindeira, Unidos da Tijuca e Cora.;:oes Unidos de Jacarepagua.

Federacao Brasileira das Escolas de Samba: Imperio Serrano, Aprendizes de Lucas, Uniao de Vaz Lobo, Vai Se Quiser, Filhos do Deserto, Unidos do Grajau, Imperio da Tijuca e Mocidade Louca de Sao Crist6vao (Cabral, 1996: 164).

Porem, a prefeitura nao tinha dinheiro para custear todas as escolas. Entao, foi decidido que as 24 principals desfilariam na Av. Presidente Vargas e as menores- sem subven.;:ao- na Prao;;a Onze. A escola ganhadora na Pra<;:a Onze participaria no ano seguinte do desfile oficial.

A entidade representativa das escolas de samba que mais durou foi a Associao;;ao das Escolas de Samba do Brasil, fundada em 1952, que depois se tornou Associa.;:ao das Escolas de Samba do Estado da Guanabara (Araujo & J6rio, 1969: 204). Em 1976 passa a ser charnada de Associao;;ao das Escolas de Samba do Estado do Rio de Janeiro, devido a mudano;;a de nome do estado. Essa associao;;ao teve a sua frente durante muito tempo uma figura bastante relevante no mundo do samba, Arnauri J6rio, que iria lutar muito pe1os direitos das escolas no memento em que elas passaram a fazer parte mais intensamente do mercado cultural brasileiro, na decada de setenta.

(35)

A associac;ao de maior importancia encontrada hoje e a LIESA Liga Independente das Escolas de Samba, que foi fundada em 1984 par representantes das grandes escolas. Este assunto sera mais detalhado no capitulo III.

Enredo +Samba - Samba-Enredo

Nos prim6rdios de seus desflles na Prac;a Onze, as principais caracteristicas das escolas eram a criac;ao comunitaria e artesanal. As mulheres se ocupavam em fazer as fantasias e o estandarte ( ou bandeira) de sua escola, sempre com grandes dificuldades fmanceiras - o or<;amento era complementado com a venda de quitutes par elas preparados. Aos homens cabia a tarefa de construir os instrumentos, conceber e executar as alegorias. Outro grupo de artistas se reunia para criar os sambas (isso mesmo, mais de urn), quando ainda nao importava de quem era criac;ao, porque este era composto coletivamente: urn fazia uma parte, depois vinha outro e fazia algumas alterac;6es e, no final, o samba nao tinha urn unico "dono".

As escolas se apresentavam de maneira muito diferente do que conhecemos como desfile hoje: havia urn coro na primeira parte do samba e improvisac;ao na segunda; nao havia ainda nenhum compromisso com o enredo desenvolvido pela Escola, nem obrigac;ao de trazer no desfile urn s6 samba (Valenc;a, 1982: 34; Cabral: 71).

Identificar qual foi o primeiro samba-enredo da hist6ria e uma questao polemica. V arias auto res apontam qual teria sido, justificando seus motives. "Homenagem", do compositor Carlos Cachac;a para a Mangueira, de 1933, tern seu merito por prestar em seu enredo uma homenagem aos poetas Olavo Bilac, Castro Alves e Gonc;alves Dias:

Recordar Castro Alves Olavo Bilac e Gon~alves Dias E outros imortais

(36)

Que glorificaram nossa poesia Quando eles escreveram Matizando amores Poemas cantaram Talvez nunca pensaram

De ouvir seus nomes num samba algum dia

E se esses versos rudes Que nascem e morrem No cimo do outeiro Pudessem ser cantados Ou mesmo falados Pelo mundo inteiro Mesmo assim como sao Sem perfei~ao

Sem riquezas mil

Essas mais ricas rimas sao provas de estima de um povo varonil

Recordar Castro Alves, etc.

E os pequenos poetas Que vivem cantando Na verde coli no Cenario encantador

(37)

Desse panorama Que tanto fascina Num desejo incontido Do samba querido A g Ioria se elevar Evocaram esses vultos Prestando tribute Sorrindo a cantar10

A pesquisadora Rachel V alen9a aponta para o fato de que o samba nao canta descritivamente o emedo11; parece ser o emedo apenas urn pretexto para que o samba fosse cantado, com seus "versos rudes", pelos "pequenos poetas/ que vivem cantando/ na verde colina". (1983: 31-32).

Tambem em 1933 os jomais Correia da Manhii e 0 Globo registraram que a Unidos da Tijuca cantou urn samba "principal" relacionado ao emedo" (Augras, 1998: 31). A escola cantou tres musicas, que tinham o proprio samba como tema ("0 Mundo do Samba"). Uma delas e de Leandro Chagas

Eu tenho prazer em falar

Que o samba esta em primeiro Iugar Vem para o samba, cabrocha faceira Diz nos cadeiras

10

Em CD anexo (faixa 1) consta a grava<rffo de 1974, do prOprio compositor, encontrada no terceiro LP da col~ao

"Hist6ria das Esco!as de Samba" (8-03-401-003/ A). A grava9ao

e

da Gravadora Marcus Pereira. 0 samba apresenta andamento Iento, sendo cantado o refrao por urn coro feminine eo solo feito pelo prOprio compositor.

11

0 enredo desse ano foi "'Uma segunda-feira do Bonfim, na Ribeira". Cartola, outro compositor da Mangueira,

e

quem teria se lembrado do samba. Ele foi o samba principal naquele carnaval, e os poetas cantados passaram a ser uma das partes do enredo (Cabral, 1996: 82).

(38)

0 samba e a can~ao brasileira

A segunda era de Rubens de Oliveira e chamava-se "Saudar;iio as escolas": Morei no meio da floresta

Onde cantava o sabin

Saudando as escolas primeiras Portela, Estacio e Mangueira

A terceira nao teve seu autor identificado, porem ja apresentava como novidade a presen<;a da segunda parte:

Somos Unidos da Tijuca E cantamos o samba brasileiro Cantamos com harmonia e alegria 0 samba e nascido no terreiro

Nao queremos abafar Nem tambem desacatar Viemos cantor nosso samba Que e nascido no terreiro Perante o luar

(Cabral, 1996: 81 ).

Outro samba apontado como pioneiro por estar associado a seu emedo foi o de 1936, da Escola de Samba Unidos da Tijuca, com o titulo de "Natureza Bela do meu Brasil", de Henrique Mesquita. Tinhorao ressalta o fato de que esse samba foi gravado em 1946 pelo cantor Gilberto Alves (disco

(39)

Odeon, no 12-771-A), em estudio com a orquestra de Fon-Fon. No selo do disco o autor apareciaja em segundo Iugar, tendo como au tor principal Felisberto Martins, ganhando o prestfgio de urn compositor profissional (1974: 181).

Mais uma vez, Rachel V alen<;a destaca o fato de que o samba ainda

e

"autocentrado", o poeta fala de si enquanto canta "o que ve, o que sente, o que faz" (1983: 34). Eis sua letra:

Natureza bela do meu Brasi I Queira ouvir esta can~ao febril Sem voce nao tenho as noites de luar Pra cantor

Uma linda can<;ao ao nosso Brasil

E

um sambista apaixonado Que vive perto de voce Mas sem lhe ver ...

Eu vejo as aguas correndo E sinto meu corat;ao palpitar E o meu pinho gemendo Vem minha saudade matar

Tinhoriio aponta mais urn possfvel pioneiro: o samba da Depois Eu Digo, de Pindonga, cantado no carnaval de 1942, em homenagem a D. Darci Vargas, esposa de Getulio Vargas, no qual suas duas partes tinham rela<;iio como enredo (1974: 181). Niio foram encontradas fontes que apresentassem a letra do referido samba.

0 mesmo autor, em concordiincia com Araujo & J6rio (1969) e Candeia & Isnard (1978) aponta o sambista Paulo da Portela como pioneiro da modalidade. Ha, porem, uma discordiincia com rela<;iio

(40)

as datas: Tinhorao situa o acontecimento em 1934, com "a composic;ao do samba titulo de 1934" (1974: 172). Ja Candeia faz alusao ao "Teste ao samba", datado por ele de 1939, como sendo o primeira samba-enredo do compositor (e da hist6ria das escolas de samba), com a seguinte letra:

Vou come~ar a aula Diante da comissao

Muita aten~ao que eu quero ver Se diploma-los posso

Salve o professor (professor) Do a mao pra ele senhor Quatorze com dois doze

Noves fora tudo

e

nosso (bis, refrao)

(1978: 53)

Os autores Amauri J6rio e Hiran Araujo apontam o anode 1931 pata o mesmo samba. Paulo da Portela teria introduzido o samba-enredo, fixando musicalmente o enredo - Academia do Samba. Para enfatizar melhor o enredo, Paulo da Portela entregava a cada componente da escola urn diploma ( 1969: 146). Este mesmo fato

e

narrado por Sergio Cabral quando fala do desfile de 1939 (1996: 125). Pela descri.;ao, o samba citado eo mesmo; porem, ha esta divergencia de datas.

Apenas na decada de 40 difundiu-se o habito de as escolas apresentarem sambas coerentes com o enredo. Nao se falava ainda em samba-enredo; o nome veio a posteriori, frrmando-se na decada de 50.

Em uma entrevista dada ao jornalista Jose Carlos Rego em 9/10 de janeiro de 1972 pelos compositores Silas de Oliveira e Mano Decio da Viola, da entao Prazer da Serrinha (futuramente Imperio Serrano), eles descrevem o que poderia ser o marco desta inven.;ao, o samba conhecido como

(41)

"Conferencia de Sao Francisco", de 1946: "Ate entao (as esco1as) iam disputar na Pra<;:a Onze com urn de seus sambas de terreiro. N6s resolvemos fazer o contr:irio, estabe1ecer o enredo e escolher o samba." (Valen<;a, 1982: 35). Como ja foi exposto, houve exemplos anteriores de sambas que se apresentavam de acordo com o enredo, mas "Conferencia de Sao Francisco" vern tornar a formula obrigat6ria. (Valen<;:a, 1982: 36).

Urna hist6ria muito interessante sobre esse samba ( cujo titulo correto e Paz Universal)

e

que, apesar de ter sido escrito para o enredo proposto (Conferencia de Sao Francisco), ele nao foi cantado no desftle, por ordem de Alfredo Costa, entao presidente da escola. Este fato foi decisivo na cisao do Prazer da Serrinha e cria<;:ao do Imperio Serrano, logo ap6s o carnaval de 1947 (Valen<;:a & Valen<;:a,

19830). A letra do samba diz:

Restabeleceu a paz universal depois da guerra mundial

a uniao entre as Americas do Sui, Norte e Central nunca existiu outra igual

na vida internacional

Nosso Brasil sempre teve interferencia nas grandes conferencias

da paz universal

sendo o gigante da America Latina

Uruguai, Paraguai, Bolivia, Chile e Argentina"

(Valen<;:a & Valen<;a, 1981: 24)

12

Ha grava('ao no CD em anexo do samba (faixa 2), retirada da cole(:i!O Hist6ria das Escolas de Samba (disco 8-03-401-006-A). A gravayao foi feita por Abflio Martins, sem referencia a datas no encarte do disco.

(42)

Ainda ern 1946, urna novidade inserida no regulamento do desf!le encerra urna fase da hist6ria das escolas de samba: a proibi~ao de serern apresentados sambas corn versos irnprovisados. Dizia textualrnente o panigrafo unico do artigo nono:

"E

dever dos cornpositores da escola ou de quem responder pela segunda parte dos sambas nao irnprovisar, trazendo a letra cornpleta" (Cabral, 1996: 142). 0 sarnba-enredo corne<;ava a tornar forma, e, de acordo corn Monique Augras, foi entre 1946 e 1948 que o sarnba-enredo tornou-se unanirnidade, rnesrno que sua oficializa<;1io tenha sido declarada pela prirneira vez no regularnento do desfile de 1952 (1998: 78).

(43)

CAPiTULO II · 0 SAMBA-ENREDO

Descriciio

Em seu Dicionario Musical Brasileiro, Mario de Andrade define genero como o aspecto formal de urna obra musical que pode ser diferenciada por urna combina<;ao de fatores, como a escolha do sistema sonoro de referencia a ser utilizado, as caracterfsticas estruturais, os meios materiais de expressao, o texto e a fun<;ao (1989: 242).

A modalidade de musica popular conhecida como samba e vista como genero musical ja desde o infcio do seculo passado, mas que toma forrnas similares as conhecidas atualmente a partir do final dos anos 20 (Sandroni, 2000: 134). Partindo da defmi<;ao acima citada, podemos entender o samba-enredo pode como urna variedade de samba, ja que se diferencia deste genero principalmente por sua fun<;ao - unica - o desflle das escolas de samba no carnaval.

A defmi<;iio da Enciclopedia da Musica Brasileira Popular, Erudita e Folcl6rica descreve o samba-enredo como uma modalidade de samba produzido por compositores das escolas de samba do Rio de Janeiro a partir do come<;o da decada de 30, que deve conter em sua letra o resumo poetico do terna hist6rico, folc16rico, literario, biogrilico ou mesmo de cria<;ao livre escolhido para enredo a ser apresentado pela escola de samba em seu desflle-espetaculo (, 2000: 705).

Tinborao considera que o samba de enredo, inven<;ao dos compositores das escolas de samba para contar em versos o terna do desflle, surgiu a partir da decada de 40 como urn paralelo musical

a

progressiva estrutura<;ao das escolas de samba na encena~ao drarnatica de seus enredos, apresentando-se como uma opera-bale ambulante (1974: 171).

0 samba cantado na fase inicial da hist6ria das escolas de samba foi descrito pelo music6logo Brasilio Itibere em uma cronica de 1935, reproduzida em seu "Mangueira, Montmane e outras favelas", na qual conta sua visita

a

Mangueira, levado por Mestre Julio. Vale reproduzir suas partes

mais interessantes:

(44)

"As percuss6es aumentam de intensidade e, subito, como uma estridente martelada de bigoma as vozes irrompem estridentes, guturais, maravilhosamente primitivas. ( ... ) as vozes masculinas s6 intervem nos solos - que nos ensaios tern urn carater de improvisayao, sem uma sequencia 16gica nem, sequer, uma liga.;;ao tonal com a parte coral. As vezes, pela diferen.;;a do texto e disparidade do desenho mel6dico, esse solo chega a ser urn corpo estranho dentro do proprio samba. ( ... ) S6 mais tarde, nos ensaios que precedem o desf!le na Pra9a Onze, o compositor da o carater defmitivo

a

parte solista que, em geral, resulta mais fraca e raramente perde o aspecto de improvisa.;;ao. ( ... ) toda vez que, ap6s o solo, o coro volta

a

melodia principal, retoma a tonalidade primitiva com uma precisao absoluta, como se houvesse obedecido a urn diapasao misterioso. Como sao muitos os compositores e existe urn grande numero de sambas, pergunto a Mestre Julio qual o criteria da escolha. Ele explica: ( ... ) 0 compositor tira o samba e canta para eu ouvir. A primeira escolha e minha. Depois, ele canta de novo para as pastoras. A crian9ada esta escutando, Ia de fora. Se gostam e repetem com prazer, o samba esta adotado (Itibere, apud V alen9a, 1983: 33-34).

Encontramos outras descri.;;oes das escolas e musica por elas cantadas. Uma delas

e

a de urn dos sambistas brasileiros mais respeitados, o famoso Mestre Mar.;;al, em depoimento ao pesquisador Carlos Didier sabre a forma.;;ao das escolas em sua inffincia:

"A bateria vinba atras, com baianas logo na frente, dizendo na boca, dando harmonia para a bateria. Elas marcavam com a sandalia o tempo do samba, e isso ajudava muito o ritmo. Era uma das caracteristicas da Mangueira, com uma ala de baianas que se ouvia de Ionge, marcando com o salta da sandalia. Na frente das baianas vinbam as alas. Nestas alas tambem vinbam baianas, com algumas. modifica<;:6es na fantasia. ( ... ) 0 diretor de harmonia cantava o samba, da frente ate a retaguarda. Quando chegava na bateria, voltava cantando, no gogo, sem megafone, microfone, auto-falante, nada disso. Claro que as escolas eram muito menores. A maior trazia 350, 400 pessoas. Hoje, sao 400 s6 na bateria, que antigamente era formada por 25, 30 elementos. A bateria safa com tres surdos fazendo a

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