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A guerra do Paraguai nos livros didáticos

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA CELSO GONÇALVES DA SILVA

A GUERRA DO PARAGUAI NOS LIVROS DIDÁTICOS

Palhoça/SC 2010

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CELSO GONÇALVES DA SILVA

A GUERRA DO PARAGUAI NOS LIVROS DIDÁTICOS

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em História Militar como exigência parcial para obtenção do título de especialista em História Militar.

Orientadora: Profa. Karla Leonora Dahse Nunes.

Palhoça/SC

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CELSO GONÇALVES DA SILVA

A GUERRA DO PARAGUAI NOS LIVROS DIDÁTICOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Unisul, como requisito parcial para a obtenção do Grau em especialização em História Militar.

Palhoça, ______de ________________de 2010.

COMISSÃO DE AVALIAÇÃO

________________________________________________ Profa. orientadora Karla Leonora Dahse Nunes

Unisul ___________________________________________________________ PROFESSOR – 1º Membro Unisul ___________________________________________ PROFESSOR – 2º Membro Unisul

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DEDICATÓRIA

Dedico à minha esposa, Karynne Hellen, aos meus filhos Gabriel e Matheus, que serviram de motivação para que eu concluísse esta monografia.

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora Professora Karla Leonora Dahse Nunes que, com muita paciência e dedicação, contribuiu para meu aprimoramento. Aos professores da Unisul que, mesmo virtualmente, mostraram-me novos caminhos do conhecimento, transmitindo suas experiências que auxiliou na minha formação.

Aos meus pais, familiares e amigos que depositaram em mim toda a confiança e otimismo.

Ao Deus, nosso Pai e Criador pela vida e pela graça de poder vivê-la plenamente e, por fazer parte dessa turma de História Militar da Unisul.

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Sonhos Guaranis

Mato Grosso encerra Em sua própria terra Sonhos guaranis Por campos e serras A história enterra uma só raiz Que aflora nas emoções E o tempo faz cicatriz Em mil canções Lembrando o que não se diz Mato Grosso espera esquecer quisera O som dos fuzis Se não fosse a guerra Quem sabe hoje era um outro país Amante das tradições de que me fiz aprendiz Em mil paixões sabendo morrer feliz E cego é o coração que trai Aquela voz primeira que de dentro sai E às vezes me deixa assim ao Revelar que eu vim da fronteira onde O Brasil foi Paraguai.

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RESUMO

Considerando a presença de um Colégio Militar em uma região fronteiriça entre o Brasil e o Paraguai, na cidade de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, onde se desenrolaram importantes movimentações em função do conflito platino, investiga de que modo são ensinados, por meio dos livros didáticos, os temas concernentes à Guerra do Paraguai adotados pela rede pública de ensino fundamental municipal e pelo Sistema Colégio Militar do Brasil, uma vez que a Guerra do Paraguai nesta região reveste-se de tremenda importância, em parte por ter sido um dos palcos da Guerra e em parte por ter entre os seus cidadãos descendentes de paraguaios, de indígenas, dos negros escravizados que lutaram no conflito. Analisa se há espaço para concepções distintas em um mesmo livro didático ou se todos os livros expressam uma única visão historiográfica, investigando as diversas coleções utilizadas na rede municipal de ensino municipal.

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ABSTRACT

Considering that there is a Military School nearby the borderline betweenBrazil and Paraguay, in Campo Grande, the capital of MatoGrosso do Sul, where important events related to the War of the Triple Alliance took place, this paper investigates howhistory coursebooks adopted by the city’s elementary schools cover these events, as well as how the course books adopted by the Brazilian Military Schools cover the same subject, since the war of the Triple Alliance had a tremendous impact in this region, partly because it was here where some of the events took place, and partly because lots of the local inhabitants are descendants of Paraguayans, Indians and Black slaves who fought in the war. This paper also examines whether there is room for different concepts in a single coursebookor whether all coursebooks express a singlehistoriographicview of the war. In order to achieve this objective, several editions of coursebooks adopted by city’s elementary schools were examined.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ... 9 CAPÍTULO 1 – O CORAÇÃO ... 12 2.1 O CONFLITO ... 12 CAPÍTULO 2 – A ALMA ... 14 2.1 OS DOMÍNIOS DA HISTÓRIA ... 14 CAPÍTULO 3 – OS MEMBROS ... 17 3.1 LIVROS DIDÁTICOS ... 17

3.1.1 Para Quem Serve os Livros Didáticos? ... 17

3.1.2 Os Livros Didáticos da Rede Municipal de Ensino da Cidade de Campo Grande – Mato Grosso do Sul ... 18

3.1.2.1 Projeto Araribá ... 19

3.1.2.2 Saber e Fazer História – Consolidação do Capitalismo e Brasil Império ... 20

3.1.2.3 História e Vida Integrada ... 22

3.1.2.4 História: Das Cavernas ao Terceiro Milênio – Séculos XVIII e XIX as fundações do mundo contemporâneo ... 25

3.1.2.5 História em Projetos - O Mundo do avesso o embate entre novas e velhas ideias – do século XVII ao XIX ... 26

3.2 O SISTEMA COLÉGIO MILITAR DO BRASIL E O LIVRO DIDÁTICO ... 27

3.2.1 O Sistema Colégio Militar do Brasil ... 28

3.2.2 História do Brasil – Império e República – Coleção Marechal Trompowsky ... 29

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 32

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INTRODUÇÃO

O historiador inglês Perry Anderson, em uma entrevista concedida ao Institute of

Internacional Studies da Universidade de Berkeley, pediu aos estudantes que se

preocupassem com o passado, tanto o remoto como o imediato. Apesar de reconhecer a força descomunal da cultura presentista, ele ressaltou a necessidade de recorrer a leituras que os colocassem diante das experiências acumuladas pelas antigas gerações. Adquirindo um hábito tão salutar, poderiam aguardar, com menos passividade, o futuro. O historiador insistiu no fato de que eles precisavam olhar, ao mesmo tempo, para trás e para frente. Só assim teriam a oportunidade de obter uma noção mais realista do mundo em que viviam.

O renomado historiador Marc Ferro, em seu livro A manipulação da História no

ensino e nos meios de comunicação, sugere para não nos enganarmos e afirma que a imagem

que fazemos de outros povos, e de nós mesmos, está associada à História que nos ensinaram quando éramos crianças.

A Guerra do Paraguai teve o sul e oeste do atual estado do Mato Grosso do Sul como um dos seus palcos de guerra. Este local é habitado por descendentes de paraguaios, descendentes de militares brasileiros que atuaram na guerra e etnias indígenas que se envolveram no conflito.

Como existe uma herança cultural muito grande do conflito na região é de se pensar de que maneira o ensino da História nos livros didáticos, sobre a temática A Guerra do Paraguai, estaria sendo conduzido nas escolas públicas municipais da cidade de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e como o Sistema Colégio Militar do Brasil apresenta a questão em seus livros didáticos, utilizados pelos estudantes do Colégio Militar de Campo Grande.

Para fazer um trabalho investigativo de como o ensino do tema é ministrado, foi necessário pesquisar diversos livros didáticos adotados em várias escolas de ensino fundamental municipal da cidade de Campo Grande, bem como a análise do livro didático contemplado pelo ensino fundamental de Colégio Militar de Campo Grande.

Os resultados obtidos através das pesquisas poderão beneficiar os profissionais de ensino do Sistema Colégio Militar do Brasil, em particular, e de modo geral do Exército, pois poderão conhecer como as redes públicas de ensino tratam um tema tão caro à historiografia brasileira e ao Exército Brasileiro que é a Guerra do Paraguai, conflito do qual foram alçados

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10 a maioria dos patronos da Força Militar Terrestre do Brasil e que norteou os princípios do Exército Brasileiro moderno.

Realizando um levantamento historiográfico, averigua-se que, do final do conflito até os dias atuais, a historiografia acerca da Guerra do Paraguai foi alvo de manipulações ideológicas, estando, por vezes, exposta ao sabor dos interesses oficiais. Três momentos marcaram essa produção historiográfica: o primeiro, que abrange os livros escritos por protagonistas ou não do conflito, no período que se estende do final da Guerra até a década de 1960, oferecendo uma visão ufanista e patriótica do conflito, como, por exemplo, as obras de Rocha Pombo e Hélio Viana; o segundo, que compreende os estudos divulgados a partir da década de 1960, que desenvolveram a visão imperialista do litígio, como os de Leon Pomer e Júlio José Chiavenato e, finalmente, o terceiro, que agrupa obras editadas a partir da década de 1980, dentre as quais se destacam os livros de Francisco Doratioto e Ricardo Sales, inovadores e menos tendenciosos.

Este trabalho está estruturado em três capítulos, mediados pelas publicações de Pombo, Chiavenato, Doratioto e Squinelo.

No primeiro capítulo, discorre-se sucintamente sobre o conflito, destacando as motivações iniciais, as causas remotas e as imediatas à Guerra. Revelam-se os acontecimentos que se desenrolaram no decorrer da guerra, passeia-se pelas principais batalhas do conflito e termina expondo a situação do Brasil e do Paraguai após a contenda.

No capítulo seguinte percorre-se pelo PCN de História – Parâmetros Curriculares Nacionais de História – analisando-o. Destacam-se, com seus respectivos representantes e obras, os períodos das Historiografias Tradicionais, Revisionista e Moderna, tendo sempre como principal farol a obra A Guerra do Paraguai, essa desconhecida... de Squinelo.

No último capítulo, faça-se uma digressão sobre o livro didático, sob a ótica de Marc Ferro e Ronaldo Vainfas e a seguir entra-se na análise dos livros didáticos adotados pela Secretaria Municipal de Educação do Município de Campo Grande e pelo Sistema Colégio Militar do Brasil.

Não se pretende com este trabalho abordar as causas e consequências da Guerra do Paraguai, tão pouco indicar que esta ou aquela visão historiográfica é a mais ou a menos apropriada. O que se pretende sobre o assunto em matéria é analisar as diferentes visões historiográficas presentes em livros didáticos adotados na capital do estado do Mato Grosso do Sul e pelo Sistema Colégio Militar do Brasil e perceber se nesta dialética os livros didáticos abrem espaços para novas construções, contextualizando a Guerra do Paraguai, e incentivando a integração dos povos dentro do que pretende os Parâmetros Curriculares Nacionais, o Sistema de Ensino do Exército e a Constituição Federal, quais sejam: conhecer

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11 as características fundamentais do Brasil em suas dimensões sociais, materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao País; a preservação das tradições nacionais e militares e; a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina.

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CAPÍTULO 1 – O CORAÇÃO

1.1 O CONFLITO

Na década de sessenta do século XIX, a Bacia Platina foi palco de uma série de acontecimentos, dentre os quais destacamos os seguintes: o vencimento da moratória para as demarcações fronteiriças entre Brasil e Paraguai e também deste com a Argentina e a morte de Carlos António López1, que foi substituído por seu filho Francisco Solano López2, o qual contava à época, com 36 anos de idade.

Entre os anos de 1862 e 1865, as contradições e os problemas existentes há décadas na bacia da Prata afloraram, ocasionando a Guerra do Paraguai. Em apoio a Venâncio Flores3, em 12 de setembro de 1864, o Brasil invadiu o Uruguai, sendo que o Paraguai já havia alertado a Argentina sobre a necessidade de preservação da independência uruguaia. Essa intervenção brasileira foi vista pelos paraguaios como uma agressão e um ato de guerra.

Em represália, o Paraguai aprisionou, em Assunção, o navio brasileiro Marquês de Olinda, que transportava o novo governador da província de Mato Grosso, e no mês seguinte invadiu o Mato Grosso, que foi interpretado pelo Brasil como “uma declaração de guerra”. Na intenção de bloquear o Rio Grande do Sul e o Uruguai, que poderia ser utilizado para uma ofensiva brasileira, o Paraguai fez um pedido a Bartolomeu Mitre4 para cruzar o território argentino, que lhe foi negado. O governante paraguaio optou, então, pela invasão de Corrientes em abril de 1865, como estratégia para a ocupação do Rio Grande do Sul, que se efetivou em maio de 1865.

Em resposta às atitudes de Solano López, em 1° de maio de 1865, Brasil, Argentina e Uruguai assinaram o Tratado da Tríplice Aliança, que tinha como objetivo legitimar a Guerra com o Paraguai e, assim, submetê-lo ao sistema político-econômico dominante na Prata. Os aliados planejavam a derrubada de Solano López e a livre navegação dos rios da bacia da Prata. Pretendiam, ainda, anexar aos seus territórios as terras litigiosas.

A maior parte do solo brasileiro não se constituiu em palco de guerra. Somente duas províncias vivenciaram episódios belicosos, isto é, o Rio Grande do Sul e o sul de Mato

1

Presidente do Paraguai de 1841 a 1862.

2

Militar paraguaio, presidente vitalício do seu país, de 1862 até a sua morte em 1870.

3

Presidente da República do Uruguai, de 1854 a 1868.

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13 Grosso; nesta última ocorreu o episódio da Retirada da Laguna (maio/junho 1867), que retratou o fracasso da expedição brasileira organizada para deter o avanço paraguaio.

O Paraguai ocupou a região litigiosa do sul de Mato Grosso em duas frentes de batalhas: por via fluvial, enviando aproximadamente 3200 homens, e por via terrestre, armando cerca de 3500 combatentes. Naquele momento, a esquadra paraguaia atacou a brasileira, sendo derrotada na célebre batalha do Riachuelo, que ocorreu em 11 de junho de 1865. A partir desse episódio, o Paraguai ficou isolado e incapacitado de receber armas e qualquer auxílio do exterior. Por outro lado, a vitória brasileira permitiu que as forças aliadas levassem a Guerra para o interior do país, nas proximidades de Assunção. Os aliados cruzaram o rio Paraná em abril de 1866, iniciando, assim, a invasão do território inimigo.

A partir desse momento, o rio Paraguai tornou-se o palco de uma sequência de batalhas entre as duas forças: Passo da Pátria, em 02 de maio de 1866; Tuiuti, em 24 de maio de 1866; Curupaiti, em 16 de julho de 1868; Humaitá, em 05 de agosto de 1868; a Dezembrada, que caracterizou a ofensiva final dos aliados, numa série de vitórias consecutivas nas batalhas de Itororó, em 06 de dezembro de 1868; Avaí, em 11 de dezembro de 1868; Lomas Valentinas, em 27 de dezembro de 1868; Angostura, em 30 de dezembro 1868 e Peribebuí, em 12 de agosto de 1869.

Solano López conseguiu escapar do cerco em Lomas Valentinas, refugiando-se na direção da cordilheira situada a leste de Assunção, cidade já ocupada pelo então comandante das tropas brasileiras, Marquês de Caxias5, que considerou a Guerra concluída e retornou ao Brasil. O conflito findou com o cerco a Cerro Corá, onde Solano López foi morto pelas tropas brasileiras. A morte do líder paraguaio permitiu que a discussão da livre navegação no rio Paraguai fosse dirigida pelos países vencedores, particularmente Brasil e Argentina.

Os acordos de paz que se configuraram após a Guerra consolidaram os anseios dos grandes países platinos. O Tratado de Paz e Amizade Perpétua e de Limites imposto ao Paraguai pelo Brasil e assinado em nove de janeiro de 1872 garantiu ao último à posse do território entre os rios Apa e Branco, no atual Mato Grosso do Sul, conforme reivindicação anterior ao conflito. Outro tratado, assinado em fevereiro de 1876, cedeu os territórios litigiosos das Missiones, entre os rios Bermejo e Pilcomayo, à Argentina. Os territórios entre os rios Pilcomayo e Verde foram submetidos ao arbítrio norte-americano, que concedeu a região ao Paraguai.

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Luís Alves de Lima e Silva foi um dos mais importantes militares e estadistas do Brasil. Foi comandante geral dos exércitos da Tríplice Aliança na Guerra do Paraguai entre 1867 e 1869.

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CAPÍTULO 2 – A ALMA

2.1 OS DOMÍNIOS DA HISTÓRIA

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de História, elaborados pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério de Educação e Cultura:

No final do século XIX, com a abolição da escravatura, a implantação da República, a busca da racionalização das relações de trabalho e o processo migratório, houve novos desafios políticos. Nesse contexto ganharam força as propostas que apontavam a educação, em especial a elementar, como forma de realizar a transformação do País. O regime republicano, sob a égide de um nacionalismo patriótico, buscava inserir a nação num espírito cívico. A escola elementar seria o agente da eliminação do analfabetismo ao mesmo tempo em que efetuaria a moralização do povo e a assimilação dos imigrantes estrangeiros no interior de uma ideologia nacionalista e elitista que apontava a cada segmento o seu lugar no contexto social. (PCN, 1998, p. 15).

A História, segundo pode-se aferir, passou a ocupar nas últimas décadas do século dezenove um importante papel civilizatório e patriótico, cuja principal missão na sociedade seria o de modelar um novo tipo de brasileiro: o cidadão patriótico, através de elementos que pudessem unir o povo em torno de uma mesma causa, seja o combate ao invasor, seja em defesa ao território nacional. Resgatam-se mártires e homens de armas transformando-os em heróis, quase santos da causa nacional, e que colocam tudo, até a própria vida a serviço da nação republicana.

É neste contexto histórico em que são escritos as primeiras interpretações da Guerra do Paraguai nos livros didáticos de antão. Para emoldurar o exposto podemos citar o autor paranaense José Francisco de Rocha Pombo, um proeminente historiador do período da chamada Historiografia Tradicional (1868-1970), que influenciou estudantes durante décadas com a sua obra Nossa Pátria, publicada a partir de 1933. Com uma visão simplista e exagerada, para ele, o conflito foi causado única e exclusivamente pelos interesses expansionistas de Solano López. Para o autor:

É o ditador do Paraguai, Francisco Solano López, que vai renovar as pretensões de Rosas, de formar na Prata um grande império, rival do Brasil. Para isso preparava-se solícita, mas dissimuladamente; e só aguardava agora, um pretexto para entrar em cena.

Esse pretexto vai ser a nova intervenção do Império no Estado Oriental, em 1864. (POMBO, 1960, p. 34).

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15 Alegando que o povo brasileiro tinha uma missão divina a cumprir, que era libertar a nação Paraguai do tirano sanguinário e vingar-se por sua ousadia de invadir em solo pátrio. As análises do autor sobre o conflito e a posição do Brasil neste, está de acordo com o pensamento a época, que era a afirmação do Brasil e do brasileiro diante dos povos da América Latina e do mundo, construindo uma imagem grandiosa de si.

A segunda fase da historiografia brasileira é conhecida como Revisionista (1968-1990). Surgida no final da década de 1960, ganhou vulto durante as décadas de 1970 e 1980. O grande representante desta fase foi o escritor Júlio José Chiavenato, que segundo sua declaração nunca ingressou em um curso superior por se considerar autodidata e escreveu o livro Genocídio americano: Guerra do Paraguai, com publicação em 1979, no qual credita aos países da Tríplice Aliança a destruição do Paraguai por ordens e influência da Inglaterra, que segundo o autor, via naquele país, socialista, igualitário, moderno, rico e poderoso um modelo incômodo que poderia ser seguido pelos países platinos e posteriormente pelos países latinos o que contrariaria os interesses econômicos do país bretão.

A Historiografia Revisionista, capitaneada por historiadores da esquerda marxista, foi como a Historiografia Tradicional, fruto de seu tempo e possuía como principal recurso ideológico o apelativo tom denunciador. Nascida na efervescência da Guerra Fria e eivada de ideologia antiamericanista, pretendia transformar o Paraguai de meados do século XIX em um país antiimperialista que desafiava as forças regionais e o potente imperialismo britânico. O autor em uma entrevista para Folha On-line em vinte e oito de outubro de 2007 deu a seguinte resposta ao entrevistador: “O Paraguai estava para a Inglaterra como Cuba está para os EUA. Os EUA querem libertar Cuba, do mesmo jeito que invadiram Granada, um país minúsculo.” Ao longo da entrevista6 Júlio José Chiavenato demostrou estar mais interessado nas vendagens do seu livro do que com a correção histórica das informações ali contidas.

Sem conteúdo científico, esta visão emocionada e impactante da guerra, tem influenciado diversas gerações de brasileiros que tem visto com pessimismo o seu passado e com desprezo os vultos históricos do país.

No início da década de 1990, Ricardo Salles, autor da obra Guerra do Paraguai:

Escravidão e Cidadania na Formação do Exército, rejeitando as heranças das visões

históricas antecedentes, apresentou a seguinte análise da historiografia anterior: “Se os estudos tradicionais sobre a guerra pecam por um excesso de oficialismo e factualismo, por

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16 sua vez as versões revisionistas da história do conflito tendem a simplificação nem sempre embasadas em investigações mais profundas.” (SALLES, 1990, p.16).

Esta obra foi uma das primeiras de uma nova geração de historiadores que buscavam analisar a Guerra do Paraguai sem as paixões nacionalistas e nem ideológicas, mas tentava fazê-lo através de um estudo sério, imparcial e responsável.

Outra referência importante desta nova visão, intitulada Historiografia Moderna, ou ainda Neomoderna, é Francisco Doratioto, que após apurada pesquisa histórica escreve o livro Maldita Guerra. O autor conclui que o conflito foi fruto de contradições entre os países envolvidos e de interesses distintos na bacia da Prata.

A doutora Ana Paula Squinelo faz importantes análises do fundo histórico do conflito, ao pesquisar em fontes primárias e secundárias, em acervos no Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai e nos traz em seu livro A Guerra do Paraguai, essa desconhecida..., editado em 2003, importantes revelações sobre as inúmeras interpretações feitas ao longo dos tempos nestes países.

Mais recentemente, o jornalista Leandro Narloch, em seu livro Guia politicamente

incorreto da História do Brasil, apresenta divertidas interpretações sobre o ensino da História

da Guerra do Paraguai, fazendo paralelos do que estudou em seus anos de ensino fundamental e médio com o conhecimento que agora detém sobre o assunto. A crítica notada no livro revela as contradições da ingênua História Revisionista, baseada na opinião política dos autores com a atual visão historiográfica, fundamentada em pesquisas científicas.

Os estudos realizados por pesquisados da Guerra do Paraguai, sob a ótica revisionista, revelaram que as causas do conflito não foram em razão de influência externa ou por uma pura e simples ambição de um único homem. Mas sim, uma série de fatores relacionados à formação como Estados-nações dos países participantes e dos processos geopolíticos e econômicos da região, resultante de heranças históricas, políticas e geográficas de duas culturas diferentes: portuguesa e espanhola.

Percebe-se que as academias e os institutos de História abandonaram a Historiografia Tradicional e a Historiografia Revisionista para se pautarem em dados científicos. Como todas as outras interpretações e visões, a Historiografia Moderna é fruto do contexto histórico do seu tempo. É o amadurecimento da historiografia brasileira.

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CAPÍTULO 3 – OS MEMBROS

3.1 LIVROS DIDÁTICOS

3.1.1 Para Quem Serve os Livros Didáticos

Marc Ferro, Historiador francês, representante da Escola dos Annales e precursor dos estudos da Contra-história ou História dos Dominados, em seu livro A manipulação da

História no ensino e nos meios de comunicação nos escreve que:

Controlar o passado ajuda a dominar o presente e a legitimar tanto as dominações como as rebeldias. Ora, são os poderes dominantes, Estados, Igrejas, partidos políticos ou interesses privados que possuem ou financiam livros didáticos ou histórias em quadrinhos, filmes e programas de televisão. Cada vez mais eles entregam a cada um e a todos um passado uniforme. E surge a revolta entre aqueles que a história é proibida. (FERRO, 1983, p.11).

Como afirma Ferro, controlar o passado ajuda a dominar o presente e os dominantes, Estados, Igrejas, interesses privados, entre outros que controlam os meios de reprodução da História e em especial os livros didáticos, que não só os governos os fazem, mas também os vários segmentos das sociedades sobre os quais os governos se apoiam, além dos interesses comerciais das editoras.

Conforme a época e as combinações dos segmentos dominantes o discurso histórico pode glorificar a Pátria e legitimar o Estado ou a Contra-história dos recém-chegados ao poder e/ou dos que dominam a cultura daquele país.

Elaborar a História a partir de uma só fonte flerta com a tirania ou a impostura. É próprio da liberdade deixar que várias tradições históricas coexistam e até se combatam. A liberdade é o primeiro dos alicerces dos regimes democráticos.

Desta maneira, percebe-se que o Estado, em um primeiro momento da historiografia da Guerra do Paraguai, se quis tradicional, em um segundo momento, os segmentos acadêmicos – com visão marxista economicista e discursos ideológicos esquerdistas – e editoras, interessadas em obras impactantes com altas vendagens das publicações, e por último, neste atual momento, as diversas tendências, flutuando entre História Econômica, Social, do Poder, das Idéias, das Mentalidades, Cultural e a mais recente no Brasil, a Micro-História, que atrai o debate e os estudos sobre A Guerra do Paraguai para um plano mais científico e menos ideológico e emocional.

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Segundo Ronaldo Vainfas, em seu artigo7 História Cultural e Historiografia

Brasileira:

Para concluir, diria em primeiro lugar, que os modismos fazem parte das culturas, inclusive da historiografia de diversas épocas. Foi moda pesquisar o movimento operário, entre nós, nos anos 1970, assim como virou moda pesquisar sexualidades ou religiosidades nos anos 1980. Não é caso de celebrar ou condenar esta ou aquela moda historiográfica, senão de contextualizá-la, de tentar explicar suas condições de produção no meio académico, bem como sua maior ou menor capacidade de irradiação ou recepção. E, sobretudo, buscar extrair dos resultados concretos de cada pesquisa aquilo que nos ajuda a compreender melhor as várias faces de nossa história, sem preconceitos. Pois é certo que quando o debate historiográfico cai prisioneiro da ideologia, quem sai perdendo é a história. (VAINFAS, 2005, p. 234). Infere-se da citação que as formas de interpretações da historiografia do conflito platino, obedeceram a um contexto histórico e assim tinha que ser, uma vez que cada interpretação histórica é fruto do seu próprio tempo.

3.1.2. Os Livros Didáticos da Rede Municipal de Ensino da Cidade de Campo Grande – Mato Grosso do Sul

Conforme documentos do Núcleo do Livro Didático da Secretaria Municipal de Educação do Município de Campo Grande e consoante com o Programa Nacional do Livro Didático/2008, do Ministério da Educação, do Governo Federal, foram repassados aos colégios de sua rede pública de ensino do fundamental os seguintes livros didáticos:

a) Projeto Araribá – História – Ed Moderna; b) Saber e Fazer História – Ed Saraiva; c) História e Vida Integrada – Ed Ática;

d) História: Das Cavernas ao Terceiro Milênio – Ed Moderna; e) História em Projetos – Ed. Ática;

f) Encontros com a História – Ed Positivo; g) Construindo Consciência – Ed Scipione.

Foram escolhidos para esta pesquisa os cinco primeiros títulos desta lista, uma vez que os mesmo abarcam quase a totalidade das escolas municipais.

7

Conferência de abertura do Evento “História: Questões & Debates 25 anos” – Auditório Homero de Barros, Edifício Dom Pedro I, Universidade Federal do Paraná, 16 de novembro de 2005.

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19 Em um total de 83 escolas da rede municipal pesquisadas, o livro Projeto Araribá, foi adotado por 57 delas; Saber e Fazer História, foi adotado por 11 escolas; História e Vida

Integrada foi adotado por quatro escolas; História: Das Cavernas ao Terceiro Milênio,

corresponde a três escolas enquanto que o livro didático História em Projetos foi adotado por apenas dois escolas municipais.

3.1.2.1 Projeto Araribá

O livro Projeto Araribá – História, que foi organizado pela Editora Moderna, tendo como editora responsável a professora Maria Raquel Apolinário, bacharel e licenciada em História pela Universidade de São Paulo – USP. O livro está em sua 2ª edição e foi editado a partir do ano de 2007. O livro ainda conta com outros oito colaboradores, todos graduados em universidades públicas, sendo em sua maioria formada pela USP.

A equipe de colaboradores destacou três páginas do livro para a apresentação da matéria, o qual contém entre mapas, textos e exercícios um total de 255 páginas.

Foram encontradas entre as referências bibliográficas as obras de Chiavenato

Genocídio americano: a guerra do Paraguai e Guerra do Paraguai: a grande tragédia rio-platense do argentino Leon Pomer, ambos representantes da Historiografia Revisionista.

Como representante da Historiografia Moderna foi anotado apenas a obra Maldita Guerra, de Doratioto.

Nota-se em leitura do assunto A Guerra do Paraguai no livro didático Projeto

Araribá, a grande influência dos representantes da historiografia revisionista. Podemos

também perceber que os autores não se preocuparam em atualizar os dados apresentados por Chiavenato em 1979, escolhendo-o como guia seguro e verdadeiro para o assunto.

Pode-se perceber que os autores de Projeto Araribá recorrem à ideologização do tema como meio de apresentar o assunto Guerra do Paraguai segundo a visão apaixonada e desprovida de dados científicos de Genocídio americano: a guerra do Paraguai.

O livro, em trechos sem clareza, pouco explicam as causas da guerra e confunde ao não pontuar a participação do Uruguai na mesma. Primeiro apresenta o país como invadido pelo Brasil, para em seguida colocá-lo lado a lado com Brasil e Argentina na formação da Tríplice Aliança contra o Paraguai, país que, segundo o livro, saiu em defesa do Uruguai. É repleto de informações desatualizadas e farto em frases impactantes, próprio dos discursos ideológicos de esquerda. Vejamos alguns trechos:

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Para o Paraguai, o conflito foi uma catástrofe. Antes da guerra, o país passava por um processo de modernização. Por iniciativa do governo paraguaio, estradas de ferro e indústrias foram implantadas, o exército se equipava e uma marinha mercante começava a funcionar, transportando produtos paraguaios para o exterior.

Segundo outra visão a respeito dos acontecimentos, essas opiniões são fantasiosas. O Paraguai não teria promovido sua industrialização com recursos próprios. Alguns projetos paraguaios de infraestrutura foram financiados por capitais ingleses e supervisionados por especialistas vindos da Inglaterra. Além disso, os produtos ingleses cobriam, em 1865, 75% das importações paraguaias.

De qualquer forma, os estudiosos têm sido unânimes em reconhecer a miséria do Paraguai após a guerra. A jovem nação teve boa parte de suas terras anexadas pelos vencedores, além de arcar com uma pesada dívida de guerra. Sua população foi reduzida a 1/5, a maioria de mulheres, idosos, inválidos e crianças. O Paraguai tornou-se um dos países mais pobres da América Latina. (PROJETO ARIBÁ, 2007, p. 226).

As equipes de colaboradores afirmaram no livro didático, baseados nas obras de Pomer e Chiavenato, que o país passava por um processo de modernização. Esta afirmação não foi contemplada nem mesmo pelas fontes históricas paraguaias pesquisadas pela Historiadora Squinelo em seus estudos no livro A Guerra do Paraguai, essa desconhecida...

... Ensino, memória e história de um conflito secular.

Os autores afirmam que os estudiosos têm sido unânimes em reconhecer a miséria do Paraguai após a guerra, sendo um dos países mais pobres da América Latina, e nos afirma que o é até os dias atuais. Além de não apontar quem são estes estudiosos, desconsidera que as indenizações de guerra nunca foram pagas ao Brasil e que as dívidas do Paraguai foram perdoadas pelo Presidente Getúlio Vargas nos primeiros dos seus governos. Demostram desconhecimento de recentes estudos efetuados pelo economista Wagner Enis Weber, diretor do Instituto de Estudos Econômicos e Sociais do Paraná-Paraguai (Ineespar). Este afirma que o Paraguai há muito é um país que tem, em alguns aspectos sociais, indicadores melhores que o Brasil e em tudo melhores que o Peru e Colômbia.8

3.1.2.2 Saber e Fazer História – Consolidação do Capitalismo e Brasil Império.

O livro didático Saber e Fazer História, editado pela Editora Saraiva, tem como autores Gilberto Cotrim e Jaime Rodrigues e no ano de 2009 contava a sua 5ªedição e foi adotado por 11 escolas públicas municipais em 2010 em Campo Grande.

8

TEIXEIRA, Duda. Síndrome do pedinte rico. VEJA. São Paulo, n. 2167, p. 46, 02 jul. 2010. Disponível em <http://veja.abril.com.br/020610/sindrome-pedinte-rico-p-201.shtml> Acesso em 23 jul. 2010

(22)

21 O autor Gilberto Cotrim formou-se no curso de História, da USP, como sua primeira graduação superior e mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie.

O escritor Jaime Rodrigues é doutor em História pela Unicamp e professor na USP.

O livro didático conta com 272 páginas e destina quatro delas ao relato do conflito. Didaticamente inicia o relato sobre a guerra com a situação política no Uruguai, pontuando a intervenção brasileira e argentina no país. Efetivamente o livro dispensa apenas uma página e meia para a exposição do conflito.

Entre suas referências bibliográficas encontram-se, principalmente, as seguintes obras - A guerra do Paraguai: 130 anos depois de Leslie Bethell e Maldita Guerra de Francisco Doratioto, ambos representantes da última visão da historiografia sobre a guerra do Paraguai.

O livro, na página 252, faz a seguinte afirmação: “De acordo com os militares brasileiros, o motivo que desencadeou a guerra foi o aprisionamento do navio brasileiro Marquês de Olinda, que seguia pelo rio Paraguai, próximo a Assunção, com destino à província de Mato Grosso.” Os autores não fazem referências às fontes das quais foram extraídas estas informações e se limitam a apresentar o conflito nas terras do sul da província do Mato Grosso através de um mapa, sem explicações textuais, não dando a devida importância à invasão dos paraguaios em território já habitado por brasileiros.

Também sustentam que conflitos territoriais dificultavam as relações entre os governos do Paraguai e Brasil, no século XIX, não esclarecendo que a invasão paraguaia ao sul do Mato Grasso se deu por causa das terras em litígio entre as nações. Não escrevem sobre o seu desfecho, muito menos o situa em um contexto de formação territorial dos países platinos.

Cotrim e Rodrigues, por outro lado, escrevem que: “Os ressentimentos provocados pela guerra duraram mais de um século. Hoje, os mesmos vizinhos que lutaram entre si no século XIX procuram meios para promover sua integração econômica no MERCOSUL”. (COTRIM, 2009, p. 252).

Impressiona que os autores não tenham conhecimentos sobre as obras clássicas de Hélio Viana ou de Carlos Delgado de Carvalho que tratam sobre a História da Diplomacia Brasileira. Nas obras História Diplomática do Brasil – curiosamente as duas publicações têm

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22 os mesmos títulos, ambos publicados na década de 1950, os autores já falam sobre as relações amistosas entre Brasil e Paraguai.

Mais recentemente, no ano de 1992, o professor doutor Amado Luiz Cervo, que leciona na Universidade de Brasília e no Instituto Barão do Rio Branco, juntamente com o professor doutor Clodoaldo Bueno, livre-docente pela Unesp em Formação Econômica, Social e Política do Brasil, professor da Universidade Estadual de Brasília, escreve o magistral título “História da Política Exterior do Brasil” que nos ensina que: “A revisão historiográfica está em curso, incorporando conceitos e métodos modernos de análise, que devem ser usados para a leitura crítica da historiografia disponível, como também para fazer avançar o conhecimento”. (CERVO, 1992, p. 114).

Seguindo neste mesmo diapasão, o Embaixador aposentado Carlos Alfredo Pinto da Silva, que trabalhou como Segundo e Primeiro Secretário na Embaixada em Assunção, de 1974 a 1976, publicou artigo intitulado Relações Brasil-Paraguai, em revista do Clube Militar, a qual em duas páginas indica que as relações entre Brasil e Paraguai nos anos posteriores a guerra foram muitos amistosas, não só economicamente, mas também militar e socialmente. Vale ressaltar que Silva mostra que neste centenário relacionamento bilateral, as vantagens obtidas pelo Paraguai foram infinitamente maiores que as brasileiras, bastando lembrar o recente caso da renegociação das taxas sobre a venda de energia elétrica da hidrelétrica de Itaipu entre o Governo Brasileiro e o Paraguai, com vitória para os paraguaios.

3.1.2.3 História e Vida Integrada

O livro didático História e Vida Integrada contam com 272 páginas e para o tema Guerra do Paraguai foram destinadas cinco páginas, está em sua 4ª edição e a edição em questão foi editada no ano de 2010. A Secretaria de Educação da Prefeitura de Campo Grande o admitiu em quatro de suas escolas.

Seus autores têm as seguintes formações: Nelson Piletti é graduado em Filosofia, Pedagogia e Jornalismo, mestre, doutor e livre-docente em História da Educação Brasileira pela USP e Professor na Faculdade de Educação na USP; Claudino Piletti é graduado em Filosofia e Pedagogia, professor de História e doutor em Educação pela Faculdade de educação da USP e Thiago Tremonte é graduado em História pela PUC-SP, mestre em História Social pela PUC-SP e graduado em Filosofia pela USP.

(24)

23 Em suas referências bibliográficas, menciona diretamente a obra de Francisco Doratioto, Maldita Guerra, representante da Historiografia Moderna.

O livro ao tratar do tema em destaque torna-se ambíguo, pois trata o tema com a visão da Historiografia Revisionista e aponta a obra de Doratioto, explicitamente contrária àquela visão, como única referência bibliográfica. Veja fragmento de trecho do livro História

e Vida Integrada:

O Paraguai tornou-se uma República independente em 1811, separando-se do Vice-Reinado da Prata. Seu território não tem saída para o mar.

O isolamento do Paraguai fez com que seus governantes passassem a se preocupar com o desenvolvimento do país, conduzindo a economia para torná-lo cada vez mais autossuficiente. Assim, no governo de Francisco Solano López, que teve início em 1862, o Paraguai dependia pouco de outros países para satisfazer suas necessidades básicas: produzia quase todos os alimentos de que precisava; tinha em Assunção uma fábrica de armas e de pólvora; e muitos latifúndios improdutivos tinham sido transformados em fazendas estatais, a fim de dar emprego à população.” (PILETTI, 2010, p. 178).

O pesquisador Doratioto apresenta, com base em ampla pesquisa de fontes primárias e profundo conhecimento da literatura secundária, uma visão muito distinta do livro

História e Vida Integrada, ao mesmo tempo em que nos traz a realidade vivida pelo Paraguai

à época. Afirma que o país após sua independência não se diferenciou do padrão apresentado pelos demais países latino-americanos.

Doratioto nos revela que o Paraguai foi governado inicialmente por José Gaspar Rodríguez de Francia – o “Ditador Perpétuo”, que promoveu o isolamento do país, o fortalecimento do Estado e manteve uma estrutura produtiva baseada na produção de erva-mate, tabaco e madeira – nada que torne um país autossuficiente. As fazendas estatais, que seriam exemplos de justiça e equilíbrio social, utilizaram além do trabalho camponês, africanos escravizados e prisioneiros.

Na década de 1840, o país procurou obter o reconhecimento de sua independência e ampliar o contato com o exterior, para modernizar sua economia. A nova orientação ganhou força no governo de Carlos Antonio López e principalmente no governo de Solano López. Era uma tentativa do Paraguai se inserir no mercado mundial. Com Carlos López, o Estado paraguaio programou uma estratégia de “crescimento para fora”, possibilitado pela exportação de produtos primários. Sua rápida modernização, basicamente militar, deu-se sem o concurso de capitais estrangeiros, pois a tecnologia importada era paga à vista. Em 1854, Francisco Solano López foi enviado à Europa para comprar armamentos e estabelecer vínculos

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24 comerciais. Um acordo com a empresa Blyth & Co permitiu ao Paraguai a compra de armamento e o treinamento de jovens soldados.

Não se pode sustentar a teoria de autossuficiência do Paraguai e tão pouco autonomia em relação a países europeus ou aos latino-americanos.

Na continuidade da redação os autores prosseguem afirmando que:

O governo do Brasil também tinha interesse em controlar a navegação pelos rios Paraná e Paraguai, pois era o caminho mais fácil para chegar com grandes cargas até Mato Grosso. O governo da Argentina não aceitaria a expansão territorial do Paraguai. O governo da Inglaterra, que exercia grande influência sobre a economia do Brasil, da Argentina e Uruguai, tinha, por sua vez, interesse em abrir o mercado paraguaio aos seus produtos industrializados. (PILETTI, 2010, p. 178).

Ora, percebe-se grande equívoco dos autores, uma vez que a própria referência bibliográfica, apontado pelos mesmos autores, nos traz este ensinamento:

A sete de dezembro de 1864, o diplomata Edward Thornton, representante britânico na Argentina e Paraguai, escreveu ao chanceler paraguaio José Berges uma carta que comprova o desinteresse da Grã-Bretanha na eclosão de uma guerra entre o Paraguai e seus vizinhos. No documento, Thornton afirma textualmente: “V.E. sabe que a Inglaterra também está em atritos com o Brasil, de modo que tanto por esse motivo, como pela falta de instruções de meu governo, não poderia fazer nada de oficial com seu governo; mas particularmente sim, se puder servir, no mínimo que seja, para contribuir para a reconciliação dos dois países, espero que V.E. não hesite em me utilizar.” (DORATIOTO, 2002, p. 617).

Os autores cometem várias ambiguidades, que torna a leitura do livro texto, confrontado com a referência bibliográfica, de difícil interpretação. O texto do livro didático reza a cantilena de Chiavenato e não faz nenhuma referência a este autor em sua bibliografia e ainda nos faz entender que retirou as interpretações sobre a guerra a partir da obra de Doratioto.

O autor de Maldita Guerra, professor do mestrado em Diplomacia do Instituto Rio Branco, desmente as afirmações do livro didático História e Vida Integrada ao afirmar e demonstrar com documentos que a Inglaterra, maior potência à época, não tinha interesses no conflito entre o Paraguai e o Brasil, e contrariamente, se dispunha a evitá-lo. No mesmo documento, o diplomata britânico aponta que o governo inglês nada poderia fazer em relação ao Brasil, uma vez que estes estavam com relações diplomáticas rompidas desde 1863. Este episódio entrou para a Historiografia Brasileira conhecida como Questão Christie, que se constituiu num contencioso entre os governos do Brasil e o do Reino Unido. Esta disputa diplomática foi fruto de um conjunto de incidentes envolvendo ambas as nações, culminando

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25 no rompimento das relações diplomáticas, em 1863, por iniciativa do Brasil. Os dois países somente reataram as relações diplomáticas em 1865, quando o governo britânico apresentou desculpas formais ao imperador brasileiro pelo imbróglio, mas a Guerra do Paraguai já havia começado. A argumentação sobre a influência da Inglaterra sobre o Brasil, a ponto de fustigá-lo contra o Paraguai, não se sustenta uma vez que estes países estavam com relações diplomáticas rompidas quando se deu o início da guerra, em 1864.

Os autores continuam em suas confusões quanto aos seus postulados quando nos afirmam que: “Os governos do Brasil e da Argentina conseguiram alguns milhares de quilômetros quadrados de terras paraguaias.” (PILETTI, 2010, p. 179). Os mesmos parecem desconhecer que as terras demarcadas para o Brasil após a guerra eram terras litigiosas entre as duas nações desde a independência do Paraguai e que após a demarcação o governo imperial brasileiro tomou tão somente as faixas de terras reclamadas, onde já habitavam brasileiros, que remontavam a época colonial ou ainda que tivessem sido por estes colonizadas e que foram efetivadas pela Lei de Terras, de 1850. Portanto, o Brasil reivindicou e incorporou ao seu território apenas as terras já ocupadas ou exploradas por brasileiros ou portugueses dentro do consagrado princípio romano do uti possidetis, ita poddideatis.

Os autores, apesar de arvorarem-se em suas referências bibliográficas aos estudos e pesquisas do historiador Doratioto, utilizam-se em suas argumentações, no livro didático

História e Vida Integrada, a Historiografia Revisionista, demonstrando ignorar

conhecimentos já consagrados e substituindo-os pelos textos emocionalistas fáceis e pelas denúncias indignadas, apropriadas pelas editoras desde as décadas de 1980.

3.1.2.4 História: Das Cavernas ao Terceiro Milênio – Séculos XVIII e XIX: as fundações do mundo contemporâneo

O livro didático História: Das Cavernas ao Terceiro Milênio, em seu volume analisado, do ano de 2006, estava em sua 2ª edição. Contém 264 páginas, sendo destinados ao assunto em estudo apenas três páginas.

Os autores têm as seguintes formações acadêmicas: Patrícia Ramos Braick – mestre em História pela PUC-RS – e Myriam Becho Mota – licenciatura em História pela Faculdade de Ciências Humanas de Itabira/MG e mestre em Relações Internacionais pela The

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26 Como referenciais bibliográficos foram observados vários livros circulares ao tema Guerra do Paraguai, tais como Mauá de Jorge Caldeira e História da América Latina de Leslie Bethell, mas nenhuma obra destinada especificamente ao conflito.

Sobre o conflito propriamente dito a autora limita-se a seguir a sequência causas-consequências e o faz em três folhas. A folha e meia inicial fica por conta das explicações sobre os antecedentes da Guerra, mais especificamente a questão do Uruguai.

O livro aponta como causas do conflito, o interesse argentino em retomar as terras paraguaias pertencentes ao antigo Vice-Reino da Prata, anexando o Paraguai como uma das suas províncias e a invasão brasileira ao Uruguai que teria suscitado em Lopes a intenção de libertar aquele país do invasor brasileiro.

O livro prossegue com a sua descrição superficial da Guerra do Paraguai quando fala sobre a sua eclosão. Indica apenas que Solano Lopes ficou “descontente” com a invasão brasileira ao Uruguai e em represália aprisionou o vapor brasileiro Marquês de Olinda e em seguida atacou a província do Mato Grosso.

Após esta breve preliminar, as autoras finalizam a redação com uma sucinta exposição sobre o fim e as consequências do conflito para o Brasil e o Paraguai.

Os textos evocam com mesmice aos lugares-comuns tão reproduzidos na maioria dos livros didáticos analisados no que é concernente a Guerra do Paraguai, quais sejam: o Brasil invade o Uruguai, o Paraguai não aceita a invasão, aprisiona o vapor Marquês de Olinda, invade o Rio Grande do Sul e o Mato Grosso, são derrotados na Batalha do Riachuelo, Solano Lopes é assassinado, Paraguai é arrasado e a maioria dos homens morrem.

O livro não se inclina para a Historiografia Tradicional, para a Revisionista ou tão pouco para a Historiografia Moderna. Restringe-se tão somente a descrever em linhas gerais as causas e as consequências da Guerra.

3.1.2.5 História em Projetos - O Mundo do avesso: o embate entre novas e velhas ideias – do século XVII ao XIX

As autoras do livro didático analisado são: Maria da Conceição Carneiro de Oliveira – licenciada e bacharel em História pela USP-SP, com especialização lato sensu em História Social pela Unicamp-SP. Graduanda em Pedagogia pela Faculdade de Educação da USP-SP, Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, na categoria Livro Didático e Paradidático de Ensino Fundamental ou Médio, em 2005, pela Coleção História Paratodos, da

(28)

27 Editora Scipione; Carla Miucci Ferraresi – licenciada e bacharel em História pela USP-SP, bacharel em Ciências Sociais pela USP-SP, doutora em História Social no departamento de História da SP e Andrea Paula dos Santos – licenciada e bacharel em História pela USP-SP, mestre em História Social e doutora em História Econômica pela USP-SP.

O livro está em sua 2ª edição e o exemplar em questão foi impresso no ano de 2010. Conta com 280 páginas e destina 17 delas para o estudo da Guerra do Paraguai entre mapas, fragmentos de documentos, exercícios, textos, gravuras, fotografias, charges e resumos. O livro foi adotado por somente duas escolas no município de Campo Grande.

Foi encontrada em sua relação bibliográfica, além de várias obras de relevância para a historiografia do Brasil, a seguinte indicação sobre a guerra: Francisco Doratioto, A

guerra do Paraguai: 2ª visão, representante da visão Historiográfica Moderna. As autoras

demonstram cabalmente em seu livro didático a preferência em trabalhar com documentos. Com escrita forte e despretensiosa, o livro parece conversar com o leitor. Com linguagem bastante acessível para a faixa etária a que se propõe atender.

É clara a opção que as escritoras fazem pelas abordagens na área da História Social, aliás, área bem desenvolvida pelos estudiosos das Ciências Humanas na Universidade de São Paulo, porém, percebe-se um flerte ainda maior das autoras com a Microhistória. Na análise das fontes, envolvendo as descrições etnográficas, não perdem a narrativa histórica, não se limitam a grandes esquemas, modelos teóricos, histórias de batalhas e não fazem uso de narrativas emocionadas. As autoras preocuparam-se em estabelecer as relações entre os personagens históricos de maneira a demonstrar que as ações concernentes à guerra foram realizadas por pessoas, não por super-seres e vai além ao apresentar estes personagens, às vezes anônimos, como agentes históricos, estabelecendo as suas origens, condições sociais e motivações para as suas participações na guerra.

O livro apresenta excelente coordenação entre textos e imagens, fragmentos de documentos e exercícios, diversas visões de um mesmo fato histórico, fotografias e exercícios, mapas e exercícios, obras de artes, charges e exercícios e por fim apresenta uma bem elaborada linha do tempo, com uma cronologia dos eventos históricos bem estabelecida.

As autoras ainda têm a preocupação de informar as origens de todas as fontes pesquisadas, assinalando abaixo dos respectivos documentos de onde vieram aquelas informações.

Pode-se dizer que as autoras vão além da historiografia moderna brasileira ao levar para o discente uma leitura dinâmica, de fácil compreensão e deixando para os alunos o

(29)

28 debate e as descobertas sobre os fatos que envolveram a questão. A historiografia moderna está bastante preocupada com o aspecto geopolítico do conflito, como os estabelecimentos das fronteiras, levando para os discentes esquemas complicados sobre os estudos da Guerra.

Os discentes da cidade de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, poderão se perceber como herdeiros da história da Guerra do Paraguai, ao serem conduzidos entre documentos, fotografias, relatos regionais e através de um minucioso mapa da região da então Província do Mato Grosso e parte do cone sul do Brasil. Os exercícios de fixação, através da leitura crítica dos mapas da região, os remetem a lugares que tomarão como familiares, pois lá estão os nomes de cidades e regiões que lhes são comuns. As autoras se dão a exposição minuciosa da participação na guerra dos índios cavaleiros Kadiwéu, figuras símbolos do estado do Mato Grosso do Sul, que lutaram ao lado de brasileiros contra os paraguaios, constituindo um exército aliado, com comando, estratégias próprias e só se reportando ao próprio Imperador, que os tratavam como súditos e não como bárbaros. Assim, as autoras conduzem os alunos das paragens do Mato Grosso do Sul a um saboroso passeio pela linha de pesquisa da chamada Etno História.

3.2 O SISTEMA COLÉGIO MILITAR DO BRASIL E O LIVRO DIDÁTICO

3.2.1 O Sistema Colégio Militar do Brasil

O Sistema Colégio Militar do Brasil é formado por doze colégios militares, que oferecem o ensino fundamental, do 6º ao 9º anos e o ensino médio. Esses estabelecimentos de ensino se fazem presentes em várias unidades da federação, abarcando todas as regiões geográficas do país. Pretende propiciar educação de qualidade a aproximadamente 15 mil jovens, oriundos de meio civil, admitidos através de concurso público ou filhos de militares amparados por lei específica.

As práticas didático-pedagógicas nos colégios militares subordinam-se às normas e prescrições do Sistema de Ensino do Exército, observa os Parâmetros Curriculares Nacionais de História e obedecem à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), principal referência que estabelece os princípios e as finalidades da educação no País.

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29 O Sistema de Ensino do Exército foi sancionado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1999, através da Lei 9.786, e extraí-se desta legislação os seguintes termos:

Art. 3º O Sistema de Ensino do Exército fundamenta-se, basicamente, nos seguintes princípios:

I - integração à educação nacional. [...]

Art. 4º O Sistema de Ensino do Exército valoriza as seguintes atitudes e comportamentos nos concludentes de suas modalidades de ensino:

I - integração permanente com a sociedade; II - preservação das tradições nacionais e militares; III - educação integral;

IV - assimilação e prática dos deveres, dos valores e das virtudes militares; V - condicionamento diferenciado dos reflexos e atitudes funcionais; VI - atualização científica e tecnológica;

VII - desenvolvimento do pensamento estruturado.

O primeiro colégio militar a entrar em funcionamento foi o do Rio de Janeiro, que conta com 121 anos de existência, já o mais novo, Colégio Militar Santa Maria, soma apenas 16 anos.

3.2.2 História do Brasil – Império e República – Coleção Marechal Trompowsky

O livro didático História do Brasil – Império e República, da Coleção Marechal Trompowsky, conta com 238 páginas. São destinadas 12 delas para a Guerra do Paraguai, sendo duas para as Questões Platinas e dez direcionadas especificamente para o conflito entre Brasil e Paraguai.

É editado pela BIBLIEX – Biblioteca do Exército Editora. Está em sua 5ª edição revisada e ampliada, sendo o volume analisado consta a impressão do ano de 2009.

Os autores são dois militares professores do Exército e uma professora de origem civil. Estes são o Coronel Aldo Demerval Rio Branco Fernandes, o Capitão Maurício de Siqueira Mallet Soares e a professora Neide Annarumma, todos pertencentes ao magistério militar.

O conteúdo do livro didático observa a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e os Parâmetros Curriculares Nacionais de História, seguindo a linha didático-pedagógica do Sistema de Ensino do Exército nos colégios militares Portanto, é consonante que o livro didático, em análise, veicule os seus temas de estudo às tradições e valores caros ao Exército e ao Brasil, uma vez que está de acordo com a proposta pedagógica do Sistema Colégio Militar do Brasil, que prevê: “O desenvolvimento de atitudes e a incorporação de

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30 valores, assegurando a formação de um cidadão patriota, cônscio de seus deveres, direitos e responsabilidades.”

O livro didático História Do Brasil – Império e República (Coleção Marechal

Trompowsky), conta com ilustrações, mapas, gráficos e fotografias, além de textos e

fragmentos de documentos, pesquisados em fontes primárias e secundárias, bem como faz a utilização da linha de pesquisa de História Oral.

O livro inicia o tema Guerra do Paraguai pelas Questões Platinas, explicando os antecedentes históricos que envolveram as disputas entre as coroas portuguesa e espanhola pela posse da região, seguidos pelos movimentos de emancipações das colônias.

Na sequência, o livro relata as relações entre o Brasil e a Argentina, o Brasil e o Uruguai e as relações entre o Brasil e o Paraguai. Esta forma de exposição é inovadora e interessante, porém torna-se cansativa a leitura, uma vez que os mesmos assuntos se repetem e poderiam ser unificados, pois há de se considerar que público alvo do livro em questão são crianças e pré-adolescentes.

Durante a exposição sobre A Guerra, os autores transmitem as mesmas informações dadas na formação da Tríplice Aliança. A título de exemplificação, na explicação sobre a formação da Tríplice Aliança, na página 61, eles escrevem que: “[...] a captura do navio brasileiro Marquês de Olinda e a própria invasão do Mato Grosso foram reações violentas à intervenção brasileira no Uruguai, assim como causas imediatas da guerra.” E logo adiante, na página 63, os autores repetem que: “[...] O governo paraguaio uniu-se ao Partido Blanco uruguaio (inimigo do Partido Colorado que era aliado do Brasil e da Argentina). Quando o Brasil invadiu o Uruguai por causa da guerra contra Aguirre, o Paraguai apreendeu o navio brasileiro Marquês de Olinda, no Rio Paraguai.” Estas repetições se fazem presentes em todos os textos que encerram o tema Guerra do Paraguai.

Outro ponto negativo do didático analisado são os recursos linguísticos utilizados. Perceber-se que estes não são adequados àquela faixa etária, a qual o livro se destina. Um exemplo a ser citado é o seguinte fragmento do texto, que faz parte do subtítulo Antecedentes

Históricos: “No século XIX, depois dos movimentos de emancipação, a América Portuguesa

transformou-se no Brasil independente, onde germinou a semente da unidade, lançada em terra fértil pelos portugueses e nutrida pelos homens que fizeram nossa história.” (FERNANDES, 2009, p. 54).

Os autores também lançam mão, continuamente, de termos próprios aos militares. Tem-se exemplo, na página 64, o seguinte trecho: “Na batalha, ao tentarem impedir o avanço

(32)

31 aliado, os paraguaios atacaram um posição defensiva preparada, sofrendo a decisiva derrota da guerra, com 12 mil baixas.”

O livro apresenta, em algumas passagens, sucessões de nomes, batalhas, datas e eventos:

Conde d'Eu, auxiliado pelo General Osório, organizou as forças da Tríplice Aliança (31 mil homens) e iniciou a Campanha da Cordilheira, a qual culminou na Batalha final de Campo Grande (ou Acosta Nu), em agosto de 1869. Depois desta, ocorreram apenas perseguição e morte do Marechal Francisco Solano López, na localidade de Cerro Corá, em 1o de março de 1870. (FERNANDES, 2009. p. 65). Nestes momentos, o livro inclina-se para a linha Historiográfica Tradicional, numa vertente conhecida como História Batalha, em que os nomes dados aos eventos, às datas e aos personagens revestem-se de maior importância do que o próprio assunto.

A matéria, sobre o conflito, como é tratada na obra perpassa a Historiografia Tradicional e a Moderna, tendendo para a Tradicional.

O livro didático, oportunamente, faz menções a acontecimentos, locais e heróis regionais, de fáceis identificações com o estudante sul-mato-grossense, assim como menciona as obras literárias que fazem referências à região.

Não há de se negar que o livro História do Brasil – Império e República obedece às determinações do Sistema de Ensino do Exército nas passagens que através de seus textos lembram os heróis brasileiros na Guerra da Tríplice Aliança e dos patronos da instituição que lutaram naquelas batalhas, fazem referências às inclinações de respeito às liberdades, defendidas pelo Exército Brasileiro, bem como ressaltam, de maneira bem didática, que o Brasil somente revidou a um ataque em solo brasileiro de uma nação agressora.

(33)

32

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Guerra do Paraguai é um tema que tem suscitado inúmeras polêmicas e tem gerados estudos cujos resultados apresentam discrepâncias enormes. Essas situações devem-se as paixões predevem-sentes em muitos trabalhos que abordam o processo histórico em questão. Os extremismos próprios das manipulações ideológicas, geralmente simplificadora da análise, comprometem as metodologias empregadas para as pesquisas.

É certo que as visões distintas baseiam-se em diferentes posicionamentos sobre o tema, que levam a utilização de variadas fontes primárias, muitas vezes questionáveis quanto à veracidade e abrangência.

Os diferentes recortes temporais foram divididos em três grandes grupos, que são a Historiografia Tradicional, dentro da versão nacionalista; a Historiografia Revisionista e, por último, a Historiografia Moderna.

Periodicamente o tema Guerra do Paraguai, recebe uma ou outra visão da guerra, sendo todas, naqueles ambientes e contextos históricos, extremamente importantes, de modo que se apreende que as pesquisas efetuadas em cada um destes momentos foi uma atitude mais ou menos sincera perante os fatos e o momento vivido pelo historiador.

Com o decorrer dos tempos, os livros didáticos receberam estas ou aquelas interpretações sobre o conflito platino, que como as fontes consultadas, são frutos do seu tempo.

Durante o período que se estende do Governo de Getúlio Vargas até o Regime Militar, predominou entre os livros didáticos a visão nacionalista, própria da historiografia tradicional, necessária para a afirmação dos governantes e escritos por pesquisadores nacionalistas geralmente ligados aos governos, seja o imperial, os oligárquicos ou os governos autoritários, que não podiam perder de vista o desenvolvimento civil da população brasileira, representada pelos militares e heróis brasileiros que lutaram em terras paraguaias. Os brasileiros deveriam ter como ponto de união a nobre missão de libertação do povo guarani, contra a tirania caudilhesca de um único personagem, Solano Lopez, que oprimia a população paraguaia e ameaçava a soberania dos territórios brasileiros com seus objetivos megalomaníacos. Esta foi a interpretação dada a História do Paraguai nos livros didáticos pelos integrantes da Historiografia Tradicional, uma vez que nas pesquisas usadas para interpretação da Guerra foram utilizados aqueles livros escritos por observadores diretos da

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33 guerra ou por homens que viveram em seu tempo, ou seja, nos dá uma amostra parcial e ufanista da participação do Brasil na Guerra do Paraguai.

A chamada Historiografia Revisionista surge no final da década de 1960, ganha forças durante as décadas de 1970 e 1980, mas começa a ser contestada no início da década de 1990 pela Historiografia Moderna.

A Historiografia Revisionista, como todas as visões históricas também é fruto do seu tempo e esse tempo era polarizado e autoritário. Polarizado ideologicamente pela Guerra Fria no mundo dividido entre capitalismo e socialismo e politicamente autoritário com os governos militares na América Latina.

Os autores deste período romperam com a historiografia nacionalista, tradicional, ao fazerem uma releitura da Guerra do Paraguai do ponto de vista marxista ao creditar a Inglaterra toda a responsabilidade pela destruição do Paraguai ao influenciar o Brasil, a Argentina – duas potências regionais em que a primeira estava com relações diplomáticas com a Inglaterra rompidas e a segunda, no início do século XIX, já havia resistido a duas invasões britânicas ao seu território – e o Uruguai, insuflando-os contra o Paraguai, pequeno país interior que, segundo os escritores do período, ousou desafiar a potente Inglaterra ao não aceitar a submissão econômica imposta pelo país bretão.

Havia, pelos autores, a intenção de transformar o Paraguai em uma nação precursora a de Cuba castrista, com os seus exemplos de luta contra o imperialismo das potências e a resistência ao capitalismo.

Como as outras visões históricas, o revisionismo da Guerra do Paraguai reflete o seu contexto histórico. Nascido de um contexto de Guerra Fria em que os autores nutriam simpatias pelos regimes socialistas espalhados pelo mundo, em especial o de Cuba, as obras tinham a intenção de desconstruir as imagens dos heróis militares, para atingir os governantes do período militar e que pelos quais os autores se sentiam perseguidos.

Hoje, a visão histórica em destaque é considerada simplista, sem embasamento científico e com linguagem apelativa, resumindo-se em denuncismo emocionado e com textos impactantes. Esta visão propagada pela historiografia de esquerda caiu no gosto das academias, que as aceitaram sem maiores críticas e nenhuma refutação. Os centros universitários passaram a reproduzir os seus conteúdos como verdades históricas para as causas e consequências da Guerra do Paraguai. Logo as editoras e parte da população, principalmente os jovens estudantes das décadas de 1980 e início da década de 1990 passaram

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