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Caminha, Meirelles, e Mauro : narrativas do (re) descobrimento do Brasil; decifrando as imagens do paraiso

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Caminha, Meirelles e Mauro: narrativas do (re)

descobrimento do Brasil; decifrando as imagens do paraíso.

Autora: Carolina Cavalcanti Bezerra

Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo Albuquerque Miranda

Campinas

Fevereiro de 2008

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RESUMO

Essa dissertação tem como propositura uma nova leitura sobre o descobrimento do Brasil através das imagens/representações do Paraíso na Terra. A permanência dessa imagem no imaginário coletivo foi a base para o desenvolvimento dessa dissertação, partindo dos seguintes documentos: a Carta de Caminha sobre o descobrimento do Brasil (1500), o quadro A Primeira Missa no Brasil de Meirelles (1860/1) e O Descobrimento do Brasil (1937), filme de Humberto Mauro. A presente incursão pelas narrativas de Pero Vaz de Caminha, Victor Meirelles de Lima e Humberto Mauro sobre as imagens do descobrimento do Brasil - especificamente pela construção da Primeira Missa no Brasil - levaram essa pesquisa por caminhos até então desconhecidos sobre o poder de uma imagem recriada, na formação da memória coletiva.

Palavras-Chave: 1. Meireles, Vítor, 1832-1903 2. Mauro, Humberto, 1897-1983. 3. Cinema. 4. Educação. 5. Memória.

ABSTRACT

This dissertation aims at bringing a new reading of the Brazil discovery by image/ representations of ‘Paraíso na Terra’. The permanence of this image in the collective imagination was the foundation for the development of this dissertation, starting from the following documents: A ‘Carta de Caminha’ about the discovery of Brazil (1500), the oil painting ‘A Primeira Missa no Brasil’ by Meirelles (1860 /1861), and the movie ‘O Descobrimento do Brasil' (1937), by Humberto Mauro. The present incursion by the narratives of Pero Vaz de Caminha, Victor Meirelles de Lima and Humberto Mauro on the images of Brazil's discovery - specifically for the construction of the ‘Primeira Missa no Brasil’ - led this search through ways thus far unknown about the power of a recreated image in the formation of collective memory.

Keywords: Meireles, Vítor, 1832-1903; Mauro, Humberto; Moving-pictures; Education; Memory.

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A todas as pessoas que impulsionaram meu trabalho permanecendo sempre ao meu lado. Em especial à Arilda pessoa importante

e grande incentivadora da minha vida acadêmica. Sem ela, talvez, essa pesquisa não se concretizasse.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de agradecer aos membros que compuseram a banca de qualificação, de defesa e seus respectivos suplentes por aceitarem meu convite. Agradeço também toda contribuição dada, das mais diversas formas, para a escrita desse trabalho. Incluo aqui meu orientador, Carlos Miranda, por dividir comigo o interesse por Mauro, Meirelles e as imagens que saltavam aos nossos olhares.

Aos leitores mais atentos e prestativos durante todo o processo, agradeço especialmente a Ana Maria, Denise, Arilda e Gabriela. Cada uma a sua maneira foi importante durante toda a pesquisa, com ponderações pertinentes, amizade e carinho incondicional.

Não posso deixar de lembrar de alguns colegas e pesquisadores com quem dividi nas reuniões do grupo de pesquisa e estudos OLHO (Laboratório de Audiovisuais) e em encontros fora da universidade, o prazer de algumas leituras, boas conversas e vários filmes. São eles: Pablo, Gaby, Ignez, Milton, Wences, Marco e João André.

Agradeço também minhas amigas, de todos os grupos, pelo interesse no trabalho e em especial na pesquisadora.

Reitero o já dito na qualificação agradecendo de forma especial à Sheila Schvarzman, ponto de partida para essa pesquisa no ano de 2003, ao me apresentar suas pesquisas sobre Humberto Mauro.

E por fim, mas não menos importante, às famílias que me acompanharam durante todos esses anos (e que são também minhas): Cavalcanti, Bezerra, Miranda e Ribeiro.

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SUMÁRIO

Resumo/Abrastract iii Dedicatória v Agradecimentos vii Lista de Imagens ix 1°°°° DESCOBRIMENTO: Percursos 1

1.1. - O Percurso do Descobrimento na Carta de Pero Vaz de Caminha 5

1.2. - As Missas na narrativa de Caminha 8

2°°°° DESCOBRIMENTO: Meirelles 12

2.1. - Pintura Histórica 17

2.2. - Meirelles, a Pintura Histórica e a Primeira Missa no Brasil 19

2.3. - O Mito Fundador do Brasil 27

2.4. - Questões da Memória 29

3°°°° DESOBRIMENTO: Mauro e o Cinema 31

3.1. – Os índios 37

4°°°° DESCOBRIMENTO: Educação Visual 42

4.1. – Árvore-Cruz 46

4.2. – A simbologia da Cruz nas pinturas 50

4.3. – A Árvore de Jessé e a Árvore-Cruz 54

4.4. - Primeira Seqüência: transformação do sagrado 56

4.5. - Segunda Seqüência: encontro e salvação 61

4.6. - O Mito Fundador a partir da iconografia da Primeira Missa e da Descoberta

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5º DESCOBERTAS 68

BIBLIOGRAFIA 73

Fontes das imagens 76

Outros sites consultados 77

Ficha técnica 77

Anexo I 78

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LISTA DAS IMAGENS*

1. Trecho do filme de Humberto Mauro retratando o Monte Paschoal. 7

2. Primeira Missa do Brasil (1822) de Hippolyte Taunay. Gravura retirada do livro de Hans Staden Meu Captiveiro entre os Selvagens do Brasil. São

Paulo: Companhia Editora Nacional, s.d. 10

3. Reprodução da costa brasileira

12

4. Estampa Eucalol Primeira Missa Dita no Brasil 1-5-1500. 24

5. Primeira Missa no Brasil (1860/1), de Victor Meirelles de Lima, óleo s/

tela, 268x356 cm, parte do Acervo Museu Nacional de Belas Artes (RJ). 25

6. La Première messe en Kabilie (1855), óleo sobre tela, 194X123 cm. Musée Cantonal dês Beaux-Arts (Lausanne, França).

26

7. Cena da primeira missa em O Descobrimento do Brasil. 30

8. Cartaz de lançamento de 1937 do filme O Descobrimento do Brasil. 34

9. Trecho do filme de Mauro retratando a presença de dois índios na nau de

Cabral. 39

10. Recorte do quadro de Victor Meirelles de Lima Primeira Missa no Brasil (1860/1), óleo s/ tela, 268x356 cm, parte do Acervo Museu Nacional de Belas

Artes (RJ). 47

11. Primeira Missa no Brasil (1860/1) de Victor Meirelles de Lima, óleo s/

tela, 268x356 cm, parte do Acervo Museu Nacional de Belas Artes (RJ). 49

12. Elevação da Cruz em Porto Seguro (1879) de Pedro José Pinto Perez, óleo sobre tela, 119,5x202 cm, parte do Acervo Museu Nacional de Belas

Artes (RJ).

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Seqüência de recortes do filme O Descobrimento do Brasil (1937).

57/59/60/ 61/62/63

13. A Primeira Missa no Brasil (1948) de Cândido Portinari, encomendado pelo Banco Boavista do Rio de Janeiro. Têmpera sobre tela, 266X598 cm,

coleção particular. 82

14. Domingo de Pascoela, 26 de Abril de 1500 (1971) de Glauco Rodrigues. Tinta acrílica sobre tela colada sobre madeira , 81X100 cm. Parte da coleção de Gilberto Chateaubriand, pertencente ao Museu de Arte Moderna (MAM)

do Rio de Janeiro. 82

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A visão da história cultural sobre representação considera inicialmente importante a análise do tempo e do local, bem como, da forma como uma alegoria construída será inserida em uma sociedade. Observa também desde sua concepção pelos intelectuais que tem o papel de criar significados até sua utilização vinculada às questões do poder e da dominação (CHARTIER, 1990, p.17).

O que torna interessante essa análise e que será desenvolvido posteriormente é a relação de poder e de dominação na concepção e utilização das imagens.

A persistência na reprodução d’A Primeira Missa no Brasil em diferentes modelos narrativos e na memória nacional como a construção de uma verdade dos fatos ocorridos durante o descobrimento do Brasil, é o que movimenta esta pesquisa que atravessa períodos tão distintos e que se encerrará ao final dos anos de 1937 com o filme de Humberto Mauro.

Outras interpretações foram encontradas durante a pesquisa sobre o tema e servirão como ilustração para corroborar a idéia de construção de uma memória sobre o ‘achamento’ do Brasil. Muitas dessas não serão discutidas por se encontrarem fora do intervalo histórico proposto nessa dissertação que se inicia com a Carta.

Em contato com outras imagens representativas criadas sobre a missa que oficializou a descoberta da Terra de Vera Cruz, pode-se alegar que independente do período histórico ou dos governos financiadores das mesmas, um padrão imagético estava sendo criado. Assim sendo, salienta-se a relevância do estudo proposto nessa dissertação que pretende apontar um padrão de educação visual (imagem agente) persistentes nessas reproduções.

As obras de Caminha, Meirelles e Mauro, serão consideradas ‘locais da memória’ sobre a descoberta do Brasil, onde as similaridades levariam a uma sucessão de mensagens educativas responsáveis por organizar a própria memória do descobrimento.

O texto desta dissertação apresenta uma primeira parte histórica onde os documentos e personagens serão a partir da intencionalidade de suas criações, analisados. Vale lembrar que não será um levantamento com intenções historiográficas – uma escrita sobre a história ou sobre os historiadores - de ratificar ou colocar em dúvida a veracidade dos fatos ou o mérito de seus autores, e sim, procurar encontrar similaridades na criação de tais narrativas.

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Dentro desse momento em relação a cada obra ressaltar-se-ão questões como a importância das navegações para o reino de Portugal e o descobrimento de novas posses, da presença de artistas e intelectuais no Brasil com a chegada da família real e do uso do cinema como agente na divulgação de tais imagens.

Após este levantamento, em um segundo momento de descobrimento/descortinamento tomar-se-á como referência a imagem da Primeira Missa na obra de Victor Meirelles propondo uma discussão sobre a construção estética do quadro tendo como enfoque as histórias apresentadas no entorno da Cruz. Tal construção está embasada em documentos anteriores à obra de Meirelles, bem como, no momento político e histórico, e porque não cultural, do Brasil à época.

Indo um pouco além, há o interesse pela representação do índio no quadro de Meirelles e como a homogeneidade do encontro entre estes e os portugueses foi perpetuado através de uma educação visual imagética conciliadora.

Num próximo passo, será utilizada a Cruz como símbolo não só de conquistas marítimas, mas de pregação da religião cristã aos novos povos dominados e sua importância desde seu surgimento (criação do símbolo) até sua reconstrução na filmagem de Humberto Mauro. Sendo a Cruz nesse momento fonte de interesse pela sua simbologia.

Nesses termos, um recorte sobre a representação fílmica feita n´O Descobrimento do Brasil torna-se necessário e importante, tomando a seqüência da construção da cruz, desde a derrubada da madeira até o seu valor de representação durante a missa de descobrimento. Cena marcante na obra de Mauro enquanto narrativa fílmica, destacada inclusive pelo tempo tomado, no filme, por essa seqüência.

Para justificar o não interesse por outras questões que permearam e permeiam os períodos históricos selecionados, bem como os questionamentos que surgiram com novas descobertas envolvendo as três narrativas, essa pesquisa não aprofunda questões políticas e educacionais já apontadas e debatidas em diversos trabalhos acadêmicos ou outros livros3.

Por outro lado, as leituras realizadas procuraram indicar através dessas três narrativas distintas interligadas – carta, quadro e filme - a sua coexistência. E como todas levam a um mesmo fato: uma educação visual sobre o descobrimento do Brasil.

3 Estado e Cinema no Brasil (1996) de Anita Simis. Cinema como agitador de almas: Argila, uma cena do

Estado Novo (1999) de Cláudio Aguiar Almeida. Cinema contra cinema: o cinema educativo de Canuto Mendes (1922-1931) de Maria Eneida Fachini Saliba (2003).

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Sobre a escolha em trabalhar com educação visual partindo do quadro A Primeira Missa no Brasil de Victor Meirelles de Lima e no filme de Humberto Mauro, alguns autores parecem pertinentes à análise.

Dialogando com a História da Arte, mais especialmente com a leitura da obra de arte, está Erwin Panofsky4 e sua discussão sobre construção de significados. Esse autor trata das mais variadas representações: em imagens as palavras, em quadros os textos históricos, ou mesmo das lendas que através da oralidade permanecem vivas no tempo e na memória das pessoas, argumentando que, antes de tudo, é preciso compreender como essas representações são constituídas.

Autores como Maurice Halbwachs5 e Milton José de Almeida6 conversarão com a memória. O primeiro deles, com a individual e coletiva (2006). O segundo, sobre imagens agentes e na arte da memória (1999).

O livro de Halbwachs A Memória Coletiva (2006), não só trata da memória apresentada em seu título, mas de outra, a individual, aquela construída por nossas lembranças e muitas vezes por lembranças de outrem. O livro de Milton José de Almeida (1999), entre alguns assuntos, relaciona o ato de guardar tais lembranças em ‘locais fantásticos’ de forma a não serem esquecidos.

A memória coletiva ou individual sobre a primeira missa nesse estudo, construída através de documentos, relatos e lembranças, tem na representação e construção d’A Primeira Missa no Brasil seus ‘locais fantásticos’: a tela da pintura de Meirelles e a tela do cinema, no filme de Humberto Mauro.

4 Nascido no ano de 1892 em Hannover, Alemanha, Erwin Panofsky estudou questões que envolviam a

iconologia (tema ou assunto das imagens) e a iconografia (significado das imagens). Faleceu no ano de 1968 nos Estados Unidos onde lecionava, deixando alguns livros sobre o tema como: Studies in Iconology (1939),

The Life and Art of Albrecht Dürer (1943), Gothic Architecture and Scholasticism (1951) entre outros. Acesso

em http://pt.wikipedia.org/wiki/Erwin_Panofsky, consulta em fev/2006.

5 Em 1877 nasce Maurice Halbwachs em Reims, na França, sendo morto num campo de concentração nazista

em Buchewald. Estudou filosofia em Paris, posteriormente aperfeiçoando seus estudos e lecionando na Alemanha. Foi preso pela polícia nazista durante a ocupação de Paris em 1945, ano em que faleceu. Acesso em http://pt.wikipedia.org/wiki/Maurice_Halbwachs, consulta em fev/2006.

6 Atualmente é professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, tendo lançado os

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1.1. – O Percurso do Descobrimento na Carta de Pero Vaz de Caminha

A Carta de Caminha. O documento que discorre sobre a aventura de Pedro Álvares Cabral iniciada no dia 8 de março de 1500 com a apresentação das naus e tripulantes em Portugal. No dia 9 de março pela manhã a saída de Belém, Lisboa, à procura de uma nova rota para as Índias.

Com 28 folhas no total e dimensões de 296 X 299 mm, a narrativa se encerra no dia 1º de maio com o retorno a Portugal, sendo o Rei D. Manoel o destinatário e seu emissário Pero Vaz de Caminha (CASTRO, 1996, p. 13).

Durante todo o percurso da escrita, Caminha detalha a empreitada marítima desde o lançamento das naus ao já conhecido caminho das Índias passando pelas Canárias e S. Nicolau de Cabo Verde, a nau desgarrada e o contato com os indígenas (CASTRO, 1996, p. 14).

O detalhamento explícito na escrita do autor em todas as passagens do ‘descobrimento’ se deve talvez, como denominou Arroyo (1976, p.15) “(...) pelo talento descritivo de etnógrafo” de Caminha, como “(...) bom observador, que sabe traduzir em palavras o fato dinâmico que existe diante dos olhos seus”; expôs em sua escrita minuciosa o que pudesse interessar a Portugal como grande nação de conquistas marítimas.

Tratava-se de conquistas envoltas tanto em grandes investimentos financeiros como em número de tripulantes. Eram dez naus e três caravelas, sendo que uma se perde no meio da viagem, totalizando em torno de 1350 homens em doze embarcações que chegam a um destino a princípio não programado (BUENO, 1998, p.10).

Seria a maior expedição até então realizada pelo reino de Portugal. Toneladas de mantimentos (carne seca, pimenta, sal, água, vinho, etc.), além de dezenas de milhares de moedas de ouro e outras riquezas destinadas ao "Senhor do Mar", ou Samorin, com quem Vasco da Gama em viagem à Índia no ano de 1498, acaba se desentendendo; e com quem Cabral ficara incumbido de estreitar relacionamentos comerciais:

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(...) Ao apresentar-se diante daquele orgulhoso soberano hindu, em maio de 1498, Gama dissera ser o representante de um rei “muito rico e poderoso”, mas chegara à Índia navegando em navios pequenos e mal aparelhados. O Samorin desprezou os presentes simplórios que Gama lhe ofereceu e virtualmente o ignorou. Ofendido, o capitão português retornou ao navio e fez soar seus canhões. Informado desses incidentes pelo próprio Vasco, D. Manoel decidiu enviar o mais rapidamente possível uma frota "muito poderosa em armas e em gente luzidia” – não só pronto para a guerra como repleta de presentes caros e capitães de linhagem nobre (BUENO, 1998, p.19).

A expedição que teve Cabral como grande navegador, incumbido de encontrar uma rota mais rápida para as Índias, não se concretizou como programado. O avistar de um possível porto para desembarque deu-se em 21 de abril de 1500, quando sinais de terra era premissa ambicionada.

Durante a leitura da Carta de Caminha7 através da obra de Silvio Castro (1996), nota-se a importância de tal fato – a visão de terra - tanto para as tripulações das naus que participaram de tamanha empreitada, quanto para Caminha, que narrava à aventura tendo como destinatário ilustre o Rei de Portugal:

(...) eram os vinte e um dias de abril (...), conforme dados dos pilotos, topamos alguns sinais de terra: uma grande quantidade de ervas compridas, chamados botelhos pelos mareantes, assim como outras que dão o nome de rabo-de-asno (CASTRO, 1996, p.76).

E os sinais vieram com a visão da primeira formação geológica:

(...) quarta-feira pela manhã – topamos aves a que os mesmos chamam de fura-buchos. Neste mesmo dia, à hora de vésperas, avistamos terra! Primeiramente um grande monte, muito alto e redondo; depois, outras serras mais baixas, parte sul em relação ao monte e, mais, terra chã. Com grandes arvoredos. Ao monte alto o Capitão deu o nome de Monte Pascoal; e à terra, Terra de Vera 8 Cruz (CASTRO, 1996, pp.76-7).

7 São três os documentos que discorrem sobre o descobrimento do Brasil: o primeiro, a Carta de Caminha a

qual será utilizada aqui; o segundo a Carta de Mestre João, “físico, encarregado das observações astronômicas” e por último, “o roteiro de um dos pilotos da armada, anônimo, de original perdido” (ARROYO, 1976, p.18).

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Imagem 1 – O Descobrimento do Brasil (1937) 9.

Reitera-se, que logo após a descoberta do novo continente, num "domingo de Páscoa, pela manhã", Pedro Álvares Cabral e seus capitães, ouvem missa proferida por Padre Frei Henrique e demais sacerdotes presentes naquela expedição (CASTRO, 1996, p.83).

A primeira missa realizou-se logo após o desembarque de alguns portugueses depois de avistada aterra. Cabral ordenou que um pequeno altar fosse montado para que todos os capitães rendessem graças à nova conquista portuguesa.

Assim, realiza-se a primeira celebração religiosa em solo brasileiro. Entretanto, não se trata da missa representada por Victor Meirelles de Lima.

O navio que retornou com a notícia da nova conquista foi o de Gaspar de Lemos que ao descarregar todos os mantimentos que tinha a bordo “nas costas ensolaradas do Brasil”, leva consigo a Carta de Pero Vaz de Caminha a Portugal (ARROYO, 1976, p.20).

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1.2. – As missasna narrativade Caminha

Em relação à importância da Carta de Caminha nesta pesquisa como uma narrativa fundamental na criação das demais imagens propostas para leitura, reforça-se à idéia de que, dentre muitos outros documentos sobre o Descobrimento do Brasil, oficiais ou não, foi este escolhido por seu reconhecimento como documento histórico (oficial) da chegada dos portugueses ao Brasil.

Outras escritas trataram do descobrimento além da carta de Caminha, como a do cronista João de Barros que

(...) quarenta anos depois do milagroso e não proposital achamento, escreveu a respeito versão insofismável,quando não mais havia motivos para conservar segredo (PRADO, 1966, p.37).

Em 1812 foi publicada a Relação do Piloto Anónimo texto sobre o descobrimento impresso em Lisboa.

Importante destacar que apenas em 1817 - pouco mais de quarenta anos antes do quadro de Meirelles estar terminado - é que a Carta de Caminha, escrita em 1500, foi publicada pela primeira vez, na Corografia Brasílica de Aires de Cabral (COLI, 1998, p.108).

Para Coli (1998) sua publicação em 1817 correspondeu claramente ao momento histórico-cultural do Brasil, não podendo ganhar relevância de outra maneira já que:

As imagens tão marcantes apresentadas pelo escrivão de bordo em 1500 perpassam pela produção literária de um romantismo “indianista”, reforçando a crença da tensão das raças (...) (COLI, 1998, p.109).

E reafirma sua posição:

(...) a carta foi publicada quando o devia ser. Correspondia perfeitamente à solicitação de historiadores e literatos que constituíam então o passado brasileiro através da história e da literatura – essas duas grandes disciplinas do imaginário (COLI, 1998, p.109).

O próprio Aires de Cabral “transcreveu o documento” encontrado na Torre do Tombo em Portugal, “sob o crivo de seus escrúpulos de sacerdote” lhe conferindo 317 anos após o descobrimento do Brasil “a dignidade de impressão” (ARROYO, 1976, pp.9-11).

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Há ainda a contestação entre vários estudiosos sobre o ‘achamento’ do Brasil não ter sido mero acaso ou desvio de rota causada por intempéries do tempo. Arroyo (1976) ao levantar a importância das descobertas marítimas naqueles tempos, aponta que sendo Lisboa um “centro efervescente de espionagem” a intenção de tomar posse das terras já conhecidas, não deveria se tornar público naquele momento (ARROYO, 1976, p.18).

E confirma seu apoio à teoria da intencionalidade:

Com essa quase indiferença pelo fato em si da descoberta, dá-nos Pero Vaz de Caminha a melhor demonstração da intencionalidade da descoberta. (...) Pedro Álvares Cabral partiu, pois, de Lisboa para a Índia, também com a incumbência de formalizar a descoberta do Brasil (ARROYO, 1976, p.18).

De qualquer forma, a questão como já dito, não é a de contestar documentos históricos ou opiniões já formadas sobre os propósitos daquela expedição de 1500.

Retoma-se então à questão da missa como referência para a conquista do território descoberto. Foram duas as missas descritas por Caminha. A primeira no dia de “domjngo de pascoela pola manhaã”; Cabral, como comandante, solicita a construção de um pequeno altar na praia para que todos os capitães rendessem graças à nova conquista portuguesa (CASTRO, 1996, p.46).

Essa pequena celebração (a primeira missa) foi acompanhada por um número reduzido de índios, presentes com seus arcos e flechas a observar o ritual dos homens do mar. Não houve manifestação por parte destes que só após o término da missa, iniciaram sua própria expressão através da dança (CASTRO, 1996, p.46).

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Imagem 2 - Hippolyte Taunay – Primeira Missa no Brasil (1822).

Parece se tratar da missa que retrata Hippolyte Taunay na obra de 1822. A chegada de Cabral e seus homens, que depois de dias à procura por uma nova rota para as Índias ancoram em frente ao Monte Pascoal e celebram missa pela descoberta.

O quadro de Taunay, pintado 322 anos após a Carta de Caminha representa celebração religiosa, semelhante à descrita anteriormente como sendo a ordenada por Cabral após avistarem terra. Sua representação mais simples lembra mais um pequeno culto religioso, lembrando mais a primeira missa proferida em terras brasileiras.

Sobre a segunda missa, aquela de posse do território e representada pela pintura de Victor Meirelles em 1860, Caminha declara:

E hoje, que é sexta-feira, primeiro de maio, saímos pela manhã em terra com nossa bandeira. E fomos desembarcar rio acima, contra o sul, onde nos pareceu que seria melhor colocar a cruz, para melhor ser vista. (...) Ali disse missa o Padre Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos (CASTRO, 1996, p.95).

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A última celebração após o embarque dos portugueses contou com a presença de um número maior de índios, por volta de sessenta. Segundo Caminha descreve, todos participaram respeitosamente da celebração, imitando os movimentos dos portugueses durante a leitura do Evangelho:

E quando se chegou ao Evangelho, ao nos erguemos todos em pé com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco e alçaram as mãos, estando assim até se chegar ao fim; e então tornaram a assentar-se como nós (CASTRO, 1996, p.95).

Conclui o escrivão pregando sobre a importância da religião para aquele povo;

E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puderam todos assim como nós estávamos, com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que nos fez muita devoção (CASTRO, 1996, p.95).

A missa daquele primeiro de maio encerra todo o processo de posse sobre o novo território português, não só com a missa, mas também com o plantar da cruz na nova terra, símbolo usado para demarcar um território conquistado.

Além de encerrar um ciclo, a missa marca o início do caminho de volta da narrativa de Caminha descrita em sua Carta sobre a descoberta das novas terras, mas assinala também, o encontro com uma nova cultura, um povo “ingênuo” que já daria sinais de sujeição à nova religião.

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2º Descobrimento

Meirelles

Por se tratar de um trabalho sobre a representação e a permanência em outras narrativas da primeira missa de posse do Brasil idealizada por Victor Meirelles, é importante destacar que em 1500 apenas os índios e as florestas habitavam o imaginário dos artistas que reproduziram a conquista da “terra dos papagaios” pelos portugueses.

Imagem 3 – Mapa parcial da costa brasileira (1503)10

Quanto à data da publicação da carta (1817), vale ressaltar as mudanças que permeavam a sociedade brasileira e que influenciariam as pinturas sobre o descobrimento durante esse período.

Como apontado por Coli (1998), o momento da publicação da Carta de Caminha atendia perfeitamente à realidade brasileira em termos de produção artística, já que ratificava a transição histórica entre dois períodos distantes, mas enraizados na cultura nacional através das artes.

10 Assim era conhecida pelos navegadores a Terra de Vera Cruz. Pela quantidade e exuberância das aves de

mesmo nome. Acesso em http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=788&sid=2, consulta em jan/2008.

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E o que se pode dizer sobre pinturas? A produção cultural brasileira em moldes europeus se estabeleceu a partir da chegada da Corte Portuguesa ao Brasil que trouxe consigo uma série de estudiosos e artistas importados da Europa para explorar as riquezas naturais do Brasil.

Porém, anteriormente à chegada da Corte e tendo no Brasil os jesuítas se instalado, as artes estavam a serviço da elite e do clero, sendo pensadas as imagens como uma produção que pudesse alcançar mais facilmente “um povo inculto, no que dizia respeito à religião”. A pintura serviu assim como uma ferramenta para “divulgação das doutrinas da religião católica” (CORTELAZZO, 2004, pp.28-9).

Por volta de 1732 a pintura brasileira também passa a ser valorizada, contando com seu repertório voltado na maioria das vezes para os temas sacros, por influência das ordens religiosas que produziam, financiavam e divulgavam as obras de arte (...) (CORTELAZZO, 2004, p.29).

O interesse mais claro dos britânicos, por exemplo, pelo Brasil se deu com a chegada em 22 de janeiro de 1808 do Príncipe Regente em terras brasileiras. Para estes, interessados nos portos como forma de ampliação do comércio, a colônia brasileira em caos como nação ao mesmo tempo em que era o “Paraíso na Terra” tinha potencial para o desenvolvimento mercantil (HOLANDA, 1965, p. 48).

Ainda atrasado nos aspectos políticos, mas em pleno desenvolvimento de seu potencial literário e científico no início do século XIX, os britânicos enxergavam assim o “Paraíso na Terra”:

As condições morais do povo, até a chegada do Príncipe Regente de Portugal, eram tão deploràvelmente viciosas e degradadas, quanto as circunstâncias políticas eram mofinas e desfavoráveis. Tudo o que é sublime na natureza inanimada, em contraste com tudo quanto é asqueroso na natureza humana, compreendia-se no aspecto e no caráter desta porção do Novo Mundo (HENDERSON, 1825, apud, HOLANDA, 1965, p.52).

Oito anos após a chegada da Corte Portuguesa e um da derrota de Napoleão Bonaparte, no ano de 1816, desembarca a Missão Francesa ao Rio de Janeiro com a incumbência de solidificar a produção artística nacional, bem como “transformar a imagem da cidade tornando-a mais civilizada” (CORTELAZZO, 2004, p.21).

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Coli (1994) destaca o momento em que a pintura, de caráter oficial (quadros históricos) ou não (retratos) no Brasil incorporava as tendências do passado ou atuais ao século XIX como um procedimento natural.

O ineditismo nas pinturas, principalmente aquelas de caráter histórico era inexistente. As inspirações em outras obras e artistas era prática comum. Não se ambicionava para o Brasil o nascimento de um novo modelo de pintura, e sim, a legitimação de documentos através de imagens.

Ressalta-se que o ‘atraso cultural’ das artes no Brasil – significando a arte de copiar quadros de outros pintores para aprimoramento – era um tendência já ultrapassada na Europa que durante o século XV, recorria aos mesmos recursos no ensino das artes plásticas do Brasil do século XIX (GOMBRICH, 1989, p.195).

Franz (2000, p.53), em sua pesquisa de doutorado, indica a influência da cultura francesa nas artes brasileiras (pintura, literatura, etc.), bem como sua ligação com "um movimento cultural e político profundamente ligado ao nacionalismo".

É preciso não esquecer que, no Brasil do século XIX, era comum o vai e vem da elite política e cultural para a Europa. Os filhos dos senhores abastados completavam seus estudos na França e de lá traziam as idéias e tendências do romantismo, que eram, então, adaptadas para as especificidades locais. (...) O Brasil por si só, não inventou nada, principalmente no que diz respeito à cultura de caráter erudito e ao ensino oficial da arte (...) (FRANZ, 2000, pp.53-4).

Para os franceses, o Brasil era um desconhecido. Um território conquistado e explorado pelos portugueses que aqui chegaram para dominar os ‘bons selvagens’, seres “generosos, heróicos, justos” (HOLANDA, 1965, p.47).

Entre tais exploradores - estudiosos da flora e fauna entre outros - e junto com a Missão Francesa trazida especialmente pelo governo quando “pela primeira vez se cogita seriamente do ensino superior e das artes”, uma das pessoas responsáveis pelo desenvolvimento das artes e ciências naturais nesse período, foi a Princesa Leopoldina (HOLANDA, 1965, p.119).

Em 1817, mesmo ano da publicação da Carta de Caminha, Leopoldina se casa com o príncipe “herdeiro da Coroa portuguesa e futuro imperador do Brasil”. Junto com ela, desembarca a Missão Austríaca, repleta de artistas e cientistas (HOLANDA, 1965, p.123).

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15

Segundo aponta Cortelazzo (2004) somente em 1826 a idéia do desenvolvimento das artes no Brasil vai se concretizar com a criação da Academia Imperial de Belas Artes11 no Rio de Janeiro através da qual se desenvolveria

(...) uma nova orientação do fazer artístico, voltado para um ensino sistematizado, segundo padrões estabelecidos e que deveriam ser seguidos por aqueles que desejassem atingir o status e o reconhecimento de artista (CORTELAZZO, 2004, p.21).

A partir dessa declaração, pode-se dizer que os novos artistas (pintores, escultores, etc.) foram modelados de acordo com os interesses já apontados: primeiramente, ligados à Igreja (jesuítas) e, posteriormente, à elite cultural vinculada à monarquia portuguesa e seus abastados seguidores.

Tais características do comportamento artístico da época não se explicavam mais pela fé e sim pela razão e pela ciência. A idéia era utilizar racionalmente as formas e proporções geométricas do desenho aproximando assim a arte nacional da produção européia (CORTELAZZO, 2004, pp.38-41).

O momento das artes no Brasil se expressava na pintura histórica12. A aproximação com a razão e a ciência se deu com a necessidade de aprimoramento dos artistas brasileiros, estabelecendo vínculo direto com o estudo das “construções geométricas do espaço” (CORTELAZZO, 2004, p.43).

Aprimorando os estudos geométricos, a simetria e as ciências exatas e deixando o caráter religioso da pintura nacional de lado, as artes plásticas no Brasil se aproximaram das academias européias com a vinda da Missão Artística Francesa e

Diferentemente do estilo colonial, que priorizava mais as questões que destacassem os aspectos ligados à religião conforme já mencionado, as Academias procuravam fundamentar seus ensinamentos segundo uma sistemática de ensino marcada pela primazia do desenho (CORTELAZZO, 2004, pp.49-50).

11 Um dos idealizadores da implantação da Academia Imperial de Belas Artes que oficialmente inicia seus

trabalhos no ano de 1826 foi Joaquim Le Breton (1760-1819), que colaborou com a vinda dos franceses para o Brasil. Oficialmente a Academia durou de 1826 a 1889, tendo ao seu comando sete diferentes diretores. Consolidada como instituição de ensino após duas grandes transformações, a primeira com Féliz Taunay, pintor e diretor durante os anos de 1834 a 1851 e, posteriormente, com Porto-Alegre, pintor e crítico das artes que foi diretor entre os anos de 1854 a 1857 (CORTELAZZO, 2004, pp.66-7).

12 Segundo Cortelazzo a pintura histórica hierarquicamente se encontrava em alto grau de importância dentro

das artes plásticas por compreender todos os gêneros da pintura, dentre os quais, paisagem e natureza morta (CORTELAZZO, 2004, p.42).

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16

Alguns grandes nomes das artes plásticas contribuíram para disseminar as imagens do Brasil no exterior. Entre eles Jean-Baptiste Debret (1768-1848)13, francês, que permaneceu de 1816 a 1831 no Brasil no ofício de mestre em artes e pintor, dando ênfase à figura do negro escravo brasileiro e contribuindo para a criação da Academia Real de Belas Artes na cidade do Rio de Janeiro:

Debret passou 15 anos entre nossa gente, pintando e desenhando. Além de exercer as atividades de lente da Academia, retratou diversos membros da família real e imperial, pintou quadros históricos e fêz inúmeros estudos e esboços, que aproveitou em parte para confeccionar a sua obra Voyage pitoresque et historique de Brèsil, em três volumes, ilustrados com 153 pranchas (HOLANDA, 1965, p.129)14.

Tomás Ender (1793-1875), austríaco de Viena, chegou um ano após Debret e veio acompanhando a Arquiduquesa Leopoldina ao Rio de Janeiro para a cerimônia de seu casamento. É o menos conhecido dos três renomados pintores que aqui estiveram tendo sua obra se especializado no retrato do cotidiano da sociedade brasileira15.

Johan Moritz Rugendas (1802-1858), nascido na cidade de Augsburg, na Alemanha, chegou ao Brasil junto com a expedição de Langsdorff em 1821 para retratar as paisagens, o cotidiano e os costumes indígenas do Brasil, tendo publicado posteriormente o livro ‘Viagem Pitoresca ao Brasil’ (1835) com reedição em 1940 com o título ‘Viagem pitoresca através do Brasil’16.

13 Acesso em http://www.pitoresco.com/brasil/debret/debret.htm, consulta em nov/2006. 14

Esta obra foi publicada entre os anos de 1834 e 1839 sendo seu primeiro volume dedicado aos indígenas brasileiros. “As célebres gravuras de Debret são de valor não sòmente artística como também documental” (HOLANDA, 1965, p.129).

15 Acesso em http://www.pitoresco.com/brasil/tomasender/tomasender.htm, consulta em nov/2006. 16 Acesso em http://www.pitoresco.com/brasil/rugendas/rugendas.htm, consulta em nov/2006.

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17 2.1. – Pintura Histórica

Portanto, um dos ramos da pintura que mais se desenvolveu no Brasil nesse período foi a pintura de caráter histórico que “passava a ter maior importância que os demais”, pois seu caráter englobaria os demais gêneros da pintura (CORTELAZZO, 2004, p.42).

Deu-se início então aos primeiros estudos voltados à pintura histórica na Academia Imperial de Belas Artes, ao exercício de cópias de outras obras de arte tendo como fundamentação o estudo da perspectiva e das formas geométricas. Questões como anatomia, arquitetura, uso das luzes e cores foram sendo incorporadas gradativamente.

Como era usual nas academias da Europa, a geometria e a simetria também foram incorporadas à produção brasileira. Relevante nesse estudo será a discussão da perspectiva através de pesquisas mais recentes, como aquela da obra de Almeida (1999), dialogando com a reprodução da Primeira Missa no Brasil no filme O Descobrimento do Brasil.

Ratificando a importância da pintura histórica para essa pesquisa, esclarecemos que apenas os alunos com maior destaque e talento tiveram acesso às aulas na Academia Imperial de Belas Artes. Salienta-se aqui a ligação direta com um projeto político do uso das artes plásticas na criação de “símbolos e alegorias” para uma educação visual da “moral e das virtudes” (FERNANDES, 2001/2002, apud CORTELAZZO, 2004, p.67).

Um aluno de destaque foi Victor Meirelles de Lima que aos 15 anos matricula-se na Academia no ano de 1847, onde permaneceu até 1853, quando viajou para a Europa para se dedicar aos estudos, como prêmio concedido por seu talento.

Sua primeira incursão foi por Roma tendo como primeiro mestre Tommaso Minardi17. Já em 1856, Meirelles transfere-se para Milão e depois Paris onde desenvolveu sua técnica com Léon Cogniet18 entre outros, seu mestre na École des Beaux-Arts (ROSA, 1982, p.25).

17 Minardi nasceu em Faenza no ano de 1787e falecendo em Roma em 1871, foi diretor da Academia de Belas

Artes de Perugia entre os anos de 1819 e 1822 quando se transfere para a Academia de San Lucas em Roma para ministrar aulas de desenho. Acesso em http://pt.wikipedia.org/wiki/Minardi, consulta em dez/2005.

18 (1794-1880) mestre do romantismo que acolheu Meirelles como discípulo após a morte de Paul Delaroche

(1787-1856) e que juntos, tendo ainda Horace Vernet e Meirelles como seguidores, foram “pintores que seguiram um caminho prudente entre o neoclassicismo exangue e o romantismo exaltado” (COLI, 1994, p.124).

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18

Em dezembro de 1858 sua bolsa de estudos é prorrogada pela Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro. Meirelles retorna ao Brasil com 29 anos no ano de 1861 em 18 de agosto. Neste ano torna-se Professor Honorário da Academia Imperial de Belas-Artes, no Rio de Janeiro. Em 1862, já como professor interino assume a cadeira de pintura histórica, até o ano de 1890 (ROSA, 1982, pp.33-4).

É preciso abordar aqui o momento das artes no Brasil, claramente evidenciado pelo movimento do romantismo e a consolidação do Império. A necessidade de construção de imagens que apresentassem e representassem o Brasil fica evidente no desenvolvimento de pinturas históricas, como a representação de batalhas19, retratos da família imperial e paisagens nacionais.

Contrastando com esses aspectos do movimento do romantismo, o quadro de Meirelles não se encaixa em nenhum dos três gêneros de pintura apontados. A temática do descobrimento e da primeira missa não remete a nenhuma batalha ocorrida no passado.

As expressões das personagens na Primeira Missa são pouco evidenciadas não se aproximando em nada dos retratos feitos na época. Tais retratos na verdade continham apenas a pessoa a ser retratada, lembrando mais uma fotografia. A flora representada no quadro de Meirelles também é pouco desenvolvida, não lembrando em nada as pinturas de paisagem da época.

Curiosamente, nem as personagens e nem a paisagem são o foco principal da narrativa. Ainda assim, se tornou marco na pintura e referência do descobrimento do Brasil.

Pode-se questionar, porque o Brasil do Segundo Império (1831-1889), mas já independente de Portugal20 necessitava de uma nova legitimação política tendo como referência as grandes histórias da formação nacional.

Com a Independência do Brasil de Portugal em 1822 “intensificava-se entre os brasileiros o interesse pela investigação das raízes da nacionalidade”, tendo ainda em 1838 sido criado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e Pedro Perez ex-aluno de Meirelles pintado a Elevação da Cruz em Porto Seguro no ano de 187921.

19 O próprio Meirelles pinta quadros com essas temáticas, tais como Passagem de Humaitá (1868), Juramento

da Princesa Isabel (1871), Combate Naval de Riachuelo (1872) e Batalha dos Guararapes (1879). Pedro

Américo de Figueiredo e Melo (1843-1905), também outro renomado pintor “histórico”, tem como principais obras Batalha do Avaí (1877) e Grito do Ipiranga (1888) também conhecido como Independência ou Morte. Acessado em http://www.pitoresco.com.br/brasil/victor/victor.htm, consulta em dez/2005.

20 Emancipação política do reino de Portugal se deu com o Grito do Ipiranga e a célebre frase Independência

ou Morte de D. Pedro, no dia 7 de setembro de 1822.

21 Texto de Maria Aparecida Ribeiro da Universidade de Coimbra intitulado Portinari, leitor de Meirelles,

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19

Intensifica-se também nessa época, o interesse pela fixação de imagens através de outros recursos. Sendo que no ano de 1832, Hércules Florence22, instalado havia dois anos na cidade de Campinas, no Estado de São Paulo, iniciou “experiências pioneiras com a câmara escura e a fixação de imagens”, mérito que não lhe foi reconhecido por não ter dado “divulgação de seus resultados obtidos”, ficando o mérito com Daguerre23 (RIBEIRO, 1996, pp.21-22).

Meirelles foi fruto dessas transformações artísticas e investigativas do Império, à procura das raízes nacionais e de sua história, visibilizadas na pintura.

2.2. – Meirelles, a Pintura Histórica e A Primeira Missa no Brasil

Victor Meirelles de Lima (1832-1903), nascido no dia 18 de agosto à Rua da Pedreira em Nossa Senhora do Desterro, atualmente Florianópolis, capital de Santa Catarina, filho de Maria Conceição Prazeres e Antônio Meirelles de Lima, sempre teve gosto pela pintura de paisagem.

Apesar de ser um apaixonado por natureza, Victor Meirelles não se dedicou à paisagem propriamente dita embora fosse muito bem estudada em todos os quadros históricos que realizou (ROSA, 1982, p.46).

Seu primeiro professor foi D. Marciano Moreno, engenheiro argentino que vivia no Brasil. Em 1846 chama a atenção do Conselheiro do Império, Jerônimo Francisco Coelho, que se interessa em financiar seus estudos.

Como discípulo de Cogniet na École des Beaux-Arts, Meirelles tem a oportunidade de

(...) prolongar o desenvolvimento de uma de suas qualidades, já muito estimulada pelo meio romano: o finíssimo sentido da luz que integra e dilui as cores (COLI, 1994, p.106).

22 Florence é nascido em Nice na França no ano de 1804, vem ao Brasil e no ano de 1863, junto com sua

mulher Carolina Krug Florence funda o Colégio Florence de Campinas voltado à educação feminina.

23 Louis Jacques Mande Daguerre (1787-1851) no ano de 1835 através de uma placa revestida de nitrato de

prata exposta à luz, imprime uma imagem que se revela no dia seguinte. Acessado em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Louis_Jacques_Mand%C3%A9_Daguerre em nov/2007.

Sua invenção foi chamada de daguerreótipo. A palavra fotografia, porém foi inventada por Florence (Correio Popular, 9/11/1978, apud RIBEIRO, 1996, p.22).

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20

Esse relacionamento estreito com a cultura francesa, bem como, com interesses políticos, fazia da pintura histórica uma das grandes ferramentas para disseminação de imagens e símbolos da cultura nacional vinculadas a uma reconstituição histórica que era de interesse do governo exibir.

O apuro nos estudos e nos detalhes sobre a fauna, flora e personagens que fizeram parte do cenário naquele de 1º de maio de 1500 ficou sob responsabilidade de Meirelles após se decidir pela Primeira Missa no Brasil como temática de sua obra.

Victor realiza o esboceto do quadro e o envia a Porto-alegre e este escreve-lhe novamente, procurando orientá-lo, fazendo-lhe ver que a cena do altar está disposta com bastante arte e sugerindo-lhe a inclusão de um homem d'armas com o pendão da Ordem de Cristo e o acurado estudo de nossa natureza tropical, incluindo na paisagem embaíbas, coqueiros, palmeiras, etc. (ROSA, 1982, p.34).

Coube assim a Meirelles, aluno dedicado e pintor em ascensão retratar o marco da criação do Brasil. Tendo como mentor Manoel José de Araújo Porto-alegre24, amigo e conselheiro sabe-se que

(...) seguindo o conselho de Porto-alegre, estuda Victor Meirelles minuciosamente a carta de Pero Vaz de Caminha mandada a Portugal por ocasião do descobrimento, considerada a 'certidão de batismo do Brasil’(...) (ROSA, 1982, p.34).

Depois de muitos estudos a obra completa foi apresentada no Salão Parisiense de 1861, repercutindo assim o nome do pintor mundialmente, já que Meirelles fora o primeiro artista brasileiro a conseguir tal proeza.

Segundo aponta Jorge Coli (1994, p.20), o destaque da pintura fora de tamanha importância, que A Primeira Missa no Brasil representou aos olhos dos críticos de arte e de outros artistas o retrato fiel do documento de Caminha, tornando-se "a verdade visual (grifo meu) do episódio narrado na carta".

O quadro Première messe en Kabilie (imagem 5) representa o que seria a fonte inspiradora de Meirelles para a pintura de sua Primeira Missa25 (COLI, 1994, p.95).

24 Nascido em Rio Pardo, Rio Grande do Sul em 1806, faleceu em Lisboa, Portugal, no ano de 1879. Em 27

de janeiro de 1827 matricula-se como aluno fundador da Academia Imperial de Belas-Artes, na classe do mestre Jean Baptiste Debret, que se tornaria seu grande amigo. Em 1837 foi nomeado professor de Pintura Histórica da Academia Imperial de Belas-Artes. De 1854 a 1857 foi diretor da mesma instituição. Desiludido com o rumo da arte no Brasil, termina sua vida como embaixador de Portugal a partir de 1866, falecendo 13 anos depois. Acesso em http://www.pitoresco.com/laudelino/portoalegre/portoalegre.htm consulta em nov/2006.

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21

A inserção como referência iconográfica da obra de Horace Vernet26 neste trabalho é relevante com a finalidade de questionar sobre a inovação do projeto de Meirelles. Reforça a idéia da pintura histórica que enxerga no aperfeiçoamento do artista através da cópia de outras obras, a importância da construção de novas obras inspiradas em trabalhos já reconhecidos.

Jorge Coli (1998) descreve A Primeira Missa no Brasil (imagem 4, p.24) do pintor catarinense como uma inspiração originada na obra de Horace Vernet (imagem 5, p.25).

Segundo o autor (COLI, 1998, p.112) em virtude das circunstâncias das artes plásticas no mundo, não havia espaço para inovação e sim, as “citações, dentro da pintura histórica, era um instrumento legítimo à natureza do gênero” e conclui que “a cultura visual mostrava-se como tão importante quanto a invenção.” Ou seja, a perpetuação de tais referências fazia-se necessário em contraponto com a necessidade de ineditismo na criação (COLI, 1998, p. 112).

Contudo, ressalta Coli (1998) que Victor Meirelles não deve ser considerado um plagiador, já que alguns fatores distinguem ambas as obras, a começar pela participação ativa de Vernet na construção da cenografia de sua obra.

A Première Messe en Kabilie é datado de 1855, ou seja, cinco anos antes do término do quadro de Victor Meirelles de Lima, que provavelmente conheceu a obra em sua exposição no Salon de Paris neste mesmo ano.

O que vale apontar é que Vernet fez parte daquele momento histórico em que a França, com seu projeto colonizador na África do Norte, conquistava territórios através de lutas contras os povos do interior, os cabilas27 (COLI, 1998, p. 111).

Acontece que a representação da conquista desse território pelos franceses foi concretizada com a realização de uma missa.

O “altar provisório” ao ar livre fora imaginado por Vernet assim como, a concepção cenográfica do balcão de Première messe criada pelo pintor foi o local da celebração

25 É importante apontar a questão sobre o possível plágio de Meirelles na construção da primeira missa.

Anteriormente apontado, verificou-se que era usual a cópia de outros quadros como forma de aperfeiçoamento das técnicas de pintura.

26 Pintor francês (1789-1863) que tinha como temáticas as batalhas e as paisagens exóticas, estuda em Paris

com outro famoso pintor brasileiro, Pedro Américo. Acesso em

http://www.pitoresco.com/brasil/americo/americo.htm consulta em nov/2006.

27 “Os berberes, cabilas ou mazides (mazidh), já que são conhecidos pelos três nomes, foram, acredita-se os

habitantes autóctones do país. Os Cabilas vivem na região montanhosa. (...) Os cabilas são uma raça industriosa.” (ENGELS, 1982 apud FERREIRA, s/d, p. 8-9)

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22

religiosa no ano de 1850, data da conquista do território pelos franceses (COLI, 1998 p. 111).

Horace Vernet encaixa-se aqui como um ‘agente’ na construção da história de sua primeira missa. Participação que Meirelles não teve na concepção de sua obra. Em sua Primeira Missa um documento importante como a Carta de Caminha serviu de referência histórica, mas Meirelles não participara ativamente como Vernet do momento que posteriormente se tornou histórico.

Além dessa contextualização marcada pela ausência de um dos pintores da cena histórica, algumas outras diferenças na concepção das duas obras são apontadas por Coli:

Um dos pontos mais evidentes nessa diversidade é a distância da cena. Vernet quer narrar, com precisão, um episódio, e ele o traz para a proximidade dos olhos, de modo que adquira impacto. Meirelles quer a cena principal mais longe, integrando-a numa gravidade atmosférica, num clima espiritualizado. Vernet quer o efeito teatral. Sua cruz é envolvida por uma nuvem de fumaça, diminuída ao pé das montanhas áridas que barram o céu, comprimindo o espaço e impondo-se majestosamente. A cruz de Meirelles, longilínea, traça o eixo condutor que leva o olhar para o alto, enquanto o horizonte abre-se no fundo como um instrumento da serenidade (COLI, 1998, pp. 113-14).

Assim sendo, a obra de Meirelles não só atendia ao movimento das artes plásticas, mas também a necessidades históricas, como um símbolo de uma nova nação; a do Império Brasileiro que tinha na criação dos símbolos e imagens seu maior aliado para consolidação de um novo Brasil.

Importante lembrar as diferenças estéticas na criação da cena da missa entre a obra de Meirelles e a de Vernet, destacada nas palavras de Coli como o encontro através da religião de duas culturas tendo como objetivo a formação de uma sociedade miscigenada (índios e portugueses) através da qual

(...) sob a égide católica, associam-se, numa cena de elevação espiritual, as duas culturas. Cria-se ali o ato de batismo da nação brasileira. Momento prenhe de significados, que o projeto de construção de um passado histórico para o Brasil, ocorrido no século XIX, saberia explorar (COLI, 1998, p. 110).

Momento esse que se coaduna com evidente semelhança à tela de Horace Vernet retratando com o mesmo propósito o encontro entre os dois povos (cabilas e franceses).

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A construção de um passado histórico equivale à construção da memória; a do descobrimento e do mito fundador do Brasil; ambas através da pintura de Meirelles, que se torna o local desta memória.

Nesse local fantástico, (...) devemos nos movimentar de modo ordenado (...), indagando cada imagem, tentando liberar de cada uma as mensagens aí contidas (...). Liberar as imagens da sua auto-referência e colocá-las no circuito das relações trazidas por todas as outras imagens (...) (ALMEIDA, 2005, p.41).

A memória formada através da escrita e da oralidade convertida em pintura, em imagem que educa o olhar sobre o descobrimento, tornando-se memória através do reconhecimento visual que transformará a representação em imagem-agente (ALMEIDA, 1999, p.56).

Imagem guardada num espaço/local (o quadro), construindo uma verdade e legitimando-se através da perpetuação pela educação visual, embasada nesse caso, por uma educação política e religiosa (ALMEIDA, 1999, p.63).

Esta educação da memória, que escolhe local (museus e cinemas) e neles coloca imagens (quadros e filmes), é a memória construída pela educação do olhar exato e preciso, ou que se pretende como tal. Autenticidade dos locais da memória construída historicamente e que imprimem legitimidade através de uma imagem-arquétipo.

Retomando a significação de arquétipo do início do trabalho segundo Eliade (1991) como sendo criações ou recriações, sem caráter de ineditismo, mas que levavam ao conhecimento dos povos acontecimentos distantes, percebe-se o quadro de Meirelles como o arquétipo da primeira missa incorporada a cultura nacional.

Sem a necessidade de agentes participantes (como fora Vernet) destes acontecimentos, mas que por meio da oralidade (local-fala) e da escrita (imagem-palavra) transformavam estas imagens da memória em representações das mesmas.

E sendo assim, no caso da primeira missa, um padrão, uma imagem agente transforma-se em monumento através da repetição de uma estrutura geométrica, no caso da pintura.

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Importante parece lembrar o que diz Almeida sobre as imagens agentes, ao apontá-las como construções morais que “reforçam a alma política” (ALMEIDA, 1999, p.63).

Tomando como exemplo uma série de estampas comemorativas lançadas pela fábrica de sabonete Eucalol e valendo-nos da imagem que interessa a Primeira Missa Dita no Brasil 1-5-1500, equivale à representação dos índios brasileiros e dos portugueses desembarcados em cerimônia religiosa, revelando-nos por si mesma o poder que um conceito fortemente construído, uma imagem agente, pode significar28.

Imagem 4 - A Primeira Missa, impressos da empresa Eucalol de sabonete.

28 O início da impressão de estampas com caráter nacional foi motivado pela baixa venda de seus produtos. O

uso das estampas incentivava os colecionadores a adquirirem seus sabonetes. Motivos nacionais como Santos Dumont, Produtos do Brasil, Aves do Brasil, Episódios Nacionais, dentre outros aumentaram as vendas dos produtos da Eucalol. Duas mil e quatrocentas estampas, divididas em 54 temas foram divulgadas nesses 27 anos de propaganda da já então, Perfumaria Myrta S/A. Algumas inclusive foram utilizadas como material didático nas escolas, como foi o caso das séries História do Brasil e Lendas do Brasil. Acesso em

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Sob a concepção do símbolo, em Meirelles a cruz (imagem 5) ocupa maior destaque, conduzindo nosso olhar na observação das ações que acontecem em seu entorno.

A cruz de Meirelles é mais visível na construção pictórica, enquanto a de Vernet, escondida, parece abstrair-se da cena.

Imagem 5 - Primeira Missa no Brasil de Victor Meirelles de Lima (1860/1)

Em A Primeira Missa no Brasil, a cruz como condutora do olhar não só apresenta o marco do descobrimento em 1500, mas também, a legitimação da descoberta e da religião católica no Brasil no século XIX.

A educação histórico-visual implícita alcança uma representação imagética através da obra do pintor catarinense em formas simples, mas fidedignas à carta de Caminha e às expectativas em relação às artes no Brasil.

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Em Vernet o símbolo-cruz está envolto em nuvens. Não há uma intenção clara em uma primeira observação – mesmo que seja de um leigo – de dar relevância à religião que na maioria das vezes ‘conduzia’ e ‘protegia’ as conquistas territoriais (imagem 6).

Imagem 6 – La première messe en Kabilie (1855)

No momento que se segue serão exploradas a concepção de mito fundador do Brasil e questões referentes ao conceito de documento/monumento de maneira a compreender a criação e permanência como referência visual da Primeira Missa como ‘certidão de batismo’ do descobrimento do Brasil.

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27 2.3. – O Mito Fundador do Brasil

“O eixo condutor que leva o olhar para o alto” indicando o caminho da contemplação, o encontrar-se com Deus, pontua não só a importância da religião na formação do Brasil, mas também toda a simbologia daquela celebração como mito fundador.

Sobre essa questão o texto de Marilena Chauí (2000) para o jornal A Folha de São Paulo intitulado O Mito Fundador do Brasil,chama a atenção para uma das formas como podemos analisar tais documentos – carta e quadro - sobre o descobrimento do Brasil. Considerá-los como “feitos memoráveis” enxergando a “grandeza dos dois lados” (a dos portugueses e a dos índios), parece pertinente para a legitimação das duas narrativas em suas respectivas épocas como documentos fidedignos sobre o descobrimento do Brasil.

Em função disso Chauí (2000) aponta a importância de compreender o passado para poder entender o presente, como fez Meirelles ao visitar os documentos do descobrimento numa tentativa de compreendê-los e representá-los; construiu assim, através da História, uma nova memória sobre a Primeira Missa no Brasil.

Indo além e ponderando sobre a questão religiosa dentro de uma narrativa histórica Chauí (2000, pp.9-10) afirma ainda que (...) “o cristianismo introduz a idéia de que a história segue um plano e possui uma finalidade que não foram determinados apenas pela vontade dos homens”; há a questão do tempo, em sua forma cíclica que (...) “excluí a idéia de história como aparição do novo”, e sim, sendo transmitida através do tempo o que se encontra em nossa memória.

A partir dessa reflexão, pode-se dizer que como ‘feitos memoráveis’ às histórias são contadas. E ao serem recontadas formalizam-se como História. Contadas intencionalmente com o passar dos anos e de acordo com as necessidades do relembrar para fortalecer uma simbologia, para se tornarem documentos históricos.

No caso do quadro de Victor Meirelles e posteriormente no filme O Descobrimento do Brasil reforça-se a simbologia da Primeira Missa e sua importância como construção histórica a partir da posse do território.

Sendo assim, considerar tais obras como reafirmações da constituição de um povo, revisitado pelo conceito de Mito Fundador de Marilena Chauí (...) “impõe um vínculo

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interno com o passado como origem, isto é, com um passado que não cessa” (CHAUÍ, 2000, p.10).

Tais considerações vêm de encontro com a discussão sobre a veracidade dos relatos sobre o descobrimento do Brasil e que serviram de referência para a obra de Meirelles e para o filme de Humberto Mauro.

Uma discussão sobre a intencionalidade da escrita de Caminha aproximaria as narrativas do descobrimento propostas nessa pesquisa, ao conceito de Jacques Le Goff (2003) sobre documento e monumento, enaltecendo as narrativas e conferindo-lhes um status de legitimidade tornando-as muitas vezes inquestionáveis:

Estes materiais da memória podem apresentar-se sob duas formas principais: os monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha do historiador (...) Atendendo às suas origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por exemplo, os atos escritos (LE GOFF, 2003, p.526).

Inclui-se aqui a narrativa de Caminha como monumento que ao “perpetuar” os acontecimentos daquele ano de 1500 reforça a importância que os relatos sobre as viagens marítimas no século XVI representavam para a posteridade.

Entretanto, segundo Le Goff o documento

(...) será o fundamento do fato histórico, ainda que resulte da escolha [grifo meu], de uma decisão do historiador, parece apresentar-se por si mesmo como prova histórica. A sua objetividade parece opor-se à intencionalidade [grifo meu] do monumento. Além do mais, afirma-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF, 2003, p.527).

Sendo assim, por que não afirmar que no caso da Carta de Caminha a criação da história confirma-se através da escrita como documento e monumento, complementando-se em um só documento/monumento?

Nota-se também que mesmo que a narrativa de Caminha tenha sido uma escolha como documento da história, ao mesmo tempo ela torna-se monumento ao ser alçada intencionalmente como a verdade dos fatos através da escrita e sua corroboração na fidedignidade das representações no quadro de Meirelles e posteriormente no filme de Mauro.

Jacques Le Goff ao tratar dos documentos (no caso os impressos, e neste caso a Carta divulgada em 1817) como monumentos históricos, tem um pensamento muito

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interessante que por si só incentivaria uma nova leitura sobre as representações que simbolizam o ato de batismo do Brasil:

O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de força que aí detinham o poder. Só análise do documento quanto monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa (LE GOFF, 2003, p.535).

Vale lembrar que esse autor reforça a idéia da criação dos monumentos como algo que perpetue os acontecimentos históricos importantes. Apresentam-se muitas vezes como objetos ou representações, quadros ou bustos, por exemplo, tendo um papel importante na formação da memória coletiva de uma nação.

2.4. – Questões da Memória

A apresentação de um tema através de três obras distintas em sua forma, mas semelhantes em seu conteúdo, leva-se a questionar tais permanências. Serão coincidências? Foram espontâneas as retomadas de aspectos e minúcias comuns nos três relatos?

Através da repetição de um tema ou mesmo de uma imagem, esses tendem a se fixar em nossa memória, tornando-se parte de nossos conhecimentos; como se pode observar com os exemplos do quadro de Meirelles e da estampa da Eucalol.

A memória individual, pois nem sempre a memória de um é necessariamente a de outro, é aquela que segundo Halbwachs (2006) nos pertence através de nossas lembranças, mesmo vinda de lembranças de outrem:

(...) o funcionamento da memória individual não é possível sem esses instrumentos que são as palavras e as idéias, que o indivíduo não inventou, mas toma emprestado de seu ambiente. (...) Trago comigo uma bagagem de lembranças históricas, que posso aumentar por meio de conversas ou leituras – mas esta é uma memória tomada de empréstimo, que não é minha (HALBWACHS, 2006, pp. 71-2).

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A relevância das obras – carta, quadro e filme - na construção de uma memória revelaram-se importante para entendermos como a História é construída através de diferentes narrativas. E como esta é incorporada como memória, no caso, do descobrimento do Brasil a partir da primeira missa.

Considerando as idéias de Halbwachs (2006), somos seres individuais que fundamentamos nossa memória - no caso pesquisado sobre o descobrimento do Brasil, ressaltamos a “memória da história” - em narrativas de um passado, tendo a presença de um ou mais indivíduos participantes da construção de uma identidade, seja política, social, cultural, religiosa ou histórica.

Traçando um paralelo entre o sociólogo Halbwachs e o historiador Le Goff que se aproximam muito com suas teorias de uma das questões levantadas nessa pesquisa, a da formação da memória, nota-se que seja um documento ou um monumento, a ascensão de uma escrita ou de um objeto de arte a um status de verdade, em ambas as teorias resulta na criação de um símbolo permanente e que persistirá como imagem da história. O assunto será retomado adiante.

Imagem 7 - Cena da primeira missa em O Descobrimento do Brasil (1937) 29.

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