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Fundações públicas de direito privado na área da saúde pública

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FREDERICO PEDRINHA MOCARZEL

FUNDAÇÕES PÚBLICAS DE DIREITO PRIVADO NA ÁREA DA SAÚDE PÚBLICA

NITERÓI 2013

(2)

i FREDERICO PEDRINHA MOCARZEL

FUNDAÇÕES PÚBLICAS DE DIREITO PRIVADO NA ÁREA DA SAÚDE PÚBLICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Prof. LUIZ OLIVEIRA CASTRO JUNGSTEDT

(3)

ii

FREDERICO PEDRINHA MOCARZEL

FUNDAÇÕES PÚBLICAS DE DIREITO PRIVADO NA ÁREA DA SAÚDE PÚBLICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovado em 17 de dezembro de 2013

BANCA EXAMINADORA

Prof. Luiz Oliveira Castro Jungstedt - Orientador UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Prof. Paulo Roberto dos Santos Corval UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Profa. Giselle Picorelli

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iii RESUMO

A finalidade desta monografia é analisar, de acordo com o ordenamento jurídico nacional, a possibilidade de a Administração Pública instituir fundações públicas de direito privado para executar serviços públicos sociais, notadamente o da saúde, praxe que vem sendo adotada em alguns entes federativos, mas questionada por parcela da sociedade. Considerando que o Administrador Público se pauta no critério da especialidade para a criação de entidades da Administração Indireta, isto é, a criação de uma dessas pessoas deve observar a atividade a ser desenvolvida, o trabalho inicia-se conceituando os serviços públicos sociais para, a seguir, analisar a área de atuação das entidades da Administração Indireta. Feita essa análise, procura-se, por fim, abordar o regime jurídico e a forma de criação dessas fundações.

(5)

iv RESUMÉ

L’objectif de cette monographie c’est d'analiser, selon notre systhème juridique national, la possibilité pour l’Administration Publique de créer des fondations publiques de droit privé pour exécuter des services publiques sociaux, particulièrement dans le domaine de la santé publique. Cette pratique a déjà été adoptée par quelques états fédéraux mais elle a été aussitôt critiquée par une certaine partie de la société. D'après le principe de spécialité, selon lequel la création de l’Administration Indirecte doit en premier lieu observer l’activité qui sera effectué, ce travail devra avant tout analyser puis conceptualiser les services publiques sociaux et après établir la possibilité pour les fondations publiques de droit privé de les développer. Pour finir, seront analysés les régimes juridiques de ces persones et leur moyen de création.

(6)

v SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

1. SERVIÇOS PÚBLICOS 4

1.1. OS SERVIÇOS PÚBLICOS SOCIAIS 9

2. EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS 12

3. AS ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA E O SERVIÇO DE SAÚDE

PÚBLICA 17

4. O REGIME JURÍDICO DAS FUNDAÇÕES PÚBLICAS DE DIREITO PRIVADO 28

4.1.DIREITO ADMINISTRATIVO MÍNIMO 28

4.2. O REGIME PRIVADO 32

4.2.1. REGIME DE PESSOAL 34

4.2.2. AS PRERROGATIVAS PROCESSUAIS 36

5. DA CRIAÇÃO DAS FUNDAÇÕES PÚBLICAS DE DIREITO PRIVADO 39

CONCLUSÃO 45

ANEXO I 47

(7)

1 INTRODUÇÃO

O tema desta monografia versa sobre uma prática que vem sendo cada vez mais adotada pelas Administrações dos entes federativos de nosso país: a instituição de fundações públicas de direito privado para atuarem na prestação de serviços públicos.

A figura das fundações públicas (diferentes das fundações privadas previstas no Código Civil) é um tema que oferece ricas discussões doutrinárias e jurisprudenciais na seara do nosso Direito Administrativo. Pretende-se, aqui, analisar algumas dessas discussões.

A presença dessas entidades no ordenamento jurídico nacional gera algumas dúvidas, tais como a existência de fundações públicas com personalidades jurídicas distintas (de Direito Público ou de Direito Privado), suas áreas de atuação (dada a ampla terminologia utilizada no Decreto-Lei nº. 200/67), seus regimes jurídicos etc.

Especificamente, este trabalho procura analisar a possibilidade de serem instituídas fundações públicas (ou governamentais) de Direito Privado, pessoas jurídicas sem fins lucrativos, para atuarem na área da saúde pública, que é um direito social a cargo do nosso Estado.

Essa prática, que representa uma técnica de descentralização (delegação de serviço público por delegação legal), já foi adotada por alguns Estados da nossa Federação.

No Estado do Rio de Janeiro, a Lei Estadual nº. 5.164 autorizou o Poder Executivo estadual a instituir 3 fundações públicas de direito privado para atuar na área da saúde.

No Estado do Sergipe, a Fundação Hospitalar de Saúde, de acordo com a descrição em seu sítio eletrônico, “é uma entidade integrante da Administração Pública Indireta do Poder Executivo do Estado de Sergipe. Criada pela Lei nº 6.347, de 02 de janeiro de 2008, a FHS é dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, de interesse coletivo e utilidade pública. Possui autonomia gerencial, patrimonial, orçamentária e financeira, quadro de pessoal próprio e prazo de duração

(8)

2 indeterminado.”1

Outro exemplo ocorreu no Estado da Bahia, onde a Fundação Estatal Saúde da Família foi instituída em maio de 2009 para desenvolver a saúde pública.2

O assunto é relevante pois a iniciativa que esses governos vêm adotando remonta a um modelo que poderá ajudar na reestatização dos serviços de saúde. Conforme diz LENIR SANTOS, especialista em Direito Sanitário, “sabemos que muitos deles (serviços de saúde) foram transferidos (terceirizados) para entidades do terceiro setor, diante das dificuldades de serem regidos pela administração pública, entre elas a questão do limite de pessoal imposto pela Lei Complementar nº 101/2000.” 3 (inserções minhas em

itálico)

No entanto, essas medidas não foram bem recebidas por toda a comunidade, que levanta dúvidas quanto à constitucionalidade das leis que transferem a uma pessoa jurídica de direito privado a execução da saúde pública. Isso pode ser notado pelas reações que ocorreram nos estados do Rio de Janeiro e do Sergipe, onde, respectivamente, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e o Conselho Federal da OAB moveram ações diretas de inconstitucionalidade contra as leis que permitiram a criação das fundações nesses Estados. 4

Nessas ADIs, discute-se, dentre outros pontos, a constitucionalidade da delegação legal dos serviços de saúde para entidades de direito privado, o regime de pessoal dessas fundações e a (im)possibilidade de serem criadas tais fundações sem que tenha sido editada a lei complementar exigida no art. 37, inc. XIX, da Constituição Federal, temas esses que pretende-se abordar neste trabalho.

Desse modo, o trabalho tem por escopo analisar se o atual ordenamento jurídico nacional admite, do ponto de vista jurídico, a instituição de fundações governamentais de direito privado para prestar os chamados

1 Informações adquiridas no sítio eletrônico http://www.fhs.se.gov.br/index.php?option=com_con

tent&view=article&id=76&Itemid=471; acesso em 1º/10/2013.

2Informações adquiridas no sítio eletrônico http://www.fesfsus.ba.gov.br/index.php?option=com

_k2&view=item&layout=item&id=1&Itemid=60; acesso em 1º/10/2013.

3 SANTOS, Lenir. Fundações Estatais – Algumas Considerações, in Fundações estatais:

estudos e parecer. Organizadora: Lenir Santos. Campinas, SP: Saberes Editora, 2009, p. 51.

4 ADI n° 4247/RJ e da ADI n° 4197/SE, que ainda não foram apreciadas pelo Supremo Tribunal

(9)

3 serviços públicos sociais (no caso, a saúde), sem, no entanto, entrar no mérito que envolve os juízos de conveniência das decisões politicas que optam por oferecer saúde pública por meio da Administração Direta; entidades autárquicas; fundações governamentais de Direito Privado; parcerias com o terceiro setor; concessões administrativas etc.

Assim, a partir da análise do ordenamento jurídico, da doutrina e da jurisprudência especializada no assunto, este trabalho procura aferir sobre a legalidade do modelo em tela. Para tanto, essa análise tocará os seguintes pontos:

(i) conceituação do que são serviços públicos;

(ii) a posição do serviço de saúde pública no direito brasileiro como um serviço público social;

(iii) as formas de prestação dos serviços públicos, com destaque para a delegação legal (ou outorga);

(iv) a relação que existe entre as entidades da Administração Pública Indireta, as finalidades a que estão voltadas e o serviço de saúde pública;

(v) o regime jurídico dessas fundações; e

(vi) os procedimentos legais para a criação de fundações governamentais de direito privado e a lei complementar exigida pelo art. 37, XIX, da Constituição Federal;

(10)

4 1. SERVIÇOS PÚBLICOS

O ramo dos serviços públicos recebe cada vez mais destaque sob a égide dos Direitos Sociais no Estado Social, hoje Regulador5.

Conforme sabido, o Estado Social, sucessor do Estado Liberal, já não mais admite um Poder Público que forneça apenas direitos de primeira geração, ou seja, aqueles que para serem fornecidos basta que haja um Estado não intervencionista.

A origem dessas exigências está no constitucionalismo social, cujo objetivo básico é afirmar que não basta o Estado oferecer os direitos fundamentais de primeira geração. O Estado deve, também, prestar serviços básicos para oferecer o mínimo existencial e garantir a paz social.

O Estado Social, portanto, chamou para si a prestação dos serviços sociais, como a saúde, a educação, a previdência, a assistência social etc. São os direitos fundamentais de segunda geração.

Ao contrário dos direitos fundamentais de primeira geração, os direitos de segunda geração tem natureza prestacional, ou seja, o indivíduo tem de exigir do Estado prestações positivas, e não meramente negativas. Isto é, para o Estado cumprir esses direitos, não bastará que ele fique inerte. Por exemplo: o Estado cumpre o direito de expressão ao não censurar. Entretanto, para cumprir o direito de educação, deve realizar uma política pública para tal fim: contratar professores, construir escolas etc.

Esses direitos de segunda geração (assim denominados pelos constitucionalistas) podem ser entendidos, em geral, como serviços públicos (termo mais próximo aos administrativistas).

E o conceito desse termo (serviço público) é um daqueles que nem a doutrina nem a jurisprudência conseguem delimitar com certa concordância.

O motivo de tal dificuldade, conforme diz parte da doutrina, seria que o conceito varia de acordo com a proposta de cada Estado, sendo um conceito não só jurídico, mas também político.

Uma coisa, entretanto, é certa: independente da amplitude das

5 Tanto o Estado Social quanto o Regulador absorvem a ideia de que os serviços públicos

devem ser de responsabilidade do Estado. Entretanto, o atual modelo Regulador (ou gerencial) já não mais pressupõe que tais serviços sejam desenvolvidos manu propria pelo Poder Público, que hoje adota uma figura mais próxima a de um gestor do que a de um executor.

(11)

5 atividades que compõem o que são serviços públicos, fato é que, atualmente, são atividades que o constituinte atribui ao Estado.

Evidentemente, essa característica não ajuda em muito o trabalho dos juristas, de modo que neste trabalho propomos adotar alguma das concepções doutrinárias dadas ao termo.

Doutrinariamente, as concepções do termo serviço público podem ser as seguintes6:

(i) amplíssima: onde serviço público seria sinônimo das atividades conduzidas pela Administração Pública ou seu delegatário, preponderando o critério orgânico ou subjetivo. Nesta acepção, por serviço público entende-se as atividades de polícia, fomento e as atividades econômicas lato sensu (gênero do qual seriam espécies os serviços públicos propriamente ditos e as atividades econômicas stricto sensu desenvolvidas pela Administração Pública, seja em monopólio ou não - art. 173 e 177)7

-8;

(ii) ampla: serviços públicos seriam as atividades desempenhadas pela Administração Pública ou delegatário, com cunho prestacional. O cunho prestacional (critério material), por designar atividades que oferecem comodidades e utilidades à sociedade, exclui as atividades de polícia e de fomento do conceito perquirido. Por esta acepção, seriam serviços públicos os chamados serviços públicos uti universi e os serviços públicos uti singuli9;

(iii) restrita: esta concepção engloba os serviços de cunho

6 Divisão proposta por Alexandre Santos de Aragão em Direito dos Serviços Públicos, obra

essencial para o estudo do tema. (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços

Públicos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013)

7 Essa concepção tem origem na escola clássica do serviço público, cuja ideia foi formada por

Léon Duguit e Gaston Jèze.

8 Maria Sylvia Zanella Di Pietro diz que no Brasil essa concepção foi adotada por doutrinadores

que sofreram influência do direito francês, como Mário Masagão e José Cretella Júnior. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 101-102).

9 Alexandre Santos de Aragão diz que a coexistência dessas duas espécies (uti universi e uti singuli) num mesmo conceito torna-o quase ineficaz, haja vista que a finalidade buscada pelo

jurista ao conceituar institutos é prever a identificação dos regimes que deles decorrerão. Como os serviços públicos uti universi e uti singuli denotam regimes muito distintos (financiamento primordial por impostos X taxas ou tarifas; possível aplicação do Código de Defesa do Consumidor X sua inaplicabilidade; etc), essa acepção soa não ser a mais eficaz.

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6 prestacional oferecidos a indivíduos identificáveis e de forma quantificável (o que exclui os serviços uti universi e, ao mesmo tempo, permite a quantificação de um preço). Em tal conceito, serviço público é gênero do qual são espécies os serviços públicos sociais (espalhados na Constituição Federal e cuja prestação incumbe obrigatoriamente ao Estado, de forma não reservada) e os serviços públicos econômicos (de titularidade reservada ao Estado - art. 175, CF); e

(iv) restritíssima: abrange apenas os serviços públicos econômicos, reservados ao Estado, cujo exercício não constitui direito próprio da iniciativa privada (o que os diferencia dos serviços públicos sociais)10.

Para CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, que segue linha de entendimento de grande parte da doutrina pátria, o elemento formal do conceito de serviço público, i.e., o regime jurídico-administrativo, é essencial para a definição do instituto. Diz o renomado publicista:

Quando houver prestação de utilidade ou comodidade, oferecida pelo Estado e fruível diretamente pelos administrados, haverá serviço

governamental, mas não necessariamente serviço público. Este só

existirá se o regime de sua prestação for o regime administrativo, ou seja, se a prestação em causa configurar atividade administrativa pública, em uma palavra, atividade prestada sob regime de Direito

Público.11

Esse autor, ao descrever o que entende por “regime de Direito Público”, traz os princípios gerais da Administração Pública, como a supremacia do interesse público, universalidade, continuidade etc.

Esses princípios, todavia, são aplicáveis tanto às demais atividades desempenhadas pela Administração Pública (como o poder de polícia), como às atividades de interesse público praticadas pela iniciativa privada (como as

10 Essa concepção é defendida, por exemplo, por Carlos Ari Sundfeld (SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 83, apud ARAGÃO, Alexandre

Santos de. Direito dos Serviços Públicos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p.175).

11 DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 28ª ed. São Paulo:

(13)

7 atividades de saúde, onde há forte regulamentação12).

Em razão disso, e somado ao fato de os serviços públicos sofrerem influências de normas de direito privado (como a legislação consumerista) e serem regulados pelas agências reguladoras (que, afinal, regulam atividades econômicas lato sensu13), a doutrina moderna entende que o regime de Direito

Público não é elemento necessariamente delimitador do conceito de serviço público14.

No atual cenário político brasileiro, sobretudo após a Reforma Administrativa instaurada pela Emenda Constitucional 19/98, intensifica-se o modelo de Estado Gerencial, que pressupõe a desestatização das atividades de interesse público (que vem sendo cada vez mais atribuídas a particulares) e a posição do Estado apenas como controlador e regulador de tais atividades. Esse caminho aparentemente irrefreável dificulta a manutenção da ideia de que os serviços públicos sejam regidos inteiramente por normas de Direito Público.

É nesse sentido que ALMIRO DO COUTO E SILVA, citado por ARAGÃO, menciona que15

Na sua mais antiga formulação, para a caracterização do serviço público fazia-se mister a reunião de três elementos essenciais: a) serviço de interesse geral ou de utilidade pública; b) prestado pelo Estado direta ou indiretamente, por delegatários privados; e c) sob regime jurídico especial, de Direito Público. Os dois últimos elementos há muito se modificaram. Pessoas jurídicas de Direito Privado também prestam serviço público, mas seria sempre necessária a existência de um vínculo orgânico com o Estado. No tocante ao regime jurídico, ele não é só o de Direito Público, a que se subordinam os serviços públicos de natureza administrativa. Quase sempre a prestação dos serviços públicos industriais e comerciais se realiza sob regime misto. (grifos meus)

Ademais, conforme veremos adiante ao analisar o âmbito de atuação

12 A forte regulamentação de atividades privadas se deve, ainda, à publicização do direito

privado, fenômeno destacado por Gustavo Tepedino como ínsito ao nosso atual constitucionalismo.

13 Os serviços públicos econômicos e os sociais podem ser considerados atividades

econômicas em sentido lato, pois não deixam de representar a prestação de serviços e utilidades escassos no cenário político e econômico. Por outro lado, entende-se por atividade econômica em sentido estrito aquela que não tenha cunho prestacional, destinando-se, primordialmente, a fins arrecadatórios, como a exploração de petróleo (art. 173 e 177, CF).

14 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. 3ª ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2013. p. 139-142.

15 COUTO E SILVA, Almiro do. “Privatização no Brasil e o novo Exercício de Funções públicas por Particulares.” Serviço Público à Brasileira?, in Revista de Direito Administrativo – RDA.

Renovar, vol. 230, 2002, p. 47, apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços

(14)

8 das entidades da Administração Indireta (que muitas vezes são criadas para prestar serviços públicos), a doutrina e a jurisprudência apenas exigem que elas sejam pessoas jurídicas de Direito Público para as atividades relacionadas ao poder de polícia (como soberania e segurança nacional), onde não se inclui a atividade de serviço público. Isso mostra, numa via transversa, que os operadores do Direito já não mais entendem necessário o regime puramente publicístico nos serviços públicos.

De tal modo, antes de propor seu conceito, ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO diz que o jurista, ao criar conceitos, deve se pautar em dois fatores: a operacionalidade do conceito, de forma que ele possa dar maior organização à ciência do Direito (na medida em que dele possa se extrair um regime jurídico mínimo comum a diversas manifestações jurídicas); e o atendimento aos objetivos metodológicos visados pelo seu autor, sendo um instrumento eficaz para responder as dúvidas que se pretende sanar.16

Assim sendo, o referido autor, por exclusão das concepções ampla (já que dela surgem regimes muito distintos) e restritíssima (já dela haveria apenas um regime), adota como a mais instrumental a acepção restrita17. De

tal modo, o autor define os serviços públicos como

atividades de prestação de utilidades econômicas a indivíduos determinados, colocadas pela Constituição ou pela Lei a cargo do Estado, com ou sem reserva de titularidade, e por ele desempenhadas diretamente ou por seus delegatários, gratuita ou remuneradamente, com vistas ao bem-estar da coletividade.18

Portanto, em breve resumo e adotando-se o conceito “restrito” acima visto, serviço público pode ser definido como a atividade (i) atribuída ao Estado;

16 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. 3ª ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2013. p. 122

17 “(...) o seu conceito restrito -, que, a nosso ver, é o mais operacional por contemplar um

conjunto de atividades (serviços públicos econômicos e serviços públicos sociais) que, apesar de não terem regimes jurídicos idênticos (uns só podem ser prestados pela iniciativa privada mediante delegação do poder público, outros quando muito necessitam apenas de autorizações administrativas de polícia; uns são via de regra cobrados dos usuários, outros geralmente são gratuitos etc.), possuem um mínimo satisfatório de pontos em comum (“unidade de sentido”) capaz de justificar a inclusão no mesmo conceito (ambos são em maior ou menor escala sujeitos à legislação consumerista; são específicos e divisíveis; geram direitos subjetivos individuais etc.).” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 151).

18 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. 3ª ed. Rio de Janeiro:

(15)

9 (ii) mas não necessariamente a ele reservada19 (iii) nem necessariamente por

ele desempenhada; (iv) sob regime jurídico total ou parcialmente público; e (v) de cunho prestacional.

Temos, então, que o conceito proposto abrange as atividades denominadas como serviços públicos econômicos, que estão presentes no art. 175, CF, e os serviços públicos sociais, que não se encontram delimitados em artigo específico, mas espalhados pela legislação. Conforme a lição de ARAGÃO, ambos são em maior ou menor grau sujeitos à legislação consumerista, são específicos e divisíveis e geram direitos subjetivos individuais.

1.1. OS SERVIÇOS PÚBLICOS SOCIAIS20

Trazidos os pontos comuns às espécies que integram o conceito de serviço público aqui utilizado, vejamos seu principal traço distintivo: a reserva da titularidade da atividade.

Partindo desse pressuposto, ensina a doutrina que os serviços públicos podem ser privativos (reservados ao Estado) ou não privativos (livres à área privada)21.

Entre os primeiros (que estão previstos no art. 175, CF), estão aqueles cuja prestação é privativa aos entes da Federação, ainda que a Constituição admita a possibilidade de entidades do setor privado desenvolvê-los.

Diferentemente, os serviços não privativos (que seriam os não abrangidos pelo art. 175, CF) constituem atividades que podem ser prestadas livremente pelo setor privado, isto é, independentemente de concessão ou

19 Grifou-se essa característica pois é a que distingue as espécies serviços públicos

econômicos e serviços públicos sociais, conforme melhor veremos adiante.

20 É importante delimitar a noção dos serviços públicos sociais e, sobretudo, o da saúde, antes

de trazer em pauta o procedimento de delegação legal. Isso porque, conforme veremos, o Estado se baseia no princípio da especialidade para criar suas entidades da Administração Indireta, pois cada uma é direcionada para um fim específico. Desse modo, ter em consideração certos conceitos, como não serem os serviços públicos necessariamente regidos inteiramente por normas de direito público, ser a saúde um serviço não reservado ao Estado (podendo ser prestado por pessoas privadas, sem uso de imperatividade) e gratuito (não podendo ser cobrado ao usuário por tarifa), nos ajudará a saber qual tipo de pessoa o Estado poderá criar.

21 GRAU, Eros. Constituição e Reforma Universitária. Folha de São Paulo, 23/01/2005. Artigo

encontrado em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2301200508.htm; acesso em 18/10/2013.

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10 permissão (atos de delegação previstos no mencionado dispositivo constitucional).22

Em outros termos, não obstante na maioria dos casos necessite de autorizações para seu desempenho, o serviço não privativo é aquele que representa atividade que a livre iniciativa pode prestar por direito próprio. Tais autorizações, entretanto, não significam delegações, mas exprimem o controle de polícia administrativa, dada a relevância de determinadas atividades.

Visto isso, podemos notar que, em verdade, pessoas privadas podem desenvolver tanto as atividades que representam os serviços públicos privativos quanto as que representam os serviços públicos não privativos. A diferença é singela: para prestar os privativos, elas precisam de uma autorização (e aqui não em sentido de controle de polícia), consubstanciada em um ato onde o Estado, que detém a reserva daquela atividade, concorda em vê-la desempenhada pelo seu delegatário particular.

Fala-se em delegatário pois o nome do ato que permite a um particular prestar determinada atividade reservada ao Estado é a delegação (permissão ou concessão). Assim sendo, no nosso ordenamento, só há delegação se a atividade for reservada a um ente da Federação.

Por outro lado, não é isso que se passa nos serviços públicos sociais ou não privativos. No que se refere a essas atividades, o constituinte, por saber da impossibilidade de o mercado e o terceiro setor satisfazerem as necessidades coletivas, também obrigou o Estado a prestá-los.

Assim, esses serviços públicos sociais, também denominados compartidos23 ou não privativos24, quando forem desempenhados pelo Estado

em razão da imposição do constituinte, serão considerados como serviços públicos e, quando desempenhados pela iniciativa privada na condição de direito próprio dela, será simplesmente uma atividade econômica de interesse

22 Léon Duguit, citado por ARAGÃO, entendia, quanto aos serviços não reservados, que “a

caracterização como serviço público não implica em monopólio em favor do Estado, e que certas atividades, mesmo podendo ser livremente exercidas por particulares, são objeto de serviços públicos quando são prestadas pelo Estado. O ensino e a assistência social são dois exemplos claros disso.” (DUGUIT, Léon. Traité de Droit Constitutionnel, Tome II. Paris: Ancienne Librairie Fontemoing & Cie. Editeurs, 1923. p. 57-58 apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 83).

23 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. 3ª ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2013. p. 177.

(17)

11 público25.

Nesse diapasão, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, apesar de não utilizar o termo serviço público social, entende haver uma dupla natureza na prestação desses serviços, de modo que, quando prestados pelo Poder Público, será um serviço público e, quando prestados pela iniciativa privada, será uma atividade econômica26.

Portanto, quando a iniciativa privada presta atividades que estão a cargo do Estado e a ele reservadas, significa que o faz por delegação. Trata-se dos serviços públicos econômicos (art. 175, CF). Já quando a iniciativa privada presta certas atividades por direito próprio, sem delegação formal, não se trata de um serviço público, mas de atividade econômica, pois não se fala em delegação quando a atividade prestada não for reservada ao Estado. Essas figuras, porém, não são objeto deste trabalho.

Antes de prosseguir, devemos mencionar que, de acordo com os arts. 196 e 199, CF27, a saúde é um desses serviços que o constituinte impôs

ao Estado de forma não reservada28 e que, quando por ele desempenhado

(seja centralizada ou descentralizadamente), será considerado um serviço público. Dessa forma, para cumprir a obrigatoriedade de prestar o serviço de saúde pública de forma ampla e gratuita, consoante preceitua o dispositivo constitucional, o Administrador Público poderá fazê-lo de diferentes maneiras.

Tendo sido analisadas essas diferenças e considerando que o constituinte não abriu mão da prestação dos serviços públicos sociais pelo Estado, passaremos a tratar, adiante, das formas como o Estado presta tais serviços.

25 O forte interesse público na realização de algumas atividades econômicas fez surgir o Direito

Regulatório, essencial para a estrutura do atual Estado Gerencial.

26 DE MELLO, op. cit. p. 694-698.

27 “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas

sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (grifos meus).

“Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.”

28 “Há cinco espécies de serviço que o Estado não pode permitir que sejam prestados

exclusivamente por terceiros, seja a título de atividade privada livre, seja a título de concessão, autorização ou permissão. São os serviços: 1) de educação, 2) de saúde, 3) de previdência social, 4) de assistência social e 5) de radiodifusão sonora de sons e imagens, tudo conforme fundamentos constitucionais já indicados.” (DE MELLO, op. cit. p. 697). (grifos meus).

(18)

12 2. EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Vista a conceituação de serviço público e considerando sua divisão entre serviços públicos econômicos (de titularidade exclusiva do Estado e que pode ser prestado por ele próprio ou delegado) e serviços públicos sociais (de titularidade não exclusiva do Estado), vejamos algumas formas de prestação dos serviços públicos.

Conforme já mencionado, a titularidade, reservada ou não, dos serviços públicos em geral pertence ao Estado, devendo ser de seu interesse prestá-los.

A depender da oportunidade e conveniência do Administrador Público, o Estado pode dividir, algumas vezes, a tarefa de executá-los através de figuras da Administração Indireta ou em parceria com o setor privado.

Sendo assim, pode o Estado prestá-los de forma direta (centralizada) ou indireta (descentralizada).

Quando dizemos que o Estado presta diretamente os serviços públicos, significa que o faz por sua própria pessoa política, que é repartida em órgãos. Esses órgãos formam o que se costuma chamar de administração centralizada, a cujo conjunto foi atribuído o nome de administração direta pelo art. 4º, I, do Decreto-Lei n. 200/6729. Nesse caso, o Estado acumula as situações de titular

e prestador do serviço.

Nesse condão, ensina HELY LOPES MEIRELLES:

Serviços centralizados são os que o Município30 detém e realiza por

seus próprios órgãos, em seu próprio nome e sob sua exclusiva responsabilidade. Nessa modalidade ele é ao mesmo tempo titular e o executor do serviço, que permanece integrado na estrutura da Administração centralizada, agora denominada Administração direta (Decreto-lei 200/67, art. 4º, I).31

Já quando o Estado decide que os serviços devem ser prestados por entidades diversas das pessoas federativas, o Estado os presta indiretamente, nunca abdicando, porém, do dever de controle sobre as atividades. Esse

29 DL n. 200/67, art. 4º, I: “A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na

estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.”

30 E por Municípios pode se entender qualquer pessoa política.

31 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

(19)

13 controle, por sua vez, varia de acordo com a forma específica de transferência do exercício do serviço, isto é, varia conforme a forma de descentralização pela qual se opta (no caso da descentralização administrativa por entidades da Administração Indireta, adiante analisada, existe o controle finalísitico ou por vinculação, que na esfera federal tem o nome de supervisão ministerial - art. 19 do DL n. 200/67).

A execução dos serviços a cargo do Estado de maneira indireta é oriunda do processo de descentralização, que, conforme ensina CARVALHO FILHO, é “o fato administrativo que traduz a transferência da execução de atividade estatal a determinada pessoa, integrante ou não da Administração.”32 (grifos meus)

De tal modo, a descentralização pode operar-se por duas maneiras: por meio de lei, para pessoas integrantes da Administração Indireta (a delegação legal33) ou por meio de parcerias com o setor privado (lucrativo ou

não).

Novamente HELY LOPES MEIRELLES ensina que:

Serviços descentralizados são todos aqueles em que a Administração

Pública transfere sua titularidade ou sua execução, por outorga ou delegação, a autarquias, fundações, empresas estatais, entes paraestatais, empresas privadas ou particulares individualmente, e aos consórcios públicos (Lei 11.107, de 6.4.2005).34

Não obstante a descentralização por parcerias com o setor privado não seja o objeto deste trabalho, é importante fazer algumas considerações sobre essa forma indireta de prestação dos serviços públicos.

Conforme vimos, os serviços públicos podem ser divididos em serviços públicos econômicos e sociais. Vimos também que ambos são considerados atividades econômicas lato sensu, haja vista representarem serviços e produtos escassos no dia-a-dia. Entretanto, apesar de ambos figurarem como

32 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Iuris, 2011.p. 317.

33 É a descentralização administrativa, que veremos no próximo capítulo.

34 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

Atualizador: Adilson Abreu Dallari. p. 373. O ilustre autor chamava de outorga o que aqui chamamos de delegação legal, explicando que a outorga transferia não apenas a execução, mas também a titularidade do serviço público. Neste trabalho, porém, adotaremos os termos como sinônimos, referindo-nos pura e simplesmente à execução de atividade a cargo da Administração Pública Direta realizada por entidade da Administração Indireta.

(20)

14 atividades econômicas, alguns têm seu exercício reservado ao Estado (os serviços públicos econômicos).

Esses serviços restritos ao Estado, de acordo com o art. 175, CF, só podem ser prestados por pessoas privadas através de delegação, e serão remunerados mediante tarifa35 (ou, acaso o próprio Estado queira prestá-los,

poderá instituir taxas ou preços públicos). Essa previsão de remuneração por tarifa permite que os delegatários prestem tais serviços buscando lucro, sem desrespeitar, entretanto, a modicidade tarifária.

Dessa forma, quando o Estado opta pela descentralização de serviços privativos a pessoas privadas, estaremos diante de um serviço público executado de maneira indireta por pessoas não integrantes da Administração, com fins lucrativos e mediante uma delegação. Por tais razões, essa delegação recebe o atributo de delegação negocial36 (diferente, portanto, da delegação

legal, que representa o exercício de serviços públicos indiretamente por ente da Administração Indireta).

No que concerne aos serviços públicos sociais, vimos que esses também devem ser prestados pelo Estado. Isso não significa, entretanto, que devam ser prestados diretamente pelo Estado, de modo que também podem o ser indiretamente, ou seja, por entes da Administração Indireta ou por pessoas privadas (aqui elas podem ter ou não fins lucrativos).37

O grande diferencial é que, nesse segundo caso de prestação indireta por pessoas privadas, não se aplicará o regime tarifário e tampouco falar-se-á em delegação. Isso porque, não se trata de atividades de titularidade reservada ao Estado e, sobretudo, não se trata de atividades com as quais o prestador – Estado ou entidade privada - possa aferir lucro mediante cobrança dos

usuários (diferentemente, o próprio Estado pode aferir lucro mediante

cobrança dos usuários ao realizar os serviços públicos econômicos, como

35 É por isso que nos serviços públicos econômicos o delegatário sempre tem intuito lucrativo, o

que não ocorre sempre com o setor privado que desenvolve um serviço público social (que pode ter ou não fins lucrativos).

36 CARVALHO FILHO, op. cit. p. 318.

37 Vale frisar que dizer que os serviços públicos sociais não podem ser realizados com o intuito

lucrativo não é sinônimo de oferecimento gratuito. A cultura, por exemplo, é um serviço público social que pode ser cobrado. O que é proibido é o fim lucrativo. Sendo assim, o Estado pode cobrar por atividades culturais, mas o preço deve ser módico, apenas para cobrir os custos, sem angariar lucro. Já a saúde deve ser gratuita por força de dispositivo constitucional (art. 196), assim como a educação.

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15 ocorre com as empresas estatais prestadoras de serviços públicos econômicos).

Portanto, quando o Estado opta pela descentralização de serviços públicos sociais a alguma pessoa não integrante da Administração Indireta, essa pessoa privada não pode aferir lucros mediante cobrança dos usuários (o que não a impede de buscar lucro mediante contraprestação do Estado). É por isso que o Estado pode optar pela descentralização dos serviços sociais a pessoas privadas com ou sem intuito lucrativo.

Essas considerações nos ajudam a entender duas situações hoje existentes.

A primeira é a execução de serviços públicos sociais por entidades do terceiro setor (que não tem fins lucrativos). Esses serviços não podem ser realizados com o intuito de lucro, seja mediante cobrança aos usuários, seja pela contraprestação ajustada nos contratos de gestão e termos de parceria realizados entre o titular da atividade (Estado) e o prestador (OS ou OSCIP) do serviço, pois se tratam de pessoas constituídas com fins assistenciais.

A segunda é a execução dos serviços públicos sociais por entidades do segundo setor (com fins lucrativos)38. Esses serviços podem ser realizados

com o intuito lucrativo, mas jamais o lucro pode ser originado de cobrança dos serviços aos usuários. O lucro, nesses casos, será alcançado pela contraprestação paga pelo titular da atividade (Estado) ao prestador (concessionário39), prevista no contrato de concessão administrativa.

Pois bem. Feita essa breve menção à execução indireta de serviços públicos realizados por pessoas privadas, vejamos, a seguir, o instituto da descentralização administrativa, isto é, a descentralização direcionada a pessoas integrantes da Administração Pública Indireta, processo que é feito mediante o que se chama delegação legal, que é o que aqui nos interessa.

Tendo em vista o maior destaque que daremos a esse tipo de descentralização, trataremos da delegação legal em capítulo próprio, onde

38 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2013. p. 468.

39 A concessão a que se refere não é a simples (Lei n. 8.987/95), mas a administrativa (Lei n.

11.079). Vale ressaltar que a figura das PPP por concessão administrativa trouxe ao ordenamento jurídico uma possibilidade de concessão com fins lucrativos para a prestação de uma variada gama de serviços, dentre os quais a saúde (e serviços sociais em geral) estaria inserida. No caso, independentemente do fim lucrativo, o usuário permanece isento do pagamento de tarifas e a atividade continua aberta à iniciativa privada.

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16 veremos, além das entidades da Administração Indireta que podem ser criadas, aquela que melhor se encaixa para a prestação do serviço de saúde pública.

Antes de avançar, façamos uma breve conclusão: a atividade de saúde foi prevista pelo constituinte como uma atividade com dupla natureza: quando prestada pela iniciativa privada é uma atividade econômica e, quando prestada pelo Estado (em cumprimento à ordem constitucional), será um serviço público. A atividade de saúde, então, quando prestada pelo Estado, se trata de um serviço público social ou não privativo, que deve ser ofertado de maneira ampla e gratuita, seja de forma centralizada, i.e., pela Administração Pública Direta, ou descentralizada, i.e., pela Administração Pública Indireta (delegação legal) ou por parcerias com a iniciativa privada (para serviços públicos econômicos, por delegação negocial; e, para serviços públicos sociais, por parcerias com o terceiro setor ou concessão administrativa).

Direcionando-nos ainda mais ao debate proposto, passaremos a analisar a opção da prestação da saúde pública por entidades da Administração Pública Indireta, isto é, oriunda de processo de descentralização administrativa, que cria pessoa jurídica pública a partir de critérios de especialidade.

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17 3. AS ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA E O SERVIÇO DE SAÚDE PÚBLICA

No ordenamento jurídico nacional há 4 tipos clássicos de entidades da Administração Indireta: as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

A nível constitucional, essas figuras estão previstas no art. 37, XIX, CF, que diz:

XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação. (redação dada pela

EC 19/98) (grifos meus)

Na seara infraconstitucional, tais figuras estão dispostas, em âmbito federal, no art. 4º do Decreto-Lei n. 200/6740, diploma legal que trata, inclusive,

dos tipos de atividades a que estão aptas a prestar cada uma delas (art. 5º). Vejamos:

Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:

I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.

II - Empresa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito.

III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.

IV - Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos

40 DL 200/67, art. 4°: “A Administração Federal compreende: (...) II - A Administração Indireta,

que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Empresas Públicas; c) Sociedades de Economia Mista. d) fundações públicas.”

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18

respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes. (grifos meus)

Preliminarmente, insta salientar que não obstante o Decreto-Lei n. 200/67 se trate de uma norma federal, suas previsões tem eficácia em todas as esferas federativas, razão pela qual serve o referido diploma de base para aprofundarmos a análise.

A partir da leitura dos dispositivos colacionados, podemos fazer duas constatações.

A primeira é que todas as pessoas jurídicas da Administração Indireta necessitam de uma lei para que possam ser criadas. Apesar da incongruência do texto do Decreto-Lei n. 200/67 com o dispositivo constitucional supratranscrito, sabe-se que as autarquias são criadas diretamente através de lei, enquanto as demais entidades tem sua criação autorizada por lei. Essa constatação representa o princípio da reserva legal na Administração Indireta.

A segunda é que tais entidades são criadas (ou tem sua criação autorizada) para cumprir atividades distintas. Nesse sentido, nota-se que as autarquias cumprirão atividades típicas da Administração Pública; as empresas públicas e as sociedades de economia mista (ou simplesmente empresas estatais) desenvolverão atividades econômicas, e as fundações públicas exercerão atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público (poder-se-ia até dizer que se destinam a prestar funções residuais, dada a previsão negativa). Essa segunda constatação representa outro princípio que rege a Administração Indireta: o princípio da especialidade.

Sobre o princípio em tela, Diogo de Figueiredo Moreira Neto diz que

A multiplicação das atividades que devem ser desenvolvidas pela Administração Pública demanda cada vez maior eficiência operativa, um desafio lançado no campo da Ciência da Administração, mas que apresenta direta repercussão no do Direito Administrativo, inspirando este princípio da especialidade, para adequar meios a fins. (...) O princípio da especialidade, de caráter substantivo, informa particularmente a distribuição de competências administrativas entre entidades, órgãos e agentes estatais e, hoje, conotado aos

resultados visados pela atividade administrativa, é critério

atributivo de poder.41 (grifos meus)

41 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 104.

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19 Pois bem. Tendo em mente o princípio da especialidade, passamos a analisar, a seguir, qual tipo de entidade da Administração Pública Indireta está apta a prestar os serviços de saúde pública.

Conforme já analisamos, o serviço de saúde tem duas facetas: quando prestado pelo Estado, será um serviço público social que deverá ser executado de forma ampla e gratuita (art. 196, CF e art. 43 da Lei n. 8.080/9042) e, quando

prestado pela livre-iniciativa, uma atividade econômica (art. 199, CF).

Portanto, partindo da premissa de que a saúde fornecida pelo Estado consiste num serviço público social cuja execução não pode ser cobrada dos usuários, podemos descartar, de início, a criação de empresas estatais como meios para exercer a descentralização administrativa deste serviço, já que estas são criadas com fins lucrativos43.

Quanto às autarquias, o Decreto-Lei n. 200/67 menciona que estas serão criadas para desenvolver “atividades típicas da Administração Pública”. Dessa forma, deve-se analisar se a saúde está inserida ou não nessas atividades típicas. Para tanto, vejamos o que se entende pelo termo citado.

Para ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO, atividades tipicamente administrativas são aquelas revestidas de jus imperii (poder de polícia, de fiscalização, regulação) e de heteronomia (capazes de impor obrigações a terceiros independentemente do seu consentimento). Diz o autor que essas atividades devem ser exercidas por pessoas de direito público (como o são as autarquias), já que se trata de funções dotadas de imperatividade.44

Pode-se dizer, ademais, que o legislador, ao se referir a atividades típicas da Administração Pública, estaria se referindo àquelas atividades que as demais pessoas não podem prestar, isto é, aquelas atividades que necessitam

42 Lei n. 8.080/90, Art. 43. “A gratuidade das ações e serviços de saúde fica preservada nos

serviços públicos contratados, ressalvando-se as cláusulas dos contratos ou convênios estabelecidos com as entidades privadas.”

43 Aprofundando um pouco o tema, se levarmos em consideração que os serviços públicos

(sociais e econômicos) representam atividades econômicas lato sensu, já que consistem em serviços e produtos escassos na sociedade, até poderia se sustentar que as empresas estatais estão aptas a desenvolver esses tipos de serviços. No entanto, é relevantíssimo considerar que os serviços públicos sociais prestados pelo Estado (seja pela Administração Direta ou Indireta) não devem servir de fonte de lucro, o que inviabilizaria seu exercício por empresas estatais (pessoas por si só destinadas a lucrar, sejam prestadoras de serviço público – art. 175, CF, sejam prestadoras de atividades econômicas – art. 173, CF). Esse raciocínio levaria à inconstitucionalidade da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH, cuja criação foi autorizada pela Lei nº. 12.550/2011. (Ver também nota de rodapé n. 36)

44 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro:

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20 de potestade pública para serem desempenhadas. Se assim entendermos, as autarquias estariam destinadas a cumprir atividades de polícia, de fiscalização e de regulação, conforme aduz ARAGÃO.

Outro ponto que pode ser trazido é o fato de que o poder de polícia, atividade que é típica do Estado, “significa toda e qualquer ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais”45, sempre realizada para atingir um

interesse maior, o público.

Diferentemente, a saúde pública não representa uma atividade típica de Estado (já que sua execução não é privativa ao Estado e nem depende de potestade pública), tampouco representa a restrição de direitos individuais para atingir a paz social. Muito pelo contrário, a saúde pública é, conforme analisado, um serviço não privativo e representa um direito fundamental de segunda geração, prestacional.

Assim, tendo em vista que os serviços públicos sociais (como a saúde pública) são atividades que (i) não exigem execução por órgãos ou entidades de direito público (art. 5º, IV, DL n. 200/67), (ii) nem devem ser realizadas pela Administração Pública com intuito de lucro, podemos concluir que é perfeitamente possível entender que o serviço ora estudado pode ser desenvolvido por fundações públicas, que são pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos.

Nesse sentido, diferenciando as fundações das autarquias, MARÇAL JUSTEN FILHO assim entende:

“(...) A distinção essencial entre autarquia e fundação pública reside em que esta desempenha atividades de interesse coletivo que não exigem a atuação de uma entidade estatal, por meio da aplicação de prerrogativas próprias do direito público. A autarquia, por sua vez, é encarregada de promover a satisfação de necessidades coletivas essenciais, cujas características exigem a atuação de uma pessoa de direito público (...)”46

Ainda no contexto das finalidades das autarquias e fundações, pela máxima de que quem pode mais pode o menos (a maiori, ad minus) e na medida em que se venha a considerar como atividades típicas de Estado não apenas aquelas desempenhadas com imperatividade, mas simplesmente

45 CARVALHO FILHO, op. cit. p. 69

(27)

21 atividades atribuídas ao Estado, também pode-se admitir que os serviços públicos sociais sejam prestados por autarquias. Esse raciocínio não exclui, todavia, a possibilidade de serem tais serviços prestados por fundações públicas, haja vista não serem serviços que precisam do jus imperii para serem desempenhados (art. 5º, IV, DL n. 200/67).

Para aprofundar a análise no que concerne especificamente às fundações públicas, é importante, ainda, trazer uma observação: apesar de o Decreto-Lei n. 200/67 as outorgar personalidade jurídica de direito privado, esse não é o entendimento atualmente adotado.

Conforme veremos, existem 3 correntes que tratam da natureza jurídica dessas pessoas47: alguns entendem que são sempre pessoas de

cunho privado; outros entendem que são sempre de cunho público; enquanto que a jurisprudência e grande parte da doutrina entendem que as fundações públicas podem se revestir tanto de personalidade jurídica de direito privado, quanto de personalidade jurídica de direito público (caso em que seriam similares às autarquias).

Na primeira corrente podemos destacar HELY LOPES MEIRELLES, que defendia que as fundações instituídas pela Administração Pública teriam sempre personalidade jurídica de direito privado, sob pena de se confundirem com as autarquias. O autor, que sempre defendeu a natureza privada das fundações públicas, revisitou seu entendimento após o advento da Constituição Federal de 88. Era sua opinião: “Não entendemos como uma entidade (fundação) possa ser espécie de outra (autarquia) sem se confundirem nos seus conceitos.” Os atualizadores de sua obra dizem que

Na verdade, o Autor sempre entendeu que a fundação, mesmo quando criada e mantida pelo Poder Público, não perdia a sua personalidade de Direito Privado, nem se transformava em entidade pública, ficando, simultaneamente, sujeita à tutela do Ministério Público, à supervisão administrativa da entidade estatal que a instituiu e ao dever de prestar contas ao Tribunal de Contas, Esse seu entendimento foi mantido até o advento da Constituição/88, quando modificou a redação para o texto atual, que foi alterado com a EC

47 A denominação ‘fundação pública’ em nada corresponde à sua natureza jurídica. O adjetivo

apenas quer dizer que são entidades instituídas pelo Poder Público, integrando a Administração Indireta, assim como ocorre com as empresas públicas, cuja personalidade jurídica é, inquestionavelmente, de direito privado. O termo “pública” serve, portanto, apenas para diferenciar tais entidades das fundações instituídas por pessoas privadas, objeto do Direito Civil.

(28)

22

19/98. [...] A doutrina mais recente parece voltar ao magistério antigo do Autor. A doutrina sustenta que o Poder Público pode criar, por lei, fundação com personalidade de Direito Público – fundação pública -, e, neste caso, ela é uma espécie de autarquia; mas pode também autorizar a instituição de fundação com personalidade de Direito Privado – fundação privada. É evidente que o Poder Público pode aplicar às fundações de Direito Privado, por ele instituídas, regras especiais, exorbitantes do Código Civil, desde que assim entenda conveniente (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, São Paulo, Atlas 1990, pp. 273 e ss.; Adilson Abreu Dallari, “Fundação privada”, RDP 98/81; Eros Roberto Grau, “Fundações Privadas”, RDP 98/75; Carlos Ari Sundfeld, “Fundações Governamentais”, RDP 97/86)” 48

A segunda corrente, que engloba a jurisprudência do STF e a doutrinária majoritária, entende que a Administração Pública pode instituir tanto fundações governamentais de direito público, como de direito privado49. A

escolha por um ou outro regime dependeria, como vimos, da atividade a ela delegada.

A jurisprudência também já parece ter consolidado esse entendimento. Sob a Constituição de 1967, o STF assim se pronunciou:

nem toda fundação instituída pelo Poder Público é fundação de direito privado. As fundações, instituídas pelo Poder Público, que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo previsto, nos Estados-membros, por leis estaduais, são fundações de direito público, e, portanto, pessoas jurídicas de direito público. Tais fundações são espécies do gênero autarquia, aplicando-se a elas a vedação a que alude o § 2º do artigo 99 da Constituição Federal. (STF. RE n° 101.126-RJ. Rel. Min. Moreira Alves).

Mais recentemente, esse entendimento foi reiterado no julgamento do RE nº 219.900.

No caso, uma fundação pública de direito privado estadual interpôs recurso extraordinário para ver reconhecida a incidência do regime de precatório na execução de suas dívidas.

A Ministra Ellen Gracie, então relatora, decidiu apoiada no parecer do Ministério Público Federal, que assim menciona: “Fundação Pública. Execução por precatório. A denominação “pública” não confere à Recorrente personalidade jurídica de direito público. Suas atividades não são típicas do

48 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 38ª ed. São Paulo: Malheiros,

2012. Atualizadores: Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho.

49 Esse é o entendimento, dentre outros, de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Alexandre Santos

(29)

23 Estado, podendo ser desenvolvidas por qualquer outra entidade. Sendo pessoa jurídica de direito privado, não se aplica o previsto no artigo 100, caput, da Constituição Federal. Parecer pelo não conhecimento do recurso.”

O mesmo entendimento pode ser depreendido do julgamento do RE nº 215.741, de relatoria do Ministro Maurício Corrêa, in verbis:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA FEDERAL E A JUSTIÇA COMUM. NATUREZA JURÍDICA DAS FUNDAÇÕES INSTITUÍDAS PELO PODER PÚBLICO.

1. A Fundação Nacional de Saúde, que é mantida por recursos orçamentários oficiais da União e por ela instituída, é entidade de direito público.

2. Conflito de competência entre a Justiça Comum e a Federal. Artigo 109, I da Constituição Federal. Compete à Justiça Federal processar e julgar ação em que figura como parte fundação pública, tendo em vista sua situação jurídica conceitual assemelhar- se, em sua origem, às autarquias.

3. Ainda que o artigo 109, I da Constituição Federal, não se refira expressamente às fundações, o entendimento desta Corte é o de que a finalidade, a origem dos recursos e o regime administrativo de tutela absoluta a que, por lei, estão sujeitas, fazem delas espécie do gênero autarquia.

4. Recurso extraordinário conhecido e provido para declarar a competência da Justiça Federal.

(RE 215741, Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 30/03/1999, DJ 04-06-1999 PP-00019 EMENT VOL-01953-04 PP-00781)

Deve-se comentar, ainda, a existência de uma terceira corrente, menor, mas não menos importante, na qual se destaca o entendimento de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, para quem as fundações governamentais, na atual leitura da Constituição Federal, devem ser equiparadas às autarquias. De acordo com o autor,

Em rigor, as chamadas fundações públicas são pura e simplesmente autarquias, às quais foi dada a designação correspondente à base estrutural que têm. (...)

Uma vez que as fundações públicas são pessoas jurídicas de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa, resulta que são autarquias e que, pois, todo o regime jurídico dantes exposto, como o concernente às entidades autárquicas, aplica-se-lhes integralmente.50 Essa terceira corrente, entretanto, é a minoritária, e recebeu interessante crítica de CARLOS ARI SUNDFELD. Diz esse autor que

50 DE MELLO, op. cit. p. 186-187.

(30)

24

Essa visão reducionista apóia-se na suspeita de que o modelo da fundação governamental privada, além de desnecessário à Administração, seria buscado sempre com objetivos escusos: fugir de todo e qualquer controle, permitir o desvio criminoso de recursos, acumular cargos indevidamente, etc. A verdade, porém, é que, no Direito brasileiro contemporâneo, os controles realmente essenciais estão ligados, não à personalidade de direito público, mas à personalidade governamental. É esta, e não aquela, que determina a incidência do regime administrativo mínimo51, incluindo os deveres de licitar e de fazer concurso público, p. ex; tanto licitam entes públicos (autarquias) como pessoas governamentais privadas (sociedades de economia mista). Assim, é equivocada a suspeita de que a criação, pelo Estado, de entes sob estrutura privada seja uma tentativa de fuga da moralidade e de outros valores públicos. Trata-se, em verdade, de uma busca da estrutura que melhor se ajuste à função específica da entidade, sem prejuízo da aplicação de um regime

administrativo mínimo.” (grifos originais). 52

Prevalece, assim, como dito, o entendimento de que há duas espécies de fundações estatais: as de direito público (também denominadas fundações autárquicas) e as de direito privado.

No que se refere à diferenciação dessas entidades, JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO mostra que o STF adota quatro fatores para a distinção dos tipos de fundações governamentais53: desempenho de serviço

estatal; regime administrativo; finalidade; e origem dos recursos.

Entretanto, na opinião desse autor, o único fator do qual se pode extrair pequeno elemento de diferenciação seria a origem dos recursos54-55. De acordo

com o doutrinador, seriam fundações governamentais de direito público aquelas cujos recursos tiverem previsão própria no orçamento da pessoa federativa, “e que, por isso mesmo, sejam mantidas por tais verbas, ao passo que de direito privado serão aquelas que sobreviverem basicamente com as

51 Comentaremos sobre o regime de direito administrativo mínimo no próximo capítulo.

52 SUNDFELD, Carlos Ari. Parecer exarado em resposta a consulta formulada pela Fundação

para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde – FIOTEC, em 2006, sobre fundações governamentais de direito privado, in Fundações estatais: estudos e parecer. Organizadora: Lenir Santos. Campinas, SP: Saberes Editora, 2009, p. 261.

53 CARVALHO FILHO, op.cit. p.477-478.

54 No caso da Fundação Nacional de Saúde, este foi um dos critérios utilizados pelo STF para

determinar a natureza jurídica dessa fundação, conforme se nota a partir da ementa supratranscrita (RE 215.741).

55 Sobre os três primeiros fatores diz o autor que “o primeiro fator nos parece frágil, pois que

tanto as primeiras como as últimas sempre exercem atividade qualificada como serviço público. O regime administrativo não é causa da distinção, mas efeito dela; de fato, o regime será um ou outro conforme se qualifique, como premissa, a fundação inserida nesta ou naquela categoria, sendo, pois, insatisfatório esse fator distintivo. A finalidade é rigorosamente a mesma para ambas, ou seja, a execução de serviço público não lucrativo.” (CARVALHO FILHO, op. cit. p. 477).

(31)

25 rendas e serviços que prestem e com outras rendas e doações oriundas de terceiros.”56

Data vênia a opinião do eminente autor, esse elemento de diferenciação, na prática, tornaria quase todas as fundações instituídas pelo Poder Público em fundações de direito público, haja vista a impossibilidade de cobrança pela prestação de serviços públicos sociais como a saúde e a educação (finalidades a que muitas fundações de direito privado estão voltadas) e, por conseguinte, a existência de dependência orçamentária57.

Nesse ponto, no que concerne à dependência orçamentária, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, sem utilizar tal característica como elemento diferenciador da natureza jurídica das fundações, apenas diz:

Acresce que a fundação governamental não tem, em geral, condições para adquirir vida própria, também por outra razão: a dotação inicial que lhe é feita não é, no mais das vezes, suficiente para permitir-lhe a consecução dos fins que a lei lhe atribui. Por isso mesmo, além da dotação inicial, ela depende de verbas orçamentárias que o Estado lhe destina periodicamente.58

Prosseguindo sua distinção, JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO traz ainda um outro aspecto que ele entende ser eficaz, que é justamente o fato de as atividades por elas exercidas serem exclusivas ou não do Estado59.

De acordo com esse fator distintivo, retornaríamos às diferenciações acima feitas, quando comparamos as autarquias com as fundações públicas, e chegaríamos à mesma conclusão: as fundações governamentais de direito privado são adequadas para a execução de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, ou seja, aquelas que são também desenvolvidas pela iniciativa privada. Já para as funções estatais típicas, a fundação deverá ser pessoa de direito público (autárquicas), vez que somente referidas pessoas detêm poder de autoridade.

56 CARVALHO FILHO, op. cit. p. 477.

57 CARVALHO FILHO, apesar de apontar o elemento da origem dos recursos como

diferenciador, não se mostra muito satisfeito, observando o seguinte: “Ainda assim, porém, não se justificaria, em nosso entender, adotar idêntica denominação para entidades distintas. Se as fundações de direito público são verdadeiras autarquias, por que são nominadas como “fundações”, e não como as demais entidades autárquicas? Tudo isso só contribui para dificultar o entendimento daqueles que permeiam o estudo das pessoas administrativas, ainda mais quando o Direito, por seus postulados lógicos, deve transmitir simplicidade, e não confusão.” (op. cit. p. 477).

58 DI PIETRO, op. cit. p. 498.

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