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MOBILIDADE E GÊNERO EM SÃO PAULO, BRASIL: COMO A DESIGUALDADE DE GÊNERO SE EXPRESSA NO ESPAÇO URBANO ATRAVÉS DO USO DA BICICLETA?

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MOBILIDADE E GÊNERO EM SÃO PAULO, BRASIL: COMO A DESIGUALDADE DE GÊNERO SE EXPRESSA NO ESPAÇO URBANO

ATRAVÉS DO USO DA BICICLETA?

Marina Kohler Harkot1 Letícia Lindenberg Lemos2 Paula Freire Santoro3 Resumo: A desigualdade de gênero no urbano se expressa através de padrões de mobilidade e modos de deslocamento. Uma análise da pesquisa Origem-Destino de São Paulo, realizada pelo Metrô, mostra que os padrões masculino e feminino são bastante diferentes, sendo as mulheres a maioria no uso do ônibus e andar a pé, mas apenas 12% dos ciclistas (Metro, 2012). Como explicar as diferenças? Há algum tempo os estudos de mobilidade urbana têm se concentrado nas diferenças entre os padrões de mobilidade de homens e mulheres (Dumont e Franken, 1977, Coutras, 1997, Vidal, 2004; Hanson, 2010; Rasselet et al., 2011), mas muito pouco se explorou sobre o contexto brasileiro e o uso da bicicleta (Pantoja, 2014, Siqueira, 2015, Svab, 2016, Lemos et al., 2016). Já que os padrões de mobilidade feminina estão relacionados ao uso e à circulação das mulheres nos espaços públicos e ao seu vínculo histórico com a domesticidade e o trabalho reprodutivo, como é que a construção social e cultural do gênero pode explicam as diferenças encontradas na pesquisa Origem-Destino no que diz respeito ao uso da bicicleta como meio de transporte? E o que essas diferenças significam? Este artigo tem como objetivo explorar o contexto brasileiro sobre gênero, espaço urbano e mobilidade urbana e analisar o uso da bicicleta pelas mulheres de São Paulo. Isso será feito usando a literatura local sobre o assunto e os dados disponíveis sobre o uso da bicicleta, discutindo as descobertas a partir de uma perspectiva de gênero.

Palavras-chave: Mobilidade urbana. Bicicleta. Modos ativos. São Paulo. Planejamento urbano.

Introdução

Muitos autores já apontaram como o planejamento e os estudos urbanos adotam abordagens totalizadoras, tradicionalmente desenvolvendo planos e diagnósticos para o território que buscam dar conta do “interesse geral” de determinada comunidade (Domínguez, 1997). Resultado disso é a invisibilidade das mulheres no campo do planejamento urbano – não só como planejadoras, mas cidadãs para as quais as cidades são (ou deveriam ser) planejadas. Assim, apesar de se registrarem estudos sobre esse tema desde, pelo menos, os anos 70, ainda há lentidão na incorporação de

1 Mestranda em Planejamento Urbano e Regional, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), São Paulo, Brasil. Email: marina.harkot@gmail.com

2 Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), São Paulo, Brasil e pesquisadora do LabCidade FAUUSP. Email:

leticialindenberglemos@gmail.com

3 Professora de Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Brasil, coordena o projeto ObservaSP no LabCidade FAUUSP. E-mail: paulasantoro@usp.br.

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enfoques específicos sobre gênero nas pesquisas quantitativas e qualitativas sobre como a cidade é vivenciada. Resultado disso é a dificuldade de identificação das diferenças e especificidades nas maneiras como as mulheres utilizam o espaço urbano, bem como a proposição de novos enfoques metodológicos, que joguem luz sobre grupos sociais historicamente sub-representados – tal como as mulheres.

Tal uso diferenciado da cidade encontra explicação no conceito de gênero (Scott, 1986), parte indissociável das relações sociais ocidentais e a partir do qual a sociedade se constituiu através da designação de papéis e determinados comportamos “masculinos” e “femininos”. Assim, o trabalho aqui apresentado considera como a construção social e cultural dos gêneros resulta em aspectos da socialização feminina estereotípica e da divisão social do trabalho, cujo resultado direto é a vivência diferente de mulheres e homens no espaço urbano.

Por conta desse uso diferenciado, a maneira como elas circulam e se locomovem também é bastante diferente (Dumont e Franken, 1977; Coutras, 1997; Vidal, 2004; Hanson, 2010; Rasselet et al., 2011). Ao considerar o lugar central que o ato de mover-se pelo espaço ocupa nas cidades modernas, fica ainda mais relevante a necessidade de se aprofundar o olhar orientado às especificidades de cada gênero também nos estudos sobre mobilidade urbana – atentando à diferenças tais como motivo de viagem, distância da viagem, modo de transporte (Law, 1999) e a tendência à realização de viagens em cadeia e nos bairros ante às viagens pendulares centro- periferia (McGuckin & Murakami,1999). Autoras como Hanson (2010) procuram avançar metodologicamente ao mostrar como os “padrões de mobilidade”4 conformam gênero e vice-versa.

Assim, para a autora, as distâncias que as mulheres perfazem na cidade e seu espaço de mobilidade têm relação com a ideologia do “dualismo familiar” – com a mulher mais restrita à casa e menores movimentos versus as atividades desenvolvidas fora de casa pelos homens, no espaço público e com movimentos muito mais expansivos. Dessa forma, quando a mulher aumenta seu raio de deslocamento e ganha mobilidade, isso tem poder de transformar a subjetividade contida na identidade masculina e feminina.

Estudos sobre as particularidades do uso da bicicleta por mulheres vem sendo desenvolvidos principalmente em países do Norte Global há alguns anos. Na Europa, pesquisas investigam os padrões femininos tanto em países com altos índices de uso da bicicleta quanto em países cujos

4 Por “padrões de mobilidade” entende-se as tendências gerais na maneira de se mover que são comuns a determinados grupos – modos, horários, horários, duração, destino, motivo das viagens etc.

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investimentos recentes em infraestrutura cicloviária vêm incentivando a adoção da bicicleta. Nos primeiros, não se observa uma diferenciação nas taxas de uso por gênero enquanto naqueles com tradição mais recente no incentivo à mobilidade por bicicleta, ciclistas homens são a maioria. As investigações em países como a Holanda se aprofundam em questões como a comparação do uso da bicicleta por mulheres que têm ou que não têm filhos (Eyer e Ferreira, 2015) e a baixa quantidade de mulheres imigrantes que pedalam como meio de transporte (van der Kloof, 2015), buscando compreender os porquês dessas mulheres “outliers” em um país onde a bicicleta é considerada o meio de transporte por excelência. Em países como Estados Unidos e Austrália, com tradição de planejamento urbano rodoviarista e desenvolvimento ainda novo de políticas voltadas ao uso da bicicleta, as pesquisas analisam a interseccionalidade entre gênero e raça nos baixos índices de ciclistas mulheres e minorias raciais (Lubitow e Miller, 2013), o papel da infraestrutura cicloviária para cada um dos gêneros (Emond et al., 2009) e sua influência diferenciada nas escolhas de homens e mulheres (Garrad et al., 2007).

Entretanto, essas análises ainda estão muito focadas em dinâmicas bastante diferentes do contexto latino-americano ou brasileiro, no qual acessibilidade e mobilidade são fortemente impactados por recortes de renda, escolaridade, cor e etnia, aspectos culturais e morais, entre outras variáveis que relativizam as análises. Essas especificidades têm dificultado consideravelmente a tradução ou o diálogo com a literatura europeia e norte-americana.

Nos últimos anos, estudos brasileiros vêm investigando aspectos da mobilidade urbana das mulheres do país em algumas cidades e a partir de algumas perspectivas diferentes. Ainda no final do século XX, foi realizada a primeira constatação da diferenciação dos padrões de mobilidade de homens e mulheres moradores de São Paulo com base nos dados da Pesquisa Origem e Destino do Metrô de São Paulo (Forneck e Zuccolotto, 1996). Em estudo recente e muito mais aprofundado a partir da análise da série histórica da mesma pesquisa, Svab (2016) buscou compreender, para além da existência da diferença dos padrões de mobilidade dos gêneros, quais eram as variáveis que mais impactavam essas diferenças. Através de análises de clusters, a autora identificou que a categoria

“mulheres” não é homogênea e que os padrões de mobilidade são impactados por, além do gênero, questões como modo de viagem, situação familiar, grau de instrução, faixa de renda familiar e quantidade e idade dos filhos das mulheres (Svab, 2016).

As especificidades do uso da bicicleta pelas mulheres brasileiras estão sendo investigadas em detalhe a partir de abordagens metodológicas diferentes: Melo e Schetino (2009) utilizam uma

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perspectiva histórica para compreender a relação entre a bicicleta e as mulheres na virada do século XIX para o XX, em especial numa comparação entre Rio de Janeiro e países europeus; Pantoja (2014) realizou uma etnografia com mulheres ciclistas de Brasília, na qual buscou compreender a relação destas com a bicicleta e seu uso da rua, incentivos e desestímulos do modo escolhido;

Santucci e Figueiredo (2015) investigam os paradigmas de gênero construídos no vestuário ocidental a partir de uma análise do uso da bicicleta; a Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo realizou, através do seu Grupo de Trabalho de Gênero, a pesquisa

“Mobilidade por Bicicleta e os Desafios das Mulheres de São Paulo” (Ciclocidade, 2016b) na qual investigou, através de coleta de dados quantitativos, quem são as mulheres que pedalam em São Paulo e suas motivações e desafios – além de também buscar entender os porquês de as mulheres que não andam de bicicleta como meio de transporte não o fazem.

Tendo em vista o histórico de pesquisas com abordagens bastante distintas que vêm sendo realizadas, Lemos et al. (2016 e 2017) estão explorando os padrões da mobilidade por bicicleta em São Paulo com base nos dados quantitativos existentes e levantando algumas hipóteses baseadas no histórico de conhecimento acumulado sobre a mobilidade das mulheres. O trabalho aqui apresentado fará uma breve apresentação dessas descobertas e elencará as hipóteses, esperando contribuir para uma discussão mais ampla sobre a restrição de acesso à cidade que as mulheres de São Paulo enfrentam a partir de uma perspectiva de gênero.

A bicicleta e as mulheres em São Paulo

A Pesquisa de Origem-Destino do Metrô (OD)5 aponta que, apesar de o número de viagens realizadas por mulheres vir se aproximando do número de viagens realizadas por homens, o Índice de Mobilidade6 (IM) masculino ainda é maior que o feminino nos modos motorizados7 -

5Apesar das limitações metodológicas que a Pesquisa Origem e Destino apontadas por Lemos et al. (2017) em relação à mensuração de viagens (i) em bicicleta e a pé e (ii) realizadas por mulheres, essa ainda é a pesquisa mais robusta e com série histórica mais longa que existem em São Paulo e que mensura os tipos de viagem realizados em São Paulo – o que justifica seu uso.

6 O Índice de Mobilidade é a relação entre o total de viagens realizadas num dia e a população que realizou essas viagens.

7 Modos motorizados são todos os modos que se utilizam da tração motorizada, são divididos em dois grandes grupos:

coletivos e individuais. Os coletivos são aqueles que transportam vários passageiros. Apesar de, ao longo do tempo, ter tido uma certa variação dos tipos de veículos que realizam esse serviço, o conceito se mantém, sendo compostos por metrô, trem, ônibus, transporte fretado, escolar e lotação. Os individuais são modos motorizados, compostos por viagens dirigindo automóvel, passageiro de automóvel, táxi, motocicleta e aqueles enquadrados como outros, mas não incluem modos ativos (Lemos et al., 2017).

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particularmente nos motorizados individuais – enquanto ocorre o inverso para os modos ativos8 (figura 1):

Figura 1. Índice de mobilidade por modo por gênero por décadas de 1977 a 2012. Fonte: LEMOS, L. L.; SANTORO, P.

F.; HARKOT, M. K.; RAMOS, I. B. Mulheres, por que não pedalam? Porque há menos mulheres do que homens usando a bicicleta em São Paulo, Brasil? Revista Transporte y Territorio, 16, Buenos Aires, 2017. pp. 68-92.

No entanto, a análise dos dados desagregados mostra que cada um desses dois grandes grupos não é homogêneo – e que há diferenças internas a cada um deles. Em relação aos modos ativos, percebe-se uma notável maior participação feminina nas viagens a pé em toda a série

8 O Metrô denomina os “modos ativos” como “modos “não motorizados” – porém se o primeiro termo, já que entende- se que seu significado não se dá pela negação de outro, evitando-se, assim, conferir anterioridade lógica ao outro modo.

0,00 0,50 1,00 1,50 2,00 2,50 3,00

1977 1987 1997 2007 2012

Total-Fem Total-Masc Motorizado-Fem

Motorizado-Masc Coletivo-Fem Coletivo-Masc Individual-Fem Individual-Masc Ativos-Fem Ativos-Masc

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histórica, mas uma supremacia masculina nas viagens com bicicleta – na Pesquisa de Mobilidade realizada em 20129 as mulheres são responsáveis por 55% das viagens a pé e apenas 12% do total de viagens com bicicleta, a maior proporção já observada na pesquisa. Nos modos motorizados individuais, nota-se que as mulheres são a maioria entre as passageiras de táxi (63%) e de automóvel (65%) e uma parcela diminuta entre as motoristas de automóvel (32%) e de motocicleta (12%)10.

A análise da amplitude das viagens com bicicleta, medida em tempo, apontou que as viagens femininas são, no geral, mais curtas do que as masculinas: ao passo que em 2007 76% das viagens masculinas duravam até 30 minutos, 75% das viagens femininas limitavam-se a 20 minutos. As viagens femininas em bicicleta se destacam também na observação das viagens para servir passageiro11: são poucas as viagens feitas em bicicleta por ambos sexos para servir passageiros, porém para as pessoas do sexo feminino estas representam quase 20% das viagens – ao passo que para o sexo essa proporção não chega a 10%. Ou seja: tal ocorrência maior de viagens para servir passageiro provavelmente tem relação com a divisão sexual do trabalho doméstico. O cuidado da família e o trabalho dentro de casa continuam majoritariamente sob responsabilidade exclusiva das mulheres (Piscitelli in Almeida e Szwako, 2009). Assim, tais viagens podem ter como destino a escola dos filhos ou acompanhar familiares idosos em visitas médicas a postos de saúde, por exemplo.

A análise dos dados georreferenciados das viagens de bicicleta por local de residência das pessoas entrevistadas acumulados no tempo (Lemos et al., 2017) aponta que, tanto para mulheres quanto para homens, há uma ocorrência muito maior de viagens de bicicleta nas zonas periféricas da Região Metropolitana de São Paulo. Ou seja: viagens fora do Quadrante Sudoeste (ou Centro Expandido), região apontada por Villaça (1998) como local com maior concentração de camadas de mais alta renda – bem como de infraestrutura urbana e de malha cicloviária da cidade de São Paulo.

Nota-se no mapa apresentado por Lemos et al. (op. cit.) também que, além da grande quantidade de zonas onde não há nenhuma moradora que tenha realizado viagens com bicicleta (o que não

9 A Pesquisa de Mobilidade é uma pesquisa de aferição realizada pelo Metrô no período no meio das duas edições da Pesquisa Origem e Destino, a fim de “calibrar” os resultados da Pesquisa. A amostra utilizada é bem menor do que a da Pesquisa OD.

10 Para maiores detalhes sobre a participação feminina nas viagens da Pesquisa Origem e Destino de São Paulo, ver Lemos et al., 2017.

11 Servir passageiro significa que a viagem realizada não teve motivo próprio do indivíduo, mas de quem o acompanhava.

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acontece entre na análise das viagens masculinas), as mulheres estão concentradas nas bordas da metrópole.

Porém, a Pesquisa Origem e Destino não é a única fonte de informação para as viagens com bicicleta realizadas em São Paulo. Buscando suprir a escassez de informações existentes sobre o uso da bicicleta na cidade a fim de subsidiar argumentos que sustentem a implementação de políticas públicas (em especial, infraestrutura cicloviária), a sociedade civil organizada vem produzindo seus próprios dados. Mesmo entre estudos específicos sobre o uso da bicicleta, a quantidade de mulheres mensurada é sempre muito inferior à de ciclistas homens.

Pontos de contagem de ciclistas Região da

cidade Ano Total Feminino % fem. Masculino % masc.

Avenida Eliseu de Almeida Zona Oeste 2010 561 9 1,6% 552 98,4%

Avenida Eliseu de Almeida Zona Oeste 2012 580 20 3,4% 560 96,6%

Avenida Eliseu de Almeida* Zona Oeste 2014 888 60 6,8% 828 93,2%

Avenida Eliseu de Almeida* Zona Oeste 2015 1245 139 11,2% 1106 88,8%

Avenida Eliseu de Almeida* Zona Oeste 2016 1810 199 11,0% 1611 89,0%

Avenida Paulista Centro 2010 733 27 3,7% 706 96,3%

Avenida Paulista Centro 2012 701 35 5,0% 666 95,0%

Avenida Paulista Centro jun/15 977 80 8,2% 897 91,8%

Avenida Paulista* Centro set/15 2112 298 14,1% 1814 85,9%

Avenida Inajar de Souza* ** Zona Norte 2013 1413 33 2,3% 1380 97,7%

Avenida Inajar de Souza* ** Zona Norte 2014 1410 22 1,6% 1388 98,4%

Avenida Inajar de Souza* ** Zona Norte 2015 1350 34 2,5% 1316 97,5%

Avenida Faria Lima* Zona Oeste 2013 1726 214 12,4% 1512 87,6%

Avenida Faria Lima* Zona Oeste 2015 1941 255 13,1% 1686 86,9%

Rua Vergueiro* Centro 2014 1021 98 9,6% 923 90,4%

Avenida Estrada das Lágrimas Zona Sul 2015 522 11 2,1% 511 97,9%

Ponte Cidade Universitária Zona Oeste 2015 1062 136 12,8% 926 87,2%

Largo do Socorro Zona Sul 2015 952 27 2,8% 925 97,2%

Avenida Vital Brasil Zona Oeste 2015 758 70 9,2% 688 90,8%

Avenida Eng. Luís Carlos Berrini* Zona Sul 2016 1510 169 11,2% 1341 88,8%

Estrada Imperador* Zona Leste 2016 687 12 1,7% 675 98,3%

Tabela 1. Ciclistas contados por gênero e local de contagem. Fonte: Ciclocidade, 2017. Elaboração própria.

* Pontos de contagem em ciclovia ou ciclofaixa

** Contagem realizada entre 5h e 20h

Um exemplo bastante claro dessa constatação pode ser visto nas contagens de ciclistas realizadas pela Ciclocidade (tabela 1). Uma leitura rápida dos dados permite perceber como (i) a quantidade de mulheres contadas nunca ultrapassa 15% do total de ciclistas contados e (ii) a quantidade de mulheres contadas fora da região do Centro Expandido (Centro e Zona Oeste) da cidade é sempre muito diminuta, jamais alcançando os 3% do total de ciclistas contados. É notável

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ver, também, a evolução da proporção de mulheres contadas após a implementação de infraestrutura cicloviária – algo que só pode ser analisado em vias que possuem a série histórica e contagens

“antes e depois”, que permitem comparar os números (Avenida Eliseu de Almeida, Avenida Paulista, Avenida Faria Lima). Entretanto, apesar de possuir infraestrutura cicloviária em todas as contagens que foram realizadas, a Avenida Inajar de Souza, na Zona Norte da cidade, nunca registrou ciclistas mulheres em proporção maior do que 2,5% do total de ciclistas.

A Pesquisa Perfil do Ciclista (Ciclocidade, 2016a) aponta alguns caminhos interessantes para a análise do uso da bicicleta por mulheres. Com um enfoque que busca explorar as motivações e hábitos dos ciclistas da cidade de São Paulo, as respostas permitem levantar hipóteses que merecem ser aprofundadas em pesquisas futuras a partir de seus resultados iniciais. Nota-se, por exemplo, que as mulheres ciclistas tendem a ser mais jovens do que seus pares homens, o que talvez indique que as mulheres mais velhas são potencialmente mães e teriam mais dificuldade para continuar usando a bicicleta. A proporção de viagens em bicicleta com motivos compras realizada por cada gênero aponta o desequilíbrio no exercício do trabalho reprodutivo entre os ciclistas que participaram da pesquisa: mais frequentemente por mulheres do que por homens: essa prática é realizada por 42% das mulheres entrevistadas e apenas por 27% dos homens.

Além disso, as mulheres entrevistadas pedalam há menos tempo, dado que se conecta aos resultados do “antes e depois” das Contagens de Ciclistas citadas acima e aumenta a reflexão sobre se o impacto direto da política cicloviária - implementada em São Paulo a partir de 2013 - foi maior para as mulheres do que para os homens. Entretanto, essa hipótese pode ser uma armadilha, já que reforça um argumento reducionista usado com frequência: que cidades onde há muitas mulheres andando de bicicleta, são cidades onde é seguro pedalar. Tal construção não dá conta de maiores complexidades que podem estar envolvidas na baixa adoção da bicicleta como transporte por mulheres – e que, considerando desigualdades de gênero, uso e vivência do espaço urbano, dupla ou tripla jornada de trabalho, dimensões culturais das práticas esportivas e corporais (Lessa, 2005), dimensões socioculturais, entre outros aspectos, podem ser muito mais profundas do que a simples existência de infraestrutura cicloviária. Essa análise crítica é reforçada pelo fato de que tanto mulheres e quanto homens entrevistados enxergarem, na mesma proporção, a importância da infraestrutura cicloviária para que sejam incentivados a usar a bicicleta ainda com maior frequência do que já o fazem; que ambos gêneros enxergam, como principal problema enfrentado no pedalar diário, a falta de respeito dos condutores motorizados e não a falta de infraestrutura cicloviária; e

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que, a implementação de infraestrutura é considerada a medida mais no combate à tal falta de respeito por ambos gêneros.

A pesquisa “Mobilidade por Bicicleta e os Desafios das Mulheres de São Paulo”

(Ciclocidade, 2016b) entrevistou (i) mulheres ciclistas, que usam a bicicleta como meio de transporte na cidade e (ii) mulheres que não usam a bicicleta como meio de transporte – mas que praticam o ciclismo por lazer ou recreação ou possuem amigos ou parentes próximos que utilizem a bicicleta como meio de transporte. Apesar de os dados dessa pesquisa serão analisados em trabalhos futuros, considerou-se relevante apontar dois resultados intimamente relacionados à questões de gênero: ser ou não mãe, bem como quantidade e idade dos filhos; segurança pública.

Nota-se que as ciclistas são menos frequentemente mães do que as não-ciclistas entrevistadas – 52% contra 64%. Apesar da quantidade média de filhos ser similar entre as ciclistas e as não-ciclistas que são mães, nota-se que entre as ciclistas os filhos parecem ser mais velhos:

31% têm até 9 anos de idade, ao passo que entre as não-ciclistas a proporção de crianças 9 anos é de 37%.

Já as questões sobre segurança pública foram investigadas a partir de duas dimensões: em relação à segurança pessoal como um todo (assalto, iluminação, infraestrutura etc.) e em relação à segurança pessoal no ato de deslocar-se – para as ciclistas, enquanto usando a bicicleta como transporte, para as não-ciclistas, enquanto se locomovendo pela cidade. Os dados já apontam que as ciclistas parecem se sentir mais seguras do que inseguras em relação à segurança pública e em relação à segurança nos deslocamentos.

Conclusão

Os estudos sobre a mobilidade das pessoas no Brasil ainda são a minoria entre as pesquisas tradicionalmente desenvolvidas no campo acadêmico dos transportes e da mobilidade urbana.

Tradicionalmente, as cidades e os sistemas de transporte das cidades brasileiras (como de tantas outras cidades da América Latina – e, por que não?, do mundo) foram projetados visando a otimização das viagens pendulares casa-trabalho (uma prática que pode ser lida como “masculina”) e para abrir caminho prático e rápido para o transporte individual motorizado. Nessa equação, as viagens mais curtas; com trajetos menos radiais e mais sinuosos, por dentro dos bairros; fora dos picos manhã/noite e de pessoas que não têm acesso ao transporte motorizado (tanto individual quanto coletivo), ficaram excluídas do planejamento. Viagens essas, como se falou brevemente na introdução desse trabalho, normalmente ligadas ao exercício do trabalho reprodutivo e, portanto,

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mais comumente “femininas”. Ou seja: as mulheres ficaram excluídas do sistema de mobilidade urbana desenhado. Além disso, os dados quantitativos analisados parecem ser incontestáveis: há uma desproporcionalidade enorme entre a quantidade de mulheres e homens ciclistas em São Paulo.

As bicicletas também sofreram com a sua exclusão das ruas de cidades como São Paulo, onde os automóveis tiveram priorização total e irrestrita. Tanto isso acontece que os estudos sobre bicicleta em São Paulo encontram ainda um entrave anterior à compreensão dos motivos pelos quais é tão diminuta a presença de mulheres que pedalam na cidade: não se sabe bem ao certo sequer quantos ciclistas existem na cidade – principalmente por falta de desenvolvimento de metodologia adequada para tal. Estudos como os realizados pela sociedade civil são um avanço – entretanto, é necessário avançar em análises qualitativas, que compreendam melhor as subjetividades desses sujeitos. Para além de compreender quem e quantas são as pessoas que andam da bicicleta, investigar as motivações, barreiras e porquês (ou “porquê não”) das mulheres e sua relação com a bicicleta pode dizer muito sobre como elas vivenciam - e são excluídas - da cidade.

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Gendered mobilities in São Paulo, Brazil: how does gender inequality expresses itself in the city ground through cycling?

Astract: Gender inequality in the city ground expresses itself through mobility patterns and transportation modes’ choices - or through options left to women to move around. An analysis of São Paulo’s Origin-Destiny survey carried out by Metro, shows that male and female patterns are significantly different, with women being the majority by bus and walking, but only 12% of the

cyclists (Metro, 2012). What can explain such differences?

For some time now urban mobility studies have been focusing on the differences between men and women’s patterns (Dumont e Franken, 1977; Coutras, 1997; Vidal, 2004; Hanson, 2010; Rasselet et al., 2011) but very little has been looked at when it comes to the Brazilian context and cycling (Pantoja, 2014; Siqueira, 2015; Svab, 2016; Lemos et al., 2016). With female mobility patterns being related to women’s use and circulation through public spaces and the historical tie to the domesticity and the reproductive work, how does both gender’s social and cultural background explain the differences found in the Origin-Destiny survey in what concerns cycling as means of

transportation? And what can those differences mean?

This paper aims at exploring the Brazilian context on gender, urban space and urban mobility and analyzing the use of bicycles by women from São Paulo. This will be done using the local literature on the subject and the available data for cycling as means of transportation in São Paulo, discussing the discoveries under gendered lenses.

Keywords: Urban mobility. Cycling. Active transportation. São Paulo. Urban planning.

Referências

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