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Academic year: 2022

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CANNABIS MEDICINAL E AS ASSOCIAÇÕES NO BRASIL: ABRARIO

Leticia Rodrigues Martins da Silva (ENSP/FIOCRUZ)1 E-mail: lehrms.92@gmail.com João Vitor Rodrigues Martins da Silva (UFF)2

E-mail: jorodrigues@id.uff.br Leonardo Machado Coelho Monteiro (IPPUR/UFRJ)3

E-mail: leomcmonteiro@gmail.com

RESUMO: Este artigo propõe uma reflexão sobre uso da cannabis medicinal no Brasil e os entraves sociais relacionados à discussão, tais como, preconceitos, tabus, e outros.

O estudo tem por objetivo explicitar a importância do uso da maconha como medicamento. Devemos destacar que há pouco investimento em pesquisas no Brasil, o que resulta na escassez em referências bibliográficas no país sobre os benefícos e eficácias no tratamento de algumas doenças. Movimentos sociais, direcionados à causa, serão destacados nesta pesquisa, bem como os avanços no âmbito dos três Poderes, como a descriminalização, as regulamentações e os projetos de lei. O terceiro setor vem se expandindo, por meio de associações, com o objetivo de intervir nesta área, visto a negligência do Estado diante dos benefícios que os fitocanabinóides são capazes de proporcionar à saúde do indivíduo, auxiliando na promoção da saúde e na melhoria da qualidade de vida. A Associação Brasileira de Acesso do Rio de Janeiro (AbraRio), foi criada pela Marilene Esperança, no início de 2021, incentivada após seu filho, Lucas, necessitar deste tratamento para controle de crises de epilepsia, desde sua infância. A AbraRio, e outras associações voltadas à esta luta, são de grande importância na sociedade para quebrar os estigmas existentes sobre a cannabis medicinal, assim como, auxiliar as pessoas no acesso ao óleo medicinal, ter o apoio do Serviço Social e propor assessoria jurídica, devido à extrema judicialização ao que o

1 Especialista em Promoção da Saúde e Desenvolvimento Social (ENSP/FIOCRUZ); Assistente Social (UFRJ).

2 Graduando em Sociologia (UFF).

3 Mestrando em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ); Especialista em Gestão Pública (IPPUR/UFRJ); Especialista em Ciência, Arte e Cultura na Saúde (IOC/FIOCRUZ); Historiador (UFF).

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tema está envolvido. Destacaremos, tembém, a importância da AbraRio como espaço para troca de conhecimentos, com a educação permanente de profissionais da saúde, e acolhimentos aos usuários desta terapêutica. Para a artigo, será utilizada uma metodologia qualitativa, que se dará por meio de pesquisas bibliográficas e documentais, referentes à temática.

Palavras-chave: abrario; cannabis; maconha; promoção da saúde; terceiro setor

ABSTRACT: This article proposes a reflection on the use of medical cannabis in Brazil and the social obstacles related to the discussion, such as prejudices, taboos, and others.

The study aims to explain the importance of the use of cannabis as medicine. We should point out that there is little investment in research in Brazil, which results in a scarcity of bibliographic references in the country about the benefits and efficacy in the treatment of some diseases. Social movements, directed towards the cause, will be highlighted in this research, as well as the advances in the three branches of government, such as decriminalization, regulations, and bills. The third sector has been expanding, through associations, with the objective of intervening in this area, seeing the negligence of the State in face of the benefits that phytocannabinoids are capable of providing to the health of the individual, helping in the promotion of health and improving the quality of life. The Brazilian Access Association of Rio de Janeiro (AbraRio) was created by Marilene Esperança in early 2021, encouraged after her son, Lucas, needed this treatment to control his epileptic seizures since childhood. AbraRio, and other associations dedicated to this fight, are of great importance in society to break the existing stigmas about medical cannabis, as well as to help people to access medical oil, to have the support of the Social Services and to offer legal advice, due to the extreme judicialization of this issue. We will also highlight the importance of AbraRio as a space for knowledge exchange, with the permanent education of health professionals, and welcoming users of this therapy. For the article, a qualitative methodology will be used, which will be done by means of bibliographic and documentary research on the theme.

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Keywords: abrario; cannabis; marihuana; health promotion; third sector

Introdução

O texto em sequência tem por objetivo promover a discussão acerca do uso da cannabis como medicamento no Brasil, seus entraves sociais e a importância da atuação do Terceiro Setor para suprir a demanda social que o tema exige. No que se refere a última afirmativa, tomaremos como exemplo o surgimento de algumas associações relacionadas a ascensão do uso da cannabis medicinal no Brasil, em especial, a Abrario.

Com objetivo de propor uma melhor compreensão, o artigo será desenvolvido nas seguintes sessões: a introdução ao tema; uma breve síntese histórica da maconha no Brasil desde a colônia; a década de 1980 e a reflexão acerca da crise socioeconômica no Brasil; a luta pela garantia do tratamento, a apresentação da Abrario e sua atuação política no município de Niterói; e as considerações finais.

Síntese histórica

O surgimento do cânhamo no Brasil, posteriormente denominado “maconha”4, se dá com a chegada dos portugueses por volta do ano de 1500 em suas naus e caravelas. A fibra da planta era tradicionalmente utilizada na fabricação de tecidos, inclusive para as velas e cordas dos barcos colonizadores, sendo que, neste primeiro momento, a planta não fora consumida de maneira recreativa ou farmacológica, por mais que isto já tenha ocorrido há mais de 2300 anos a.c.5 na Ásia e diversas regiões do mundo.

4 Segundo Carlini (2005), a palavra “maconha” trata-se de um anagrama associado a palavra “cânhamo”, porém, sem uma referência histórica objetiva.

5 “O primeiro uso documentado do cânhamo com finalidade medicinal foi ainda em 2.300 a.C., prescrito por um imperador chinês com a finalidade de tratamento para constipação, gota, beribéri, reumatismo, e problemas menstruais.” (SANTOS, Solange. Miranda, Marlene. 2016, p. 5)

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Em meados do século XVI ocorre a intensificação da exploração da colônia e o consequente tráfico negreiro para o preenchimento de mão-de-obra escrava. A partir da migração cultural de determinadas regiões da África, ocorre a chegada no Brasil do fumo-de-angola6. Neste momento, a cannabis começa a ser consumida por uma parcela da comunidade escrava, índios e parte da classe social menos favorecida. Não era um hábito que incomodava a elite mandatária naquele momento, pois menosprezavam os costumes desta camada da sociedade7.

A partir do século XVIII a cannabis começa a preocupar a elite na colônia, que procurava incorporar a planta de maneira estratégica em algumas regiões, devido aos estudos científicos franceses da época8, que apresentaram ao ocidente os benefícios medicinais da substância. Alguns líderes iniciaram o processo do plantio, como podemos observar a partir da manifestação do vice-rei:

"aos 4 de agosto de 1785 o Vice-Rei (...) enviava carta ao Capitão General e Governador da Capitania de São Paulo (...) recomendando o plantio de cânhamo por ser de interesse da Metrópole (...) remetia a porto de Santos (...) dezesseis sacas com 39 alqueires de sementes de maconha...". (FONSECA, 1980, apud, CARLINI, 2005, p. 4)

Como podemos perceber, até este momento a maconha não era tratada como um problema social, mas sim como uma planta que poderia ser utilizada de maneira farmacológica. Esta postura por parte da Coroa não se altera com a chegada da família real ao Brasil, e sim o oposto:

Na segunda metade do século XIX esse quadro começou a se modificar, pois ao Brasil chegaram as notícias dos efeitos hedonísticos da maconha, principalmente após a divulgação dos trabalhos do Prof.

Jean Jacques Moreau. (CARLINI, 2005, p. 4)

6 Segundo o autor Carlini (2005), o fumo-de-angola “Foi trazido para cá pelos escravos negros, daí a sua denominação de fumo-de-Angola. O seu uso disseminou-se rapidamente entre os negros escravos e nossos índios, que passaram a cultivá-la”

7 “[...] Pouco se cuidava então desse uso, dado estar mais restrito às camadas socioeconômicas menos favorecidas, não chamando a atenção da classe dominante branca.” Carlini, 2005, p. 4.

8 “[...] chegaram as notícias dos efeitos hedonísticos da maconha, principalmente após a divulgação dos trabalhos do Prof. Jean Jacques Moreau, da Faculdade de Medicina da Tour, na França, e de vários escritores e poetas do mesmo país.”, Carlini, 2005, p.4.

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É apenas no início do século XX que se inicia o processo de demonização da cannabis. Os Estados Unidos, no ano de 1920, instaura a lei seca em seu país, proibindo o consumo de bebidas alcoólicas, o que, indiretamente, favoreceu o cenário para o consumo da maconha, visto que seria uma substância tão atrativa quanto o álcool, porém, naquele momento, de maior acessibilidade. O plantio da maconha poderia ocorrer dentro das próprias casas, de maneira gratuita. Este evento faz com que o país adote uma política antidrogas, difundindo esta cultura pelo mundo.

No Brasil, “[...] as estreitas ligações [...] com os Estados Unidos levaram à adoção do modelo proibicionista norte-americano de combate às drogas”

(RODRIGUES, 2006, p. 134, apud, SOARES, 2016, p. 256). Este fator faz com que a maconha sofra um processo de demonização a partir da década de 1920 com normativas por parte do Estado Brasileiro. Neste contexto, negros, pobres, favelados, camadas sociais em situação de vulnerabilidade, tem suas culturas desvalorizadas e estereotipadas ao serem associados a maconha e posteriormente, outros tipos de drogas e ao tráfico.

A década de 1980 e seus entraves

Em meados da década de 1980, junto a redemocratização do Brasil, ocorre paralelamente um processo de desindustrialização no país motivado pela crise econômica mundial, acúmulo de dívida externa e má gestão por parte do Estado. O autor Silva (2008) nos permite compreender o tema de maneira mais concreta, especificando as consequências socioeconômicas ocorridas no Brasil:

Começou pelas empresas pequenas e médias ligadas aos bens de capital nos anos 80 e depois atingiu, ainda nesse período, as pequenas e médias produtoras de bens de consumo. A explicação para que o processo tivesse atingido inicialmente esses setores está ligado ao caráter da crise da década de 80, que pela sua natureza reduziu drasticamente a renda dos trabalhadores. Sendo assim as grandes empresas ao perderem o horizonte de investimento reduziam as suas encomendas às pequenas empresas

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de bens de capital (metalúrgicas) (SILVA, 2008, p. 79, apud, TRINDADE, 2012, p. 38).

No decorrer do século XX ocorre a expansão das favelas no Brasil, especialmente no Estado do Rio de Janeiro na década de 19809, intensificando a segregação urbana. Já neste momento, ocorria a movimentação do tráfico de drogas nas favelas, que passara por uma reformulação em seu formato:

A partir da década de 1980 ocorreu uma mudança significativa no perfil do tráfico de drogas do Rio de Janeiro com a introdução em larga escala da cocaína, e a conexão a cartéis internacionais para promover a entrada desta droga no mercado, articulando-se também com o tráfico de armas. A disputa por território – e pontos de venda de drogas – entre grupos criminosos, e destes com a polícia, intensificou-se com o uso de armamento pesado, na busca pelo controle de favelas, conjuntos habitacionais, loteamentos irregulares e bairros periféricos pobres (LEITE, 2008, p. 115-116, apud, TRINDADE, 2012, p. 168).

A partir da citação acima, podemos perceber o perfil adotado pelo Estado no combate às drogas. Trata-se de uma postura violenta e ostensiva, impactando diretamente o cotidiano devida dos moradores das regiões menos favorecidas, já não bastasse a qualidade de vida depreciada. Os próprios movimentos sociais enfrentaram dificuldades na atuação nestas regiões por conta do cenário estabelecido.

Durante o período ditatorial no Brasil o Estado não deixa de atuar nas favelas, porém de maneira repressiva a fim de estabelecer o controle desejado naquelas regiões. Articulando com a vertente do artigo direcionada análise do terceiro setor, a autora Elizabeth Leeds (2003) demonstra que “as organizações não governamentais (ONGs) preencheram lacuna considerável na prestação de serviços básicos, mas elas representam apenas uma parcela dos atores alternativos que vieram ocupar esse espaço. [favelas e regiões menos favorecidas]” (LEEDS, 2003, p. 235). O tráfico pode ser interpretado como um dos demais atores que o estudo sugere.

9 “Ainda no rol da década de 1980 pontua-se o trabalho importantíssimo coordenado por Victor Valla (1986) que descreve as políticas do Estado e da Igreja Católica para as favelas cariocas, de 1940 a 1985.

Apresenta um quadro histórico de crescimento das favelas, marcando as articulações que sustentam as variações das políticas.” (TRINDADE, 2012, p. 8)

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Como resultado, os usuários de drogas no Brasil foram estereotipados, especialmente os moradores da favela que por muitas vezes são considerados criminosos, sem que ocorra a problematização da origem específica das armas e drogas que abastecem o tráfico das regiões.

O combate violento ao tráfico de drogas no Brasil, especialmente nas regiões urbanas, é tomado como solução absoluta deste entrave social, porém, até hoje não se obteve êxito. Combater o tráfico e, consequentemente o vício às drogas, é uma questão de saúde pública, ou seja, a utilização das armas não exime o foco do problema. Por fim, foi associada uma cultura criminal a tudo que envolva “drogas”, inclusive seus usuários. A maconha está inserida no tráfico de drogas, porém, diferente do perfil da cocaína, pode ser manipulada de modo a proporcionar benefícios na saúde.

A Abrario, movimentos sociais e o tratamento

Surge no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 2007, um movimento

chamado “Marcha da Maconha”, cujo objetivo era luta pela descriminalização da maconha. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) passa a reconhecer as manifestações, promovidas pela Marcha, como um direito constitucional. (MELO, 2018).

No mesmo período, iniciou-se uma mobilização de mulheres, sobretudo mães de crianças com doenças ou transtornos que obtiveram melhora significativa na qualidade de vida com o uso da cannabis medicinal. A formação deste grupo foi fundamental para a construção de movimentos sociais em prol da cannabis medicinal.

Através da desobediência civil pacífica, estas mães buscaram garantir o direito à saúde e qualidade de vida de seus filhos, tendo como estratégia a mobilização de tecnologias digitais e impulsionando as instituições públicas a discutirem sobre o assunto.

A cannabis, por ser anteriormente criminalizada no Brasil, foi impossibilitada de ser sequer estudada cientificamente para investigar seus benefícios para a saúde.

Isto mudou apenas com sua descriminalização em outros países e a utilização dos seus

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componentes como Canabidiol (CBD) e Tetrahidrocanabinol (THC) para o tratamento de diversas condições de saúde, como ansiedade, depressão, glaucoma, epilepsia, câncer, dores crônicas (de origem oncológica ou neuropática), Parkinson, Alzheimer, Autismo, Esclerose múltipla, e muitas outras. Tais lutas foram divulgadas em um documentário “ILEGAL, a vida não espera.”10, publicado em 2014.

Pode-se afirmar que tais movimentos, geraram uma discussão na Câmara Federal de Deputados, surgindo, assim, o Projeto de Lei 399/2015, cuja proposta é favorável à legalização do cultivo da cannabis para fins medicinais no Brasil, porém este continua em tramitação e sem avanço, devido a bancada conservadora do congresso.

Também a partir dos movimentos criados por estas mães, no dia 03 de dezembro de 2019 houve um grande avanço no que diz respeito ao tratamento com a cannabis. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprovou uma regulamentação que libera a venda de produtos à base de cannabis em farmácias e drogarias para o uso medicinal, a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 327/2019.

(SILVA, 2021)

Art.1º Esta Resolução define as condições e procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais de uso humano, e dá outras providências. (BRASIL, 2019, p. 194)

Ainda segundo a RDC 327/2019, estes produtos não poderão ser vendidos como medicação, mas sim como “produto à base de cannabis”. (SILVA, 2021)

Art.32. Não podem constar na rotulagem, embalagem e folheto informativo dos produtos de Cannabis: [...] II - os termos medicamento, remédio, fitoterápico, suplemento, natural, ou qualquer outro que tenha semelhança com estes [...] Art. 36. Devem ser disponibilizadas na embalagem dos produtos de Cannabis, as seguintes informações: I - o nome do produto; II - a informação se o produto é constituído pelo derivado vegetal ou fitofármacos derivados de Cannabis; III - a composição qualitativa e quantitativa

10 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=vxjdPCPrukA

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dos marcadores ou fitofármacos estabelecidos para o produto; IV - a frase: "Produto à base de Cannabis"; [...] (BRASIL, 2019, p. 195) Após tais avanços, podemos ver um retrocesso no que diz respeito à temática discutida. Em 2021 a ANVISA informa, em uma publicação, que as comprovações científicas internacionais sobre a eficácia do tratamento com a cannabis, não são suficientes para o seu reconhecimento como medicamento no Brasil:

A regra para o registro de medicamentos novos ou inovadores prevê a realização de pesquisas clínicas que sejam capazes de comprovar a eficácia desses produtos, além de outros requisitos para o seu enquadramento como medicamentos. O atual estágio técnico- científico em que se encontram os produtos à base de Cannabis no mundo não é suficiente para a sua aprovação como medicamentos (BRASIL, 2021).

Com a negligência e omissão do Estado sobre esta terapêutica, e com o

os movimentos sociais, começam a surgir as associações de apoio e acesso à cannabis medicinal, com o objetivo de amparar pessoas e famílias que buscam um tratamento que lhes dê qualidade de vida e incentivar a pesquisa e as discussões no Brasil.

Na cidade de Niterói, no final de 2020, nasce a Associação Brasileira de Acesso à Cannabis Medicinal do Rio de Janeiro (AbraRio), uma organização sem fins lucrativos. Criada pela Marilene Esperança, esta associação surgiu com o objetivo de acolher pessoas e familiares, que procuram este tipo de tratamento, assim como facilitar o acesso ao mesmo.

Marilene foi motivada a criar esta associação, após ver os benefícios da cannabis na vida de seu filho, Lucas Gabriel. O mesmo foi diagnosticado com Síndrome de Rasmussen, o que lhe causava muitas crises convulsivas por dia, o que tirava toda sua qualidade de vida.

Meu filho tem uma síndrome rara chamada Rasmussen, que causa a epilepsia de difícil controle desde os quatro anos de idade. Lucas tinha entre 40 a 50 crises por dia, isso até 2014, que foi quando ele entrou em estado de mal epilético e quase perdi meu filho.

(SECHAT, 2021)

Após o ocorrido, foi sugerido pelo médico de Lucas o tratamento com a cannabis medicinal pela Associação Brasileira de Apoio à Cannabis Esperança

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(ABRACE), e ao iniciá-lo, Marilene começou a ver as melhoras e os benefícios que esta terapêutica trouxe à vida de seu filho.

Lucas começou a usar o óleo esperança e com 15 dias de uso ele já sustentava o pescoço e atendia quando o chamávamos. Com um mês de uso eu encontrei meu filho de pé no quarto, coisa que até então era incomum. Hoje nós conseguimos fazer o desmame de todos os medicamentos e Lucas está com as crises controladas, podendo andar, falar, dançar e interagir. Em outros termos, ele simplesmente está vivendo. (SECHAT, 2021)

A AbraRio tem o papel de promover a saúde da população que necessita desta terapêutica. A promoção da saúde é, segundo a carta de Ottawa, o “processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação nesse processo” (BRASIL, 2002, apud, BUSS, 2003, p. 19). Ela também traz consigo o conceito de saúde ampliado, o mesmo utilizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que a compreende como o maior recurso para o desenvolvimento social, econômico e pessoal, assim como uma importante dimensão da qualidade de vida” (BRASIL, 2002, apud, BUSS, 2003, p. 25).

A Carta de Ottawa propõe cinco campos centrais de ação da promoção da saúde: “elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis; criação de ambientes favoráveis à saúde; reforço da ação comunitária; desenvolvimento de habilidades pessoais; e reorientação dos serviços de saúde” (BUSS, 2003). A partir disto, podemos afirmar que a AbraRio tem grande importância nas propostas de formulação de políticas públicas, incentivo à participação popular e na reorientação dos serviços e práticas de saúde, pois, como veremos adiante, a AbraRio se apresenta como peça fundamental para a criação do Projeto de Lei 124/2021, que visa a garantia dos medicamentos à base do CBD e do THC no Sistema único de Saúde (SUS).

Tendo em vista o papel central exercido pelo Estado na interpretação cultural da cannabis, permeada pelo constante conflito de interesses privados e públicos - hora no contexto da agenda violenta de guerra às drogas, hora em sua utilização recreativa ou medicinal por parte dos atores sociais - a questão das drogas, e especialmente da cannabis, requer uma atenção não a partir do viés policial e criminalizador, mas sim de saúde pública e coletiva. Como visto anteriormente, este novo fluxo decorre da atuação

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da sociedade civil, seja organizada ou não, mas que acabam por desempenhar um papel social pouco reconhecido, mesmo que embrionário no desenvolvimento de uma agenda social e eventualmente de políticas públicas capazes de atender às demandas da sociedade.

Um exemplo significativo da influência dos movimentos sociais, das ONGs, e dos mais diversos atores sociais na formulação das políticas públicas é a própria criação do Sistema Único de Saúde (SUS), que, impulsionado pela pressão do movimento da sociedade civil conhecido como Reforma Sanitária Brasileira, imprimiu mudanças significativas da saúde pública do país, anteriormente marcada por um sistema seletivo e elitista.

Com a mudança da concepção da saúde pública sendo um “[...] direito de todos e dever do Estado” (BRASIL, 1988), a universalização e a integralização da saúde pública passam a simplificar o acesso da população à saúde com o SUS, um movimento imprescindível ao processo da nova ótica de promoção da saúde e não apenas assistencialista e instantânea. Contudo, as tensões e conflitos políticos que atravessam a questão da saúde como dever do Estado, sobretudo com o crescente desmonte das políticas públicas já institucionalizadas e eficientes, ocasionam novos desafios e impedimentos para o acesso à saúde de direito e exigido pela população. A judicialização da saúde, em especial para o acesso à cannabis medicinal, além dos preços inacessíveis para os produtos e para o próprio processo burocrático de acesso, caracterizam uma nova demanda social no Século XXI.

Com isso, a movimentação social das mães, de ativistas, e de pesquisadores começam a modificar a opinião popular acerca da cannabis, impactando a visão política sobre a mesma. Um exemplo disto é, no dia 18 de agosto de 2021, a audiência pública em Niterói que culminou no Projeto de Lei 124/2021, aprovado na primeira discussão pela Câmara Municipal de Niterói. Motivado pela AbraRio, o projeto em questão visa garantir os medicamentos à base do CBD e do THC no Sistema único de Saúde (SUS) em casos nos quais a substância é prescrita para tratamento médico específico.

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Considerações Finais

A partir deste artigo podemos evidenciar que o acesso a cannabis medicinal no Brasil é de extrema importância, porém, as barreiras sociais são elevadas e a camada da sociedade que deseja este recurso deve estar sempre em movimentação, pois as conquistas podem facilmente ser revisadas, modificadas ou até mesmo excluídas pelos agentes políticos que, de certa forma, lutam contra a vida.

Por fim, deve haver resistência para que os direitos não se percam entre os defensores dos “valores morais” contrários a utilização da cannabis. A luta é pela promoção da saúde e qualidade de vida, que deve ser garantida a todo e qualquer cidadão. Não há uma imposição, mas sim pedidos para que haja uma abertura e esta área possa ser explorada com investigações científicas e análises sociais visto a demanda que o tema apresenta.

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Referências

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