AS PERSPECTIVAS PEDAGÓGICAS E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UMA BREVE ANÁLISE SOBRE OS
FUNDAMENTOS TEÓRICOS.
Marcos Paulo da Paz Roberto MORAIS IFSULDEMINAS – Campus Inconfidentes xmarcospaulo96@gmail.com
Eixo Temático:
Políticas e práticas para a formação de professores na perspectiva da inclusão
RESUMOO ideário escolar fundamentado por uma perspetiva inclusiva, que permeia o discurso educacional brasileiro nos dias de hoje, tem origem em movimentos internacionais do final da década de 1980 que defendiam a educação para todos, assim como a necessidade de incluir na escola regular sujeitos à margem do processo de escolarização. Nesse sentido, o presente trabalho teve como objetivo compreender um grupo perspectivas pedagógicas que teve seu ideario difundido no cenário educacional brasileiro, em seus fundamentos teórico-filosóficos, e correlacioná-las com as políticas educacionais que advogam a educação em uma perspectiva inclusiva, principalmente a partir de 1990, onde há um aumento significativo de publicações de documentos que versam sobre essa temática.
Para tanto, realizou-se um levantamento bibliográfico e documental sobre as políticas de educação inclusiva e as análises aqui desenvolvidas utilizaram como arcabouço teórico o Materialismo Histórico-Dialético, assim como os autores que contribuem para a Pedagogia Histórico-crítica, a fim de elucidar conceitos, denunciar ausências, observar limites e possibilidades das políticas educacionais, com a finalidade de contribuir para o debate sobre educação inclusiva. O trabalho encontra-se organizado em torno de dois eixos: por um lado, busca a compreensão sobre o fenômeno da marginalidade de maneira geral, e de maneira particular como se apresenta nas perspectivas pedagógicas que tiveram seus ideais promovidos no cenário educacional brasileiro; e por outro, busca chamar atenção sobre qual égide teórica estão assentadas as políticas de educação inclusiva. Ao término do trabalho pudemos constatar pontos dissonantes entre a política educacional e a prática escolar inclusiva, uma vez que os documentos que discursam em defesa da formação plena de alunos - observando práticas educativas a serem desenvolvidas no interior da escola e, consequentemente, orientações sobre a formação de professores -, estão pautados em concepções teórico-filosóficas que advogam posicionamentos valorativos contrários ao próprio discurso “inclusivo”, tornando claras as concepções que permeiam as políticas educacionais em relação às contradições próprias ao projeto neoliberal de sociedade.
Palavras-chave: Pedagogia Histórico-crítica; Educação Inclusiva; Política
Educacional.
1.INTRODUÇÃO
A promoção do ideário escolar pautado por uma perspectiva inclusiva deu- se por meio do aumento significativo de políticas públicas a partir da década de 1990, que orientam o trabalho e os espaços educativos, prescrevendo diagnósticos e orientações. Após a publicação de diversos documentos internacionais que aparecem entre o fim da década de 1980 e início da década de 1990, a Educação Especial no Brasil consolida-se como modalidade do processo de educação a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) 9.394 de 1996. No início dos anos 2000, há a publicação de legislações e documentos que visam a educação numa perspectiva inclusiva e propõem-se a caracterizar essa perspectiva de ensino, bem como dá provisões à formação de professores e a práticas escolares.
Dessa contexto, o presente trabalho se propõem a investigar as perspectivas pedagógicas junto as políticas educacionais de educação inclusiva, em particular a partir da década de 1990.
Para tanto, fez-se uso do Materialismo Histórico-Dialético e da Pedagogia Histórico-crítica como arcabouço teórico de análise, afim de investigar as contradições presentes no movimento histórico das pedagogias no Brasil, buscando elucidar epistemologicamente o desenvolvimento das mesmas no geral, em particular as consequências para a educação inclusiva.
2. AS PERSPECTIVAS PEDAGÓGIGAS E A MARGINALIDADE
Saviani (2012), ao propor a categoria da marginalidade, relativa ao fenômeno da escolarização, sistematiza as teorias educacionais em dois grupos: o primeiro compreende a escola como meio pelo qual dar-se-á a superação da condição marginal, portanto identificando-a como ferramenta de equalização social. E o segundo, que entende a Educação como instrumento de discriminação social, deste modo contribuindo e reproduzindo a situação já existente na sociedade na qual está inserida.
Neste momento, propomos esclarecer a discussão sobre o grupo de teorias que identificam a escola como meio para a superação das dicotomias existentes na sociedade, principalmente aquelas que tiveram suas ideologias e concepções aceitas e difundidas no cenário brasileiro.
O movimento escolanovista no Brasil
O movimento escolanovista chega ao Brasil em meados de 1920 -imbuído da perspectiva progressista advindas do ideário da Escola Ativa proposta por John Dewey¹-, inicialmente pela Reforma Francisco Campos, com uma série de medidas que contribuíram para a reformulação e organização do ensino secundário, como já observara Saviani (2013).
Desse modo, os ideais promulgados a partir do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932), começam a efetuar uma crítica à pedagogia tradicional, principalmente em relação aos aspectos mecanicistas, dicotômicos e não universais presentes na Escola Tradicional.
A crítica em relação à Pedagogia Tradicional contida nos ideários escolanovistas permeia a compreensão da marginalidade. Para a Escola Nova, os marginalizados são os “anormais”, portanto os desajustados, inaptos e não condizentes socialmente, contudo toma a “anormalidade” não como algo negativo em si, ela seria caracterizada apenas como uma simples diferença, visto que todo homem é singular.
Enquanto para a pedagogia tradicional, a causa da marginalidade é a ignorância, compreendendo o papel da Escola como antídoto (SAVIANI, 2003).
Nesse sentido, Saviani (2003) e Duarte (2001) apontam que para o escolanovismo, como teoria pedagógica, não compreende a essencialidade do aprender, mas do aprender a aprender: uma vez que vangloria o método de aprendizagem em detrimento do conteúdo científico própriamente dito.
Desta maneira, pelo lema “aprender a aprender”, enfatizado no discurso do escolanovismo no início do século XX, que ainda se faz presente nosdocumentos oficiais atuais (FACCI, 2011), compreende-se todas aquelas pedagogias que advogam posicionamentos valorativos nos quais o aluno aprende por si mesmo, mais interessa o
método pelo qual se aprende que o próprio conhecimento, a habilidade em solucionar problemas imediatos e a valorização das diferenças inatas (DUARTE, 2001).
Dada a construção histórica do Escolanovismo e seus desdobramentos nas pedagogias do aprender a aprender, cabe ainda destacar uma questão que permeia os indivíduos marginais dentro do processo educacional, no que diz respeito a problemática da exclusão e da valorização das diferenças, pautada nas contribuições da biologia e da psicologia (BARROCO, 2011).
Da problemática da exclusão no sistema escolar Meire (2011) evidencia que:
“Em princípio expressa na falta de oportunidade de acesso à escola de grandes contingentes de crianças, especialmente nas regiões mais pobres do país, e, mais adiante, em elevados níveis de evasão e repetência, atualmente ela se revela de modo mais sutil, embora não menos violento: a permanência nas escolas por longos períodos de tempo de crianças e jovens que nunca chegam a se apropriar de fato dos conteúdos escolares. ” (MEIRE, 2011, p.91-92)
De uma totalidade de “explicações” que tentam justificar a exclusão dentro do âmbito escolar, a patologização por meio da biologização² e psicologização dos indivíduos, é a ideia mais presente no pensamento educacional brasileiro no contexto atual (MEIRE, 2011).
Acreditamos, portanto, que o reforço da marginalização dos indivíduos por meio da patologização dos mesmos, é parte comum ao processo de ocultação da produção e reprodução das desigualdades sociais, sendo assim necessário uma análise crítica capaz de realizar superações epistemológicas, possibilitando novos posicionamentos em relação à sociedade e à Educação (MEIRE, 2011).
3. A EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Após a publicação de diversos documentos internacionais³ que aparecem entre o fim da década de 1980 e o início da década de 1990, a Educação Especial no Brasil consolida-se como modalidade do processo de educação a partir da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) 9.394 de 1996. No que diz respeito aos anos 2000, há a publicação de legislações4 e documentos que visam a educação numa perspectiva inclusiva, propõem-se a caracterizar essa modalidade de ensino, bem como dá provisões à formação de professores e a práticas escolares.
No entanto, assim como observa Nascimento (2015), apesar das mudanças ocorridas em âmbito legal nos últimos anos, é possível a identificação de inúmeras fragilidades e dificuldades ao implementar um “sistema educacional inclusivo”, que estão diretamente ligadas a falta de acesso às escolas, bem como a qualidade da educação que é oferecida ao público-alvo da educação inclusiva.
Assim, apesar das ações desenvolvidas pelo Estado nos últimos anos com a finalidade de promover a educação numa perspectiva inclusiva, as dificuldades e impasses ainda persistem (NASCIMENTO, 2015).
Tal problemática pode ser vislumbrada a partir da análise realizada por Barreta e Canan (2012) sobre aumento do número de matrículas da Educação Especial:
apesar do aumento expressivo do número de matrículas de alunos deficientes, a qualificação dos profissionais e a estrutura escolar de maneira geral não se alteram, apesar de já estarem garantidas por lei.
No que diz respeito à qualidade da Educação, em especial da Educação Inclusiva, o trabalho do professor assume questão central, principalmente no que tangencia a formação (inicial e continuada), assim como as condições de trabalho. Assim, o efetivo acesso e permanência do público-alvo da Educação Inclusiva no sistema de ensino ainda requer que as condições de trabalho e a formação dos profissionais da educação melhores de maneira significativa (LAPLANE; CAIADO, 2012).
De maneira geral, a fim de sínteses, pode-se concluir que apesar dos avanços alcançados em âmbito legal, a consolidação dessas ações não promoveu de maneira efetiva a superação da condição marginal desses indivíduos por meio de sua inclusão na escola.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como objetivo a investigação e análise crítica acerca dos fundamentos teórico-filosóficos e epistemológicos que circundam o fenômeno educativo no geral, e em particular das políticas de educação inclusiva. A síntese sobre o percurso realizado pelo trabalho de pesquisa possibilitou que algumas problemáticas fossem levantadas.
Ao evidenciarmos ao longo do trabalho as premissas presentes nas reformas educacionais, a partir dos breves apontamentos sobre sua base epistemológica, observa-se que apesar do discurso pedagógico que envolveu a promoção e o desenvolvimento individual e humano, os mesmos apoiam-se em fundamentos teórico- filosóficos com posicionamentos valorativos contraditórios ao que proclamam.
Portanto, cabe ressaltar que as políticas de educação inclusiva constituem- se no ideário pedagógico escolanovista, uma vez que ainda conferem à escola o papel de – direta ou indiretamente – solucionar questões relativas às desigualdades sociais por meio da educação (SAVIANI, 2012).
Em síntese, é necessário inferir que o discurso que envolve a Educação tem por objetivo subjetivar as contradições do projeto neoliberal de sociedade, transformando a superação de problemas de cunho social em questões de culpabilidade individual e de sua superação por meio da educação (DUARTE, 2001).
NOTAS
[1] John Dewey (1859-1952) foi um filósofo e pedagogo americano, representante da escola progressista, pautada em contribuições do construtivismo educacional e da filosofia pragmática (EIDT, 2009).
[2] Meire (2011) ao propor a categoria de “biologização” compreende o uso de explicações e análises de caráter biológico utilizados em fenômenos não-biológicos. E, relativo a “psicologização”, a utilização de análises de caráter psicológico, aonde não são desconsiderados aspectos relacionados ao processo de produção social.
[3] Como a “Declaração Mundial de Educação Para Todos” (1990) e a “Declaração de Salamanca” (1994).
[4] Entre elas: A resolução do Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Básica n°2 (2001); Resolução do CNE/Conselho Pleno (CP) n°1 (2002); Plano de Desenvolvimento da Educação (2007); Política Nacional de Educação Especial na perspectiva de educação inclusiva (2008).
REFERÊNCIAS
BARRETA, E. M; CANAN, S. R. Políticas públicas de Educação Inclusiva: avanços e recuos a partir dos documentos legais. IX ANPED SUL – Seminário de pesquisa em educação da região sul, 2012.
BARROCO, Sonia Mari Shima. Pedagogia histórico-critica, psicologia histórico-cultural e educação especial: em defesa do desenvolvimento da pessoa com e sem deficiência. In:
MARSIGLIA, Ana Carolina Galvão (Org.). Pedagogia Histórico-crítica: 30 anos.
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BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. LDB - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.
_______. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB n. 2, de 11 de setembro de 2001. Brasília: CNE/CEB, 2001.
________. Resolução CNE/CP nº 01, de 18 de fevereiro de 2002: Institui as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Brasília, DF, 2002.
________. Ministério da Educação. Plano de Desenvolvimento da Educação. MEC; 2007.
________. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. MEC; SEEP; 2008
DUARTE, Newton. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 2. ed. Campinas – SP: Autores Associados, 2001.
EIDT, Nadia Mara. A Educação escolar e a relação entre o desenvolvimento do pensamento e a apropriação da cultura: A Psicologia de A. N. LEONTIEV como referência nuclear de análise. 2009. 257 f. . Doutorado - Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2009.
FACCI, Marilda Gonçalves Dias. A crítica às pedagogias do “aprender a aprender”: a naturalização do desenvolvimento humano e a influência do construtivismo na educação.
In: MARSIGLIA, Ana Carolina Galvão (Org.). Pedagogia Histórico-crítica: 30 anos.
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LAPLANE, Adriana Lia Friszman de; CAIADO, Katia Regina Moreno. Uma década de Educação Especial no Brasil. In: JEFFREY, Debora Cristina; AGUILAR, Luis Enrique (Org.). Política Educacional Brasileira. Campinas: Mercado de Letras, 2012. Cap. 6. p.
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MEIRE, Marisa Eugênia Melillo. Incluir para continuar excluindo: A produção da exclusão na educação brasileira à luz da psicologia histórico-cultural. In: FACCI, Marilda Gonçalves Dias; TULESKI, Silvana Calvo; MEIRA, Marisa Eugênia M. (Org.). Exclusão dos
"Incluídos": Uma crítica da psicologia da educação à patologização e medicalização dos processos educativos. Maringá: Eduem, 2011. p. 17-35.
NASCIMENTO, Suzana V. Políticas públicas para educação especial na perspectiva da educação inclusiva no Brasil. Educere, 2015. Disponivel em:
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SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 42. ed. Campinas: Autores Associados, 2012.
_________. História das Ideias Pedagógicas no Brasil. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 2013.