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1 Ana Luiza Berg Barcellos O Estado Liberal de Direito e suas influências sobre o caráter educativo dos movimentos sociais: as ações do ANDES-SN frente à Reforma da Previdência Social de 2003

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Ana Luiza Berg Barcellos

O Estado Liberal de Direito e suas influências sobre o caráter educativo dos movimentos sociais: as ações do ANDES-SN frente à Reforma da Previdência Social de 2003

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientador: Professor Doutor Avelino da Rosa Oliveira

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Banca Examinadora:

Professor Doutor Avelino da Rosa Oliveira Professor Doutor Emil Sobottka

Professor Doutor Gomercindo Ghiggi Professor Doutor Hans-Georg Flickinger Professor Doutor Ruy Barbedo Antunes

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DEDICATÓRIA

Dedico o presente trabalho a todos aqueles que se percebem incomodados com a impotência dos movimentos sociais diante de situações que gostariam de vê-los capazes romper.

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AGRADECIMENTOS

Muito Obrigado

A Deus, por guiar meus passos.

Aos meus pais, José Luiz Abreu Barcellos e Carmen Maria Berg Barcellos, pelo esforço que sempre fizeram para propiciar a melhor educação aos seus filhos; pela compreensão diante da minha ausência e pela preocupação diante da lenta caminhada para o alcance de meus objetivos profissionais.

Ao meu irmão, Cássio Berg Barcellos, pelo exemplo no estudo incessante do Direito e na perseverança para o alcance de seus objetivos.

Ao querido Daniel Brod Rodrigues de Sousa, pelo amor e estímulo nos momentos em que pensei não ser capaz.

Ao caro Professor Orientador, Doutor Avelino da Rosa Oliveira, pelas preciosas orientações ao longo desta caminhada. Sem o seu incentivo, o seu vasto conhecimento e a sua objetividade ao apontar os melhores caminhos, nada disso seria possível.

Aos Professores do Mestrado em Educação e, em especial, da linha de pesquisa Filosofia e Educação, Doutores Gomercindo Ghiggi e José Fernando Kieling, pelas inigualáveis aulas e discussões promovidas, sem as quais os horizontes não teriam sido ampliados.

A todos que, de qualquer forma, contribuíram para o presente trabalho. Em especial, ao Doutor Alberto Rufino Rosa Rodrigues de Sousa, pela disposição em traduzir o texto de Joachim Raschke, e à Adufpel (Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pelotas), por fornecer os materiais produzidos pelo ANDES-SN no período de tramitação da Reforma da Previdência de 2003.

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RESUMO

BARCELLOS, Ana Luiza B. O Estado Liberal de Direito e suas influências sobre o caráter educativo dos movimentos sociais: as ações do ANDES-SN frente à reforma da Previdência Social de 2003. 2007. 200f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Pelotas.

O trabalho versa sobre as relações entre os Movimentos Sociais, a Educação e o Estado Liberal de Direito. Visa analisar as influências da lógica do Estado Liberal sobre o desempenho do caráter educativo dos movimentos sociais. Para o alcance de tal objetivo utiliza-se de um estudo de caso: a atuação do ANDES-SN (Associação dos Docentes do Ensino Superior-Sindicato Nacional) e as ações implementadas na tentativa de impedir, ou atenuar, os efeitos da proposta de Reforma da Previdência Social de 2003. Analisa-se, a partir disso, quais os resultados de suas práticas, em especial, o caráter educativo de suas ações e como a lógica do Estado Liberal atua sobre tais questões. A fim de propiciar o alcance dos objetivos propostos, pesquisa-se acerca do conceito de movimento social, apresentando-se argumentos que permitem situar os sindicatos enquanto movimentos sociais, e, desta forma, enquadrar-se o ANDES-SN nessa categoria. Ademais, estuda-se o Estado Liberal de Direito, destacando-se as relações entre as normas, o parlamento e a legitimidade, utilizando-se, como referência, Carl Schmitt e outros autores. Além disso, demonstra-se o conteúdo da Reforma da Previdência Social de 2003 e as ações implementadas pelo ANDES-SN. À luz de todos os elementos pesquisados e considerando o objetivo a que se propôs o presente estudo, conclui-se que o Estado Liberal de Direito, principalmente pela posição de destaque ocupada pela legalidade em sua lógica, influencia os movimentos sociais tanto em relação às ações escolhidas diante de situações relativas aos interesses da categoria que representam, como em relação ao seu resultado educativo.

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ABSTRACT

BARCELLOS, Ana Luiza B. The Liberal Law-based State and its influence upon the educational role of social movements: the actions of ANDES-SN towards the Social Welfare Reform of 2003. 2007. 200p. Dissertation (Master’s Degree in Education) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Pelotas.

The work concerns the relations between Social Movements, Education, and the Liberal Law-based State. It aims to analyze the influences of the Liberal State’s logic upon the accomplishment of the educative role of social movements. In order to reach this objective, a case study research has been conducted about the Association of Higher Education Professors - National Labor Union (Andes-SN) and the actions implemented as an attempt to avoid or to attenuate the effects of the Social Welfare Reform proposed in 2003. Based on that, both the results of their practices, especially the educational role of their actions, and the way how the Liberal State’s logic acts upon these issues are analyzed. To achieve the goals proposed, a research was conducted about the concept of social movements, presenting reasons that enable us to see labor unions as social movements, and therefore to identify Andes-SN under this category. The Liberal Law-based State is also studied, highlighting the relations between norms, the parliament and legitimacy, taking Carl Schmitt and other authors as references. Besides that, the content of the Social Welfare Reform of 2003, as well as the actions carried out by Andes-SN are reported. In light of the elements studied, and taking into account the purpose of the present research, it is possible to conclude that the Liberal Law-based State, especially because of the eminent position occupied by legality in its logic, influences the social movements, not only in what concerns to the actions chosen to perform in situations related to the interests of the groups they represent, but also concerning their educational outcomes.

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SUMÁRIO

Introdução 8

CAPÍTULO 1 - Os Movimentos Sociais: em busca de um conceito 11

1.1 Conceito de Movimentos Sociais 13

1.1.1 Alain Touraine 15

1.1.2 Alberto Melucci 20

1.1.3 Claus Offe 27

1.1.4 Outros autores marxistas 31

1.2 “Velhos” Movimentos Sociais x Novos Movimentos Sociais 36

1.3 Sindicatos: são movimentos sociais? 39

1.3.1 Sindicatos e Educação 54

1.3.2 Sindicalismo no Brasil – breve histórico 65

1.3.3 Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior-Sindicato

Nacional (ANDES-SN) 70

CAPÍTULO 2 - Do Estado de Direito 76

2.1 Do Estado Liberal de Direito e sua evolução 78

2.2 Estado Liberal de Direito e Carl Schmitt 97

2.2.1 As normas no Estado Liberal 102

2.2.2 O Parlamento, a Legalidade e a Legitimidade no Estado Liberal 107 CAPÍTULO 3 - A Reforma da Previdência Social de 2003, a Associação Nacional dos

Docentes de Ensino Superior – Sindicato Nacional (ANDES-SN) e as implicações do

Estado Liberal de Direito 122

3.1 A Previdência Social e a Emenda Constitucional nº41/2003 123

3.2 A posição do ANDES-SN frente à Reforma da Previdência 133

3.3 Possíveis implicações do Estado Liberal de Direito sobre atuação do

ANDES-SN 152

3.4 O Papel Educativo do ANDES-SN frente à Reforma da Previdência Social de

2003 175

Considerações Finais 184

Referências 190

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Introdução

Esse trabalho teve como provocação para o seu desenvolvimento, a Reforma da Previdência Social iniciada em 2003, que culminou nas Emendas Constitucionais nº41 (em 2003) e nº47 (em 2005). A motivação para a pesquisa decorreu da expectiva de que, para impedir tal Reforma, haveria atitudes firmes e resultados positivos por parte dos movimentos sociais, especialmente daqueles relacionados aos servidores públicos, pois esta categoria foi o alvo principal (quase exclusivo) das alterações constitucionais propostas. No entanto, foi facilmente percebido na época que, apesar das severas alterações pretendidas pelo governo, os movimentos sociais pareciam não estar sendo capazes de impedir, ou promover mudanças nas propostas reformistas.

Diante de tais circunstâncias, foram eleitas algumas categorias para o desenvolvimento da pesquisa: Movimentos Sociais, Estado Liberal de Direito e Educação, destacando-se o desempenho do caráter educativo dos movimentos sociais sob a lógica do Estado Liberal de Direito.

No estudo da primeira categoria realizou-se, preliminarmente, uma investigação acerca do conceito de movimentos sociais, utilizando-se autores como Alberto Melucci, Alain Touraine, Claus Offe, entre outros, visando enquadrar os sindicatos na categoria de movimento social e, por conseqüência, também a Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior – Sindicato Nacional (ANDES-SN), cuja importância para este trabalho está em servir para o estudo de caso, como adiante se explicita.

A busca por uma definição de movimento social necessariamente impôs a análise dos “velhos” e dos “novos” movimentos sociais e, além disso, o aprofundamento da questão do sindicalismo no Brasil, de modo a encontrar elementos para fundamentar os sindicatos como espécie de movimento social. Da mesma forma, a história da constituição do ANDES-SN

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também se fez necessária pois, a partir do conhecimento de suas origens e evolução, possibilitou-se caracterizar sua condição enquanto movimento social.

A seguir, procedeu-se a um estudo sobre o Estado Liberal de Direito. Inicialmente, comentou-se a evolução do Estado de Direito. Após, analisaram-se algumas questões para apreciar as eventuais influências do Estado Liberal de Direito sobre a atuação dos movimentos sociais e propor reflexões acerca das normas no Estado de Direito, o parlamento, a legalidade e a legitimidade. Para tais reflexões utilizou-se a referência teórica de Carl Schmitt e de outros autores que comentam suas obras.

A fim de avaliar as relações entre Estado Liberal de Direito e Movimentos Sociais, realizou-se um estudo de caso, o qual compreendeu a apuração do entendimento do ANDES-SN acerca da Reforma Previdenciária de 2003, as práticas desenvolvidas no sentido de impedir/atenuar os efeitos reformistas, os objetivos almejados e o que, de fato, foi concretizado. Nesse ponto, então, teve-se a possibilidade de verificar, concretamente, se há influência do Estado Liberal de Direito sobre o desempenho das ações reivindicativas de um sindicato (movimento social), a partir do que se pôde proceder a algumas generalizações a respeito da relação entre Estado Liberal de Direito e Movimentos Sociais.

É relevante destacar a existência, ainda, de uma terceira categoria temática: a Educação, pois a questão educativa está presente em diferentes momentos. Primeiramente, quando se aborda o conceito de movimentos sociais, pois o papel pedagógico dos movimentos é um dos fatores de sua caracterização. Assim, tanto ao pesquisar sobre os movimentos sociais e a conceituação destes, como ao avaliar as ações do ANDES-SN frente à Reforma da Previdência Social, foi perquerido, também, o caráter educativo presente em tais condições. Além disso, a questão educacional está fortemente presente no estudo porque este utilizou como referência de pesquisa, um sindicato cuja base formadora são docentes de ensino superior e, ademais, porque se avaliou o potencial educativo das ações do ANDES-SN frente à Reforma Previdenciária.

Importou, também, pesquisar acerca dos efeitos da Reforma Previdenciária de 2003, especialmente a Emenda Constitucional nº41, isto porque apenas a partir do conhecimento dos efeitos dessa reforma foi possível compreender o valor da atuação dos movimentos sociais, bem como a relevância da posição adotada pelo ANDES-SN frente à reforma.

Destaca-se, assim, a importância das três categorias centrais de estudo, pois dizem respeito ao dia-a-dia de toda a sociedade. Veja-se que, embora um cidadão não esteja vinculado diretamente a um determinado movimento social, de alguma forma, os interesses defendidos por qualquer movimento atingem a sociedade como um todo e, mais do que isso,

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as ações de qualquer movimento têm a capacidade de alertar os cidadãos para o que ocorre nos mais diversos campos, provocando-os à reflexão.

Também é do interesse da sociedade compreender a lógica do Estado Liberal de Direito e pesquisar seus elementos, como as normas, o parlamento, o conflito entre a legalidade e a legitimidade, pois se procura possibilitar a visualização de questões do mundo atual, as quais não são tratadas com freqüência. Na verdade, abordar a lógica do Estado Liberal é promover o pensar e provocar o refletir.

Pesquisar a posição do ANDES-SN frente à Reforma da Previdência de 2003 e as possíveis influências do Estado Liberal de Direito foi o caminho eleito para analisar concretamente a relação mais ampla do Estado Liberal com os movimentos sociais. Realizar uma pesquisa sem delimitar o campo de análise seria impraticável. Por conseguinte, elegeu-se para a imperiosa limitação da temática, o estudo do caso concreto das ações do ANDES-SN frente a um episódio importante: a Reforma da Previdência Social de 2003, detendo-se o estudo nas eventuais influências que pode ter sofrido o movimento no desempenho do seu papel educativo.

A partir de todos esses elementos de estudo o trabalho divide-se em três capítulos. No primeiro, trabalha-se sobre os movimentos sociais e se busca um conceito para tal categoria, bem como se diferenciam os “velhos” dos “novos” movimentos sociais e, ainda nele se enquadram os sindicatos enquanto espécie de movimento social, incluindo o ANDES-SN. O segundo versa sobre o Estado de Direito, procedendo-se a uma avaliação breve de sua evolução histórica e expondo-se o entendimento de Carl Schmitt sobre o Estado Liberal de Direito e as categorias utilizadas pelo autor para formular considerações sobre a temática: as normas, o parlamento, a legalidade e a legitimidade. O terceiro diz respeito à Reforma da Previdência de 2003, à posição do ANDES-SN frente à Reforma e às suas ações para impedir ou atenuar os seus reformistas, mostrando, a seguir, as possíveis implicações do Estado Liberal de Direito sobre as ações do sindicato e o papel educativo desempenhado pelo ANDES-SN em tal episódio. Procede-se, ainda, a uma análise preliminar acerca da situação previdenciária antes da reforma, de modo a avaliar os efeitos das alterações promovidas.

Por fim, nas considerações finais, visa-se explicitar as relações entre as categorias de estudo: Movimentos Sociais, Estado Liberal de Direito e Educação, destacando-se que a pesquisa baseou-se em dados bibliográficos de diversos autores, a partir dos quais se fundamenta a análise do estudo de caso do ANDES-SN e suas ações perante a Reforma Previdenciária de 2003, bem como as possíveis influências da lógica do Estado Liberal de Direito no desempenho do papel educativo dos movimentos sociais.

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CAPÍTULO 1

Os Movimentos Sociais: em busca de um conceito

A expressão “movimentos sociais” desponta na primeira metade do século XIX, aproximadamente em 1840, quando havia na Europa fortes mobilizações da sociedade, em especial do proletariado francês, dos defensores do comunismo, bem como dos socialistas. Assim, no campo da Sociologia Acadêmica, Lorenz Von Stein foi responsável pelo surgimento do termo “movimentos sociais”, defendendo a construção de teorias científicas que estudassem tais fenômenos sociais. Ainda no século XIX tem-se Karl Marx que, com seus escritos acerca da organização da sociedade em classes, contribui para a visão de movimentos sociais sob a ótica da organização de classes em torno de interesses comuns a cada uma delas, visando, pois, a mudanças na forma de estrutura da sociedade. No entanto, apenas no século XX as teorias de Marx são incorporadas aos estudos específicos sobre movimentos sociais e também nele se dá a intensificação do interesse pelo estudo desta área, destacando-se autores como Mac-Iver, R. Heberle, G. Rocher e, especialmente, Alain Touraine, cujos estudos até os dias atuais são freqüentemente retomados (SCHERER-WARREN, 1987, p. 12-13).

Além de Marx e Von Stein, já no início do século XX, o francês Gustave Le Bon trabalhou a questão da “psicologia de massas”, que enfatiza as alterações no comportamento do indivíduo “quando este é subsumido à massa, deixando de ser racional e comedido para se transformar em irracional, animalesco, que age segundo seu medo e seus instintos” (SOBOTTKA, 2002, p. 6).

Analisando comparativamente a tese de Marx e de Le Bon, refere Hellmann tratar-se de teorias opostas pois, para Marx, os movimentos sociais são concebidos como ação coletiva, “com uma racionalidade própria fundamentada na contradição intrínseca das relações sociais”, enquanto para Le Bon, os movimentos sociais apresentam um comportamento

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coletivo essencialmente irracional, “conduzido por medos e afetos, sem objetivos claros ou autocontroles suficientes” (HELLMANN, 1999, p. 94 apud SOBOTTKA, 2002, p. 7). Le Bon aborda a temática sob a visão da “psicologia das massas”, segundo a qual “las masas se convierten en la agencia de cambio social por excelencia, ya que su surgimiento e importancia van a generar la liquidación de las civilizaciones envejecidas”.

Segundo Laraña, a teoria da psicologia das massas de Le Bon constrói-se a partir da teoria elitista da sociedade, afirmando que as civilizações foram criadas e guiadas por uma aristocracia intelectual reduzida. Essa ordem foi destruída pela erupção das massas, ao fazerem desaparecer os atributos da civilização, com suas regras fixas, disciplina etc. Pela teoria de Le Bon, a transformação social pelo coletivo ocorre por dois fatores: um sentimento de potência invencível, fruto da condição de anonimato dos indivíduos quando na coletividade, o que permite ceder a instintos e abandonar o sentimento de responsabilidade e, ainda, pela dinâmica de contágio social proporcionada pelo grupo, tornando mais fácil o sacrifício de interesses individuais em favor do coletivo (LARAÑA, 1999, p. 45). Na verdade, “al estar inmerso en una masa, la personalidad consciente del individuo es sustituída por la inconsciente y actúa como si estuviese hipnotizado” (LE BON, 1986, p. 32 apud LARAÑA, 1999, p. 46).

A teoria de Le Bon, no entanto, com o avanço dos estudos nesse campo, deixou de ser utilizada de forma absoluta, embora aproveitada em alguns de seus aspectos pelos estudiosos mais modernos. A desconsideração à sua totalidade se dá em face da generalização que o autor efetuava, aplicando suas regras a qualquer situação de coletividade (LARAÑA, 1999, p.46).

Com o passar dos tempos, outras abordagens ganharam destaque, sendo relevante, a fim de abordar-se o tema dos movimentos sociais, conceituar o assunto de modo a propiciar a compreensão do sentido emprestado à expressão em comento e, portanto, promover o conhecimento das idéiais dos autores que apresentam o tema. Esclareça-se, porém, contrariamente ao que se poderia pensar em um primeiro momento, que localizar um conceito para “movimentos sociais” não é tarefa simples, sendo extremamente variável a definição exposta pela doutrina conforme o referencial teórico no qual se embasam os autores para a construção de suas teses.

No entanto, a busca de um conceito acerca dos movimentos sociais, segundo os pesquisadores deste campo de estudo, faz-se imprescindível para o presente trabalho, na medida em que se visa verificar se os sindicatos enquadram-se, ou não, na categoria de movimentos sociais. A partir disso, objetiva-se, também, avaliar se a Associação Nacional dos

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Docentes do Ensino Superior – Sindicato Nacional (ANDES-SN) pode ser considerada como um movimento social e, neste caso, quais as conseqüências educativas extraídas de suas ações perante a Reforma da Previdência Social de 2003.

Diversos autores serão utilizados como embasamento teórico para a busca dos conceitos necessários, inclusive teóricos, a seguir especificados, que abordam a questão nos Novos Movimentos Sociais (NMS). Com isso, quiçá seja possível, a partir de considerações acerca desta temática (NMS), localizar fundamentos para a definição dos movimentos sociais, do enquadramento sindical e do ANDES-SN.

1.1 Conceito de Movimentos Sociais

Começa-se com a definição trazida por Gianfranco Pasquino, para o qual os movimentos sociais caracterizam-se por comportamentos coletivos que buscam, por meio de práticas sociais, alterar situações sociais. Os comportamentos do grupo estão fundamentados em valores e concepções dos membros do respectivo conjunto, o qual origina uma nova coletividade. Esta não ocorre, porém, se há a junção de um significativo número de pessoas nas situações sem um ideário comum, ou seja, sem estarem unidas em nome de uma determinada causa e visando a resultados específicos.

O autor ressalta o posicionamento de Ortega y Gasset, para quem o comportamento expressado pela coletividade representa a irracionalidade, podendo acarretar “um rompimento perigoso da ordem existente”(PASQUINO, 1992, p. 787-788). Tal posicionamento (de Ortega Y Gasset) se assemelha ao entendimento referido de Le Bon, mas parece ser mais adequado aos comportamentos coletivos identificados por multidão e sem organização e propósitos previamente definidos.

Pasquino frisa o entendimento esposado por Marx, Durkhein e Weber, os quais, apesar de nuances distintas:

[...] vêem nos movimentos coletivos um modo peculiar de ação social, variavelmente inserida ou capaz de se inserir na estrutura global da sua reflexão, quer eles denotem transição para formas de solidariedade mais complexas, a transição do tradicionalismo para o tipo legal-burocrático, quer o início da explosão revolucionária. (PASQUINO, 1992, p. 787)

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Assim, a partir das referências anteriores, segundo Pasquino, os movimentos sociais são grupamentos de pessoas motivadas para o alcance de um determinado resultado, previamente estabelecido à luz dos valores do grupo, visando a transformações, mudanças nas situações sociais existentes. No mesmo sentido localiza-se a definição de Ilse Scherer-Warren, que apresenta expressamente um conceito em sua obra “Movimentos Sociais: um ensaio de interpretação sociológica”, entendendo os movimentos sociais como:

[...] ação grupal para transformação (a práxis) voltada para a realização dos mesmos objetivos (o projeto), sob a orientação mais ou menos consciente de princípios valorativos comuns (a ideologia) e sob uma organização diretiva mais ou menos definida (a organização e sua direção). (1987, p. 20)

Veja-se que a compreensão de Scherer-Warren tem sua origem a partir de quatro categorias: práxis, projeto, ideologia e organização, estando todas presentes nas teorias de Marx. Desta feita, trata-se de uma conceituação construída à luz das idéias marxistas. Contudo, ela apresenta um outro conceito, em obra mais atual1, na qual entende os movimentos sociais como

um conjunto mais abrangente de práticas sociopolítica-culturais que visam à realização de um projeto de mudança (social, sistêmica ou civilizatória), resultante de múltiplas redes de relações sociais entre sujeitos e associações civis. É o entrelaçamento da utopia com o acontecimento, dos valores e representações simbólicas com o fazer político, ou com múltiplas práticas efetivas (1999 apud MARTELETO; RIBEIRO e GUIMARÃES , 2002, p. 74).

Segundo Maria da Glória Gohn, há diferentes formas de compreender este fenômeno social conforme o enfoque manifestado. A autora apresenta, na obra “Teoria dos Movimentos Sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos” (2004), diversos autores, a partir dos quais se visa convergir para a conceituação dos movimentos sociais.

Muitos dos autores abordados por Gohn, na verdade, tratam de uma categoria singular de estudo: os Novos Movimentos Sociais. Nessa linha, segundo Gohn, há três correntes européias de destaque: francesa, italiana e alemã, respectivamente lideradas pelos pesquisadores Alain Touraine, Alberto Melucci e Claus Offe. De qualquer forma, ainda que tais autores abordem a temática dos Novos Movimentos Sociais, em face dos respectivos históricos acerca do estudo da temática, buscam-se referências em suas teorias para a caracterização geral dos movimentos sociais (clássicos).

Frise-se que o fenômeno dos Novos Movimentos Sociais não indica, necessariamente, a extinção dos antigo modelo de movimentos sociais, tratando-se o seu

1 Trata-se da obra “Cidadania sem fronteira; ações coletivas na era da globalização”. São Paulo: Hucitec, 1999,

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surgimento, na verdade, de uma decorrência das mudanças estruturais ocorridas na sociedade. Há autores que entendem, inclusive, que os Novos Movimentos Sociais foram, de alguma forma, influenciados pelos movimentos de trabalhadores, e, portanto, não haveria verdadeiramente qualquer ruptura. Por outro lado, existem aqueles que contestam inclusive a concepção de haver efetivamente uma nova forma de integração social. Essas são as ponderações apresentadas por Marcelo Solervicens:

Respecto de la asignación de un carácter “nuevo” a los movimientos sociales existe mayor polémica. La designación de nuevos, en comparación con viejos movimientos sociales parece discutible aún cuando se incorporan aspectos que influyen sobre la constitución y la acción de los movimientos sociales en una historicidad determinada. En las sociedades desarrolladas la distinción entre viejos movimientos obreros reivindicativos y nuevos movimientos sociales identitarios o referidos a una condición (pacifistas, ecologistas, mujeres, homosexuales, etc) corresponde a cambios estructurales en la sociedad. En el caso latinoamericano y chileno esta distinción es más difícil porque los “viejos” movimientos sociales no reflejaban la complejidad de las sociedades latinoamericanas (por la exitencia de la problemática indígena, por ejemplo). En cuanto a los “nuevos” movimientos sociales hay dudas sobre la existencia de un nuevo marco estructural por la manutención de la segmentación económica y la marginación social en América Latina. Los movimientos sociales urbanos, adscritos al territorio reconocen una influencia de la experiencia del movimiento obrero, lo que podría revelar una línea de continuidad y no de ruptura de movimiento social popular. Finalmente, algunos autores niegan incluso la existencia de nuevos movimientos sociales porque la nueva forma de integración social luego de transformaciones en la estructura de la sociedad privilegian una integración individual y no en términos de movimientos sociales (1993. p. 3).

Apesar do entendimento de Solervicens, o qual resume alguns posicionamentos localizados na doutrina acerca dos Novos Movimentos Sociais, apresentar-se-á, na classificação de Maria da Glória Gohn, a posição dos autores antes referidos: Touraine, Melucci e Offe, os quais contribuem para o entendimento da temática dos movimentos sociais em geral, utilizando-se, ademais, outros autores.

1.1.1 Alain Touraine

A partir dos escritos de Gohn, vê-se que Alain Touraine apresenta uma longa trajetória de estudo dos movimentos sociais, destacando ao passar do tempo (desde 1960) diferentes aspectos dos movimentos. O autor constrói sua teoria tendo como referencial o chamado paradigma acionalista que, conforme explicita Maria da Glória Gohn, utiliza um dos

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elementos basilares do funcionalismo, segundo o qual “toda ação é uma resposta a um estímulo social” (2004, p.142).

Para Touraine, os movimentos sociais, para assim se caracterizarem, dependem de três elementos: “o ator, seu adversário e o que está em jogo no conflito”. Logo, os movimentos sociais, segundo esse autor, são voltados “para uma ação crítica, que repousa sobre a contradição e não sobre o conflito” (GOHN, 2004, p.145). Enfim, para Touraine, os movimentos sociais nascem a partir da vontade coletiva, sendo

(...) agentes de liberdade, de igualdade, de justiça social ou de independência nacional, ou ainda como apelo à modernidade ou à liberação de forças novas, num mundo de tradições, preconceitos e privilégios (Touraine, 1978, p.35 apud GOHN, 2004, p. 145).

Apesar dessa visão dos movimentos sociais, Touraine entende ser um equívoco vislumbrar os movimentos sociais como agentes de transformação social, ou seja, ele sustenta que os movimentos sociais não são instrumentos para a construção do futuro, mas sim, “fruto de uma relação de produção e organização social”, tendo, outrossim, segundo Gohn, “o papel mais de agentes de pressões sociais do que de atores principais das transformações sociais propriamente ditas” (2004, p.146-147).

Maria da Glória Gohn ressalta que Touraine, ao longo do tempo, alterou a análise acerca dos movimentos sociais, mas permaneceram alguns itens a partir dos quais se podem caracterizar os movimentos sociais segundo este autor. Sustenta Gohn:

Trata-se de ações orientadas para interações entre adversários em conflito, de interpretações e modelos societais opostos, assim como de campos culturais divididos, separados. Os movimentos sociais são ações coletivas que se desenvolvem sob a forma de lutas ao redor do potencial institucional de um modelo cultural, num dado tipo de sociedade (2004, p.149).

Conforme Ilse Scherer-Warren, Alain Touraine vê os movimentos sociais como os comportamentos coletivos mais relevantes, pois “são maneiras permanentes no coração da vida social (...) são a trama da sociedade”, ou seja, “são as forças centrais que lutam umas contra as outras para dirigir a produção da sociedade por ela mesma, a ação de classe2 pela direção da historicidade” (1987, p. 90-91).

2 Quando Touraine fala em ação de classe refere-se às classes sociais sob o prisma dialético. O primeiro é de

uma “ classe (que se identifica com a historicidade) e que luta contra uma classe contestatória (que se opõe à ordem estabelecida em nome de uma nova historicidade e pela sua libertação); e aquela de uma classe dominante (que transforma a direção da historicidade em ordem e em mecanismo de sua reprodução e de sua defesa como tal) que se contrapõe à classe dominada (e expropriada em função de ordem social que se estabelece). Portanto,

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Para Touraine, os movimentos sociais representam a vida social antes de se caracterizarem como fenômenos sociais. Tal representação vem sendo revista ao longo dos tempos na medida em que os conflitos sociais também têm seu foco alterado. Basta verificar-se que, no século XIX até meados do século XX, os conflitos nasciam especialmente nas relações de produção, entre os trabalhadores e a burguesia. Hoje, embora tais conflitos ainda estejam presentes, ficaram minimizados diante da era globalizada, na qual o individualismo ganha relevo, não havendo questões centrais de preocupação da sociedade, pois os indivíduos estão centrados em si próprios (GOHN, 2004, p. 151).

Segundo Gohn, Touraine coloca-se em contraposição às idéias de Marx entendendo que “a noção de movimento social deve tomar o lugar da noção de classe social”. Afinal, atualmente, “não se trata mais de lutar pela direção dos meios de produção e sim pelas finalidades das produções culturais, que são a educação, os cuidados médicos e a informação de massa” (TOURAINE, 1994: 257, 260-262 apud GOHN, 2004, p. 152).

Assim, para Touraine, nos termos de Scherer-Warren, os movimentos sociais são:

(...) agentes históricos que expressam, em cada momento, as formas históricas de opressão, de miséria, de injustiça, de desigualdade, etc., mas expressam também muito mais do que isto, pois expressam o devir, através de sua crítica, de suas formas de contestação, de lutas na busca de novas alternativas, para o comando de uma nova historicidade (1987, p. 94).

No século XIX, os movimentos manifestavam-se enfatizando as relações entre as classes sociais, entre os detentores dos meios de produção e os trabalhadores, explorados em sua mão-de-obra. Procuravam, na verdade, outros caminhos para a sociedade, a fim de eliminar o referido conflito. Nesse campo estão os sindicatos que, na condição de representantes dos trabalhadores (ou dos detentores dos meios de produção), têm como característica a implementação de ações conforme o momento histórico vivenciado, visando à defesa dos interesses dos representados e, em muitos momentos, mais do que isso, agindo com objetivos de concretizar mudanças ou manter o contexto socioeconômico, conforme os interesses defendidos.

Os sindicatos de trabalhadores, em vista de sua organização e, na verdade, em face daqueles que representam (os obreiros), bem como daqueles a que se opõem, denotam claramente a luta de classe em que estão envolvidos. Luta de classe que compreende a tentativa de superar essa divisão social, a partir da qual poucos detêm os meios de produção e,

as classes se situam tanto num campo cultural quanto num campo de conflito de relações de produção. São tanto atores políticos, quanto agentes econômicos” (Scherer-Warren , 1987, p. 91-92).

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utilizando-se da mão-de-obra e da mais-valia, logram angariar mais meios de produção, perpetuando-se nessa condição, enquanto o trabalhador, por mais que desempenhe as atividades imputadas, dificilmente obterá, com a remuneração obtida, os meios de produção.

Na atualidade, porém, os sindicatos já não se restringem à representação de trabalhadores vinculados aos detentores dos meios de produção, eles abrangem, também, outras categorias, como a dos servidores públicos, cujo vínculo está com o próprio Estado, que utiliza sua mão-de-obra para o cumprimento das obrigações que lhe cabem, visando, desta forma, atender às necessidades sociais.

Entre os sindicatos dos servidores públicos encontra-se a Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior – Sindicato Nacional (ANDES-SN), cujo histórico constitutivo e de lutas sociais será abordado adiante, visando, então, destacar as distinções em relação aos demais sindicatos, representativos de trabalhadores da iniciativa privada, para os quais há um conflito intrínseco à condição de dependência aos detentores dos meios de produção, o que, de certa forma, não ocorre com servidores públicos.

Atualmente, além da questão relativa ao surgimento de outros tipos sindicais, como o dos servidores públicos, novos conflitos foram nascendo, impondo, assim, o aparecimento de novas lutas, que despontaram organizadas por Novos Movimentos Sociais, com características próprias, distintas dos outros movimentos sociais, especialmente no tangente à forma de organização (menos centralizada, visando à participação democrática das bases e autogestão da coletividade) e aos objetivos (que passam a ser imediatos e pontuais, e não mais a mudança global da sociedade, como nos antigos movimentos sociais). Além disso, há a contestação do poder com a denúncia das relações de dominação, e não apenas a afirmação de uma identidade (SCHERER-WARREN, 1987, p. 96-97). Para Touraine, então, confirma-se o já referido: “os movimentos têm o papel mais de agentes de pressões sociais do que de atores principais das transformações sociais propriamente ditas” (GOHN, 2004, p. 147).

No entanto, não se pode descartar que, atuando como “agentes de pressões sociais”, os movimentos sociais acabam por ser potenciais transformadores da sociedade, na medida em que exercem pressões diante de situações concretas. Essa conclusão pode ser obtida quando se vê o próprio Touraine afirmar:

um movimento social nunca se reduziu à defesa dos interesses dos dominados; sempre quis abolir uma relação de dominação, fazer triunfar um princípio de igualdade, criar uma sociedade nova em ruptura com as formas antigas de produção, de gestão e de hierarquia (2003, p. 115).

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Segundo Gianfranco Pasquino, Alain Touraine afirma: “os movimentos sociais pertencem aos processos pelos quais uma sociedade cria a sua organização a partir do seu sistema de ação histórica, através dos conflitos de classe e dos acordos políticos” (TOURAINE, 1975, p. 397 apud PASQUINO, 1992, p. 789).

Os movimentos nascem na própria sociedade em vista das condições históricas, fazendo explodir conflitos, havendo a partir disso a capacidade de influenciar as estruturas sociais, preocupando-se Touraine com os conflitos de grande relevo. Diz Pasquino:

O sociólogo francês se desinteressa pelos comportamentos coletivos e se ocupa quase exclusivamente dos Movimentos Sociais, mais particularmente dos movimentos sociais capazes de influir profundamente na estruturação de um sistema social. Com tal procedimento, porém, parece indicar que um sistema social só muda mediante conflitos de grande relevo e não igualmente mediante adaptações de breve duração, marginais, incompletas, de pequena importância, mas que deixam marcas (PASQUINO, 1992, p. 789).

Mas, há alguns itens acerca dos movimentos sociais, apresentados por Alain Touraine, que não podemos desconsiderar para efeitos de uma adequada noção acerca do tema

A noção de movimento social só é útil se permitir pôr em evidência a existência dum tipo muito particular de ação coletiva, aquele tipo pelo qual uma categoria social, sempre particular, questiona uma forma de dominação social, simultaneamente particular e geral, invocando contra ela valores e orientações gerais da sociedade, que ela partilha com seu adversário, para privar este de legitimidade. Pode-se inverter a fórmula e reconhecer também a existência de movimentos conduzidos por categorias dominantes e dirigidos contra categorias populares consideradas obstáculos à integração social ou ao progresso econômico. Em ambos os casos, porém, o movimento social é muito mais do que um grupo de interesses ou um instrumento de pressão política. Ele questiona o modo de utilização social de recursos e de modelos culturais (2003, p. 113).

Como se vê acima, o autor frisa a posição delicada em que se encontra o entendimento acerca dos movimentos, pois os conflitos existentes são distintos daqueles de outros tempos, quando a relação capitalismo x trabalhadores era forte. Hoje, na verdade, tem-se uma sociedade mundializada e, mantendo-tem-se a compreensão dos movimentos sociais tal como se fazia na época da industrialização, há o risco de não se localizarem movimentos sociais na sociedade atual. A partir dessas colocações, Touraine denomina, então, os movimentos sociais como “movimentos societais”, indicando que estes “questionam orientações gerais da sociedade”. Essa nomenclatura diferenciada se dá porque Touraine discorda da atribuição, a qualquer tipo de ação coletiva, do nome de movimento social,

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frisando, assim, que a utilização desta denominação é demasiada e facilmente empregada em situações em que não se enquadra (2003, p.113).

Em síntese, extrai-se de Touraine a afirmativa de os movimentos societais defenderem “um modo de emprego social de valores morais em oposição ao que defende e tenta impor seu adversário social”, sendo as facetas de um movimento “as referências morais e a consciência de um conflito com um adversário social” (2003, p. 119). Ao efetuar tais defesas, os movimentos desejam, sim, transformar valores e buscar alterações sociais.

No caso específico do ANDES-SN, na condição de representante dos docentes do ensino superior, destaca-se a defesa da universidade pública, da valorização dos docentes, da necessidade de investimentos na estrutura de ensino para proporcionar melhores condições de trabalho etc, enfim, a luta pela manutenção e concretização, de valores nem sempre apreciados pelos responsáveis públicos (governantes). Nesse ponto, então, tem-se o ANDES-SN na condição de um movimento social, nos termos do conceito de Touraine, especialmente em face da defesa de valores dos quais, muitas vezes, os ocupantes do poder distanciam-se ao implementarem suas ações políticas.

1.1.2 Alberto Melucci

Já a corrente italiana dos movimentos sociais, referenciada por Alberto Melucci, tem o movimento social como “uma construção analítica”, a partir da qual se têm “formas de ação coletiva que invocam solidariedade, manifestam um conflito e vinculam uma ruptura (ou quebra) nos limites de compatibilidade do sistema onde a ação tem lugar”. Melucci elege em sua terminologia a expressão “ação coletiva” ao invés de movimentos sociais, isto porque questiona o conceito de movimentos sociais por considerá-lo reducionista, prefere, pois, ações coletivas, que entende ser mais abrangente (GOSS e PRUDENCIO, 2004, p. 75).

Nesse ponto observa-se, desde logo, a oposição entre Melucci e Touraine quanto à terminologia, ou seja, enquanto Touraine entende aplicar-se demasiadamente o termo “movimento social” a qualquer ação coletiva, Melucci prefere trabalhar a questão de forma mais aberta, ou seja, utilizando-se da expressão “ação coletiva”, o que permite a ampliação do campo de análise.

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Um conjunto de práticas sociais que envolvem simultaneamente certo número de indivíduos ou grupos que apresentam características morfológicas similares em contigüidade de tempo e espaço, implicando um campo de relacionamentos sociais e a capacidade das pessoas de incluir o sentido do que estão fazendo (1996, p.20 apud GOHN, 2004, p. 154).

A ação coletiva é vista pelo autor, nos termos expostos por Gohn, como “a união de vários tipos de conflitos baseados no comportamento dos atores num sistema social” (2004, 155). O comportamento dos atores resulta de múltiplos processos, a partir dos quais dá-se a criação da identidade coletiva do grupo; são as ações grupais que promovem a constituição e a transformação dos atores coletivos, proporcionando-lhes a aquisição de identidade nova, que passa a fazer parte do coletivo.

Os tipos de ações coletivas referidas por Melucci são “as revoluções, a violência, o comportamento da multidão e os conflitos decorrentes da participação em ações diretas”, não se confundindo as ações coletivas “com os lugares da práxis social, onde aquelas ações têm lugar (instituições, organizações, associações etc.)” (GOHN, 2004, p. 154-155).

A questão frisada por Melucci quanto aos movimentos sociais é a da identidade dos atores e a interação destes com o coletivo, o que, de certo modo, acaba por não auxiliar em uma definição precisa de movimentos sociais, porém, permite o conhecimento acerca da questão estrutural destes, com especial destaque para a identidade coletiva, vista como envolvente de três mecanismos:

“a definição cognitiva concernente a fins, meios e campo da ação; a rede de relacionamentos ativos entre os atores que interagem, comunicam-se, e influenciam uns aos outros, negociam e tomam decisões; e, finalmente, a identidade coletiva

requer um certo grau de investimento emocional, no qual os indivíduos sintam-se, eles próprios, parte de uma unidade comum” (MELUCCI, 1995, P. 44-45

apud GOHN, 2004, p. 159) (grifo nosso).

Aliada à questão da identidade segundo o conceito de Melucci, tem-se uma “elevada integração simbólica”, conforme Joachim Raschke, significando: “o grupo que se constitui como movimento social é caracterizado por um sentimento de nós” (RASCHKE, 1987, p.78).

Segundo Melucci, os movimentos sociais são, em face da questão da identidade coletiva, instâncias educativas, pois com a coletividade há aprendizagem do sistema de relações e representações que compõem as ações coletivas; além disso, existe auto-reflexão a respeito das ações implementadas.

O aspecto educativo também está presente para fora do movimento social, o que se depreende de Melucci quando o mesmo afirma: os “movimentos são um sinal; eles não são meramente o resultado de uma crise”, ou seja, eles indicam transformações no processo da

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sociedade, comportando-se, na verdade, como profetas, pois “falam antes: anunciam o que está tomando forma mesmo antes de sua direção e conteúdo tornarem-se claros” (MELUCCI, 1996, p.1 apud GOHN, 2004, p. 157).

Assim, os movimentos sociais podem apresentar-se como organizações educativas na justa medida em que propiciam à sociedade o conhecimento daquilo previsto por eles no âmbito das transformações sociais. Coloca Gohn que Melucci concorda com Touraine quando “vêem os movimentos sociais como uma lente por meio da qual problemas mais gerais podem ser abordados”. Ocorre a partir da atuação dos movimentos, “uma transformação na cultura”, além de haver a institucionalização de práticas sociais e a mudança de linguagem cultural de uma época. Por fim, diz Gohn que o autor conclui: “os movimentos têm capacidade de produzir novas formas de nomeação da realidade e desmascarar velhas maneiras de agir” (MELUCCI, 1994 apud GOHN, 2004, p. 157-158).

Com base em tais afirmativas pode-se dizer, então, que segundo Melucci os movimentos sociais desenvolvem ações cujo resultado pode ser educativo, pois dão conhecimento à sociedade de uma série de aspectos sociais em que estão envolvidos por sua luta. A questão educativa aparece como uma das finalidades dos movimentos sociais, ou, pelo menos, como resultado de suas ações. Evidentemente, não se trata de educação no sentido ordinário, ou seja, nas instâncias escolares, mas em plano muito mais amplo, pois pode alcançar tanto quem está envolvido nas práticas do movimento, como a sociedade em geral.

A amplitude do alcance do movimento social em relação à sociedade dependerá, em muitos casos, da estrutura organizacional e de pessoal — militantes — de que é portador. Um dos movimentos sociais destacável por ações de caráter educativo no âmbito social é a Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior – Sindicato Nacional (ANDES – SN), porque apresenta um histórico de luta que, inequivocamente, contribuiu para a restauração da democracia no Brasil, tendo sido esta bandeira uma das principais ao tempo de sua fundação3 (DIAS, 2005, p.27). A organização dos docentes no âmbito universitário, diante das necessidades existentes tanto no ambiente das próprias universidades, como frente à realidade política vivenciada na década de 70, fez nascer a idéia de constituição do ANDES-SN, de modo a facilitar o conhecimento público dos anseios da classe docente (OTRANTO, 2000, p. 217). Isso também fez nascer o sentido da coletividade, do nós enquanto docentes vinculados pelos mesmos interesses. Assim, o caráter educativo de tal movimento, não se pode negar, foi

3 A abordagem relativa ao histórico da Andes, sua origem e desenvolvimento ao longo dos anos será abordada de

forma mais específica no subcapítulo 2.3.3, localizado no item 2.3, no qual será trabalhada a questão dos sindicatos como movimentos sociais (item 2.3).

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alcançado em alguns momentos, especialmente na luta pela restauração democrática brasileira.

O questionamento surgido hoje diz respeito a um suposto enfraquecimento desse importante movimento social, destacado por sua composição: educadores das instituições superiores de ensino, mas que aparenta encontrar-se um tanto apático (ou efetivamente impotente) diante de reformas constitucionais/legislativas ofensivas às garantias constitucionais arduamente conquistadas, como foi o caso da Reforma da Previdência Social de 2003, temática a ser aprofundada em capítulo próprio.

Para Melucci, as ações coletivas são “a união de vários tipos de conflitos baseados no comportamento dos atores num sistema social”. As formas ordinárias de ações sociais conflituosas são aquelas representadas pela violência, pelos comportamentos da multidão, revoluções e outras ações diretas. Contudo, a simples existência de algum conflito com a inobservância de regras e normas não identifica a ação como própria de um movimento social, pois este, de fato, identifica-se quando há a “luta entre dois atores por uma mesma coisa”. Isto porque os movimentos sociais são “uma construção analítica e não um objeto empírico ou um fenômeno observável” (GOHN, 2004, p. 155). Dita construção analítica “designa formas de ação coletiva que invocam solidariedade, manifestam um conflito e vinculam uma ruptura (ou quebra) nos limites de compatibilidade do sistema onde a ação tem lugar” (MELUCCI, 1996,p. 28 apud GOHN, 2004, p. 155).

Conforme expõe Gohn, para Melucci, os “movimentos são sistemas de ações, redes complexas entre os diferentes níveis e significados da ação social”. Para ele, a questão da organização não é elemento chave para a existência de um movimento social:

Ao contrário, Melucci se respalda mais nas teses dos interacionistas simbólicos, mais preocupados com o nível ideacional e com o conjunto de representações que um movimento cria ao longo de sua existência. O movimento como uma

organização poderá ter decrescido ou até mesmo desaparecido, mas existirá na sociedade por meio das representações que criou e que passam a mediar ou servir de parâmetro para as relações sociais cotidianas (GOHN, 2004, p. 155).

(grifo nosso)

À luz das colocações acima, pode-se afirmar que, para Melucci, alguns itens são irrelevantes quando o objetivo é caracterizar os movimentos sociais. Entre tais aspectos, a questão da organização do movimento pois, independente deste elemento, ele poderá estar vivo na sociedade. Da mesma forma, aponta ser desprovida de importância a questão das formas de ação, se baseadas na violência e no comportamento de multidão, pois as ações assim caracterizadas podem, ou não, ser implementadas por um movimento social.

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A partir das palavras de Gohn transcritas acerca de Melucci, pode-se suscitar exatamente a questão do ANDES-SN, destacado por sua organização institucional e inserção no sistema legal enquanto pessoa jurídica e, portanto, na condição de instituição representativa, podendo o movimento docente propriamente dito ter sido absorvido pela organização ANDES-SN. Se isso efetivamente tiver ocorrido, quais as causas geradoras e conseqüências é tema a ser abordado mais adiante no presente trabalho, juntamente com os fatores que supostamente causam o enfraquecimento dos movimentos.

A questão da identidade coletiva é muito forte para Melucci a ponto de Pasquino afirmar que, para o teórico em comento, os primeiros grupos sociais a rebelarem-se não são aqueles considerados em situações de opressão ou desagregação, “mas os que experimentam uma contradição intolerável entre a identidade coletiva existente e as novas relações sociais impostas pela mudança”. A principal justificativa para tal acontecimento está no aspecto de tais grupos já contarem com experiência quanto aos procedimentos e métodos de luta e disporem de líderes e recursos organizativos, entre outros aspectos que facilitam a mobilização (PASQUINO, 1992, p. 791).

Pasquino explicita, ademais, a relevante relação existente entre os agentes participantes das mobilizações e o tipo de movimento social formado. Diz, seguindo os estudos de Touraine e Melucci, ser possível vislumbrar movimentos reivindicativos, políticos e de classe, dando-se as distinções conforme os objetivos perseguidos:

No primeiro caso, trata-se de impor mudanças nas normas, nas funções e nos processos de destinação de recursos. No segundo, se pretende influir nas modalidades de acesso aos canais de participação política e de mudança das relações de força. No terceiro, o que se visa é subverter a ordem social e transformar o modo de produção e as relações de classe (PASQUINO, 1992, p. 791).

Embora se possa verificar, pelos estudos de Melucci, a classificação de movimentos de classe, conforme expõe Pasquino, há de se considerar que Alberto Melucci nega a tradição marxista no sentido dos movimentos sociais como “meras expressões de condições estruturais da classe e de suas contradições”, refutando, ainda, a idéia de existir uma análise marxista a respeito dos movimentos sociais, embora reconhecendo haver “análises da crise de produção capitalista e suas transformações” (MELUCCI, 2001, p. 30).

Especificamente em relação aos estudos de Alberto Melucci, importa considerar que este apresenta na obra “A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas” uma classificação dos movimentos sociais um pouco distinta da apontada por Pasquino, entendendo que, conforme as condutas adotadas, os movimentos podem ser

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reivindicativos, políticos e antagonistas. O movimento reivindicativo está caracterizado “se o conflito e a ruptura das regras ocorrem no interior de um sistema organizativo, caracterizado por papéis e funções” (2001, p.41). Sendo sistema organizativo aquele no qual as relações asseguram “o equilíbrio de uma sociedade e a sua adaptação ao ambiente, através de processos de integração e de troca entre as partes do sistema”. Os comportamentos que compõem o próprio sistema estão regulados normativamente (2001, p.39). No caso do movimento reivindicativo

O ator coletivo reivindica uma diversa distribuição dos recursos no interior da organização, luta por um funcionamento mais eficiente do aparato, mas se confronta também com o poder que impõe as regras e as formas de divisão do trabalho. A ação pode referir-se à defesa das vantagens de uma categoria, pode mobilizar um grupo de trabalhadores marginalizados, pode reivindicar uma diversa distribuição dos papéis e das recompensas, mas tende a ultrapassar os limites de uma organização e do seu quadro normativo (MELUCCI, 2001, P. 41).

Já o movimento político destaca-se pelo aspecto político das ações coletivas, pois luta pela superação dos limites do sistema político, busca a “ampliação da participação nas decisões e se bate contra o desequilíbrio do jogo político que privilegia sempre certos interesses sobre outros” (MELUCCI, 2001, p.41).

No terceiro tipo, os movimentos antagonistas têm as ações coletivas voltadas contra o modo pelo qual os recursos de uma sociedade são produzidos, colocando “em questão os objetivos da produção social e a direção do desenvolvimento”. O autor afirma que tais movimentos não existem de per si, mas associados aos movimentos reivindicativos ou políticos, sendo de qualquer forma importante a classificação, pois os grupos dominantes tendem a “negar a existência de conflitos que atingem a produção e a apropriação dos recursos sociais”. Ademais, “é necessário reconhecer que nem todas as formas de ação coletiva são portadoras de conteúdos antagonistas(...)” (MELUCCI, 2001, p. 42).

O ANDES-SN, por sua vez, parece enquadrar-se, prioritariamente no tipo de movimento reivindicativo, pois suas ações estão centradas exatamente na luta por um melhor funcionamento do aparato público, incluindo, nesse ponto, a busca por melhores condições de trabalho para os docentes do ensino superior, o que inclui melhorias individuais, como salários, e melhorias coletivas, relacionadas ao âmbito estrutural universitário. A partir dos seus objetivos, destaca-se também como movimento político, pois busca a “ampliação da participação nas decisões e se bate contra o desequilíbrio do jogo político que privilegia sempre certos interesses sobre outros” (MELUCCI, 2001, P.41).

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Mas seja qual for o tipo de movimento social comentado, é relevante frisar que Melucci não vê os movimentos sociais como meras respostas às crises econômicas (GOHN, 2004,p.158-160), pois, se assim fosse, a luta histórica da classe operária contra a exploração econômica seria facilmente resolvida com melhores condições salariais aos trabalhadores, contudo, de fato, o conflito existente na sociedade industrial dizia respeito à própria lógica da produção (MELUCCI, 2001, p. 34). Assim o autor considera os movimentos sociais como expressão de um conflito cuja origem é “a luta de dois atores pela apropriação de recursos valorizados por ambos” (MELUCCI, 2001, p.33).

Os movimentos sociais são vistos por Melucci como “fenômenos simultaneamente discursivos e políticos, localizados na fronteira entre as referências da vida pessoal e política” (MELUCCI, 1994, p.185 apud GOHN, 2004, p. 160). A ideologia é de extrema relevância para a análise dos movimentos sociais, isto porque “ela não é estática, atua num campo de conflitos e tensões entre os diferentes grupos e facções de um movimento e seu controle é uma fonte importante de liderança”. Ademais, é fornecedora dos “marcos que os atores usam para representar suas ações e é uma das principais ferramentas para garantir integração, além de consolidar a identidade do grupo”, pois é a ideologia que inclui a “definição do ator, a identificação do adversário e a indicação de fins/objetivos e metas para os quais se luta” (GOHN, 2004, p. 160).

Alberto Melucci explicita que os movimentos sociais representam a mobilização dos atores coletivos, os quais lutam pelo controle de recursos valorizados por si e pelos adversários, manifestando-se a ação coletiva “através da ruptura dos limites de compatibilidade do sistema dentro do qual a ação mesma se situa”, entendendo o autor como limite de compatibilidade o conjunto de elementos e de relações que identificam o próprio sistema. Assim, sustenta o autor:

Um movimento não se limita, portanto, a manifestar um conflito, mas o leva para além dos limites do sistema de relações sociais a que a ação se destina (rompe as regras do jogo, propõe objetivos não-negociáveis, coloca em questão a legitimidade do poder, e assim por diante) (2001, p. 35).

Por outro lado, ressalta o autor que apenas a ruptura dos limites de compatibilidade do sistema é insuficiente como referência para identificar e qualificar uma ação como de movimento social, pois com isto não há, necessariamente, o conflito entre os atores por um mesmo objeto:

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Neste caso, teremos condutas desviantes: aqui o ator é definido por sua marginalidade no que se refere a um sistema de normas e reage ao controle que essas exercitam sem, todavia, colocar em discussão a sua legitimidade, sem individuar um adversário social e um conjunto de recursos ou valores pelo qual se luta (MELUCCI, 2001, p. 37).

Resumidamente para Melucci, as principais características dos movimentos sociais são a implementação de ação coletiva com a manifestação de um conflito, ou seja, a coletividade implementando ações e expondo um determinado embate com a finalidade de ruptura das condições em que o mesmo se dá. A implementação das ações coletivas tem, em sua origem, segundo Melucci, a identidade coletiva como elemento essencial, porque o sentimento de identificação do indivíduo com o todo promove a unidade e, em conseqüência, propicia a luta dos atores em torno do objeto conflituoso.

Diante dessas características, de certa forma semelhantes às expostas por Touraine, pois ambos destacam o embate dos atores frente a um determinado objeto, verifica-se a situação do ANDES-SN e sua identificação enquanto movimento social à luz da teoria de Melucci, porque há, no grupo (coletividade) do ANDES-SN, a identidade coletiva dos docentes que pertencem ao ensino superior e, ainda, um conflito da categoria com quem está do lado oposto, conflito expresso pelas exigências de melhores condições de trabalho, valorização do profissional, defesa da universidade pública, enfim, embate destacado quanto aos valores defendidos pela coletividade docente. Em vista de tais elementos já referidos, enquadra-se o ANDES-SN como movimento reivindicativo, além de movimento político em vista do histórico de luta neste campo, nos termos a serem aprofundados em capítulo a ser desenvolvido.

1.1.3 Claus Offe

Há, também, abordando o tema dos movimentos sociais, Claus Offe, pertencente à corrente alemã, visto como autor de linha marxista e considerado uma das referências quanto aos Novos Movimentos Sociais. Ele ganha destaque por centralizar-se nas questões políticas, efetuando uma análise política, ao contrário de Alain Touraine e Alberto Melucci, que priorizam, respectivamente, uma análise sociocultural e uma análise psicossocial (GOHN, 2004, p. 164).

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Offe argumenta que os Novos Movimentos Sociais, na verdade, destacam-se em vista das mudanças sociais ocorridas (conforme afirma Solervicens) as quais, por conseqüência, proporcionaram a origem de novos elementos e, a partir deles, busca-se o alcance de objetivos de difícil obtenção sob as formas anteriores. Os valores defendidos pelos movimentos são os mesmos; alterada, entretanto, é a forma de ação:

(...) os movimentos sociais são elementos novos dentro de uma nova ordem que estaria se criando. Eles reivindicam seu reconhecimento como interlocutores válidos, atuam na esfera pública e privada. Objetivam a interferência em políticas do Estado e em hábitos e valores da sociedade, articulando-se em torno de objetivos concretos. O que é novo é o paradigma da ação, que tem caráter eminentemente político. Os

valores defendidos pelos movimentos em si não contêm nada de novo, pois eles se referem “aos princípios e exigência morais acerca da dignidade e da autonomia da pessoa, da integridade das condições físicas da vida, de igualdade e participação e de formas pacíficas e solidárias de organização social (...)”

(GOHN, 2004, p. 167). (grifo nosso)

Com tal afirmativa, sintetizadora do pensamento de Claus Offe, pode-se atestar que todas as características apontadas por outros teóricos e atribuídas aos Novos Movimentos Sociais pertencem, de alguma forma, também aos “velhos” movimentos.

Para este autor, a diferença substancial dos “novos” para os “velhos” movimentos sociais encontra-se em relação aos atores sociais e ao modo de atuação. Relativamente aos atores dos movimentos, afirma Offe:

Finalmente, en lo que respecta a los actores de los nuevos movimientos sociales, lo que más llama la atención es que en su autoidentificación no se refieren al código político establecido (izquierda/derecha, liberal/conservador, etc), ni a los códigos socioeconómicos parcialmente correspondientes (tales como clase obrera/clase media, pobre/adinerado, población rural/urbana, etc.). se codifica más bien el código del universo político en categorías provenientes de los planteamientos del movimiento, como sexo, edad, lugar, etc., o en el caso de movimientos ecologistas y pacifistas, el género humano en conjunto. La insistencia sobre la irrelevancia de códigos socioeconómicos (como la clase) y de códigos políticos (como las ideologías) que encontramos al nivel de autoidentificación de los nuevos movimientos sociales (y a menudo de sus oponentes), y que constituyen parte de su verdadera “novedad” (y les de los “viejos” movimientos sociales), no significa, sin embargo, en modo alguno que de hecho la base social y la práctica política de tales movimientos sean tan amorfas y heterogéneas en términos de clase y de ideología (1996, p. 180).

Offe apresenta um quadro comparativo acerca das características principais dos paradigmas “velho” e “novo”, transcrito a seguir (1996, p. 182):

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“viejo paradigma” “nuevo paradigma”

Actores Grupos socioeconómicos actuando como grupos (en interés del grupo) e involucrados en conflictos de distribución.

Grupos socioeconómicos no actuando como tales, sino en nombre de colectividades atribuidas Contenidos Crecimiento económico y

distribución; seguridad militar y social, control social.

Mantenimiento de la paz, entorno, derechos humanos y formas no alienadas de trabajo.

Valores Libertad y seguridad en el consumo

privado y progreso material. Autonomía personal e identidad, en oposición al control centralizado etc.

Modos de actuar a) interno: organización formal, asociaciones representativas a gran escala.

b) externo: intermediación pluralista o corporativista de intereses; competencia entre partidos políticos, regla de la mayoría.

a) interno: informalidad. Espontaneidad, bajo grado de diferenciación horizontal y vertical. b) externo: política de protesta basada en exigencias formuladas en términos predominantemente negativos.

Em síntese, para Offe, os valores defendidos pelos Novos Movimentos Sociais não são, verdadeiramente, novidades da cultura atual, pois já estavam presentes anteriormente, afirmando, assim, que:

En lo que respecta al problema de los “nuevos” valores, puede empezarse afirmando que lo menos “nuevo” de los movimientos sociales de hoy son sus valores. Ciertamente no contienen nada “nuevo” los principios y exigencias morales acerca de la dignidad y la autonomia de la persona, de la integridad de las condiciones físicas de la vida, de igualdad y participación y de formas pacíficas y solidarias de organización social. Todos estos valores y normas morales propugnados por los mantenedores del nuevo paradigma político están firmemente enraizados en las filosofías políticas (así como en las teorías estéticas) modernas de los dos últimos siglos, y han sido herdados de los movimientos progresistas tanto de la burguesía, como de la clase obrera. Esta continuidad sugeriría que los nuevos movimientos sociales en lo que respecta a sus orientaciones normativas básicas, no son ni “posmodernos” en el sentido de que enfaticen nuevos valores que (aún) no han sido asumidos por la sociedad más amplia, ni tampoco “premodernos” en el sentido de hacer propios los residuos de un pasado romantizado prerracional (1996, p.213).

Em relação às ações dos Novos Movimentos Sociais, conforme Offe, destacam-se pelo caráter extra-institucional, no entanto, tal característica não se dá em face da adoção de uma política revolucionária, mas sim por entenderem que há uma falta de capacidade de resposta por parte das instituições estabelecidas (1996, p.212). As ações ressaltam-se também pela tática de manifestação na presença física de grande número de pessoas, visando, desta forma, atrair a opinião pública através de mecanismos legais, ainda que não convencionais (1996, p. 178). Outra questão que ganha relevo nas ações dos Novos Movimentos Sociais diz respeito aos termos de negociações e táticas de pressão, pois diante das reivindicações que postulam não há espaço para negociar, sendo tal postura bastante condenada. Pondera Offe:

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A menudo ven los críticos las acciones de los nuevos movimientos sociales como algo debido a actitudes irracionales, afectivas, estrechas, cortas, inmaduras, incompetentes e irresponsables políticamente; y consideran como contraproducentes sus táticas, aun cuando reconocen que son legítimas algunas de las reivindicaciones de los movimientos. La objeción principal es que los movimientos son incapaces de negociar y elaborar compromisos y que no tienen voluntad de ello (1996, p.179).

Considerando a intolerância dos Novos Movimentos Sociais quando o assunto é negociar suas reivindicações, cabe referir a situação dos sindicatos, enquanto movimentos sob a lógica do antigo paradigma, os quais, não há dúvidas, são um dos tipos de movimento social mais sujeitos a negociações, especialmente nas situações em que discutem melhores condições econômicas aos representados. Ainda quanto aos sindicatos, pondera Offe exatamente o aspecto da negociação, destacando haver espaço em relação a estes para negociar, pois “pueden prometer (o al menos practicar) moderación en sus exigências salariales a cambio de garantias de empleo” (1996, p 179).

Como se depreende das colocações de Offe, os sindicatos são movimentos sociais assim caracterizados pelos elementos do antigo paradigma, sendo, portanto, nesta lógica, o ANDES-SN, enquanto sindicato, um movimento social.

Importante frisar que Offe não aponta diferença substancial em relação aos valores defendidos pelos novos e “velhos” movimentos sociais, destacando, outrossim, que a distinção ocorre quanto à forma de ação eleita pelos diferentes paradigmas. Afirma, então, que as exigências morais acerca da dignidade e da autonomia das pessoas, a integridade das condições físicas de vida, a igualdade e a participação da vida social pertencem tanto ao novo quanto ao “velho” modelo dos movimentos sociais.

Nesse caso, nos termos expostos por Offe, mais uma vez observa-se o enquadramento do ANDES-SN como movimento social pois, embora em um primeiro momento, ele se destaque pela defesa dos interesses diretos daqueles vinculados a si como, por exemplo, lutando por melhores condições de trabalho e pela valorização dos profissionais, tais bandeiras estão vinculadas à dignidade e à autonomia dos indivíduos, nesse caso, os docentes. Mais do que isso, o ANDES-SN posicionou-se, na fase de redemocratização brasileira, pela defesa da democracia e da igualdade, enfim, pela possibilidade de participação política do povo. Em face disso, bem como pela forma de atuação, por meio de uma organização formal, à luz das reflexões de Offe tem-se o seu enquadramento enquanto movimento social sob a roupagem do “viejo paradigma”.

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1.1.4 Outros autores marxistas4

Entre outras correntes a respeito dos movimentos sociais, tem-se o paradigma marxista, o qual refere serem estes representantes das lutas sociais, destinados à “transformação das condições existentes na realidade social, de carências econômicas e/ou opressão sociopolítica e cultural”. Impõe-se frisar que Marx não trabalhou o tema específico dos movimentos sociais. Porém, a partir da compreensão marxista da questão relativa à luta de classes, tem-se o perfil da sociedade capitalista, sendo analisadas as relações entre a classe operária e a burguesia, das quais surge o conceito de práxis social, constando nas obras de Marx como elemento de transformação da sociedade e aplicando-se aos movimentos sociais em vista de sua interpretação (GOHN, 2004, p. 171):

A práxis significativa refere-se à práxis transformadora do social, que se realiza em conexão com a atividade teórica, por meio da atividade produtiva e/ou da atividade política. No campo da produção teórica, o conceito de práxis é fundamental no marxismo, como articulador da teoria à prática. A práxis teórica é aquela que possibilita a crítica, a interpretação e a elaboração de projetos de transformação significativos. A práxis fruto da atividade produtiva é a mais importante no mundo social (GOHN, 2004, p.176).

Ilse Scherer-Warren diz que Karl Marx

(...) foi um dos mais importantes criadores de um projeto de transformação radical da estrutura social, projeto este de superação das condições de opressão de classe. Para sua realização, além do amadurecimento de condições estruturais propícias, exige-se também uma práxis revolucionária das classes exploradas. A efetivação desta práxis, porém, requer a formação da consciência de classe e de uma ideologia autônoma de forma organizada, para as quais sugere o partido de classe (1987, p.34 apud GOHN, 2004, p. 177).

Gohn destaca a existência de alguns escritores que desenvolveram uma releitura do marxismo ortodoxo, entre eles Manuel Castells e Claus Offe. Segundo a autora, uma das questões centrais abordada por esses autores são os fatores políticos, sendo a política

(...) enfocada do ponto de vista de uma cultura política, resultante das inovações democráticas, relacionadas com as experiências dos movimentos sociais, e tem papel tão relevante quanto a economia no desenvolvimento dos processos sociais históricos. (2004, p.173)

4 Neste subcapítulo abordar-se-ão outros autores que tratam da temática dos movimentos sociais, utilizando-se,

como referência, a obra “Teoria dos Movimentos Sociais: Paradigmas Clássicos e Contemporâneos”, de Maria da Glória Gohn.

Referências

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