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XIV Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ENANCIB 2013) GT 1: Estudos Históricos e Epistemológicos da Ciência da Informação Pôster O PENSAMENTO DE PAUL OTLET E SUAS RELAÇÕES COM A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: AS CONCEPÇÕES DE CONHECIMENTO, DOC

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1 A autora agradece a FAPESP pela bolsa de mestrado que permitiu a elaboração deste trabalho; bolsa referente ao processo 2012/09084-0.

XIV Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ENANCIB 2013) GT 1: Estudos Históricos e Epistemológicos da Ciência da Informação

Pôster

O PENSAMENTO DE PAUL OTLET E SUAS RELAÇÕES COM A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: AS CONCEPÇÕES DE CONHECIMENTO, DOCUMENTO,

DOCUMENTAÇÃO E ENCICLOPÉDIA DOCUMENTÁRIA

Luciana Corts Mendes1– ECA/USP Resumo

Este trabalho, realizado através de levantamento, revisão e análise bibliográficos, busca explanar e analisar a ideia de unidade do conhecimento defendida por Paul Otlet e refletida em seu trabalho com a Documentação, mormente na concepção da chamada Enciclopédia Documentária, para verificar suas relações com a Ciência da Informação. Por meio da análise conclui-se que o pensamento de Otlet alia-se à Ciência da Informação e pode ser considerado como constitutivo da mesma apesar de fazer parte de outra abordagem informacional.

Abstract

This work, accomplished through bibliographic survey, revision and analysis, seeks to explain and analyse the idea of unity of knowledge endorsed by Paul Otlet and reflected in his work with Documentation, especially in the conception of the so called Documentary Encyclopedia, to verify its relations to Information Science. Through the analysis it is concluded that Otlet’s thought allies itself to Information Science and can be considered as constitutive of it even though it is part of a different informational approach.

1 INTRODUÇÃO

O belga Paul Otlet (1868-1944) é considerado o pai da Documentação, disciplina considerada fundamental para a constituição da Ciência da Informação. Compreender o pensamento de Otlet, portanto, é de extrema relevância para entender a epistemologia e a história da Ciência da Informação.

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1 A autora agradece a FAPESP pela bolsa de mestrado que permitiu a elaboração deste trabalho; bolsa referente ao processo 2012/09084-0.

2 PAUL OTLET, A UNIDADE DO CONHECIMENTO E DOS DOCUMENTOS

Para Paul Otlet (2007, p. 41, 44, 373) o conhecimento era gerado por um ciclo contínuo no qual o homem apreendia a realidade por meio de seus sentidos; elaborava por meio de sua inteligência os dados sensoriais apreendidos; produzia conhecimento e em seguida ciência, já que esta tinha como fim o conhecimento da realidade e era composta dos conhecimentos coletivos; a ciência era expressa por meio de um documento, também ele elaborado pela inteligência. Otlet (1990a, p. 183, 1990d, p. 148) afirmava que o documento estava no começo e no fim de toda pesquisa, pois era utilizado para a criação de novo conhecimento e também era o produto da elaboração de novo conhecimento; ou seja, documentos registravam descobrimentos e também estimulavam novas descobertas ao serem utilizados.

Otlet (1990a, p. 183, 1990b, p. 77, 2007, p. 395-396, 422-423, 424) afirmava que os documentos formavam uma rede de integração, pois estes conservavam o conhecimento que estava presente de alguma maneira em outros registros, o que para o belga significava que um documento afetava todos os outros existentes nessa rede, qualquer publicação sendo uma contribuição para a obra científica total.

Como é possível perceber pelo anteriormente exposto, Otlet possuía uma concepção unitária dos documentos e do conhecimento, unidade esta que viria a ser refletida em suas concepções relativas à disciplina Documentação.

3 PAUL OTLET E A UNIDADE DA DOCUMENTAÇÃO

Otlet acreditava ser fundamental o estabelecimento de uma ciência e uma técnica gerais do documento, acabando com o empirismo existente até então no tratamento dos registros do conhecimento; assim, ele propôs a Documentação, disciplina que se responsabilizaria pelo estudo dos documentos, de sua evolução e transformações, e que determinaria uma teoria geral para todos os processos e funções dos documentos (OTLET, 1990a, p. 181, 2007, p. 6, 9).

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1 A autora agradece a FAPESP pela bolsa de mestrado que permitiu a elaboração deste trabalho; bolsa referente ao processo 2012/09084-0.

415). A Rede era necessária porque Otlet (2007, p. 376) acreditava na unidade da Documentação, que corresponderia à unidade de conhecimentos, pois para ele todos os serviços de informação eram ramos de uma única organização universal.

A Rede formaria aquilo que Otlet considerava o Livro Universal, a chamada Enciclopédia Documentária.

4 A ENCICLOPÉDIA DOCUMENTÁRIA

A Enciclopédia Documentária seria uma nova forma de documento, que se constituiria como uma Enciclopédia Universal do Conhecimento, gerando o Livro Universal, um documento que nunca se completaria e cresceria sem parar (OTLET, 1990b, p. 83, 84, 2007, p. 396, 401, 429). O Livro Universal era considerado por Otlet um sonho secular da concentração do conhecimento, uma obra centralizada de grande envergadura e com alto nível intelectual, que teria os pensadores de todas as eras e países como colaboradores, sendo a soma total do esforço intelectual de todos os tempos (OTLET, 2007, p. 401; [OTLET; LA FONTAINE], 1990, p. 119).

Para a criação da Enciclopédia Documentária Otlet (2007, p. 373) propunha a extração dos conhecimentos “verdadeiros” existentes nos documentos, de forma que erros e repetições não estivessem presentes na Enciclopédia; posteriormente aquilo que fora extraído seria ordenado de maneira a que fosse disposto em série. Para Otlet (1990c, p. 17, 2007, p. 384) a decomposição de documentos em elementos mais simples era possível através de uma análise “bem feita”, sem que houvesse a perda de substância, levando a que tais elementos pudessem ser reagrupados em sua unidade anterior ou de outras maneiras, como, por exemplo, na Enciclopédia Documentária.

Seguindo essa concepção para a criação da Enciclopédia Documentária, Otlet (2007, p. 385-386; 388-389, 409) afirmava que o conhecimento deveria ser registrado em folhas ou fichas móveis que seriam organizadas em repertórios e classificadas por meio de uma classificação única, a Classificação Decimal Universal (CDU); a escolha das fichas como suporte da Enciclopédia foi feita porque permitiria a intercalação de novas fichas e o deslocamento das antigas, permitindo que se criasse um documento flexível, harmonizando-se com a natureza do conhecimento.

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1 A autora agradece a FAPESP pela bolsa de mestrado que permitiu a elaboração deste trabalho; bolsa referente ao processo 2012/09084-0.

Princípio da Multiplicação dos Dados. O Princípio Monográfico estabelecia que cada elemento intelectual de um documento, depois de separado de seu conjunto, ficaria refletido em seu item material correspondente, permitindo que houvesse a coincidência em um documento entre a unidade intelectual e a unidade física do suporte (OTLET, 2007, p. 385, 386). Já o Princípio da Continuidade e da Pluralidade de Elaboração instituía que diferentemente de um livro, elaborado intelectualmente por um ou vários colaboradores e que termina em sua última página, as fichas permitiam o trabalho de um número ilimitado de pessoas e nunca se consideraria uma obra acabada (OTLET, 2007, p. 385-386). Por fim, o Princípio da Multiplicação dos Dados determinava que “para que os diversos dados figurem nas distintas ordens de classificação (por exemplo, ordens ideológicas, geográficas, cronológicas, etc.), se multiplicam as fichas dos mesmos” (OTLET, 2007, p. 386).

Assim é possível afirmar que em função da concepção unitária que Otlet tinha dos documentos e do conhecimento, refletida no trabalho documentário, o belga buscava que todo o conhecimento formasse na realidade um único documento, documento este que refletiria a natureza e unicidade do conhecimento.

5 A CONCEPÇÃO DE UNIDADE DO CONHECIMENTO DE PAUL OTLET E A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

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1 A autora agradece a FAPESP pela bolsa de mestrado que permitiu a elaboração deste trabalho; bolsa referente ao processo 2012/09084-0.

É possível reconhecer nas ideias de Otlet aquilo que Tálamo e Smit (2007, p. 41) afirmam ser o objetivo da Ciência da Informação: “a formulação de sistemas significantes dos conteúdos registrados para fins de recuperação da informação”. As autoras (2007, p. 41) declaram que tais sistemas “constituem a informação qualificada para recuperação e uso dos conteúdos originais”, que, como verificado, era o propósito de Otlet com a Documentação. Considerando-se o exposto acima sobre a Enciclopédia Documentária e os princípios propostos por Otlet para sua realização, esta análise também confirma a ideia apresentada por Tálamo e Smit (2007, p. 45) de que Otlet objetivava a elaboração de algo que se assemelha ao que atualmente se consideram redes conceituais ou informacionais. Assim, é possível indicar que as concepções do belga relativas ao ciclo de geração do conhecimento e o papel dos documentos no mesmo, bem como suas ideias relativas a sistemas significantes dos conteúdos registrados para fins de recuperação da informação, encontram correspondências na Ciência da Informação.

A Ciência da Informação adota a concepção do conhecimento enquanto construção colaborativa, intersubjetiva, bem como a ideia de que esse mesmo conhecimento está registrado em um conjunto documental que se interconecta; contudo, a natureza do conhecimento é compreendida de maneira diferente daquela concebida por Otlet. Atualmente se entende que o conhecimento é gerado e registrado dentro de um contexto, sendo que a compreensão desse conhecimento só pode ocorrer quando o usuário de um registro o interpreta dentro do conjunto específico de circunstâncias interrelacionadas no qual tal registro foi produzido. Assim, não é possível a criação de um único registro que englobe todos os conteúdos registrados “verdadeiros” presentes em outros documentos, como queria Oltet ao propor a Enciclopédia Documentária, pois, diferentemente da crença do belga, as teorias adotadas pela Ciência da Informação mostram que há a perda de elementos importantes que permitem a contextualização e, portanto, interpretação de um registro se este for decomposto em elementos mais simples. Com isso, pode-se afirmar que o pensamento de Otlet se insere num contexto histórico-filosófico específico, diferente do atual.

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-1 A autora agradece a FAPESP pela bolsa de mestrado que permitiu a elaboração deste trabalho; bolsa referente ao processo 2012/09084-0.

ALMEIDA; FERNÁNDEZ-MOLINA; LINARES, 2009, online). Para a Ciência da Informação unidades de informação somente fazem sentido se construídas de acordo com os objetivos da comunidade usuária (CAPURRO; HJØRLAND, 2003, p. 390), concepção que difere fundamentalmente daquela de Otlet, que retira a informação de seu contexto social de produção. Não obstante, o pensamento de Otlet alia-se à Ciência da Informação e pode ser considerado como constitutivo da mesma; o que ocorre é que ele faz parte de outra abordagem informacional, para utilizar a terminologia de Tálamo e Smit (2007).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que diversas críticas possam ser feitas ao pensamento de Otlet, por não mais corresponder plenamente ao entendimento atual do cenário informacional, analisá-lo permite que se encontrem ideias basilares constituintes da Ciência da Informação – como as questões do acesso à informação, a criação de estoques informacionais para a recuperação da informação, as redes conceituais de relacionamento entre informações e a padronização –, podendo-se contribuir com a epistemologia e a história da Ciência da Informação.

REFERÊNCIAS

CAPURRO, Rafael; HJØRLAND, Birger. The concept of information. Annual Review of Information Science and Technology, [Medford], v. 37, p. 343-411, 2003.

OTLET, Paul. The International Organisation of Bibliography and Documentation. In:

RAYWARD, W. Boyd (Ed.). International organisation and dissemination of knowledge: selected essays of Paul Otlet. Amsterdam: Elsevier, 1990a. (FID, 684). p. 173-203.

OTLET, Paul. The Science of Bibliography and Documentation. In: RAYWARD, W. Boyd (Ed.). International organisation and dissemination of knowledge: selected essays of Paul Otlet. Amsterdam: Elsevier, 1990b. (FID, 684). p. 71-86.

OTLET, Paul. Something About Bibliography. In: RAYWARD, W. Boyd (Ed.).

International organisation and dissemination of knowledge: selected essays of Paul Otlet. Amsterdam: Elsevier, 1990c. (FID, 684). p. 11-24.

OTLET, Paul. Transformations in the Bibliographic Apparatus of the Sciences. In:

RAYWARD, W. Boyd (Ed.). International organisation and dissemination of knowledge: selected essays of Paul Otlet. Amsterdam: Elsevier, 1990d. (FID, 684). p. 148-156.

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1 A autora agradece a FAPESP pela bolsa de mestrado que permitiu a elaboração deste trabalho; bolsa referente ao processo 2012/09084-0.

[OTLET, Paul; LA FONTAINE, Henri]. The Union of International Associations: A World Centre. In: RAYWARD, W. Boyd (Ed.). International organisation and dissemination of knowledge: selected essays of Paul Otlet. Amsterdam: Elsevier, 1990. (FID, 684). p. 112-129.

TÁLAMO, Maria de Fátima G. Moreira; SMIT, Johanna W. Ciência da Informação: pensamento informacional e integração disciplinar. Brazilian Journal of Information Science, [Marília], v. 1, n.1, 33-57, jan./jun. 2007.

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XIV Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ENANCIB 2013) GT 1: Estudos Históricos e Epistemológicos da Ciência da Informação

Comunicação Oral

EPISTEMOLOGIAS E ANTI-EPISTEMOLOGIAS DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

Marivalde Moacir Francelin – USP

Resumo

O principal objetivo deste trabalho é analisar a hipótese da presença de epistemologias e anti-epistemologias na Ciência da Informação. Esta hipótese defende um provável distanciamento entre os paradigmas de pesquisa e os conteúdos de formação disciplinar. Utiliza o método de revisão de literatura e destaca uma forma de diálogo entre contrários para justificar identidades e entendimentos. Conclui que as discussões epistemológicas da Ciência da Informação estão avançadas nos eixos paradigmáticos e científicos, mas parecem deslocadas das disciplinas e metodologias destinadas à formação institucional ou curricular.

Palavras-chave: Epistemologia. Anti-epistemologia. Ciência da Informação. Paradigmas.

Abstract

The principal objective of this paper is to analyze the possibility of the presence of epistemologies and anti-epistemologies in Information Science. This hypothesis defend a probable gap between research paradigms and the contents of disciplinary formation. Uses the method of the literature review and emphasizes a form of dialogue between contraries to justify identities and understandings. It concludes that the epistemological discussions of the Information Science are well advanced in the scientific and paradigmatic axes, but seem displaced of the disciplines and methodologies intended for the institutional formation or curricular.

Keywords: Epistemology. Anti-epistemology. Information Science. Paradigms.

1 INTRODUÇÃO

Tradicionalmente, a epistemologia pode ser definida como o estudo do conhecimento, aproximando-se da teoria do conhecimento, da gnosiologia e da filosofia da ciência. Sem recorrer à distinção “Epistemologia/epistemologia”, com a primeira letra maiúscula e a segunda minúscula, para identificar, respectivamente, uma possível área disciplinar e um provável método de estudo, pode-se dizer, de acordo com Greco (2008, p.16), que a epistemologia parte de questões gerais como “O que é conhecimento?”, “O que é possível conhecer?” ou “É possível conhecer o próprio conhecimento?” até discussões sobre o realismo, o ceticismo, o naturalismo, as formas de avaliações epistêmicas e os novos rumos adotados a partir de questões sociais e tecnológicas.

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No campo da Ciência da Informação, como pode ser verificado nos trabalhos de Freire (2008) e Arboit, Bufrem e Freitas (2010), as discussões epistemológicas já vêm sendo realizadas com alguma sistemática. Essas discussões são fomentadas há algumas décadas e têm apresentado, com base em diferentes pontos de vista, significativas contribuições para a área. Como área de conhecimento, a Ciência da Informação é observada, analisada e discutida a partir de suas perspectivas conceituais, notadamente sobre seu próprio nome e objeto, dos “marcos teóricos” de sua formação histórica e disciplinar, das “interfaces” com outras disciplinas e dos campos de força ou “domínios” de correntes teóricas e metodológicas (ARAÚJO, 2009; SOUZA; DIAS, 2011; RABELLO, 2012; SMIT, 2012; SILVA, 2013).

Reconhece-se, no entanto, que as discussões epistemológicas da área estimulam novas abordagens, quer do ponto de vista da construção disciplinar quanto metodológico. Mas, antes destas novas abordagens, talvez seja interessante perguntar se essa construção disciplinar é possível a partir do que vem sendo realizado nos domínios de pesquisas epistemológicas da Ciência da Informação.

Para contribuir para aprofundar as reflexões epistemológicas da área propõe-se desenvolver algumas hipóteses de pesquisa, apresentando uma discussão sobre o que poderia ser entendido ou, pelo menos, identificado como epistemologias e anti-epistemologias da Ciência da Informação.

Consequentemente, o problema está delineado neste entendimento e identificação. Supondo que identificar seja uma tarefa que possibilite encontrar uma identidade, esbarra-se, no caso da Ciência da Informação, em um conjunto de identidades, multifacetadas e plurais, de disciplinas e de metodologias. O entendimento desse conjunto, portanto, não acontece de forma harmônica e, muito menos, consensual.

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2 POR UM DIÁLOGO EPISTEMOLÓGICO COM OS ESPAÇOS DOS SABERES Um primeiro olhar sobre os estudos epistemológicos contemporâneos informam que as características teóricas e metodológicas da pesquisa científica são cada vez mais flexíveis e abertas para novas formas de informar, comunicar e conhecer.

No cotidiano, a informação é um complexo de formas e canais que formam e transformam a superestrutura comunicacional. As transformações não se restringem às vias

virtuais planetárias, mas a uma provável mutação, segundo as perspectivas de Castells (2008), do Ser físico em um ser em rede, e de Lévy (2007), sobre o espaço de um “novo nomadismo”. Também é possível observar, a partir das coletâneas organizadas por Novaes (2008, 2010), que as mutações em curso projetam novas configurações e experiências de mundo, onde os

limites e as utopias são as características mais marcantes dos compromissos éticos e epistêmicos.

Tais observações não estão restritas aos pontos de vista das teorias e epistemologias formalizadas e formalizadoras do discurso disciplinar e acadêmico. Em contrapartida, diz-se que, quanto ao conhecer, os compromissos éticos e epistêmicos pressupõem, na contemporaneidade, a configuração de ciências determinadas a corresponder ao dinamismo social, sendo, portanto, críticos em relação aos princípios canônicos do conhecimento. Walter D. Mignolo e Boaventura de Sousa Santos, por exemplo, imprimem consistentes análises sobre os deslocamentos dos saberes centrais para as “periferias” do conhecimento.

A partir da crítica às palavras “epistemologia” e “hermenêutica”, caracterizadas como restritas à cultura acadêmica, em aparente oposição aos termos “gnose” e “gnosiologia” para uma concepção mais ampla de conhecimento, Mignolo adota a expressão “gnose liminar” ou “pensamento liminar”. Para Mignolo (2003, p.49), o pensamento liminar pode ser definido como “[...] os momentos de fissura no imaginário do sistema mundial colonial/moderno.” O pensamento liminar está situado, ainda segundo o autor, “[...] dentro do imaginário do sistema mundial moderno, mas reprimido pelo domínio da hermenêutica e da epistemologia enquanto palavras-chave que controlam a conceitualização do saber.”

A gnose/pensamento liminar seria o local de construção do diálogo com a epistemologia, a hermenêutica e os saberes subalternos. Portanto, não se trata de excluir esta ou aquela forma de saber, mas de encontrar maneiras para que elas dialoguem e promovam espaços de visibilidade e legitimidade epistemológicas.

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“pós-abissal”, reconhecendo, através de uma “epistemologia da diversidade” e de uma “ecologia dos saberes”, os conhecimentos invisíveis. É relevante para a discussão do presente trabalho a indicação de Santos de que reconhecer a diversidade cultural, ou o que se pode entender como representações de crenças e ideias, não é o mesmo que reconhecer a diversidade epistemológica. Neste caso, quando não há um reconhecimento da diversidade epistemológica, Santos (2010, p.55) diz que a “[...] ecologia dos saberes é, basicamente, uma contra-epistemologia.”

Na Ciência da Informação, Antonio García Gutiérrez também apresenta diversas análises sobre a organização dos conhecimentos legitimados nas esferas dominantes e dos conhecimentos deslegitimados e periféricos. Para García Gutiérrez (2006), existe um conjunto de saberes despercebidos, ou cientificamente “favelados”, que precisa ser incorporado a uma nova classificação. Mas, uma nova classificação implicaria, como abordado em outra obra de García Gutiérrez (2007), a necessidade de “desclassificação” do conhecimento consolidado e instituído. Mas, para levar adiante esta tarefa também é necessário, ainda segundo García Gutiérrez (2011), encontrar uma epistemologia alternativa ou uma alternativa para a epistemologia.

Desde já, é possível assinalar, portanto, que as mudanças em curso se distinguem das de outros momentos históricos dos estudos sobre as ciências. Epistemologias e anti-epistemologias fazem parte do mesmo movimento que procura identificar e entender os constantes fluxos dos conhecimentos canônicos e marginais. Não existe, neste caso, a proposta de novos cânones ou de novas aberturas de conhecimentos, sejam eles científicos ou do senso comum.

De fato, o princípio do século XXI parece marcado pela necessidade de estabelecer fluxos contínuos de informação e conhecimento. Os fluxos estão ligados a quase todos os tipos de elementos de sentido, ou seja, podem ser definidos por conjuntos de ações, assistemáticas e a-metódicas que fornecem uma forma de progresso do conhecimento, fundadas na construção e na desconstrução. Deveria estar implícita, portanto, a ideia de que o conhecimento, no mundo contemporâneo, descarta a noção de linearidade, mas sem fugir do princípio da criação.

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válido, apresenta às ciências o desafio interno da transdisciplinaridade e o desafio externo da pluridimensionalidade individual e social.

O desafio encontrado na passagem da análise do disciplinar para o dimensional, do supostamente interno para o supostamente externo, parece reapresentar a hipótese, levantada e desenvolvida por Boaventura de Sousa Santos, de que todo conhecimento científico natural é científico social. E fica difícil sustentar a afirmação de que algumas ciências independem das dinâmicas diretamente relacionadas à sociedade ou das ciências que as estudam. Coloca-se até mesmo em questão a noção de sujeito e objeto como elementos necessários ao entendimento e à construção dos saberes. Ou seja, em um novo contexto de pensamento a distinção ente sujeito e objeto poderia deixar de existir da maneira como se apresenta atualmente. Questão aparentemente constante na literatura crítica da epistemologia, mas complexa se transportada para os contextos disciplinar e metodológico.

Por outro lado, uma epistemologia, apesar de necessária, que pretenda somente isolar e analisar as ciências em unidades cada vez mais especializadas, separando-as em recortes sem relações, pode fugir à própria realidade. Sabe-se que o determinismo epistemológico, a delimitação de fronteiras conceituais e a formalização de conhecimentos absolutos precisam ser substituídos pelo princípio relacional dos conhecimentos. Não é raro encontrar afirmações de que as relações entre os conhecimentos são a essência de quase todo novo conhecimento.

Mas, como identificar e entender os princípios relacionais do conhecimento se, da análise das relações entre os conhecimentos, são criadas condições para diversas e, até mesmo complexas, manifestações epistemológicas? Perceber as transformações epistemológicas, como reconhece Pombo (2005, p.10), é também perceber que “[...] lá, onde esperávamos encontrar o simples, está o complexo, o infinitamente complexo.” Uma ciência, como a Ciência da Informação, por exemplo, que apresenta a informação como objeto dinâmico, em mutações e transformações constantes, e que só faz sentido enquanto processo e fluxo, somente pode ser entendida, percebida talvez, a partir dos propósitos relacionais que usa para analisar o fenômeno informacional.

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Não se trata de negar modelos e paradigmas anteriores, mas de tentar verificar até que ponto eles são suficientes e adequados à nova realidade do conhecimento. Se a Ciência da Informação ainda procura um estatuto epistemológico, é possível indagar se a sua busca não a está levando para um vazio epistemológico. Por outro lado, como afirmou Pombo (2010, p.36), é possível que uma epistemologia baseada na ideia do paradigma kuhniano é “cega” para as transformações e mutações em curso no campo do conhecimento.

Assim, sem entrar na discussão da metáfora da ciência “indisciplinada” e na suposta “cegueira” do paradigma kuhniano, entende-se que estas questões são insuficientes para identificar um provável e exclusivo vazio epistemológico na Ciência da Informação. Mas, como diz Novaes (2008, p.10, 2010, p.13) num contexto mais amplo dos saberes, pode ser que estejam se apresentando intervalos do acaso como espaços para o pensamento, coisas vagas como formas de experiências e sentidos de mundo. Ou, ainda, neste suposto vazio epistemológico poderiam estar os saberes invisíveis de um pensamento abissal ou os pensamentos/gnoses liminares como já indicaram Boaventura de Sousa Santos e Walter D. Mignolo. O que existiria, então, pode ser considerado como movimentos epistemológicos e anti-epistemológicos que procuram retratar a construção e a desconstrução de teorias e metodologias que se alternam entre a necessidade de reduções disciplinares e a busca de ampliação relacional “indisciplinar”.

Em síntese, alternando epistemologias e anti-epistemologias, a Ciência da Informação está em constante fluxo (contínuo e descontínuo), relacionando os aspectos normativos de domínios do conhecimento científico à crescente complexidade do objeto informação enquanto provável e discutível forma de acontecimento na aparentemente metafórica, mas contundente, realidade dos movimentos nos vazios epistemológicos.

3 CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E SEUS ENTENDIMENTOS OU DAS EPISTEMOLOGIAS E ANTI-EPISTEMOLOGIAS

Partindo do que foi exposto, é possível retomar a questão das identidades e dos entendimentos que talvez estejam presentes nestes breves cenários epistemológicos que se apresentam para a Ciência da Informação.

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disciplinas das Ciências Humanas por causa de tradicionalismos que perderam o elo, a relação,com a realidade.

Pode-se dizer, também, que a Ciência da Informação adotou o risco e conversa de forma madura com os aspectos plurais, dinâmicos e, até mesmo, sem sentido do universo informacional contemporâneo. Neste ponto, compreendeu melhor as relações humanas e sabe como proceder nas sociedades dependentes de informação e nas sociedades que necessitam de informação.

O lugar da reprodução não parece formar novos conhecimentos e, por este motivo, esteja distante de um entendimento epistemológico. Mas, igualmente não parece possível falar em sociedades dependentes de informação sem a massificação da reprodução da informação. A tradição epistemológica flexibiliza-se para entender os fenômenos da informação, mesmo que isso implique uma reconceitualização da própria epistemologia.

Nas sociedades que necessitam de informação a questão pode ser colocada da mesma forma, porém, invertendo o enfoque. Não há uma reprodução massiva, pois, faltam meios para amplificação do fenômeno. A falta de informação poderia impedir que a tradição epistemológica fizesse sua parte no estudo do conhecimento. Porém, a tradição epistemológica da Ciência da Informação também procura se juntar aos campos informacionais que estão distantes dos centros de reprodução de massa.

Dois pontos epistemológicos que poderiam ser vistos como antagônicos e conflitantes também são entendidos pela Ciência da Informação como “centros” e “periferias” do conhecimento. Seria importante lembrar que talvez a metáfora dos centros e das periferias já não seja tão expressiva nos dias de hoje, mas ela é relevante para estabelecer uma relação com o que se pretende chamar de epistemologia e anti-epistemologia.

Assim, os esforços disciplinares e metodológicos para entender as novas formas de conhecimento fizeram com que as diversas áreas de pesquisa da Ciência da Informação se aproximassem dos debates epistemológicos. Além de discutir este ou aquele paradigma dominante, parece que a preocupação está cada vez mais voltada para a busca de explicações em contextos socialmente construídos, estruturados e significativos.

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De maneira mais objetiva, se quer dizer que esses deslocamentos permitem que sujeitos não autorizados pelo cânone dominante explorem contextos de produção de conhecimento que fogem aos paradigmas consolidados em teorias tradicionalistas e cientificamente cristalizadas. Ou seja, sob o tema epistemologias e anti-epistemologias na Ciência da Informação, existem e persistem perguntas “ingênuas” como: a quem é permitido falar de epistemologia? Existem epistemólogos profissionais? A epistemologia não institucionalizada é uma epistemologia?

As perguntas acima, além de ingênuas, têm respostas circulares e, por vezes, infrutíferas. Não se está interessado nelas porque dependem da tradição canônica e legitimadora dos saberes. Mas, essas perguntas são feitas para serem interpretadas e não respondidas definitivamente. O que se pretende é formular hipóteses. Elas poderiam ajudar a entender as epistemologias e anti-epistemologias nas disciplinas e metodologias da Ciência da Informação. Tais hipóteses deveriam verificar se os avanços nas pesquisas da Ciência da Informação junto aos contextos da realidade que se apresenta na contemporaneidade estão chegando à suas “matrizes” disciplinares.

Na verdade, epistemologias e anti-epistemologias são movimentos de conhecimento voltados para a formação, a construção e o aprendizado nas disciplinas, neste caso, da Ciência da Informação. Esses movimentos seriam vigilantes às barreiras impostas por aqueles que, por exemplo, confundem “técnica” com falta de conhecimento e distanciam a pesquisa do ensino e da profissão. Ainda, a título de exemplo, essa suposta desvinculação dos conhecimentos disciplinares dos princípios técnicos ou práticos poderia ser entendida como uma forma de anti-epistemologia, pois, o exercício dos conhecimentos do senso comum, dos conhecimentos do dia-a-dia, dos saberes da realidade e, porque não, da própria criação, seria um conjunto de

fazeres da experiência baseada nos sentidos do percebido, na intuição que se apresenta nas supostas lacunas do saber.

Pode-se propor algo ainda mais provocativo. Se a aproximação for correta e se for possível tomar de empréstimo a noção de aplicação de conceitos como forma de construção científica de objetos, também é possível dizer, seguindo Bachelard (1990, p.141), que “Um conceito torna-se científico na medida em que se torna técnico, em que se faz acompanhar de uma técnica de realização.” Mas, neste caso, o formalismo técnico-científico regula o caráter epistemológico do resultado do conhecimento produzido, conduzindo-o às matrizes disciplinares e metodológicas pré-determinadas.

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fundamentam em teorias formalmente estabelecidas, também é possível, contrariando Bachelard e outros epistemólogos, pensar em saberes sem a necessidade da enunciação de conceitos e, portanto, de teorias de caráter internalista. Assim, seria possível recuperar a proposta de uma nova “dialética” baseada nos movimentos do senso comum presentes, como já mencionado, no pensamento liminar, na ecologia e na desclassificação dos saberes.

Esses movimentos não se restringem à formação de conceitos e à construção de teorias, mas fazem parte de uma complexa estrutura informacional de base imprecisa e quase desconhecida nos domínios epistemológicos da Ciência da Informação. Sem dúvida, é necessário rever as premissas científicas da área no sentido de tornar acessíveis o estudo e a pesquisa de formas conhecimentos que o cânone da ciência em geral ainda insiste em desconsiderar em seus manuais de formação e aprendizado.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas últimas décadas, as pesquisas em Ciência da Informação apresentam aspectos vigorosos e ousados. Apesar dos fundamentos positivistas, cartesianos e tecnicistas, as pesquisas em Ciência da Informação não se detiveram em dogmas pré-estabelecidos. Pelo contrário, migraram para todas as possíveis áreas correlatas que poderiam oferecer algum suporte teórico e/ou metodológico que ajudassem a entender as questões de uma nova realidade do conhecimento. Isto pode justificar o porquê de uma parte dos estudos epistemológicos, realizados no final do século XX e no início do século XXI, apontarem para uma Ciência da Informação fragmentária, possivelmente carente de objeto, teorias, paradigmas, modelos e métodos definidos e consolidados.

Paradoxalmente, o princípio da fragmentação temática, resultado da constante exploração de outros campos do saber e da abertura de novas frentes de pesquisa, permitiu que a Ciência da Informação mantivesse um “olhar” próximo dos principais fenômenos e eventos do contexto social e suas repercussões e formas de representação no discurso científico.

(17)

Portanto, as epistemologias e anti-epistemologias não são necessariamente contrárias. Ambas trazem destaques sobre a constituição e a construção do conhecimento na Ciência da Informação. E, ambas, quando assumidas por uma ciência ou por uma disciplina podem determinar diversos aspectos positivos como, por exemplo, a formação disciplinar cientificamente consistente e responsável e o debate crítico fundamentado e ancorado no princípio da compreensão e do diálogo, e aspectos negativos como, por exemplo, a manutenção de tradicionalismos e cânones desvinculados da realidade, estimulando, ao mesmo tempo, a adesão incondicional às opiniões dos “experts” das disciplinas de formação e o recalque dos saberes da experiência, baseados no fazer, como forma menor de conhecimento.

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XIV Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ENANCIB 2013) GT 1: Estudos Históricos e Epistemológicos da Ciência da Informação

Comunicação Oral

INFORMAÇÃO É CONTEÚDO: UMA METÁFORA DO SENSO COMUM COMO OBJETO DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

Marcos Gonzalez – Museu do Meio Ambiente/IPJBRJ

Resumo

Cientistas da Informação contemporâneos permanecem concluindo pela falta de consenso acerca do objeto e do campo abrangido pela Ciência da Informação. O vocabulário utilizado na área é considerado parte de uma linguagem insuficientemente especializada, próxima do

“senso comum”. Neste trabalho, examinamos a noção de OBJETO1 a partir das conquistas recentes da Linguística Sociocognitiva centrada no uso, particularmente da “metáfora do

canal” (REDDY, 1979), modelo teórico que sistematiza um tipo de comunicação que ocorre na ausência de um interlocutor, importante característica da cadeia escrita. Tomando o conceito de informação como “extensão metafórica” de enformação “moldagem”, buscamos “algum traço da estrutura relacional” nessas etimologias (HEINE; CLAUDI; HÜNNEMEYER, 1991) a fim de responder à pergunta de Buckland (1991): “qual termo genérico para as coisas informativas é amplo o suficiente para incluir, por exemplo, objetos de museu e outras evidências acadêmicas, bem como objetos de suporte a texto?” Concluímos, seguindo Grady(1998), que a metáfora INFORMAÇÃO É CONTEÚDO (INFORMATION IS CONTENTS) é o “termo genérico” de que fala Buckland. A noção de continência viabiliza uma conceptualização do domínio da comunicação em termos do domínio da moldagem: ambas ontologias envolvem substâncias (leite, ouro ou discurso) que, uma vez enformadas, dão origem a fórmas (queijo, moeda ou documento) que pressupõem uma fôrma e têm, como

conteúdo (informação), um “valor”,nutritivo, monetárioou informativo.

Palavras-chave: Epistemologia. Teoria da Informação. Linguística Sociocognitiva. Metáfora do Canal. Linguagem escrita.

Abstract

Contemporary Information scientists remain concluding a lack of consensus about the object and the field covered by the Information Science. The vocabulary used in the area is considered part of an insufficiently specialized language, close to the “common sense”. In this paper, we examine the notion of OBJECT since the recent achievements of the usage-based socio-cognitive linguistics, particularly the “conduit metaphor” (Reddy, 1979), a theoretical model which organizes a kind of communication that occurs in the absence of an interlocutor, an important feature of the written language. Taking the concept of information as a

“metaphorical extension” of enformation “molding”, we seek “some trace of the relational structure” in its etymologies (HEINE, CLAUDI and HÜNNEMEYER, 1991) in order to

answer the Buckland’s (1991) question: “What generic term for informative things is wide enough to include, say, museum objects and other scholarly evidence, as well as text-bearing objects?” We conclude, following Grady (1998), that the INFORMATION IS CONTENTS metaphor is the “generic term” of Buckland’s whish. The notion of continence allows a conceptualization of the communication domain in terms of the molding domain: both ontologies involve substances (milk, gold or speech) that, once enformed, give rise to forms

1

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(cheese, currency or document) that presuppose a mold and have, as content (information), a nutritious, a monetary or an informative“value”.

Keywords: Epistemology. Information theory. Socio-cognitive linguistics. Conduit Metaphor. Written language.

1 INTRODUÇÃO

Em seu artigo clássico, Harold Borko resume assim uma questão central para a epistemologia da Ciência da Informação (doravante CI):

Agora que o American Documentation Institute decidiu mudar seu nome – para American Society for Information Science, muitos de nós temos sido forçados a tentar explicar aos amigos e colegas o que é Ciência da Informação, o que faz um cientista da informação e como tudo isto se relaciona com a biblioteconomia e a documentação. [...] Quero dizer de início que não acho que tenho a resposta (BORKO, 1968, p.3).

Passados não mais que poucas décadas desde a emergência da CI como uma nova área do conhecimento, Bertram Brookes (1980, p.125) concluía que a área ainda flutuava em um

“limbo filosófico”, sem “fundamentos teóricos”. Esse fato, para o autor, simplificava seu trabalho –“não há nada a desenterrar primeiro! O terreno já está limpo”. Quinze anos depois, Pinheiro e Loureiro (1995) confirmavam “a ausência, na área, de um corpo de fundamentos teóricos que possam delinear o seu horizonte científico, e ainda se encontra em construção a epistemologia da ciência da informação ou a investigação dos conhecimentos que a permeiam”. No presente século, Smit, Tálamo e Kobashi (2004) permanecem atestando que, acerca do objeto e do campo abrangido pela CI, “não se pode afirmar que exista consenso”.

Smit e colaboradoras debruçam-se sobre a terminologia empregada pela literatura da área a fim de demonstrar que os conceitos da CI são insuficientes para que se possa deles deduzir uma delimitação teórica acerca do seu objeto. De um modo geral, seu vocabulário remete a procedimentos e instrumentos utilizados, conceituados, segundo as autoras, como

“um fim em si mesmo” e não pela sua “função em relação à área”, tais como:

produção de informação: identificação dos códigos explicitadores dos conteúdos registrados sob a forma de informação, resultado das operações sobre os conteúdos registrados que se apresenta sob a forma de conteúdos socializados; articulação entre os dispositivos tecnológicos e a produção da informação;

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consumo da informação: condições de recepção da informação, locais, equipamentos e usuários; dimensão sociológica, política e econômica das atividades informacionais.

Trata-se de uma linguagem ainda muito próxima do “senso comum” e, portanto, pouco, ou insuficientemente, especializada. Dentre as noções centrais estão algumas

“definidas de forma totalmente empírica e [que] portanto não configuram uma terminologia

própria da área”. Embora o avanço do domínio da informação no último século seja inegável, para Smit e colaboradoras o processo evolutivo da CI não correspondeu a um “deslocamento qualitativo da reflexão” (KOBASHI; SMIT; TÁLAMO, 2001).

O fato, observado por muitos, é que o sentido do termo informação é fugidio: seu sentido varia de uma “área do conhecimento para outra, de um país para outro e em relação a diferentes contextos, o que leva a equívocos e a incompatibilidades metodológicas” (PINHEIRO; LOUREIRO, 1995). Para Wersig e Neveling (1975), trata-se do “mais extremo caso de polissemia na comunicação técnica da informação e documentação”. Neste contexto, afirmam Smit, Tálamo e Kobashi (2004), “a condição fundamental da lógica – a univocidade entre o termo [informação] e o conceito [de Ciência da Informação] – não pode ser obtida”.

A título de “construção conceitual”, isto é, de uma “linguagem de especialidade de

natureza científica que comunique uma realidade integrada”, como demandam Smit, Tálamo e Kobashi, tomamos as conquistas relativamente recentes da Linguística Sociocognitiva (LSC), um conjunto robusto de teorias que oferece sólidos argumentos contra os modelos que adotam, como científica, a noção de informação como um objeto transferido de um emissor a um receptor: comprovadamente, essa é uma estrutura que pertence ao “senso comum”.

Neste trabalho, examinamos a questão da noção comum de informação no contexto de uma metáfora complexa, primeiramente mencionada na literatura como conduit metaphor

(REDDY, 1979) – doravante “metáfora do canal”, conforme a tradução brasileira de Zanotto

etal. (2002)2. Trata-se de um modelo teórico que nos permite sistematizar (prototipicamente) um tipo de comunicação que ocorre na ausência (física) de um interlocutor, uma importante característica da cadeia escrita, uma vez que “implica a ruptura espaço-temporal, com consequências na estruturação da comunicação” (SCLIAR-CABRAL, 2003). Eis um aspecto que nos é tão caro quanto o fora para Wersig e Neveling (1975) e Belkin e Robertson (1976): se estamos diante de um fenômeno que tem consequências na “estruturação da comunicação”

2

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do “senso comum” e almejamos certa universalidade para as conclusões, devemos perscrutar

não o “sentido” de informação, mas as estruturas que ele mobiliza. Com efeito, a “metáfora

do canal”, um recurso sociocognitivo translinguístico (e, portanto, transcultural), é uma hipótese capaz de estruturar, com base científica (LSC), alguns dos vocabulários, dos modelos teóricos e dos paradigmas da Ciência da Informação, tais a teoria matemática da comunicação de Shannon e Weaver, os 3 mundos de Popper e o conceito de informação-coisa de que fala

Buckland, atendendo assim às demandas por uma “fundamentação teórica” para a Ciência da

Informação.

Prevalece, na LSC, uma linguística centrada no uso, um tipo de abordagem que observa a relação estreita entre a estrutura das línguas e o uso que os falantes fazem delas em contextos reais de comunicação (TORRENT; BYBEE, 2012). Um dos maiores desdobramentos das pesquisas sobre metáforas dos últimos anos tem sido o foco na identificação e na explicação da linguagem metafórica no discurso real. Exemplos isolados construídos, frequentemente encontrados em pesquisas linguísticas, ou estímulos criados por psicólogos com objetivos experimentais, oferecem um material importante para o estudo da estrutura e do funcionamento das metáforas, por exemplo. No entanto, para se fazerem afirmações a respeito da ubiquidade e da compreensão realista da linguagem metafórica, é preciso que os pesquisadores explorem “metáforas no mundo real”, na medida em que são produzidas na fala e na escrita, em diferentes contextos (GRUPO PRAGGLEJAZ, 2009).

Dados o estado da pesquisa e as limitações de espaço, nos deteremos neste artigo, à dissertação acerca da noção de OBJETO.

2 CORPORA

Seguindo as recomendações de uma abordagem centrada no uso, apoiamos as análises em dados reais contendo os lexemas derivados de inform- e enform-, extraídos principalmente do Corpus do Português (DAVIES; FERREIRA, 2006-)3, um sistema de consulta a um

corpora contendo mais de 45 milhões de palavras de quase 57.000 textos dos séculos XIII-XVIII. Dentro do período que estudamos (sécs. XVI e XVII), quando se introduz na língua portuguesa o conceito de informação (CUNHA, 2007), contamos com 542 exemplares (tokens) de uso daqueles lexemas nessa língua. Quanto a dados metalinguísticos (lexicográficos, gramaticais), contamos com o acervo das bibliotecas públicas e universitárias,

3

(24)

além de particulares. Dispusemos ainda dos acervos digitalizados do Google Books4 e da Europeana5, que agrega, entre outros, a Biblioteca Nacional Digital de Portugal6 e os do

Centre Nacional de Ressources Textuelles et Lexicales7.

3 OS “MUNDOS” DE KARL POPPER E A VISÃO SOCIOCOGNITIVA

O filósofo da ciência Karl Popper (2006) descreve a “nossa realidade”em três mundos

“ligados entre si e de algum modo interdependentes”. O “Mundo 1” é aquele que designa a

realidade material, do cosmos e das duas espécies de corpos, os vivos e os inanimados, que pertencem ao mundo físico, ao mundo das coisas materiais, além dos estados e processos, tensões, movimentos, energia, campos de forças e fenômenos que os relacionam. O “Mundo 2” é o “mundo das nossas emoções, sobretudo das emoções dos indivíduos”, conscientes ou inconscientes. O “Mundo 3” é o mundo dos produtos objetivos do espírito humano (produtos intelectuais), logo o mundo dos produtos da parte humana do Mundo 2. Contém coisas como

“livros, sinfonias, esculturas, sapatos, aviões, computadores, [...] objetos materiais que pertencem simultaneamente ao Mundo 1”. Para a compreensão desta terminologia, explica Popper, “é importante que todos os produtos voluntários ou intencionais da atividade intelectual sejam classificados como Mundo 3”.

O Mundo 3 é constituído, detalha Popper, “não apenas de livros, mas também de atos de fala, ou seja, pela linguagem humana”, que é formada, conforme o autor, “por disposições com um suporte material nervoso; por elementos da memória, por impressões duradouras, por expectativas, por comportamentos apreendidos e descobertos, e por livros”. Tudo isto representa igualmente coisas físicas, coisas e processos que ocorrem no Mundo 1. Os sons

produzidos por uma “conferência”, por exemplo (do autor), pertencem ao Mundo 1. Mas

quando os sons “ultrapassam a mera acústica”, tem-se a “vertente imaterial do Mundo 3”, sua face autônoma em relação aos outros mundos, aquilo que “extravasa dos Mundos 1 e 2”.

É antes “o conteúdo de um livro e não a sua forma material” que pertence ao Mundo 3. O lado imaterial (e não consciente) do Mundo 3 é o “conteúdo das nossas proposições, dos nossos argumentos, em contraste com a formulação acústico-corpórea ou mecânico-verbal (física) de tais proposições ou argumentos”. Popper postula, então, que a “face imaterial” do Mundo 3 não só desempenha um papel na nossa consciência –“e de fato um papel de relevo”

4

http://books.google.com.br 5

http://www.europeana.eu 6

http://purl.pt 7

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– como também, fora dos Mundos 1 e 2, é real. Em outras palavras, a “face imaterial” pode

“exercer uma ação sobre a nossa consciência e, através desta, sobre o mundo físico, o Mundo 1”. O Mundo 3 é, em suma, um produto da nossa consciência, do nosso espírito. À semelhança da linguagem humana, é uma invenção nossa. No entanto, “esta invenção é-nos de algum modo exógena, ‘exosomática’”. Assim surge o Mundo 3, “objetivo, abstrato, autônomo, e simultaneamente real e atuante”.

A perspectiva sociocognitiva corrobora em parte a ontologia e a epistemologia de Karl Popper (1973; 2006), não mais sob o ponto de vista filosófico, mas científico. Em termos sociocognitivos, as categorias conceituais humanas e o significado das estruturas linguísticas em qualquer nível não são considerados “símbolos sem interpretações”, mas “motivadas e fundamentadas, de alguma forma, diretamente na experiência, nas nossas experiências corporais, físicas e socioculturais” (LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980], p.259). Os conceitos que governam nossas línguas também governam, segundo essa perspectiva, a nossa atividade cotidiana: “até nos detalhes mais triviais, estruturam o que percebemos, a maneira como nos comportamos no mundo e o modo como nos relacionamos com outras pessoas”. Por isto, os recursos cognitivos de que dispomos teriam o poder de “definir a realidade”. Wilson e Martellota (2009, p.78) identificam aí um dos “aspectos translinguísticos nas línguas naturais”, que “garantem certa transcendentalidade da língua”.

Apropriemo-nos do conceito de mapeamento (mapping) metafórico, isto é, do mapeamento cognitivo socialmente convencionado que se insere entre dois domínios conceptuais8, postulado no âmbito da Teoria da Metáfora Conceptual (TMC), de Lakoff e Johnson (2002 [1980]): um domínio de origem ou fonte (source domain), concreto e experiencial, é utilizado para expressar entidades que estão inseridas em outro domínio, alvo (target domain), mais abstrato. A hipótese de que os mapeamentos metafóricos são

“estruturados sistematicamente” vem sendo, desde então, comprovada e aprimorada (LAKOFF, 2008).

Fato é que a maioria das palavras que os usuários de inglês moderno (e, como se notará, também do português) têm para “falar sobre comunicação” é de origem latina (report,

publish, publicize, diffuse, disseminate, narrate, notify, announce, advise etc.) e, segundo Rob Wiseman (2007), tem raízes “em metáforas sem conexão com falar ou ouvir”. Traugott e Dasher (2001) observaram padrões de direcionalidades históricas em mudança semântica no

8

(26)

sentido de verbos relacionados ao senso deslocamento ou movimento físico para sensos sobre o ato de fala. São observações que confirmam a teoria de que “as mudanças semânticas em geral partem do sentido representacional, fazendo referência a dados mais objetivos referentes ao nosso mundo biossocial, e passam a expressar noções gramaticais, veicular estratégias comunicativas e atitudes subjetivas dos usuários” (MARTELOTTA, 2011, p.79-80). Em termos popperianos, diríamos que os mundos 2 e 3 conceptualizam-se em termos de nossa

experiência com o “Mundo 1” – eis por que inicialmente concordamos parcialmente com Popper.

A tese sociocognitiva desvincula a metáfora da relação “linguagem metafórica” versus “linguagem literal”, deslocando-a de “figura da linguagem” para “figura do pensamento”, desfazendo a dicotomia cartesiana corpo-mente, integrando as visões objetivistas e

subjetivistas no que se passa a chamar “experiencialismo”, em sua primeira versão, e

“realismo corpóreo”, posteriormente. De acordo com essa linha investigativa, todos experienciamos a nós mesmos como entidades separadas do resto do mundo – como

recipientes com um lado de dentro e um lado de fora. Conceitos como “interior” e “exterior” são conceitos fundados na existência, baseados na experiência que cada um tem de seu corpo,

“o que está tanto dentro de mim quanto fora de mim” (ONG, 1998, p.86-87). O corpo “é uma fronteira entre mim mesmo e tudo o mais, e analisamos outros objetos com referência a essa

experiência”.

O sistema conceptual “não é algo do qual normalmente temos consciência”: na maioria dos pequenos atos da nossa vida cotidiana, pensamos e agimos mais ou menos automaticamente, seguindo certas linhas de conduta que “não se deixam apreender facilmente” (LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980]). Dos mapeamentos metafóricos se originam diversas redes de expressões metafóricas que se entrecruzam e, com isso, se modificam, produzindo outras múltiplas e novas expressões linguístico-metafóricas relacionando domínios fonte e alvo (ASSIS, 2012). Cada uma das expressões metafóricas é usada, então, no interior de um sistema global de conceitos metafóricos – conceitos que usamos constantemente ao viver ou pensar.

Alguns exemplos: o verbo pensar (associável ao Mundo 2 de Popper) tinha no latim

pensare uma acepção concreta (Mundo 1) de “pesar, avaliar o peso de alguma coisa”, mas que, uma vez abstratizado por extensão metafórica, passou a significar “estimar, pesar, avaliar

o valor de uma ideia, de um raciocínio”. Ainda hoje compreendemos frases como “É preciso

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uma trajetória do “mundo físico” para o “mundo das ideias” (VOTRE, 2004, p.26). O verbo

saber é outro exemplo: vem do latim sapere, que tinha o sentido de “perceber pelo sentido do

gosto” que, em sentido figurado, era usado, ainda no latim, como “ter inteligência, juízo;

conhecer alguma coisa, conhecer, compreender, saber” (MARTELOTTA, 2004).

Acerca de informação, os “dois contextos básicos nos quais o termo é usado” são, conforme Capurro e Hjørland (2007, p.155), “o ato de moldar a mente e o ato de comunicar

conhecimento”. Nos termos da TMC, informação é compreendida como uma “expressão

metafórica”, uma expressão linguística socialmente fixada por convenção que veicula um mapeamento metafórico. Em termos popperianos, o ato de comunicar conceptualiza-se em termos do ato de moldar. A discussão nos leva a uma questão: por que este significado no domínio da comunicação foi designado com a palavra “informação”? Isto é: que associação conceptual pode ser estabelecida entre moldes e o senso comum sobre “informação”?

4 “ENFORMAÇÃO” E MOLDAGEM

Originalmente, a palavra latim forma significava“molde, modelo”. Horácio aplicou-a com referência a um molde para sapatos; Ovídio, a um molde para fazer moedas. Passaria para o francês como forme (= moule “molde”) e para o português como fôrma (MONLAU, 1856, p.123; ERNOUT; MEILLET, 1951, p.247; HOBART; SCHIFFMAN, 2000, p.28; LINDSAY, 2010, p.141). As variantes do português f[ɔ]rma (doravante fórma), além do f[ɔ]rme francês, são consideradas por Williams (1975, p.50) como “palavras eruditas ou semi

-eruditas”, sendo que o português clássico conservou-lhe apenas o sentido abstrato:

“configuração, feitio, feição exterior” (CUNHA, 2010 [1982], p.298), ou seja, fórma.

No Ocidente, é na fabricação dos queijos que está a chave para a interpretação do que

se convencionou chamar “sentido concreto de forma”, ou seja, de “fôrma”. O contexto onde essa palavra era produtiva está disponível em Brachet (1870, p.250), segundo quem o latim

formaticum significava, estritamente, “feito em uma fôrma”. Alinei (2010), numa perspectiva da etimologia arqueológica, parece ter demonstrado que o termo já estava disponível para os falantes do latim arcaico ou, talvez antes, desde o indo-europeu.

A trajetória de formaticum é uma história franco-italiana, regiões que se alternam como fonte de surtos de inovações, tanto de diversidade cultural quanto linguística. As evidências enfatizam a importância de vasos de cerâmica no processamento de produtos

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ser considerada uma inovação europeia: o queijo duro (tipo padano, por exemplo). A Itália setentrional conhecia não uma, mas duas variantes para o termo. A outra, formay(o), não pode ser um empréstimo do francês, portanto a inovação lexical teria ocorrido na Itália, o que concorda com o fato de essa região ter, antes da França, atingido a Idade do Bronze. A técnica se espalhou, a partir de um ou mais focos em áreas vizinhas da Europa Ocidental, daí o francês antigo furmaige ou fromache, o provençal formatge ou fromatge, o português (†)

formage, o catalão formatje e o italiano formaggio.

No baixo latim da era merovíngia, formaticum e forma já eram vulgarmente tomados como sinônimos de “queijo”. Um texto do latim bastante tardio (837 d.C.) atesta, a propósito, a proximidade metafórica que então havia entre informação e queijo: «inde fit diminutivum Formula, unde etiam Formella, quæ etiam informationes casei significat, unde et Formaticum dicitur» (DU CANGE et al., 1844 [1678])9.

Foi com a base enform- que a palavra “informação” emergiu nas línguas neolatinas, primeiro no francês (séc. XII), depois no português, no galego e no inglês, todos no séc. XIV. Até este século, “informação” ocorria exclusivamente como variações da base

enform-(emform-, ẽform- ou, excepcionalmente, efform-), tendo, no português, predominado até o século seguinte sobre a base inform-. O fato também foi constatado por Antônio Geraldo da Cunha (2007) e por Ramón Lorenzo (1968); para o galego, Xosé Salgado (2009) encontrou, entre os dez usos arcaicos do verbo dos corpora do Tesouro Medieval Informatizado da Lingua Galega (TMILG), nove com a base enform- (o mais antigo em um documento de 1333) e apenas um com a forma inform- (de 1481), ocorrência por ele classificada de

“cultista”.

A etimologia do verbo enformar pode ser observada, via o francês, até o latim

efformare, um verbo que, garante Dumesnil (1809), «não é encontrado nos grandes autores [Ovídio, Cícero, Virgílio, Horácio], que preferem formare, informare». Trata-se, portanto, de

um verbo do “latim vulgar”, que sempre significou, prototipicamente, “pôr na fôrma”.

Efformare era sinônimo de “cunhar”, inclusive em suas extensões metafóricas usadas em expressões retóricas, revelando analogias com verbos como exprimere (“expremer” ou “exprimir”) e mittere (“enviar”, “meter”). Segundo o Diccionario de la lengua Castellana da Real Academia Española (1732), efformatio era “forjadura”, pois “forjar” era como «ruditer

9

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efformare, effingere»10, termos usados tanto com sentidos de “fabricar” ou “formar alguma coisano material”, principalmente moedas, mas também, por metáfora, com significados mais

abstratos ou discursivos (“forjar uma mentira”, por exemplo).

Na Idade Média portuguesa, enformar já dependia de uma “teoria da mente”, isto é, que a mente fosse compreendida como um recipiente, algo concreto capaz de conter alguma coisa dentro de si: em Boosco deleitoso, obra medieval de caráter espiritual posta por escrito na primeira metade do séc. XV, o falante recomenda ao irmão: «Enforma a tua mente tenra com estudos mais ásperos». É desse domínio a mais antiga ocorrência de “enformação” de que temos notícia em português, na Crónica Geral de Espanha de 1344 (token [1]). No capítulo «Como el rey Bamba, per consselho dalgũũs bispos deboo desejo e outros homẽẽs boosde sua terra,fezconcelho em Tolledo»11, “enformaçon” é usada como a nominalização

deverbal da “ação de enformar”, verbo aqui tomado com referência à “formação ou

modelagem da mente ou do caráter, treinamento, instrução e ensino que datam desde o século

XIV” (CAPURRO; HJØRLAND, 2007).

[1] Este rey, avendo certa enformaçon de maao viver e desonesto dalgũũs maaos bispos e sacerdotes e como per cobiiça tomavã as terras hũũs aos outros, que nõ eram dos limites dos seus bispados, poren foy conselhado dalgũũs homẽẽs de conciencia que non leixasse passar estas cousas (Crónica Geral de Espanha, 1344)12.

Temos nessa enformação um sentido que abstratiza o sentido prototípico da

“moldagem”, aplicando o conceito à certa substância de que é “composta” a mente,

refletindo, assim, nossa experiência com o conceito de moldar “pôr na fôrma”. Com efeito,

enformar “moldar” suscita metáforas que envolvem a manipulação direta prototípica, “casos

simples de causalidade direta”, conforme Lakoff e Johnson (op. cit.), tais como fabricação,

construção e criação, com quem compartilha “semelhanças de família”, embora cada qual possua características próprias que as distinguem.

A mesma Crónica Geral de Espanha de 1344 atesta, por outro lado, o uso de

“enformaçõ”, não mais como a nominalização de enformar, mas já com uma sintaxe da “ação de informar” moderna: resulta em uma coisa mental criada (ou “inventada”, como quer Popper), fabricada ou construída, que pode ser vista, descrita ou enviada, como no capítulo

10Algo como “enformar rústico, moldar” 11

Como o rei Bamba, por conselho de alguns bispos de bom desejo e outros homens bons de sua terra, fez conselho em Toledo”

12

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Figura 1  –  Fundo INCRA: Processo.
Figura 4  –  Fundo privado: Atestado.
Figura 5  –  Fundo privado: Atestado de vida e  residência.
Figura 1 - Informação no âmbito da diferença alteritária  Emissor com  sua percepção   histórico-cognitiva  individualizada  Momento de diferença  individualizada (olhar prévio sobre o  receptor/usuário)  Receptor/usuário  com sua  percepção   histórico-co
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