A M O R T E D E G E T Ú L IO V A R G A S E S U A R E P E R C U S S 4 0
P A R A M O R A D O R E S D E P O R T O A L E G R E -
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BlANCA PINHEIRO BUENO'
R E S U M O
Este artigo procura analisar a relativa e subjetiva repercussão da morte de Getúlio Vargas aos moradores da capital do Rio Grande do Sul, sendo um ensaio I em relação
EDCBA
à utilização do método de História Oral para investigação do passado histórico.Getúlio Vargas, que, antes de ser Presidente do Brasil (1930), foi Presidente do Estado do Rio Grande do Sul, tendo nascido no município de São Borja no mesmo Estado, já havia cativado muitos gaúchos. Como Presidente da República, sempre foi visto, por grande parte da sociedade brasileira e, principalmente, rio-grandense, como uma figura carismática que trouxera muitos benefícios ao seu país.
É lembrado, até hoje, principalmente, como o presidente que, entre outras atitudes, proporcionou leis trabalhistas ao seu povo1 , revitalizou o setor industrial no país e conseguiu manter uma "eqüidistância praqrnática'" ou um ~'duplo jogo,,3 diplomático entre os Estados Unidos e a Alemanha - nações que se opunham econômica e ideologicamente nesse período entre guerras (1919-1939) -, de forma a trazer muitas vantagens para o Brasil.
Durante o seu movimentado segundo governo, entre 1951 e 19544, as pessoas de todo o país e também de Porto Alegre
podiam acompanhar as notícias referentes pelos jornais e pelo rádio .
• Licenciada em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; e-mail:
tsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
bibabueno@bol.com.br.1 MONTENEGRO, Antônio Torres. História Oral eMemória: a cultura popular revisitada. São Paulo: Editora, 1992, p. 99-101.
2 Termo usado por MOURA, Gerson. Autonomia na Dependência: a política externa brasileira de 1935 a 1942. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, para explicar a postura ~olítica internacional de Getúlio Vargas durante o contexto de 1930 e 1942.
Termo usado por GAMBINI, Roberto. O duplo jogo de Getúlio Vargas; influência americana e alemã no Estado Novo. São Paulo: Símbolo, 1977, para dizer o mesmo.
4 D'ARAUJO, Maria Celina Soares. OSegundo Governo Vargas 1951-1954: democracia,
partidos e crise política. Rio de Janeiro: Zahar, 1982; LACERDA, Cláudio. Uma crise de agosto: o atentado da rua Toneleros. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
Aí de repente interrompeu o Repórter Esso, que ... quando dava a notícia era aquele ... né, quase ia aquele suspense, né. Então deu a notícia da morte do Getúlio. E foi aquele corre-corre, né; aquela locura. As pessoas correndo na rua e a gente viu, né, o pessoal correndo nas ruas, baixando as, as grades das lojas, né. E ... deu muita, causou muita intranqüilidade pra população, né. Eu, por exemplo, [sorrindo] saí correndo feito louca pra pegar um bonde. Mal dava pra gente subir num bonde, né, tal era o tumulto.13
Pode-se observar a adesão a esse meio de comunicação e especialmente a essa emissora pelo fato narrado por dona Gisela de que, após a transmissão do "Repórter Esso", a população se movimentou nas ruas.
A Rádio Farroupilha era uma emissora de relevância representativa nesse período, segundo o senhor Saul Wittee
EDCBA
N e e t z o w ' " .Ela fazia parte dos Diários e Emissoras Associadas, coordenados pelo "diretor-proprietário", Assis Chateaubriand'", que por sua vez, assim como muitos outros no país, como já comentado, movia publicidade contra o governo de Vargas. Dona Joeci Müller também comenta sobre esse aspecto, dizendo que sua tia teria visto o radialista Cândido Norberto, ao sair do prédio da Rádio Farroupilha no dia 24 de agosto, quase ser linchado pela população "fã do Getúlio", "ele falava muito, ele criticava muito o Getúlio no rádio", sendo assim um "antiqetúüo"."
Os Diários e Emissoras Associadas eram compostos, além dessa
rádio que ficava na rua Duque de Caxias, pelo
tsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Diário de Notícias
e pela Rádio Difusora, que se localizava na rua Sete de Setembro, todos muitocríticos ao governo Vargas.
É muito provavelmente por esse motivo que, após a transmissão do "Repórter Esso", muitos dos que "corriam de um lado para o outro nas ruas" incendiaram essas emissoras. E além delas atingiram outros prédios:
As sedes dos partidos políticos, à exceção do PTB, não escaparam à
sanha dos elementos escusos que se aproveitaram da situação crítica por que passa a nação brasileira com a morte do Presidente Getúlio Vargas, sendo depredadas pelos irresponsáveis que transformaram a nossa metrópole em cenário de vandalismo e arbitrariedades. A emissora associada Rádio Farroupilha à esquerda e as sedes do PSD e da USN assim como o Diário de Notícias à direita foram alvos das investidas dos populares, sendo completamente depredadas.l/
13Gisela Hartman Burmeister, em entrevista no dia 23 de novembro de 2000, em anexo. 14Morador do bairro Cidade Baixa na época.
1 5DILLEMBURG, Sérgio Roberto. op. cit., p. 109. 1 6 Entrevista com Joeci Brun Müller, op. cil.
1 7TUMULTUADA a capital por agitação popular. Jornal do Dia,Porto Alegre, 25 ago. 1954, p. 1.
114 BIBLOS, Rio Grande, 14:111-128,2002.
No
Diário
de Notícias
-
jornal importante na época, e também crítico ao governo de Getúlio Vargas, Psublicando notícias "bombásticas" e "escandalosas" em primeira página 8 - do mesmo dia, o leitor podia observar no relato do correspondente do jornal no Rio de Janeiro dados que podem complementar sobre a madrugada do dia 24 de agosto narrada pelo "Repórter Esso". Através desse jornal, a população de Porto Alegre podia imaginar alguns detalhes do contexto que se apresentara. As 2h da madrugada, o correspondente diz notar mudanças no largo em frente ao Catete: o tráfego teria sido interrompido e "as metralhadoras portáteis instalam-se nas esquinas".". Ele ainda diz que as 4h30mim, em uma nota que denomina "urgentíssima", que o presidente Vargas teria dito "não renunciarei". O repórter comenta que"essa declaração
foi confirmada por fontes absolutamente fidedignas,,20, buscando comprovar sua credibilidade.A destruição dos prédios desses meios de comunicação levou ao corte das programações e publicações por algum tempo. O
Diário de
Notícias,
graças a isso, só pôde ser publicado até 24 de agosto, mas logo retornou e foi um importante jornal até duas décadas depois.É interessante que, mesmo essa notícia sendo veiculada por meios de comunicação que tinham uma adesão ampla no município, muitas pessoas demoraram a compreender o que realmente havia ocorrido. O senhor Saul Wittee N e e t z o w " soube do fato na escola onde cursava "a primeira série ginasial", Nossa Senhora das Dores. Ele conta que "Por volta das nq.ve e meia, dez horas da manhã mais ou menos, as aulas foram interrompidas, no colégio Nossa Senhora das Dores, pois os irmãos, que trabalhavam naquela época na escola, nos avisaram que tinha acontecido um problema no Rio de Janeiro ..." [grifo meu].22
O senhor Nei Burmeister, morador da rua Coronel Genuíno, no centro da cidade, nesse período, acompanhava pelos jornais o contexto político que desencadeou nesse acontecimento, e conta que, quando soube do acontecido no curso pré-vestibular que freqüentava, ficou surpreso e observou a mesma reação de descrença por parte de seus colegas e do próprio professor. Quando foi confirmado o "boato", a decepção foi geral.23
18Nei Burmeister em entrevista, op. clt.
1 9 MADRUGADA dramática no Palácio do Catete; licença de 30 dias a Vargas. Diário de
Notícias, Porto Alegre, 24 agosto, 1954, p. 1.
2 0 Ibid., p. 6.
21Entrevista do dia 6 de novembro de 2000.
2 2 Entrevista realizada no dia 6 de novembro de 2000, em anexo.
23Entrevista realizada no dia 23 de novembro de 2000, em anexo.
Nota-se que, provavelmente, talvez de forma similar aos nossos dias atuais, muitas pessoas ficaram sabendo por outros meios que não o jornal e o rádio. Assim, muitos ficaram com dúvida e incerteza sobre o que teria ocorrido nesse dia, mesmo que noções sobre o acontecido fossem publicadas e divulgadas nos meios de comunicação.
O senhor Arno Müller também conta que as aulas foram suspensas e, além disso, nos ajuda a conhecer um pouco do imaginário que fez parte desse dia na cidade.
Ele lembra que
EDCBA
à noite, em um bar que existia no lado de sua casa,tsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"escutei
aquelas
pessoas
comentando
sobre
Getúlio,
que
depois que eles enterrarem
ele, por causa do problema
que ele deu um
tiro na cabeça
e que tinha uma máscara ... "
[grifo meu]. Nota-se que, apesar dos noticiários terem informado que o tiro de Getúlio tinha sido no coração, a incerteza e a imaginação fazia parte das rodas de conversa.Dona Joeci Brun Müller, lembrando a respeito do dia desse acontecimento, comenta que:
Ah, eu lembro assim que foi ... uma coisa muito triste. Que quando aã se, se soube da notícia, né, aã, o pessoal. ninguém sabia daí o que que tinha havido realmente. Aí quando disseram que foi um tiro, né, o pessoal já achou que ele foi, que ele foi morto, né, que ele foi assassinado. Até que se, até que se explicou que foi suicídio e acho que até hoje tem pessoas que não, que não aceitam essa versão de suicídio. Eu acho que até hoje tem gente que pensa que ele foi realmente assassinado e que aquela carta foi forjada, de repente, né.24 [grifos meus].
A partir desse depoimento de Dona Joeci, pode-se refletir sobre o que as pessoas imaginavam que realmente teria acontecido com Getúlio Vargas naquele dia.
O senhor Saul Neetzow acrescenta: "Dizem que não foi, não foi suicídio, que foi até assassinato, mas eu ... não sei, não sei se isso é real. .., , 2 5
A famosa "carta-testamento" de Var~as foi publicada em jornais como o
Correio do Povd
6 eJornal do Oia
2 , comovendo provavelmente a parcela da população que se encontrava mais envolvida pelo24 Entrevista, op. cit.
25 Entrevista, op. cit.
2 6 A DERRADEIRA mensagem de Getúlio Vargas. Correio do Povo, Porto Alegre, 25 ago. 1954, p. 1. .
27CARTA do presidente Getúlio Vargas. Jornal do Dia, Porto Alegre, 25 ago. 1954, p. 4.
116 SISLOS, Rio Grande, 14: 111·128, 2002.
"apaixonante populista", que pelo contexto que merecia ser analisado mais criticamente. O estudo e o grau de instrução das pessoas, como se pode ter alguma noção, acaba diferenciando não só o intelectual do "trabalhador do Brasil", mas também o nível crítico a partir do que se vivia no momento.
Em relação à movimentação da cidade, o senhor Saul Neetzow
diz:
... pra mim, um garotinho de ... de 12 anos, tava meio assustado, porque eu nunca tinha visto tanta correria na Borges de Medeiros; na' Rua Borges de Medeiros. Era gente subindo, descendo, correndo pra um lado, correndo pro outro ... Muitas pessoas se dirigindo pra ... , pra suas casas.( ... ) Depois, por notícias, pelo rádio, pelos jornais da época, eu fiquei sabendo que houve muita confusão no Rio de Janeiro, muita confusão em São Paulo; aqui em Porto Alegre houve também alguma coisa, algum movimento; pessoas quebrando lojas, quebrando vidro, movimento de pessoas que circulavam é ... [grifos meus].28
O senhor Saul ainda conta que seu pai "fechou a barbearia [negócio dele] por um ou dois dias". Os estabelecimentos comerciais do pai do senhor Nei Burmeister também fecharam por alguns dias.2 9
Ele diz que "aqui em Porto Alegre houve também alguma coisa, algum m o v í m e n t o r " em relação a São Paulo e o Rio de Janeiro, dando a entender que nesses locais a'r mobilização teria sido muito maior. Porém, através dos relatos de que em Porto Alegre ocorreram manifestações como o incêndio de emissoras opositoras a Getúlio, assim como quebra-quebra, fechamento de estabelecimentos comercias e comoção de muitas pessoas, pode-se imaginar o agitado dia 24 de agosto para a cidade, mesmo não sendo ela pertencente ao núcleo político do país.
A . partir dessa breve pesquisa, pode-se denotar que a população de Porto Alegre, em termos gerais, se mobilizou de alguma forma com o suicídio do presidente Getúlio Vargas. Alguns, que acompanhavam o contexto político que o antecedeu, puderam compreender com mais clareza seu desfecho. Esses provavelmente mais maduros e com um nível de escolaridade mais avançado que grande parte dos "trabalhadores do brasil" que o veneravam pelos motivos já citados.
28 Saul Wittee Neetzow em entrevista, op. cit.
2 9 Nei Burmeister em entrevista, op. cit.
3 0 Idem.
E N T R E V IS T A S C IT A D A S :
F ita 1 , la d o A / P o n to : d e 0 0 0 0 a 0 7 5 0 - e n tre v is ta 1 , d ia 4 /1 1 /2 0 0 0
VUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A m o M iíl/e r , n a s c id o e m
27
d e m a r ç o d e1946
n o m u n ic íp io d e P o r toA le g r e
e
r e s id e n te n a R u a d a stsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Cara velas n ú m e r o632,
V ila Ip ir a n g a .B ia n c a B u e n o : Seu nome completo
A m o M ü /le r : Amo Müller
B B : Amo Müller ... e
EDCBA
a naturalidade?A M : Brasileira.
B B : Brasileira ... em que cidade o senhor nasceu?
A M : Porto Alegre. .
B B : Porto Alegre ... A sua idade hoje:
A M :
54.
B B :
xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
54. E.. qual era sua idade em mais ou menos na data da morte de GetúlioVargas?
A M : 8anos.
B B : 8 anos. Tá. Aã ... qual éa sua escolaridade?
A M : Primeiro grau.
B B : Primeiro grau? Tá. Aã ... O endereço residencial aqui:
A M : Éo mesmo: Rua das Cara velas, seiscentos e trinta e dois.
B B : A profissão:
A M : Eu sou aposentado, mas continuo trabalhando: motorista.
B B : Tá .... Onde o senhor morava em 1954?
A M : No mesmo endereço: Rua das Cara velas, 6 3 2 .
B B : O que o senhor lembra do dia da morte do Getúlio Vargas?
A M : Ah ... , eu me lembro como se fosse hoje, né. Todinho. Quando a notícia no
rádio, porque na época a gente só escutava o rádio, né. E que a, começava a
falar que, tão logo deu a notícia, o pessoal começou a baixar as cortinas das
lojas ... e bares ... Ninguém queria abrir mais, que já começou o quebra-quebra,
[inaudlvel] sabe por que, né. E. .. eu era guri e lembro que de noite, do lado da
minha casa que antigamente tinha um bar; e eu fui no bar. Então escutei aquelas
pessoas comentando sobre Getúlio, que depois que eles enterrarem ele, por
causa do poblema que ele deu um tiro na cabeça e que tinha uma máscara,
então eu fiquei meio ... , como é que eu vou dizer ...r a ... [lnaudível] a resposta,
como é que eu vou dizer... Acho que um guri novo fica meio atordoado com
aquela conversa ... assustado, né. Daí eu fiquei até tarde da noite e meu pai me
chamou, para vir para casa, e eu custei a vim. Daí ele me chamou umas quantas
vezes, daí eu disse "tô indo agora!". Daí eu peguei e vim. Daí ele se escondeu
atrás da porta, quando entrei. Quando entrei assim na porta, o pai veio assim
"Ai, o Getúlio!". E eu, deu, levei um susto, foi um dos maiores sustos da minha
vida. E... por isso que eu tô dizendo, é uma coisa que a gente nunca mais
esquece esse tipo de coisa. Então a ... fica na lembrança. Aquele dia pra mim ...
é uma das, dos dias, que eu, quando eu era pequeno, acho que o único dia que
eu não me esqueço da minha vida. E tem dia assim, eu não me lembro de muita
coisa, ma ... 99,9% eu não me lembro da minha vida de pequeno. E aquele dia
eu me lembro que eu não me esqueço. Isso ficou gravado na minha vida, né.
1 1 8 BIBLOS, Rio Grande, 14: 111-128,2002.
B 8 : O que o senhor lembra mais ou menos, assim, do, da movimentação, de
como as pessoas reagiram na sua casa?
A M : De tristeza, foi só tristeza. O pessoal... na ... na época ... não tinha ...
[inaudívell O povo todo era só Getúlio. Aqui se respirava Getúlio, pelo que eu
enxergava, né. Todo mundo gostava dele.
8 8 : A... E o que o senhor sentiu, assim, com isso; alguma coisa moveu no
senhor, que tipo de sensação o senhor teve vendo todo esse movimento?
A M : A , agente conviveu junto com, com os familiares, que foi a tristeza, aquele
negócio. Inclusive, a gente não ... o colégio também não tinha meis, não teve
mais, passou uns quantos dias, não me lembro quantos dias, mas uns quantos
dias não teve aula, né; passou porque tava a tropa, eu me lembro que as tropas
saíram pra rua, foi, guarnecia tudo que é lugar aí, então não teve nem colégio,
mas não me lembro o tempo que não teve colégio. Isso é uma coisa que eu
lembro que não teve colégio. Ainda não estava no colégio mas lembro que não
tinha. Quer dizer, eu estava no colégio mas não lembro assim o tempo que ...
que não tinha mais aula, não teve aula.
8 8 : E o senhor comentou assim que não, não se sabia por que daquela, do
quebra-quebra, daquelas coisas todas que o senhor comentou. O senhor tem
noção, idéia assim de por que as pessoas fizeram aquilo?
A M : Eu acho que foi uma reação de perda de um líder. Acho que é, hoje é o
meu pensamento, porque as pessoas reagiram daquela maneira. E quando eles
divulgaram a carta de, que ele deixou, que até hoje muita gente ... diz que não é
verdade, outros dizem que é verdade daquela carta dele, né. E então o pessoal
se indignou com aquela, com aquela carta dele. Não se indignou com ele mas
com o que ele escreveu, então, que tinha gente contraria a ele. O pessoal,
principalmente, aqui nós gaúchos até hoje... a maioria, acho que 90%
independente do que falam dele, ~ getulista.
8 8 : Tá certo então. Muito obrigada!
A M : Não por isso.
F ita 1 ,la d o A / P o n to : d e 0 7 6 0
a
1 6 2 0 - e n tr e v is ta 2 , d ia 4 /1 1 /2 0 0 0J o e c i B r u n M ü /le r , n a s c id a e m
7
d e a b r il d e1949
n o m u n ic íp io d e P o r toA le g r e
e
r e s id e n te n a R u a d a s Cara velas, n ú m e r o632,
V ila Ip ir a n g a .8 ia n c a B u e n o : O seu nome completo.
J o e c i B r u n M ü lle r : Joeci Brun Müller.
8 8 : Qual éa sua naturalidade?
J B M : Porto Alegre.
8 B : Ea idade da senhora hoje?
J 8 M : quarenta e ... Ai, 51 anos.
88:
51. E. .. que idade a senhora tinha em 1954?J 8 M : Eu tinha 5anos.
8 8 : A escolaridade da senhora:
J B M : É ... primeiro grau.
8 B : Ea profissão:
J B M :
tsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Sou funcionária pública.B B :
EDCBA
O endereço residencial:J B M : Rua das Cara velas, seis - três - dois.
B B : Onde a senhora morava aã ... em
xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1954?J B M : Eu morava na Vila Ipiranga.
B B : E era mais ou menos perto de onde a senhora mora hoje?
J B M :
É,
é no mesmo bairro. Sóa rua é diferente.B B : Oque a senhora lembra do dia da morte do Getúlio Vargas?
J B M : Ah, eu lembro assim que foi ... uma coisa muito triste. Que quando aã se,
se soube da notícia,
né,
aã o pessoal, ninguém sabia daí o que que tinhahavido realmente. Aí quando disseram que foi um tiro,
né,
o pessoal já achouque ele foi, que ele foi morto,
né,
que ele foi assassinado. Até que se, até quese explicou que foi suicídio e acho que até hoje tem pessoas que não, que não
aceitam essa versão de suicídio. Eu acho que até hoje tem gente que pensa
que ele foi realmente assassinado e que aquela carta foi forjada, de repente,
né. E eu lembro uma coisa muito interessante e que a gente, eu era criança e ...
a minha vó assim, quando fazia, ele era uma pessoa tão, tão referenciada,
né,
pelos, não sei pelo Brasil todo, mas pelo menos em Porto Alegre ele era uma
pessoa assim que ele era um, ele era um mártir, né. Que a minha vó, até assim
a gente era grande já, fazia já, sei lá, 10 anos, eu acho, que o homem tinha
morrido, a minha vó ainda assim quando ele fazia aniversário e quando fazia
aniversário que ele morreu, a minha vó tinha uma foto dele, e a maioria das
casas tinha na parede da sala a foto dele, com a faixa de presidente e a minha
vó acendia vela quando ele fazia aniversário, que até hoje eu sei o dia que ele
faz aniversário por isso, né. Porque a minha vó acendia vela quando ele fazia
aniversário e no dia da morte dele também. E daí, eu lembro assim uma coisa
muito curiosa que a minha tia, que era adulta,
né,
na, na hora que aã veio anotícia que ele morreu, a minha tia tava no centro, na Rua da Praia, onde tinha,
ali na esquina com a General Câmara, tinha um cinema ali, que agora eu não
lembro qual era o nome, se era Cinema Central, uma coisa assim.
fi
l!
minha tiatava bem naquela esquina. E ali era a rádio ... era a rádio Fetroupilturne época.
E o ... esse homem, que é vivo até hoje, pode dizer se é verdade isso ou não; o
Cândido Norberto ele era um assim um antigetúlio. Ele falava muito, ele
criticava muito o Getúlio no rádio. E as pessoas que eram... fã do Getúlio
marcaram aquilo nele, né. E nesse dia que o Getúlio morreu deu aquele, assim,
quebra-quebra lá no centro, né. As lojas fecharam, veio a polícia de choque,
aquela coisa. E o Cândido Norberto tava saindo da rádio Farroupilha naquela
hora que a minha tia tava no centro. E daí o ... pra ele não ser linchado na Rua
da Praia, jogaram uma bandeira do Brasil em cima dele. E daí ele saiu com
aquela bandeira em cima e daí, tanto se respeitava,
né,
os valores, né. Era um,era outro respeito de valores,
né,
naquela época, que ninguém tocou nele emrespeito
à
bandeira. E daí a polícia levou ele pra um lugar seguro. Mas emrespeito
à
bandeira ninguém tocou, mas o povo queria linchar ele ... na Rua daPraia. E a minha tia foi testemunha disso, né. E daí ela veio contando aquilo
assim. E a, o que se tinha assim é que ele era,
né,
o pai dos pobres, né. Foiisso que a tia falou; que ele era opai dos pobres.
1 2 0 BIBLOS, Rio Grande, 14: 111-128, 2002.
8 B : Am. .. E. ..O que que a senhora sentiu .. quando ficou sabendo da notícia?
J B M : Ah, pelo que a gente sabia que ele era, aã, o pai dos pobres,
né,
que agente ... aã a gente sabia do que a gente ouvia, assim, dos pais,
né,
do meuaVÔ que era getulista, né. Aí era uma coisa assim de perda de, né. Que nunca
mais ia ser como antes. E que o Brasil ia afundar porque o Getúlio não tava ali
para defender. O Brasil ia terminar. Era isso que a gente sentia assim, né. Mas
passado, não que a gente tivesse uma posição, mas que a gente ouvia,
né.:
dos pais, dos avós. Mais o meu avô que era mais assim, né. O meu pai não era
muito.
8 B : Que que seu ... que que tu lembra, assim, do teu avô aã, nesse dia, assim;
tu teve convívio com ele?
J 8 M : Sim, que a gente morava junto, né. Ah! foi de ... de perda, de tristeza. E
aquela coisa de que nunca mais ia ser igual, né; que nunca mais ia sair, nunca
mais ia ter um outro Getúlio,
né,
que, que fosse substituir,né,
aquilo, né.B 8 : Como é que a senhora soube da, desse, desse fato da morte do Getúlio?
J B M : Ah, pelo rádio!
B B : Pelo rádio?
J B M : Que na época era rádio, né. A televisão nem tinha, né. Era rádio. Então a
gente só no rádio, né. E depois pelos jornais, assim. Que na época ...
B B : Jornais?
J B M : Nos jornais, é.
B B : Tá certo então ...
J B M : Porque era uma coisa muito assim ó : antigamente, ou tu sabia pelo rádio,
ou pelo jornal. Televisão não tinha, né. Ou pelo menos a gente que era da
c/asse pobre assim não tinha televisão naquela época, né. Ainda custou muito
para aparecer televisão,
né,
depois. Ma~ então a gente tinha, a minha vó, elaera, como é que eu vou te explicar; a minha vó era analfabeta, mas comprava o
jornal e alguém lia pra ela ... sabe? Então sentava um neto que já tava
alfabetizado e ia ler o jornal para ela. E ela era analfabeta, né. Mas ela sabia
tudo pelo jornal que alguém lia pra ela. E a gente lia mais jornal, eu acho, do
que hoje, naquela época, né.
PONMLKJIHGFEDCBA
In te rv e n ç ã o d o e s p o s o , A rn o M ü lle r: Não tinha opção ...
J B M :
É
porque era a única opção que tu tinha; ou era o rádio ou o jornal. Entãono rádio tu sabia assim as coisas mais telegráficas,
né,
e depois no jornal sim éque vinha a notícia mais detalhada, né. Então tinha que ter ojornal.
B B : Muito Obrigada (tom mínimo).
F ita 1 ,la d o B / P o n to : d e 0 0 0 0 a 0 9 8 2 - e n tre v is ta 3 , d ia 6 /1 1 /2 0 0 0
S a u l W itte e N e e tz o w , n a s c id o e m 9 d e s e te m b r o d e 1 9 4 1 n o m u n ic íp io d e
P o r to A le g r e e r e s id e n te n a R u a F e r n a n d o O s ó r io , n ú m e r o 2 0 0 , B a ir r o
T e r e s ó p o lis .
B ia n c a B u e n o : Qual éo seu nome completo?
S a u l W itte e N e e tz o w : ... Meu nome é Saul Wittee Neetzow.
B B : Quando o senhor nasceu? ~ ~ ~ I l ~ ~
; ~ r ~ O
~, ,'!',
S W N :
tsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Eu nasci em Porto Alegre, na Rua dos Andradas. Bem próximo aos
quartéis militares
xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
[lnaudívsl].B B :
A sua idade hoje:
S W N :
Eu tenho
59anos.
B B : ...
A,
EDCBA
oendereço residencial?
S W N : É ...
rua Fernando Osório, 200, bairro Teresópolis.
B B :
Onde
osenhor morava em
1954?S W N :
Eu [inaudível
/
falha da fita],número oitocentos e quarenta e quatro,
apartamento
31.Antiga Rua da Marcha.
Obairro é Menino Deus. Aliás, perdão;
obairro é Cidade Baixa.
B B : O
que
osenhor lembra do dia da morte do presidente Getúlio Vargas?
S W N :
Bom, naquela época, eu tava cursando...
aprimeira série ginasial.
Primeiro ano da primeira série ginasial. E nós estávamos tudo em, todos em...
assistindo aula. Por volta das nove e meia, dez horas da manhã mais ou
menos,
asaulas foram interrompidas, no colégio Nossa Senhora das Dores,
pois
osirmãos, que trabalhavam naquela época na escola, nos avisaram que
tinha acontecido um problema no Rio de Janeiro e que parecia, não tinha bem
certeza, que
o[inaudível /
falha da fita)....Seus material, seu material escolar, livros, pasta, etc., e se dirigirem cada um
pra suas, pra suas casas. Foi assim [inaudível /
falha da fita).Dando seqüência
a
esse, essa... essa...
aesse, esses fatos, eu saí da escola, que ficava ali na...,
na, na Riachuelo, e me dirigi ao ponto do..., do, dos bondes para pegar um
bonde pra vir pra casa.
O , omovi..., pra mim, um garotinho de..., de
1 2anos,
tava meio assustado, porque eu nunca tinha visto tanta correria na Borges de
Medeiros; na Rua Borges de Medeiros. Era gente subindo, descendo, correndo
para um lado, correndo pro outro,
osbondes fusculando numa, normalmente.
[inaudível /
falha da fita)Muitas pessoas se dirigindo pra, pra suas casas. Eu me
lembrei ainda de passar
pre,pelo local de trabalho do meu pai que era barberia,
uma barberia, que existe até hoje chamada [inaudível /
falha da fita).E ele me
disse "vai pra casa!". E eu então peguei
obonde, bonde Menino Deus, e vim pra
casa. Depois, por notícias, pelo rádio, pelos jornais da época, eu fiquei sabendo
que houve muita confusão no Rio de Janeiro, muita confusão em São Paulo;
aqui em Porto Alegre houve também alguma coisa, algum movimento; pessoas
quebrando lojas, quebrando vidro, movimento de pessoas que circulavam é... E
vivenciamos então essa época nesse, nesse, nessa confusão toda. Muita gente
aã formando piquetes, né. Aã, inclusive, aã, fazendo alguma, alguma, algumas,
algumas manifestações
afavor da morte do Getúlio Vargas. Mas depois eu
fiquei sabendo que ele suicidou-se com um tiro... né. E então aconteceu, pelo
que eu me lembro, que eu sei, Porto Alegre não sofreu, não houve tantas
manifestações quanto no Rio de Janeiro. Que na,
omaior, já que o... [inaudível
/ falha da fita)Imensa quantidade de pessoas que foram visitar
oféretro aã, e...
o
movimento que fizeram, aquela população toda se movimentando, nunca vi,
naquela época, nunca se viu tanta gente em volta de um... [inaudível /
falha da fita). Oque mais ou menos me vem a mente é.., foi esse, isso que eu vivenciei.
Até
acoisa se acalmar, levou quase um..., uma meia dúzia de dias. Aí depois
em seguida, houve a posse do [inaudível
/
falha da fita)E a coisa foi, foi se
122 BIBLOS. Rio Grande, 14: 111·128, 2002.
contornando um pouco e começou
a ,a aliviar aquele tumulto todo. E até
oBrasil se assentar de novo, aí é outro, outro, outra conversa, né; é outro é...
outra situação. Mas Getúlio Vargas nessa época, na, quando eu era nessa
idade,
1 2anos, marcou muito
asua presença pelo fato de, de se, desses
acontecimentos na vida política no momento. Então, pelo que eu me lembro, é
isso aí.
8 B : O
que
osenhor lembra [inaudível /
falha da fita)da reação, como é que foi?
S W N :
Bom aí, nesse caso da família, minha família era eu, meu irmão... só;
meu pai e minha mãe ... Não muda assim muita, muita muitas alterações. Meu
pai mesmo que trabalhava no centro da cidade nesse salão, nessa barberia ...
[inaudível /
falha da fita)fechou a barberia por um ou dois dias
8 8 :
Onde ela fica?
S W N :
Não houve, não houve, não houve assim ...
[inaudível / falha da fita)A
barberia fica ali na... na Travessa Acelino Carvalho,
2 7 .Lá hoje é a Rua 24
Horas.
[riso)8 B :
E como é que tu te viu nessa situação, assim. Que que tu sentiu?
S W N :
Eu fiquei sabendo mais dessas informações dos fatos acontecidos.
Oque eu senti, basicamente eu não me lembro
[inaudível / falha da fita]do
momento. Lamentei, no meu entendimento,
opor que que esse homem tinha se
dado um tiro. Depois pelas informações, a medida que eu fui
[inaudível / falha da fita)Dizem que não foi, não foi suicídio, que foi até assassinato, mas eu...
não sei, não sei se isso é real; não tenho documentação, não tenho, não sei.
8 B :
Seu Saul, uma curiosidade:
osenhor lembra qual era um,
osjornais que
circulavam na sua casa, qual era
ojornal que vocês liam?
S W N : O
jornal mais lido na época era
oCorreio do Povo. Correio do Povo que
apresentava é, essas informações todas. Em matéria de rádio, que
anossa
televisão na época ainda não, não, n'ão existia. Poderia existir em outros pontos
do Brasil, mais em... em Porto Alegre ainda não existia televisão ainda. Então
agente escutava mais é radio. Era
aRádio Gaúcha, Rádio Farroupilha, né. As
notícias todas eram [inaudível /
falha da fita]Tinha uma outra mas, talvez, não
sei a nível de expressão, que era a Rádio Difusora ... né. Eram essas três as,
asrádios mais importantes
[inaudível / falha da fita]que esses meios de notícia
que nós tínhamos. E
oCorreio do Povo que era
ojornal de maior penetração no
Estado... né, que veiculava ... [inaudível /
falha da fita).F ita
2,
la d o A / P o n to 0 0 0 0 - e n tr e v is ta4,
d ia 2 3 /1 1 /2 0 0 0N e i B u r m e is te r , n a s c id o
PONMLKJIHGFEDCBA
e m 1 7 d e s e te m b r o d e 1 9 3 3 n o m u n ic íp io d e P o r toA le g r e er e s id e n te n ar u a S ã o M a te u s , n ú m e r o 7 7 6 , J a r d im d o S a ls o .
B ia n c a P in h e ir o B u e n o :
Qual é
oseu nome completo?
N e i B u r m e is te r :
Nei... Burmeister.
B B :
A naturalidade?
N B :
Porto Alegre.
8 B :
A sua idade?
N B :
67.
B B :
tsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Escolaridade?N B : Superior.
B B : Profissão?
N B : Economista.
B B : Endereço residencial?
N B : Rua São Mateus, sete - sete - meia.
B B : Onde
EDCBA
o senhor morava emxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1954?N B : Em 54 eu morava na rua Coronel Genuíno, no centro, praticamente no
centro de Porto Alegre. Hoje... é na altura ali onde passa a Perimetral, na
Borges, ali. Naquele tempo a Borges não era aberta. Então, a Coronel Genuíno
que é aquela rua que vai dar na ponte de pedra.
B B : Ainda era a ponte de pedra ...
N B : A ponte de pedra ainda se usava pra, pra se atravessar pro outro lado, pro
outro lado do riacho ali.
B B : Ela tá lá até hoje mas ela ...
N B :
É
até hoje como monumento.B B : Sim.
N B : Mas naquele tempo era rua, né. A rua a voltinha ali da Borges, descia,
entrava pra direita assim e atravessava pro outro lado. Ali da ... Depois do outro
lado da ponte, tinha umas casas e tinha uma estação de trem... a Viação
Férrea. Era as estações dos carros de motores e as oficinas da Viação Férrea.
Tudo isso hoje desmanchou porque é onde tá o centro administrativo. E o
riacho desembocava e desembocava na ... no Guaíba naquela altura ali. Tinha
duas pontes: tinha a de pedra e mais adiante tinha uma ponte de ferro que dava
passagem para ostrens.
B B : O que o senhor lembra do dia da morte do presidente Getúlio Vargas?
N B : Bom, o que eu me lembro ... é que eu estava fazendo um cursinho
pré-vestibular e nós tivemos o ... ointervalo, né. O pess, opessoal descia, né pra a
rua pra na ... o cursinho era ali na Uruguai, quase na esquina com a Rua da
Praia. E na volta, quando reiniciou as aulas, um colega meu que tinha ido pra
rua, eu não tinha descido, ele foi pra rua e voltou e disse assim pra mim: "O
Getúlio se matou". E eu disse pra ele: "Que Getúlio se matou, o quê!" Ele "não,
o Getúlio se matou. Tá correndo na rua o boato de que o Getúlio se matou". E
eu disse pra ele: "que Getúlio se matou nada! Onde é que se viu, não ia se
matar!" E nós começamos aquela conversa e chamou atenção do professor que
tava gritando bem alto: " O que que vocês tão discutindo
eir!".
Eu digo "Não, eletá dizendo aqui pra mim que o Getúlio se matou". Aí tinha o seguinte: havia uma
crise política muito grande. O Getúlio vinha enfrentando uma crise política muito
grande com o Carlos Lacerda brigando com ele, pedindo renúncia. O , havia um
escândalo aonde o Gregório, que era o guarda-costas dele, começaram a
aparecer coisas, né. Então ele estava numa crise política muito grande. Então
voltando ... Aí oprofessor disse, que era oAtaualpa Sibiles, que muitos devem
lembrar. E disse assim: " O que que vocês tão conversando?!". "Nêo, tão
dizendo que ele, que o Getúlio se matou". Ele disse "má que Getúlio se matá".
Então todo mundo entrou na aula praticamente entrou naquela coisa "Onde já
se viu, Getúlio se matar", "não, Getúlio se matou': "Teteti". E nós tava nessa
PONMLKJIHGFEDCBA
1 2 4 BIBlOS, Rio Grande,1 4 : 1 1 , . , 28,2002.
discussão na aula quando chegou o outro professor, que o cursinho era dos
dois, do Ataualpa Sibiles e Esteine Grup. Chegou o Esteine Grup na porta e
chamou o Sibiles e os dois conversaram na porta ali, qualquer coisa e daí o
Sibiles voltou assim com uma cara ... caída, vamos dizer,
né,
e disse assim: "Éverdade, o Getúlio se matou ... e nós vamos suspender as aulas". Tá bem, foi
aquela debandada, né? Quando eu cheguei na rua da Praia, vi um movimento
de gente em frente ao Diário de Notícias. Isso ficava ali na ... pouquinho depois
da General Câmara, onde tem a galeria... Qual é o nome daquela galeria ...
Ebrino Beck. Quase em frente
à
praça da Alfândega, ali. Então tá aquele montede gente ali, aquela gritaria, na. E eu dei a volta pro lado contrário, não fui lá,
porque meu pai tinha uma loja na Borges, né. Eu digo eu vô pra lá pra ver o que
estava acontecendo. E já as lojas todas fechadas na rua da Praia, não tinha
uma loja aberta, e era aquele movimento de gente assim, uns correndo em
dire(ão ao Diário de Notícias e outros como que se estivessem fugindo, né. E aí
eu ouvi aquela estourada assim, aquele movimento de gente assim que
começou a se movimentar em direção
à
Rua da Praia e em direçãoà
Borges deMedeiros. E aí eu apressei o passo, subi a Borges, e aí tinha muito movimento
na rua, lojas fechando, gente correndo pra cá, correndo pra lá. E eu pensei,
digo, não vou passar por baixo do viaduto, eu vou subir. E quando eu começo a
subir o viaduto, eu vejo a Rádio Farroupilha em chamas. A Rádio Farroupilha
estava, naquele tempo, era na esquina da Duque de Caxias com o viaduto do
lado direito... né. De quem sobe a Borges ou digamos de quem desce em
direção ao Centro Administrativo ... Daí eu subi ali, passei do outro lado, porque
. eu tava do outro lado do viaduto da Borges ali. Ainda parei, olhei a Farroupilha
eli.. tcde em chamas aquele negócio de prédio, era um prédio até bonito. Desci
pro outro lado, daí cheguei na loja que o pai tinha e disse pro rapaz que cuidava
lá da loja, balconista lá: "Fecha a
10f
que tá dando roubo". Ele até tava ali meioassustado também, "Que que houve, que que houve?!" E eu digo "Olha, o
Getúlio se matou e o pessoal tá saqueando e quebrando, depredando um
monte de coisa". Eu disse pra ele "a Feiroupittu: já tá em chamas': E. ..
fechamos a loja. Eu peguei aschaves e desci. Eu morava numa quadra e meia
abaixo ali, e ao lado o meu pai também tinha uma oficina, que era uma
camisaria. Quando cheguei lá, as costureiras todas estavam em polvorosa, né;
"O que que tá acontecendo, o que que tá acontecendo?!" Eu digo "Não, o que
tá acontecendo é que o Getúlio se matou". E daí elas queriam ir embora, tavam
preocupadas e até mexi com elas, com elas, né: "Não, não; a melhor coisa é
vocês ficarem aqui. Vamos fechar tudo, né; vamos ficar em silêncio, não
trabalhem, né. E fiquem aqui até a coisa acalmar porque agora é muito
murmurinho é a pior coisa é andar na rua, né". E ficamos em, em silêncio, não
se trabalhamos porque elas trabalhavam com máquinas com motores, fazia
muito barulho, né. Isso em função também se alguém passasse podia achar um
desrespeito e criar mais um problema ainda, né? Isso é o que eu me lembro
desse dia, né.
B B : E o senhor tava acompanhando esse contexto todo dessa crise que já tava
vindo ...
N B : Sim, a gente lia, lia no jornal, aquela coisa. Mas eu não me lembro mais de
muita coisa daquilo, entende?
EDCBA
Oque eu me lembro mais foi isso que eu te disse
há pouco.
Agrande crise que vinha,
né,
e que, que essa crise estourou muito
com
oproblema do Gregório, né.
OGregório era um preto que era
guarda-costas do Getúlio, homem de confiança do Getúlio, onde passou a parecer que
ele cobrava vantagens para levar
oGetúlio a algumas coisas. Então, ficou
naquela coisa assim, ele era uma espécie de eminência parda que ele
conseguia benefícios junto ao Getúlio. Então,
opessoal ia através dele pra
conseguir vantagens. E isso deu um escândalo de repente. E
oCartos Lacêtrfa".
era um
xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
[inaudível]políticos que mais
[inaudível]era Cartos Lacerda. Era um dos
políticos que mais condenava
oGetúlio, que mais batia no Getúlio aí em função
também que ele tinha escapado de um atentado que diziam que
oGetúlio tinha
mandado matar ele. E aí desenvolveu-se toda essa coisa porque ele vinha
batendo forte em cima do Getúlio, em cima do governo, né?
BB: E da sua família,
osenhor lembra de alguma coisa? Como é que eles,
como é que eles lidaram com esse tipo de contexto?
NB: Olha, assim não me lembro, viste? Não me lembro, realmente não me
lembro. Como é que isso foi em família, né. Mas foi sempre, sempre uma
comoção,
né,
embora meu pai não fosse getulista, né.
Omeu pai até não tinha
assim grandes muita política, né. E
oGetúlio na realidade ele tinha fortes
contestações,
né,
principalmente no segundo, já no primeiro governo dele ele
teve fortes contestações. Porque ao mesmo tempo que ele dizia proteger
otrabalhador, ele também fazia coisas ... pro outro lado que prejudicava aqueles
que não concordavam com ele, né. Então não houve assim, não me lembro de
maior coisa.
Agente acompanhava política, aquela coisa toda, mas não, lá em
casa, não se era assim muito ... se... fãs do Getúlio ao ponto de se ter uma
comoção em terra dentro de casa. Foi, foi uma comoção porque criou um
problema sério no país, uma série de coisas, de contratempos. Houve muito
queb, quebra-quebra.
Muitas empresas, aquelas empresas assim que se
manifestaram mais contra Getúlio, que
opessoal sabia ser mais contra Getúlio,
aquelas empresas foram quebradas ... saqueadas, né.
BB: E
osenhor disse que vocês acompanhavam aã
asnotícias como é, como é
que vocês acompanhavam, quais eram
osjornais e as rádios que vocês mais
usavam, mais acompanhavam em casa?
NB: Olha, eu acompanhava mais pelo Correio do Povo, né. Rádios...
Agente
ouvia rádio ... mais era
aFarroupilha, a Difusora, né. Mas mais era pelo jornal,
né.
ODiário de Notícias não se acompanhava tanto porque
oDiário de Notícias
já era um jornal assim mais bombástico,
né,
mais escandaloso.
BB: Como assim. ..
NB: E contra, contra
oGetúlio, ele era mais ...
OCorreio do Povo era um jornal
mais conservador, né. Era daquele estilo que até hoje tem. Conservador mais
de, de dar a notícia pura e simplesmente, né.
ODiário de Notícias não, já era
um jornal de oposição ao governo do Getúlio. Então ele fazia mais escândalos
[inaudível].
Qualquer coisa, já aparecia manchete de primeira página.
BB:
Osenhor lembra de alguma assim que tenha ficado marcada, algum
escândalo?
NB: Não. Escândalo do que, do...
126 BIBLOS, Rio Grande, 14: 111-128,2002.
BB: Desse que
ojornal Diário de Notícias teria relatado ou teria aumentado?
NB: Ah, sim. Esse do Gregório, esse problema do Gregório
ojornal de notícias,
oDiário de Notícias bateu forte em cima. Revista Cruzeiro também,
né,
trazia
muitas notícias a respeito disso. Tinha
ojornal Folha da Tarde que também
pertencia
a ogrupo do Correio do Povo, mas eram jornais diferentes, né. Jornal
A
Folha da Tarde sim esse já era assim mais, mas bombástico também nas
notícias. Depois se viu muito
o , ocinema, nos jornais que
ocinema tinha,
né,
oJornal Nacional que vinha. Eram
osjornais que passavam antes dos filmes, né,
que naquele tempo eles tinham mais penetração que hoje. Hoje não tem quase
nada, né, porque tem televisão. Mas naquele tempo trazia,
sóque vinha,
quando vinha essas notícias já tinha se passado 20 dias, 30 dias, né. Não era
de imediato como é hoje, né. Naquele tempo nós éramos uma aldeia ainda.
Cada cidade era uma aldeia. Vamos ver
oque mais; que outra pergunta tu
teria?
BB:
Sótenho a lhe agradecer!
(rimos)Muito obrigada!
Fita
2 ,lado B / ponto: 0000 - entrevista
5 ,dia 23/1112000
Gisela Hartman Burmeister,
nascida
n odia
3de fevereiro
de
1 9 4 1 , n omunicípio
de Panambi,
eresidente
n aRua São Mateus, número
776,
Jardim do Salso.
Bianca Pinheiro Bueno: Seu nome completo?
Gisela Hartman Burmeister:
E... Gisela Burmeister
BB:
Anaturalidade?
GHB: Brasileira.
BB:
Asua idade?
~
GHB: Ssc.. cinqüenta e nove anos.
BB: Escolaridade?
GHB: Sou... formada bibliotecária; curso superior, mas e..
a ãatuo na... na
profissão de secretária. Não atuo na minha área
(riso).BB:
Oendereço residencial?
GHB: Rua São Mateus, sete - sete - meia.
BB: Onde
asenhora morava em
1 9 5 4 ?GHB: Aqui em Porto Alegre, no bairro Petrópolis, na avenida Iguaçu.
BB:
Oque
asenhora lembra do dia da morte do presidente Getúlio Vargas?
GHB: Ah, eu me lembro que houve um tumulto muito grande, na. Eu trabalhava
na... avenida Otávio Rocha. E nós estávamos, era uma loja, né; Arco Aventais
Limitada.
Agente estava escutando rádio,
né,
aRádio Farroupilha. Aí de
repente interrompeu
o"Repórter Esso", que... quando dava
anotícia era
aquele...
né,
quase ia aquele suspense,
né.
Então deu
anotícia da morte do
Getúlio. E foi aquele corre-corre, né; aquela loucura.
Aspessoas correndo na
rua e
agente viu,
né,
opessoal correndo nas ruas, baixando as,
asgrades das
lojas, né. E... deu muita, causou muita intranqüilidade pra população, né. Eu,
por exemplo,
[sorrindo]saí correndo feito louca pra pegar um bonde. Mal dava
pra gente subir num bonde,
né,
tal era
otumulto. Isso era tudo no centro ali,
Otávio Rocha que fazia a volta ali na ... r como é que chama, na Praça Quinze,
né. Então tinham pessoas... chorando, desmaiando... Um verdadeiro horror
assim. É isso aí. '
VUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
B B : A senhora lembra da, do seu meio familiar, como é que as pessoas
reagiram
à
notícia?G H B : Ah, com tranqüilidade, né. Que eu me lembre, com tranqüilidade, né.
Mais ... que eu me lembro assim que minha família também, por exemplo minha
mãe, meus tios,
né,
meu pai já era falecido. Ah, eles a, adoravamEDCBA
o Getulinho,como eles chamavam, né (riso). Eles eram getulistas.
B B :
xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Oque a senhora sentiu?GHB: Eu na realidade não senti muita coisa, porque eu não participava muito,
né. Talvez por intor, falta de informação, eu tinha 13pra 14 anos. Então, não
ligava muito. E eu senti assim, senti muito assustada, muito insegura. E nada
mais. Vi as pessoas chorarem, né. Claro, aquilo te causa assim ... tristeza,
insegurança, né. Mas depois, tudo volta
à
normalidade.B B : Então tá. Muito Obrigada!
PONMLKJIHGFEDCBA
1 2 8 BIBLOS, Rio Grande, 14: 111-128, 2002.