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A importância do empirismo inglês para as linguagens documentárias

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Academic year: 2018

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DataGramaZero - Revista de Ciência da Informação - v.11 n.2 abr/10 ARTIGO 01

A importância do empirismo inglês para as linguagens documentárias The importance of english empiricism to documentary language

por Solange Puntel Mostafa e Denise Viuniski da Nova Cruz

Resumo: É comum nas linguagens documentárias como os tesauros, a identificação de relações hierárquicas entre os termos, a partir da

lógica aristotélica, fazendo uso da dedução lógica dos silogismos e da análise dos cinco predicados como gênero, espécie, diferença, propriedade e acidente. Já, para as relações associativas, a literatura de linguagem documentária não apresenta nenhum teórico capaz de explicar as associações. Assim, este trabalho sugere o Empirismo inglês de David Hume como a referência adequada às relações associativas em linguagem documentária. Este trabalho tem o objetivo de revisar os conceitos de David Hume, especificamente os de Relações Naturais e de Relações Filosóficas, definido estas relações e, comentar, sob sua égide, um exercício de reclassificação das vinte e duas relações entre termos propostas por Cintra no livro Para Entender as Linguagens Documentárias. Este exercício traz uma alternativa teórica para as novas e infinitas associações entre os termos provindos da prática dos mais diversos campos do conhecimento, além de apresentar um teórico esquecido na literatura de linguagem documentária.

Palavras-chave: Linguagem documentária; David Hume; Relações associativas; Tesauros; Empirismo inglês; Associação de ideias.

Abstract: It is common within the documentary language field like thesaurus, the presence of hierarchical relationships among terms, based on deductive Aristotelian logic of silogism and on the analysis of the five predicates as genus, species, difference, property and accident. This paper aims to review the concepts of David Hume, specifically Natural and Philosophical Relations, defining these relations and proposing an exercise of reclassification of the twenty-two relations among terms proposed by Cintra et al, in the book Para Entender as Linguagens Documentárias. This exercise provides a theoretical alternative to the endless new association among terms aroused from the practice of many fields of knowledge, bringing out a forgotten theoretician in the literature of documentary language.

Key words: Documentary language. David Hume. Associative relations. Thesaurus; British empiricism; Association of ideas.

Introdução

É comum nas linguagens documentárias como os tesauros, a identificação de relações hierárquicas entre os termos, a partir da lógica aristotélica, fazendo uso da dedução lógica dos silogismos e da análise dos cinco predicados como gênero, espécie, diferença, propriedade e acidente. Já, para as relações associativas, a literatura de linguagem documentária não apresenta nenhum teórico capaz de explicar as associações. Assim, este trabalho sugere o Empirismo inglês de David Hume como a referência adequada às relações associativas em linguagem documentária.

Desta maneira, a partir de Aristóteles, as relações hierárquicas são conceituadas como aquelas nas quais há subordinação de conceitos; portanto fazem referência às semelhanças inerentes à própria essência e suas diferenças específicas. De forma que para as espécies colocarem-se como tal, há necessidade de identidade e semelhanças que as coloquem em um mesmo gênero, ao mesmo tempo em que, suas diferenças específicas as separem em espécies, propriamente ditas.

Em contraposição, as relações associativas se fazem a partir da experiência que sempre se dá em um tempo e em um determinado lugar. Estas associações, para Hume, podem ser naturais quando se referem às relações inatas à natureza humana, ou, filosóficas quando dependem de uma ideia suplementar à observação direta para serem estabelecidas.

As impressões representam as sensações e, as ideias são derivadas das impressões, daquilo que é dado pela

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As autoras ainda fazem um comentário importante: “... tais relações não podem ser definidas em toda sua extensão”. Assim, quando se trata da associação de ideias em campos específicos do conhecimento, as

considerações hierárquicas não dão conta de resolver os problemas impostos pelas experiências do vivido. Desta forma, com o objetivo de fundamentar estas relações não hierárquicas, no mesmo texto citado acima, são

apresentados vinte e dois tipos de relações associativas, tais como: atribuição, disciplina e fenômenos estudados, processo e agente ou instrumento; relação de influência; matéria-prima/ produto, coisa/aplicação; ação/resultado da ação, etc. (Cintra, 2002, p. 64-65).

É de se notar a ausência de David Hume como embasamento teórico na literatura de linguagem documentária justamente no item da associação de idéias, pois esta representa uma das maiores contribuições do empirismo inglês. Desta forma, esse trabalho objetiva repor parte das ideias de Hume sobre a associação de ideias e comentar um exercício de relação de termos, apresentado em outra oportunidade (Mostafa & Nova Cruz, 2009).

O empirismo inglês

Se consultarmos os manuais de filosofia, o nome de Bacon desponta, no século dezesseis, como um dos primeiros teóricos ingleses a pensar em experimentação e em indução científica. Mas o empirismo como um corpo de

conhecimentos organizados inicia-se com o filósofo John Locke (1632-1704), que imortalizou a metáfora da mente como uma tabula rasa. Isto porque Locke contesta o inatismo cartesiano (as ideias são inatas em nós) entendendo a origem das ideias no mundo externo a nós. A mente, para Locke é uma folha de papel em branco (tabula rasa) a ser preenchida pela experiência ao longo da vida.

A experiência está na base de todo o empirismo inglês, constituindo-se em um dos seus traços distintivos. Dizemos um dos traços porque o empirismo não pode ser reduzido apenas à experiência. Segundo Deleuze, a definição clássica do empirismo pensada a partir da tradição kantiana de que o conhecimento não só começa com a

experiência como dela deriva, causa mal entendidos. Não só porque, segundo essa definição, não haveria filósofos que não fossem empiristas (incluindo Platão e Leibniz) mas porque o conhecimento não é o mais importante para o empirismo; o conhecimento é apenas o meio de uma atividade prática; além disso, a experiência para o filósofo David Hume, o terceiro e mais importante empirista inglês, não é constituinte e nem tem um caráter unívoco.

Na compreensão de Deleuze (idem, p. 121) o empirismo não é uma teoria das sensações ou impressões mas uma teoria das relações. E as relações não derivam da experiência. Há pois um reducionismo preconceituoso nos próprios manuais de filosofia que importa desfazer. Locke, anteriormente à Hume, talvez tenha sido ingênuo, ao propor a metáfora da tabula rasa para o processo da aquisição do conhecimento. Entretanto, foi Locke quem abriu toda uma possibilidade para os pensamentos filosóficos que o seguiram.

David Hume (1711-1776) foi adiante de Locke, explicando como o espírito devém sujeito, isto é, torna-se sujeito. Pois o sujeito não está pronto no empirismo, uma vez que aqui não há a prioris como na filosofia kantiana. Por isso, Hume se preocupa em demonstrar como, através do dado, da coleção de ideias associadas, usando sua crença e a invenção, a inferência e o artifício, o sujeito se constitui no dado e mais, ultrapassa o experimentado. Com Hume, o homem cria mais do que percebe, devém natureza humana! E ainda, pelas circunstâncias, pelos interesses, pelos desejos e necessidades cria, inventa, escolhe, normatiza o mundo que o cerca.

Não se pensaria que os filósofos empiristas fizessem tratados sobre a natureza humana. Mas é disso que trata a sua filosofia: esclarecer a dualidade empírica entre a Natureza e os princípios da natureza humana, vale dizer entre os termos e as relações ou ainda entre o dado (produto da Natureza) e o sujeito (produto dos princípios da natureza humana). O sujeito se constitui no dado, não por uma simples coleção de ideias impressa em uma suposta tabula rasa. Nem por simples associação destas ideias. Deleuze fala em um duplo movimento para que o espírito possa devir sujeito: Inferência (crença) e Invenção (artifício). É crendo ou inferindo os dados e, inventando o novo, o diferente, o artifício que o espírito devém sujeito, devém outro.

Outra distinção em Hume e que distingue o empirismo da dedução aristotélica é que, da mesma forma que o sujeito ainda não é sujeito, o objeto também não é o referente certo e seguro, passível de uma representação. A ideia não é a representação de um objeto, mas de uma impressão e esta impressão não é representativa, não é introduzida, mas inata. Vejamos tudo isso mais de perto.

David Hume e o Tratado da natureza humana

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especialmente o papel desta nova filosofia em um novo plano de imanência, agora povoado por novos conceitos, como hábito, crença, circunstância, experiência, atividade prática, interesse, ceticismo.

Justificam-se assim os comentários de Deleuze de que o empirismo não representa uma reação aos conceitos mas também não é uma aderência ao simples vivido “ele [o empirismo] empreende a mais louca criação de conceitos, uma criação jamais vista e maior que todas aquelas de que se ouviu falar”. (Deleuze, 2006, Prólogo, p.9).

Os conceitos empiristas tratam então da natureza humana, uma vez que, da natureza, cuidam os físicos. Já aos filósofos compete o entendimento sobre a natureza do homem: de como temos ideias, de como elas se compõem, quais seus princípios de conexão e de como chegamos a fazer abstrações e, portanto, de como chegamos a nos constituir em sujeitos. Por isso, essas operações do entendimento não estão separadas das paixões ou

circunstancias que nos fazem pensar, pois o sentido do entendimento é tornar sociável uma paixão ou um interesse. O Tratado da natureza humana divide-se, por isso em três livros: Livro 1: Do entendimento; Livro 2: Das paixões; Livro 3: Da moral. Há em todos os três livros, um subtítulo comum: uma tentativa de introduzir o método

experimental de raciocínio nos assuntos morais.É no primeiro livro Do entendimento que aparecem as relações entre as ideias. Vejamos o gráfico proposto por Coventry (2007, pg. 57).

Quadro 1: A distribuição da percepção

Fonte: Modificado de Conventry, A. Compreender Hume p. 54

O empirismo parte das percepções, essas entendidas como uma coleção de imagens ou coleção de percepções distintas. Pensemos em coleção sem álbum ou em peça sem teatro (exemplos do próprio Hume) para pensar as percepções que vão se dando, ora como impressões, ora como ideias. As impressões são sensação no corpo mas são também ideias na imaginação. Nas palavras de Hume, as percepções da mente humana se reduzem a dois gêneros distintos, Impressões e Ideias. Essa distinção não presume uma dicotomia e nem estabelece diferenças antagônicas de natureza entre seus termos, como alerta Valadares (2009). A diferença entre elas consiste nos graus de força e vividez com que atingem a mente e penetram em nosso pensamento ou consciência. Portanto, diz respeito mais à variação de intensidade e aos respectivos graus de vividez e força que se devem atribuir a cada tipo de percepção; é uma divisão antes intensiva que qualitativa.

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percepção considerada em dois momentos diferenciados de sua presença na mente. As idéias são as marcas dessas impressões dissipadas no fluxo de percepções que constitui a mente humana, como é a formulação de Valadares

(2009, p. 2).

Hume lembra ainda uma segunda divisão entre nossas percepções, que se aplica tanto às impressões como às ideias. Trata-se da divisão em simples e complexas. Uma impressão simples seria qualquer impressão de aroma, paladar, um som, dor ou prazer. As ideias simples se assemelham às impressões simples. A toda ideia corresponde uma impressão: é o princípio da cópia. Mas as ideias complexas não são simples sensações mas são pensamentos, daí o princípio da cópia se aplicar somente às ideias simples e não às ideias complexas. Sem nenhuma exceção, para toda ideia simples existe sempre, impressão correspondente e para toda impressão simples existe uma ideia correspondente. O princípio da cópia é importante para afastar ideias inadequadas pois sempre é possível perguntar de que impressão tal ideia deriva?

As ideias e impressões complexas se formam a partir de ideias simples; ocorre, porém que é impossível

experimentar isoladamente uma impressão simples pois nossa mente não se detém em algo por demais singular. A mente associa ideias, quase que involuntariamente. Assim, as ideias simples só existem na mente já associadas umas às outras. Associações que se fazem dentro de determinadas relações. Mais uma vez esclarece Valadares

(Idem p.254) que a imaginação passa de uma ideia a outra irresistivelmente e prescinde, neste movimento, do raciocínio, sendo essa associação pré-cognitiva na imaginação.

Hume introduz outra distinção na classificação das impressões e das ideias: impressão de sensação e impressão de reflexão. As impressões de sensação ocorrem através de nossos órgãos sensoriais; as impressões de reflexão são derivadas de nossas ideias e são essas que interessam para o exercício argumentativo de Hume. As impressões de reflexão incluem as paixões, os desejos e as emoções. Quando a mente relembra a ideia, uma nova impressão de desejo ou aversão é produzida. As ideias são divididas entre aquelas produzidas pela memória e aquelas produzidas pela imaginação. A memória retém a vividez original das impressões, preservando a ordem e a posição das

impressões originais.

Já a imaginação tem liberdade de transpor, recortar, transformar e combinar ideias em ordens quaisquer. A imaginação tem o poder de distinguir ideias, separando-as. Hume faz disso o princípio da diferença ou da

separabilidade: tudo o que é separável é discernível e tudo o que é discernível é diferente. Uma consequência da divisão entre ideias simples e complexas é que os componentes das ideias complexas são separáveis em elementos simples, possíveis de novas combinações pela imaginação. O espírito é uma coleção de ideias e essas ideias são a própria imaginação. As ideias se unem na imaginação.

A imaginação sendo uma coleção sem álbum necessita ser fixada pelo princípio de associação; a associação é uma lei da natureza; a imaginação é inata à natureza humana mas fixada por princípios inerentes a ela. Pois toda lei funciona pelos efeitos e por isso, o importante é analisar quais efeitos a associação de ideias produz na imaginação. Mas como alerta Deleuze, o fato da ideia estar na imaginação não significa que já há sujeito em curso mas apenas que há um lugar que é preciso localizar, pois nada se faz pela imaginação mas tudo se faz na imaginação, que então devém uma natureza humana.

Hume dá assim um novo papel à imaginação. Se tradicionalmente a imaginação tem sido considerada como causa de erros, não é menos verdade que ela funciona de acordo com certos princípios orientadores do pensamento e da ação, que lhe dão regularidade e constância. A razão em Hume (ou entendimento) é cética, pois ela não acredita que os fenômenos se repetem na forma de lei; os fenômenos ou objetos ou ideias são associados uns aos outros pelo hábito; o entendimento no empirismo inglês tem uma importância derivada pois ele não legisla sobre a sensibilidade ou sobre os sentidos. O entendimento é um efeito produzido pelo princípio de associação de idéias.

O mais importante no empirismo é a indivisibilidade das impressões. No empirismo não é o sujeito que pensa pois não existe sujeito a priori. O sujeito não é algo separado do dado, ou separado do mundo. O sujeito é o dado, é o fluxo do sensível, é a coleção de percepções ou imagens, que tomados por movimentos associativos, supera o dado, produzindo a natureza humana. A natureza humana é hábito, o hábito de adquirir hábitos. Hábito é espera, é crença. Não há certezas absolutas nesta espera. Há apenas uma crença, uma espera. (Mostafa, 2008 p. 53) Quando exercemos imaginativamente nosso entendimento, nossas mentes são orientadas por relações entre as idéias e essas relações constituem o último tópico do gráfico que estamos comentando. Para as linguagens documentárias, o tópico das relações reveste-se de fundamental importância e passaremos a detalhá-lo após alguns apontamentos de síntese a seguir:

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David Hume

• Empirista cético nasceu na cidade Edimburgo, na Escócia, no “Século das Luzes”.

• Seu ateísmo, frustra sua tentativa de ocupar o cargo de professor em duas

Universidades escocesas.

• Hipóteses que não pudessem ser experimentadas pelos sentidos não tinham validade

para ele.

• Para investigar a origem das idéias partiu do cotidiano das pessoas e do ponto de vista

das crianças, afirmando não existirem idéias inatas, pois elas vão se formando na mente

humana ao longo da vida.

• Todos os materiais da mente ou conteúdos da consciência, constituem percepções.

Estas se subdividem em impressões, que são percepções mais vivas; e idéias ou

pensamentos, que são percepções mais fracas, pois são cópias, que recordamos,

imaginamos ou refletimos.

• O “eu” não passa de um feixe de percepções que variam conforme vamos vivendo, ou

seja, experimentando novas percepções. Não somos portanto a unidade constante

implícita na idéia de “eu”, do mesmo modo que a idéia de “espírito” no sentido de

substância ( algo essencial, que não varia), não passa de invenção da mente.

• As associações de idéias são o resultado das associação de idéias quando a mente

reúne uma idéia simples ou complexa.

• Existem três tipos de associação de idéias: de semelhança (vê um retrato), de

contigüidade (neve e branco) e de causalidade (ferimento e dor).

• Hume divide a investigação humana em dois gêneros: um que estabelece relações de

idéias e outro relações de fato.

• A crença e o hábito: as relações de fatos estabelecidas pela mente não se baseiam em

nenhum princípio racional, mas apenas na experiência ou no hábito.

• A causalidade, aquilo que todo efeito deve ter uma causa, não passaria de outra ficção

racionalista, pois as causa e os efeitos não são descobertos pela razão, mas pela

experiência. Desse modo a ciência que se constitui de afirmações fundamentadas em

relação a fatos, não tem bases racionais, pois a crença e o hábito fundamentam as leis

imutáveis da natureza.

Relação de idéias

O último tópico do gráfico proposto concerne às relações ou às associações entre as ideias. Até aqui mencionamos dois princípios humeanos importantes: o da cópia (à toda ideia corresponde uma impressão) e o da diferença (tudo o que é separável é discernível e portanto, diferente). Adentremos o terceiro princípio da teoria das

percepções, de especial interesse para as linguagens documentárias: o princípio da associação de ideias. Todos nós associamos ideias por semelhança, por contiguidade no tempo e no espaço e por relações de causa e efeito. São relações da linguagem e do pensamento comum: uma ideia introduz a outra, naturalmente, sem que precisemos pensar muito; associamos a foto do amigo ao amigo, por semelhança; associamos a casa em que moramos com a vizinhança, por contiguidade espacial, e o fogo lembra dor por ser a causa de um efeito.

Apreciemos nas palavras do próprio Hume a descrição das sete classes gerais de relações:

1. A primeira é a semelhança. Essa é uma relação sem a qual não pode existir nenhuma

relação filosófica ...

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esta relação enquanto aplicada em seu sentido mais restrito, a objetos constantes e

imutáveis ... de todas as relações, a identidade é a mais universal ...

3. Após a identidade, as relações mais universais e abrangentes são as de tempo e lugar,

que estão na origem de um número infinito de comparações, tais como distante,

contíguo, acima, abaixo, antes, depois, etc.

4. Todos os objetos que admitem quantidade ou número podem ser comparados sob esse

aspecto – que é outra fonte bastante fértil de relações.

5. Quando dois objetos quaisquer possuem em comum uma mesma qualidade, os graus

dessas qualidades formam uma quinta espécie de relação. Assim, de dois objetos

pesados, um pode ter um peso maior ou menor que outro. Duas cores, ainda que do

mesmo tipo, podem possuir tonalidades diferentes, e nesse sentido, ser passíveis de

comparação.

6. A relação de contrariedade pode, à primeira vista, ser considerada uma exceção à

regra de que nenhuma relação, de nenhuma espécie, pode subsistir sem algum grau de

semelhança.

7. Quanto a todos os outros objetos, tais como o fogo e a água, ou o calor e o frio,

somente a experiência e a contrariedade de suas causas e efeitos podem revelar se são

contrárias. A relação de c ausa e efeito é, portanto, a sétima espécie de relação

filosófica, além de ser também uma relação natural.

Fonte: Hume, D. Tratado da natureza humana, p. 38 e 39

Mas além de associamos ideias em que uma introduz a outra naturalmente, Hume alude também às associações que fazemos de maneira arbitrária, sem que haja entre elas, uma conexão necessária: esse tipo de relação, o autor parece qualificar de filosófica. A distinção humeana entre relações naturais e relações filosóficas terá toda a sua importância no que tange à causalidade, pois o autor irá defender que a união das ideias de causa e efeito, na imaginação, só serão creditadas e aceitas, se forem unidas como se fosse uma relação natural. Estudiosos de Hume defendem, por isso, que o naturalismo humeano está na base do naturalismo epistemológico contemporâneo. Sousa (2006), por exemplo, destaca justamente a naturalização das relações de causa e efeito para seu estudo dissertativo a respeito da filosofia de David Hume.

Para efeitos de visualização, fiquemos com o esquema abaixo:

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Fonte: própria

Assim, Hume divide os sete tipos de relações existentes em dois tipos: as relações de ideias comparadas e as relações entre fatos ocorridos. As primeiras são aquelas que dependem totalmente das ideias que estão sendo comparadas e permanecem as mesmas, desde que as ideias não sejam mudadas. Por exemplo um triângulo terá sempre os seus três ângulos iguais a dois ângulos retos desde que não mudemos a ideia de triângulo. São chamadas também de relações constantes porque dependem inteiramente das ideias comparadas. São elas: semelhança, contrariedade, graus de qualidade, e proporção em quantidade ou número.

As relações constantes dependem inteiramente das ideias e mudam somente com uma alteração de suas ideias. Segundo Hume, reconhecemos essas ideias à primeira vista, intuitivamente, sem necessidade de grandes investigações pois as ideias estão aparentes à mente. Sabemos quando duas coisas se parecem ou quando são opostas; se um tom de vermelho é mais forte que o outro; ou se três é maior que dois. Já as relações inconstantes incluem identidade, relações de tempo e lugar e causação. Essas são inconstantes porque não dependem

inteiramente das ideias e podem mudar sem mudança nas ideias. Por exemplo: O mesmo objeto visto de distâncias diferentes ou em lugares diferentes. Há que pontuar aqui que a relatividade do tempo tem sido sempre uma das questões metafísicas mais relevantes desde a filosofia clássica.

O tempo, em seu caráter extensivo é dividido infinitamente e relacionado com consecutivas posições no espaço (chronos). Este tempo cronológico permite realizar associações de continuidade e contiguidade, como as horas do dia, os dias da semana e as estações do ano. Entretanto, dentro de outras imagens de pensamento filosófico, o tempo é considerado no seu caráter intensivo, não divisível, e, portanto, não teleológico (aion). Neste tempo de intensidades as relações não se fazem por causa-efeito ou por continuidade e sim por variação contínua.

Explicando melhor, mesmo fatos ou ideias não contíguas no tempo extensivo, podem ser associadas,

filosoficamente, dentro do conceito de tempo intensivo, pois se trata de um tempo, por assim dizer, todo-aberto, aquele que comporta na sua associação sensações ou mesmo fatos que extensivamente estariam apartados no tempo. Por exemplo, associam-se - pela experiência vivida - na mesma “categoria temporal” as ideias relacionadas aos tempos felizes ou aos tempos difíceis .

Ainda, é importante resgatar na filosofia bergsoniana as duas formas distintas de “reconhecimento”. Para Bergson, ao percebermos os movimentos das coisas e do mundo, operamos, naturalmente um reconhecimento, chamado por ele, de automático ou habitual. Assim, associamos por “reconhecimento sensório-motor” (Deleuze, 2009, p. 58) as pessoas e as coisas que se movimentam ao nosso redor. Tratam-se de associações automáticas, provocadas pelos encontros e percebidas através dos movimentos das experiências da vida de todos os dias. Para que essas

associações ocorram há necessidade de tocar nossa percepção, daí ser denominado reconhecimento sensório-motor.

Entretanto, para Henry Bergson há outro tipo - completamente diferente - de reconhecimento, mais complexo e rico do que o habitual; chamado de reconhecimento atento. Trata-se daquela percepção que não passa pelo circuito sensório-motor, não se faz a partir dos movimentos percebidos, pelo contrário, trata-se da observação atenta de um detalhe específico de algo que afeta nossa percepção e é associada a lembranças, entra em relação com uma “imagem lembrança” (idem, p. 61).

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ele (objeto) se pode ligar”. Este suporte teórico nos animou a propor, ao final deste texto um exercício de associação de termos como uma nova categorização possível para as relações não-hireárquicas. Talvez fosse oportuno mencionar, aqui, que a associação de ideias chamou a atenção, além de David Hume, no século 18, também de Bérgson e Freud, no século 20. Mas Hume foi o primeiro filósofo a tratar das relações.

Hume observa que das três relações (identidade, espaço-e-tempo e causalidade), “... relações essas que não dependem inteiramente das idéias, a única que remete para além de nossos sentidos, e nos informa acerca de existências e objetos que não vemos ou tocamos, é a causalidade” (Hume, 2009 p. 103). Como assinala Sousa

(2006 p. 7) o tema central do primeiro livro do Tratado é o problema da origem da ideia de conexão necessária entre objetos constantemente relacionados mediante relações de causa e efeito. Hume fará um longo percurso, mobilizando conceitos e princípios que nos permitirão descrever e compreender o modo de funcionamento da natureza humana.

Após analisar a importância da contiguidade e sucessão para as relações de causa e efeito (a sucessão refere-se à prioridade temporal das causas em relação aos efeitos) Hume descobre a relação de conexão necessária que deve haver entre a causa e o efeito, relação essa que considera muito mais importante do que as duas anteriores, contiguidade e sucessão.

Baseado em seu princípio da cópia, Hume descobre que os objetos que permanecem nas causas e seus efeitos são contíguos e portanto, a contiguidade é essencial à causação; o segundo componente das causas e efeitos é que a causa tem que ser temporalmente anterior ao efeito. Surge na argumentação do autor, o elemento mais importante à causação que é a relação de conexão necessária. A inferência causal depende da contiguidade, sucessão e conjunção constante.

Estamos então diante de duas ordens de relações: as relações entre ideias e as relações entre fatos. As primeiras incluem pura matemática (geometria, álgebra e aritmética) e são demonstrativamente certas ao ponto que negá-las envolve uma contradição. Por exemplo, não podemos dizer que quadrado é redondo pois já definimos o quadrado com características tais que não pertencem à esfericidade. Já as relações de fato não são intuitivamente corretas, e negá-las não significa cair em contradição e tampouco podemos demonstrá-las logicamente. As relações de fatos são baseadas na relação de causa e efeito, que por sua vez, estão baseadas na experiência. As associações cotidianas que fazemos são baseadas na experiência repetida das relações de causa e efeito e da experiência da conjunção constante entre as causas e os efeitos.

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Fonte: as autoras

Entretanto, Hume observa que a multiplicidade de casos semelhantes que percebemos na conjunção constante de objetos, não permite que estabeleçamos uma verdadeira conexão necessária entre eles. A conjunção constante assim como a contiguidade e a sucessão ainda não são suficientes para explicar os raciocínios ou as inferências causais. Embora ampliem nossa experiência passada em direção ao futuro, não permitem que estabeleçamos uma conexão necessária eles. O autor persegue então a fundação da inferência e pergunta pela origem da conexão necessária que estabelecemos entre as ideias de fatos comparados. Conclui pela experiência repetida de causa e efeito que marca a imaginação com um outro princípio da natureza humana: o hábito. A conexão necessária é resultante da expectativa, da espera formada pelo hábito.

O hábito cria uma determinação que nos faz passar infalivelmente de um objeto a outro. E por que depositamos tanta crença na inferência causal é a pergunta seguinte do incansável Hume. Resposta: a crença é um tipo de hábito que atua antes da reflexão do entendimento e ela é tão vívida quanto a primeira impressão ou ideia da memória. Veio para ficar.

Nosso exercício

Como nos referimos durante este texto, nosso objetivo principal foi trazer os conceitos teóricos de David Hume para fundamentar as relações associativas não-hierárquicas tão necessárias à organização do conhecimento, objeto da ciência da informação. Todavia, ainda queremos compartilhar nosso exercício de classificação

alternativa (Mostafa e Nova Cruz, 2009) para as vinte e duas relações de termos apresentados em Cintra (2002), de forma a aplicar os conceitos teóricos acima expostos.

Como dito anteriormente, as relações não hierárquicas somente podem ser organizadas quando referentes a uma experiência dada ou a um campo específico do conhecimento. Assim, talvez, o mérito do exercício que

apresentamos a seguir, seja simplificar a organização dos termos em dois grandes grupos (Relações Naturais e Relações Filosóficas) bem como restituir a Hume o lugar de destaque dentro da associação de termos na linguagem documentária. A Aristóteles as relações hierárquicas, a David Hume as relações não hierárquicas: naturais ou filosóficas!

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exercício que realizamos foi reorganizar ou propor uma reclassificação de tais associações de forma a enquadrá-las dentro das relações propostas por Hume: Naturais ou Filosóficas.

As relações naturais, para David Hume são as de causa e efeito, de semelhança e de contiguidade. As relações filosóficas também podem ser causa e efeito, além das de identidade, semelhança, contrariedade, quantidade e qualidade. Desta forma, recortamos e reordenamos as relações inicialmente propostas por Cintra nestas duas categorias maiores. Dentro das relações naturais de causa e efeito agrupamos as relações de processo ou operação/ seu agente ou instrumento; ação / resultado da ação; causalidade ou causa/ consequência; efeito/ causa;

dependência causal (doenças e seus agentes patogênicos); atividade/ agente e atividade/ propriedade. Às relações naturais de semelhança, endentamos: atividades complementares (compra e venda) e coisa ou atividade/ suas propriedades ou agentes. As relações naturais de contiguidade passaram a comportar as associações de pessoas ou coisas/ suas origens.

Dentro das relações filosóficas de identidade, acomodamos: relação de atribuição, as disciplinas ou campos de estudo/ objetos ou fenômenos estudados; ação/ seu paciente e as chamadas associações implícitas. Nas relações filosóficas de semelhança, nos pareceu correto englobar as coisas ou atividades/ suas propriedades ou agentes e as relações interfaceta. As relações filosóficas de contrariedade são claramente associadas às relações por opostos e as de coisa/ seu contra-agente (inseto/ inseticida). As relações filosóficas de causa e efeito são aquelas que não naturalmente associamos à causalidade determinada – que seria uma relação natural do tipo fogo-queima - e que, portanto, dependem do contexto em que se colocam. São elas: Coisa ou atividade/ suas propriedades ou agentes (como substância ingerida e toxicidade potencial).

Por fim, as relações filosóficas de qualidade identificamos às expressões sincategoremáticas/ substantivos nelas incluídos (flores associadas às flores de plástico), enquanto às de quantidade relacionamos os termos associados quanto à relação de influência (política monetária/ taxa de inflação).

Faz-se mister, aqui, enfatizar que ao propormos esta reclassificação das relações associativas por entendê-la mais prática e, esperamos, menos complexa. Não temos a pretensão de afirmar que esta seria a solução referencial ou exata para organizar termos e relações não-hierárquicas.

Antes disso, preferimos fazer uso das palavras de Italo Calvino quando apresenta sua linguagem literária como uma rede combinatória de experiências: “Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis” (Calvino, 1995, p.138). Com esta afirmação pretendemos deixar portas abertas para que novas relações entre termos – assim como novas propostas de organização destes termos – venham contemplar as sempre novas necessidades da linguagem documentária e da ciência da informação na sua expectativa de organizar diferentes campos de conhecimento na potencialidade dinâmica e criadora do pensamento.

Referências Bibliográficas

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Sobre os autores / About the Author:

Solange Puntel Mostafa

smostafa@ffclrp.usp.br

Doutora em Filosofia da Educação pela PUC, São Paulo. Professora de Ciência da Informação e Documentação, USP, Ribeirão Preto.

Denise Viuniski da Nova Cruz

novacruz@novacruz.med.br

Referências

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