• Nenhum resultado encontrado

O poder das palavras capital lexical e consciência lexical

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "O poder das palavras capital lexical e consciência lexical"

Copied!
107
0
0

Texto

(1)
(2)

Dedico este trabalho à Leonor, pelo fascínio que é fazer parte da sua vida, dia a dia, hora a hora, minuto a minuto.

(3)

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os meus orientadores pelo incentivo, confiança e disponibilidade.

Ao Professor Doutor João Costa, à Professora Doutora Fernanda Menéndez e às minhas orientadoras de estágio, Olga Batista e Conceição Fatela, pela partilha do saber e as valiosas contribuições para o trabalho.

(4)

O PODERDASPALAVRAS: CAPITALLEXICALECONSCIÊNCIALEXICAL

The power of words: lexical capital and lexical consciousness

Venâncio Gonçalo Mota Pedro

RESUMO

O presente relatório tem como objectivo geral estabelecer uma relação, por vezes negligenciada, entre a fundamentação teórica e a prática de ensino, numa perspectiva de sinergia entre o trabalho de investigadores e a sua aplicação no ensino. Como objectivo específico, pretende dar um enquadramento teórico sobre a aquisição da linguagem, nomeadamente através de três dos mais profícuos investigadores do nosso tempo, Jean Piaget, Lev Vygotski e Noam Chomsky, e as suas repercussões na aquisição e consciência lexical, seguindo a investigação levada a cabo pela investigadora Inês Duarte, sem nunca esquecer o peso sociológico da Escola e do aprendente na construção do seu capital lexical. É também um objectivo deste relatório abordar a aquisição de uma segunda língua (L2). Assim, descrevo as principais teorias, como as teorias nativistas, ambientalistas e interaccionistas. Pelo facto da prática de ensino assentar em duas línguas provenientes da mesma raiz (Português e Espanhol), também considerei pertinente a questão das semelhanças e diferenças entre as duas. Assim, veremos a importância da interlíngua, da Análise Contrastiva e da Análise de Erros, bem como a questão da cognaticidade ou não-cognaticidade, os chamados falsos amigos. Por último, desenvolverei as implicações dos argumentos teóricos evidenciados na prática de ensino supervisionado, nomeadamente através das estratégias utilizadas para a aquisição de léxico, dos materiais desenvolvidos ou adaptados, das reflexões proporcionadas pela bibliografia e a sua influência na prática de ensino.

ABSTRACT

(5)

of his lexical capital. It is also a specific purpose of this essay, to approach the second languages (L2) acquisition theories. Therefore, I describe the main theories, such as the nativists, the environmentalists and the interactionists theories. By the fact that the Teaching Practice is based on two languages that came from the same roots (Portuguese and Spanish), I also considered important the similarities and the differences between those two languages. Thus, we will see the importance of the interlanguage, the Contrastive Analysis, the Error Analysis, and also the question of cognaticity and non-cognaticity, the so called false friends. Finally, I will develop the implications of the theoretical arguments, especially on the lexical acquisition strategies, the creation or adaptation of materials and for the reflections caused by the bibliography and its influence on the Teaching practice.

PALAVRAS-CHAVE: aquisição da linguagem, aquisição lexical, consciência lexical, capital lexical, aquisição de L2

(6)

ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 1

Piaget, Brunner e Chomsky ... 3

Piaget e Vygotski ... 13

O papel da Escola no desenvolvimento do capital lexical ... 24

Algumas teorias sobre a aquisição da segunda língua (L2) ... 29

Teorias nativistas ... 31

As Teorias Ambientalistas ... 32

Teorias interaccionistas da aquisição de L2 ... 34

Definições de Análise Contrastiva, Análise de Erros e Interlíngua ... 35

Prática de Ensino Supervisionada ... 46

Enquadramento institucional: caracterização da escola cooperante ... 46

Prática de Ensino Supervisionada nas aulas de Português e de Espanhol ... 47

Caracterização da Turma de Português de 9.º Ano ... 47

Caracterização da Turma de Espanhol de 10.º Ano ... 48

Leccionação das aulas de Português e Espanhol ... 48

Enquadramento do tema do relatório nas aulas de Língua Portuguesa e de Espanhol ... 48

Estratégias utilizadas ... 51

Reflexão crítica sobre a prática de ensino supervisionada ... 57

CONCLUSÃO ... 61

(7)

INTRODUÇÃO

O presente relatório tem como principal objectivo estabelecer um enquadramento teórico sobre a aquisição da linguagem e as suas repercussões na aquisição e consciência lexical nos alunos do ensino básico e secundário.

Este trabalho será dividido em duas partes, sendo que na primeira parte, abordarei o enquadramento teórico, onde se evidenciará os conceitos de alguns dos mais profícuos investigadores do século XX, nomeadamente Piaget, Chomsky e Vygotski, entre outros. Veremos a sua influência nainvestigação sobre a aquisição da língua materna e nas segundas línguas, denominadas de L2. Para além do trabalho destes investigadores, este relatório tem como bibliografia basilar o estudo de Inês Duarte, O conhecimento da língua: desenvolver a consciência lexical, e as suas implicações no ensino básico e secundário, tendo sempre em consideração o peso sociológico da Escola e do aprendente na construção do seu capital lexical e de estabelecer uma relação entre aquisição e capital lexical.

Primeiramente, tomaremos contacto com a teoria construtivista de Piaget e as suas semelhanças e diferenças com a teoria inatista de Chomsky, assim como os pontos de convergência e divergência entre o autor suíço e Lev Vygotski. Seguidamente, estabelecerei a implicação destas teorias na relação com a Escola e o seu envolvimento no desenvolvimento da consciência lexical. Por último, exporei algumas das teorias para a aquisição de uma L2, assim como os problemas colocados pela proximidade linguística do Português e do Espanhol.

(8)

Finalmente, apresentarei uma reflexão crítica sobre o trabalho realizado, as adequações dos materiais, o sucesso das estratégias, a adequação dos objectivos e propostas de melhoria no ensino e aprendizagem do léxico na língua materna e na língua estrangeira.

(9)

Piaget, Brunner e Chomsky

Ao observarmos crianças dos três aos cinco anos ficamos com a sensação do quão incrível é a aquisição da linguagem por parte destes e como o pensamento e a linguagem parecem andar de mãos dadas pelo «recreio» e questionamo-nos como será feita essa aquisição. Será através do instinto ou através da aprendizagem? É um percurso que se realiza individualmente ou é feito pelas relações sociais? Estas questões fizeram crescer um grande interesse pela relação entre o pensamento e a linguagem. Psicólogos, linguistas e pedagogos, desde o início do século XX, decidiram investigar esta relação. Todo este interesse pelo tema e a sua complexidade levou, muitas vezes, a generalizações abusivas que não contribuíram para o esclarecimento desta relação, mas antes a muitas interrogações:

• Qual a função da linguagem na génese das capacidades intelectuais?;

• Que influência exerce a linguagem no funcionamento intelectual, especialmente quando se trata da resolução de um problema?;

• De que forma o desenvolvimento cognitivo permite compreender como aprende a criança a servir-se da linguagem?;

• Em que medida a linguagem tem uma função relevante na actividade intelectual da criança? (REBELO, 1990, p. 45).

O aparecimento destas perguntas acarreta dois problemas distintos: por um lado, os processos cognitivos, por outro, as diferentes realizações linguísticas que permitem a sua significação (OLERON, 1972; cit. REBELO, p. 45).

(10)

A análise das teorias de Piaget e Vygotski assenta no livro de Vygotski, Pensamento e Linguagem,de 1934. Um dos capítulos deste livro é uma crítica à obra de Piaget, O Pensamento e a Linguagem na Criança,de 1932. Para procedermos à sua análise é necessário esclarecer algumas noções que nos permitem avançar sem receios pela temática do pensamento e linguagem. A primeira delas diz respeito à distinção entre fase etária e estádio de desenvolvimento.

A fase etária tem como princípio básico a idade física do indivíduo; já o estádio de desenvolvimento baseia-se numa estrutura que vai condicionar a sua própria existência. São conceitos diversos, já que o estádio, embora possa ocorrer ao mesmo tempo que uma determinada fase etária, não é estabelecido necessariamente em função da idade. Os estádios de desenvolvimento funcionam como estruturas e como sistemas que estão sujeitos a mudanças e transformações. As estruturas estão assim em constante mudança e transformação, num sentido ascendente de maior complexidade e é na fase linguística onde se demonstra com maior vigor. Piaget, no seu esquema construtivista, descreve o período pré-operatório que servirá para a criança desenvolver a inteligência representativa, ligada à aquisição da linguagem. É nesta etapa específica que a criança desenvolve a capacidade de representar qualquer coisa por meio de outra coisa, isto é, um significado (objecto, acontecimento) por meio de um significante diferenciado que só servirá para essa representação: linguagem, gesto simbólico, imagem mental.

Cada pessoa possui per se uma estrutura onde é possível distinguir diversos factores essenciais, dos quais se destacam o pensamento e a linguagem. Como refere Alarcão Tavares, estes factores encontram-se ligados numa teia a muitos outros como os do relacionamento social, os axiológicos, os afectivos, entre outros, embora adquiram importância em determinadas fases da nossa existência1. Piaget teve um longo e árduo trabalho para precisar em que consiste um estádio de desenvolvimento. Os termos que definem o estádio passam pela ordem de sucessão das aquisições ser uma constante. Esta sequência deve, depois, obedecer a uma integração, isto é, as

1 «Nos primeiros tempos predominam os aspectos psicomotores e afectivos, depois os cognitivos e,

(11)

estruturas que foram construídas num determinado estádio devem ser integradas nas estruturas do estádio seguinte.

As características seguintes devem corresponder a uma ideia de conjunto, já que não é possível constituir-se uma estrutura como uma amálgama justaposta de partes diversas. Daí decorre que se deve distinguir no interior de cada uma delas o seu início, o estado de preparação, e um momento final, o denominado «estado de acabamento». Finalmente, a última característica do estádio de desenvolvimento realça o facto de se apresentar na sua ordem natural de sucessão «um processo de formação (de génese) e as suas formas de equilíbrio final»2.

A distinção entre fase etária e estádio de desenvolvimento processa-se de uma forma mais simples, tendo em atenção estes conceitos. A fase etária tem como princípio básico a idade física de um indivíduo, já o estádio de desenvolvimento baseia-se «numa determinada estrutura que condiciona a sua própria existência»3.

Segundo a perspectiva piagetiana, o desenvolvimento do ser humano é uma reorganização dinâmica das estruturas cognitivas construídas através da acção do sujeito. Esta acção implica «uma troca funcional entre uma organização biológica e o meio, pressupõe uma estrutura interna e conduz a uma estruturação do meio»4. Na origem desta capacidade cognitiva de organizar-se estádios, que podem ser vistos como as unidades básicas do desenvolvimento, vai estar o denominado interaccionismo.

O desenvolvimento cognitivo, que decorre através de vários estádios, é o resultado da interacção entre o sujeito e o ambiente. Associado indelevelmente ao interaccionismo está o próprio estruturalismo, trave mestra do pensamento de Piaget. O que se desenvolve são os chamados conjuntos de esquemas, que possuem um nível de preparação e acabamento. Como sistemas que são, estão abertos à mudança e contínua transformação: «as estruturas construídas numa idade dada, tornam-se parte integrante das estruturas da idade seguinte»5. Este carácter integrativo é um dos fenómenos fundamentais para o funcionamento da máquina construtivista de Piaget.

2 Tavares, J; Alarcão, J., Psicologia do Desenvolvimento e da aprendizagem, Coimbra, Livraria Almedina,

1985, p. 34.

(12)

As estruturas estão assim em constante mudança e transformação, num sentido ascendente de maior complexidade.

Será agora oportuno analisar o modo como decorre essa mudança e transformação no denominado período Pré-Operatório, que Piaget chamou de segundo estádio, surgindo na criança entre os dois e os cinco, seis anos. Este período segue-se ao designado período Sensório-Motor, que vai desde o nascimento até aos dois anos. A partir da transformação dos reflexos inatos, a criança começa a desenvolver a sua inteligência, prática e manipulativa, que consiste fundamentalmente numa diferenciação entre ela e o mundo.

No estádio Sensório-Motor, a criança começa por possuir apenas sensações internas – prazer, dor −, mas depois é capaz de acompanhar com o olhar um objecto que se desloque no seu campo visual. Lentamente, vai reconhecendo a autonomia dos objectos e constatando a sua diferença perante os mesmos. O pensamento como representação interiorizada, neste estádio, ainda não existe.

Voltando ao período Pré-Operatório, é neste período que a criança desenvolve a inteligência representativa, intimamente ligada à aquisição da linguagem. Ela desenvolve a capacidade de representar qualquer coisa por meio de outra coisa, ou seja, um significado qualquer (objecto, acontecimento) por meio de um significante diferenciado que só servirá para essa representação: linguagem, gesto simbólico, imagem mental. Estamos na presença da função simbólica. Piaget vai sustentar a tese de que a passagem do estádio Sensório-Motor para o das operações concretas se faz, sobretudo, através da representação. «Esta capacidade cognitiva permite representar os objectos da percepção independentemente da sua presença, ou seja, na sua ausência».6 Só através da integração desta característica é permitido inaugurar o estádio da inteligência. É neste período que a criança começa a fazer aquisições na dimensão linguística. Piaget explica que a linguagem está enraizada e mantém-se solidária com as aquisições feitas ao nível da inteligência sensório-motora dado que esta «já contém toda uma lógica em acção, pois que ainda não há pensamento, nem representação, nem linguagem». O fenómeno presente ao nível desta lógica da acção

6Tavares, J; Alarcão, J., Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem, Coimbra, Livraria Almedina,

(13)

é a «assimilação», que «garante a integração de novos objectos ou de novas situações e acontecimentos em esquemas anteriores»7.

A linguagem segue este modelo, e só quando houver a presença da capacidade de representação é que é possível construir mais tarde a função simbólica e semiótica. Quando tal sucede, o vocabulário e a construção frásica da criança atingem patamares de altíssima complexidade, quando comparados com os estádios anteriores. Não é por isso estranho que muitos autores refiram este estágio como a fase linguística por excelência, devido à rapidez com que a criança adquire os requisitos linguísticos e comunicacionais. «As coisas do mundo a dizer são primeiramente objecto da percepção, para serem, depois, imagens, sinais, símbolos, palavras, frases, linguagem. É neste jogo que a criança faz a passagem da imagem sensível à imagem mental e em que investe grande parte da sua energia. Ela comunica-se ainda em grande média em esquemas de acção, de representação figurativa e não propriamente em esquemas operatórios»8. Estes últimos só ocorrerão mais tarde, mas o que é um facto é que a criança de três anos sofre um salto qualitativo em termos de desenvolvimento no que diz respeito à descoberta do seu próprio corpo, da sua individualidade perante outros e a distinção dos objectos que povoam o seu quotidiano. A par desta descoberta, a função simbólica ou semiótica também concorre para o efeito final. O papel semiótico vai surgir, para Piaget, entre os dois e os quatro anos de idade e está baseado numa espécie de imagem mental «que pressupõe já a aquisição da capacidade representativa». Embora este domínio se demonstre de um modo superficial e abrangendo em especial «os eixos do singular, do concreto e do meramente figurativo»9, não deixa de estar presente.

Observemos agora como se desenrola todo este processo. Ao longo desta etapa assiste-se a uma progressiva descentração do indivíduo. A criança que, no estádio anterior se encontrava encerrada sobre si própria, liberta-se deste casulo e expõe-se ao mundo. Esta maior abertura que lhe proporciona a linguagem, está intimamente ligada com a descentração. Este facto é de extrema importância no esquema piagetiano, na medida em que desta forma se dá a oportunidade de

7 Piaget, Jean, et alia, Teorias da Linguagem Teorias da aprendizagem, Lisboa, Edições 70, p. 241. 8 Ibidem.

9 Tavares, J; Alarcão, J., Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem, Coimbra, Livraria Almedina,

(14)

presenciar a transição do egocentrismo inconsciente para o nascimento e a construção de um universo ainda a dar os primeiros passos, mas desde já, estável, objectivo e aberto. Neste novo campo, a criança tem a possibilidade de exercitar continuamente as suas novas aquisições e aprendizagens, que lhe permitem situar a sua acção no meio dos demais sujeitos e objectos, ao mesmo tempo que reclama para si a sua quota de individualidade. A sua interacção com o meio ganha uma forma mais ou menos coerente, o que permite à criança ir transformando os seus esquemas de acção em esquemas operatórios ou de conhecimento à medida que se forem atingindo os diversos estádios de desenvolvimento.

No caso específico do subestádio que medeia os dois e os quatro anos, ele é fundamental para o exercício e aprofundamento das actividades associadas à «função simbólica», tendo como premissa basilar «imitação representativa». Este «instinto» para aprender permite à criança dedicar-se «à formação de significantes cada vez mais variados e complexos e integrá-los num sistema de símbolos que estará na base do jogo simbólico»10. Esta é, aliás, a sua actividade predominante e predilecta, tomando conta do seu tempo, quer quando interage com os seus semelhantes e outros objectos, quer quando se entretém sozinha num perpétuo jogo de faz-de-conta.

Porém, convém referir que, apesar da passagem para uma maior descentração, o pensamento assimilador com raízes no egocentrismo, não desapareceu. Muito pelo contrário. Esse género de pensamento permanece e continua a ditar as suas leis. Este predomínio subsistirá até aos seis, sete anos, isto é, até ao aparecimento das operações concretas. Este egocentrismo que continua a fazer sentir a sua influência no decurso do estádio pré-operatório é, para Piaget, de carácter intelectual. Há a pressuposição lógica e também gnosiológica de se estabelecer que na relação sujeito/meio a primazia continua a assentar no sujeito. Deste egocentrismo intelectual vão derivar todos os outros egocentrismos que vão afectar as dimensões verbal, social, lógica e ontológica. A representação do universo que a criança tem ao seu alcance manifesta-se depois «no realismo infantil, no animismo e no artificialismo através dos quais ela explica tudo o que acontece à sua volta»11.

10 Tavares, J; Alarcão, J., Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem, Coimbra, Livraria Almedina,

1985, p. 65.

(15)

No campo da psicologia experimental, J. S. Brunner aposta num modelo diferente do protagonizado por Piaget. Em Brunner, os mecanismos da linguagem assumem uma relação estreita com um sistema de valores, com uma filosofia de vida e até com os laços que se estabelecem com a «aprendizagem no processo educativo e no quadro social»12.

O pensamento brunneriano tem um percurso alicerçado na convicção de que é possível «a busca permanente do homem inserido na cultura e que se exprime através da linguagem»13. Tendo estado à frente dos planos de estudo para as escolas dos estados Unidos da América na década de 60, Brunner foi um autor que tentou articular as três grandes estruturas onde assenta a educação: a do desenvolvimento, a do conhecimento e a da aprendizagem.

Também neste modelo a criança segue um determinado itinerário de desenvolvimento, segmentado em diversos estádios. Serão considerados três grandes níveis ou estádios: o estádio da representação activa, o estádio da representação icónica e o estádio da representação simbólica.

Assim, no primeiro estádio predomina a acção: a criança vê-se impelida a «representar o mundo que a rodeia através da acção»14. No segundo estádio, representação icónica, a criança vai representar o mundo circundante através de imagens. As fronteiras deste estádio são difíceis de delimitar tal como acontece no período pré-operatório piagetiano, na sua fase final, em que a criança já consegue, em certa medida «libertar-se do mundo da imagem». No sistema brunneriano essa imagem está progressivamente a tornar-se símbolo. Com as novas capacidades adquiridas já é possível usar o símbolo para exprimir a realidade, manipulando-a, fazendo uso do «em vez de»15. Por fim, surge o estádio da representação simbólica. Esta só é passível de compreensão tendo como plataforma base a estrutura da linguagem.

12 Idem, p. 70. 13 Idem, p. 71.

14 «Uma acção de actos encadeados e, em certa medida, programada através de mecanismos de

reflexos simples e condicionados de hábitos. Esta acção traduz-se em respostas de natureza sensório-motora como: andar, agarrar, tocar, etc.» in Tavares, J; Alarcão, J., Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem, Coimbra, Livraria Almedina, 1985, p. 72.

15 «É este sair da acção para a imagem e voltar, de certa maneira, à acção, ao real, através do simbólico,

(16)

A relação das linguagens e a dimensão simbólica acarretam em si a expressão do humano. Nesta afirmação reverbera o inatismo chomskiano (mais à frente olharemos com detalhe para esta teoria) e Brunner está convencido de que esta dimensão simbólica «possui já uma estrutura mais simples, mais antiga, uma estrutura proto-simbólica»16. Esta estrutura da linguagem, onde se estabelecem as relações Eu/Tu e Eu/Vós é, no modelo brunneriano, «uma estrutura mais complexa do que as actividades pré-linguísticas ou proto-simbólicas do saber-fazer»17. Mais uma vez a Gramática Universal proposta por Chomsky faz todo o sentido, segundo Brunner. O desenvolvimento dos processos cognitivos só é conhecido devido à presença da linguagem. É através da linguagem que o mundo circundante faz sentido, ganha uma dinâmica própria. A linguagem permite ao homem obter uma cultura, uma técnica, uma educação, dotando de identidade, de coerência. É a linguagem que agregará todos esses limiares vivenciais numa única realidade.18

Apesar das suas idiossincrasias, as teorias de Piaget e Brunner complementam-se. Se a perspectiva piagetiana permite analisar a génese, as transformações e a estrutura dos processos cognitivos, o exemplo brunneriano dá o seu contributo «no estudo do desenvolvimento humano no quadro da cultura, através das “ferramentas” da linguagem, em busca do espírito humano e numa perspectiva educativa».19

Convém, neste momento, depois de várias alusões à sua obra, debruçarmo-nos sobre a teoria da Gramática Generativa, da Gramática Universal e a L.A.D. de Chomsky. Ora, o relevante na perspectiva de Chomsky é a criatividade do falante, a convicção de que qualquer ser humano possui a capacidade de criar a sua linguagem quando fala e quando se serve do seu código individual para produzir enunciados que nunca ouvira antes (REBELO, p. 52).

Para Chomsky qualquer falante é capaz de produzir e compreender um número infinito de frases com um número finito de unidades (fonemas, morfemas, lexemas).

16 Idem, p. 75. 17 Ibidem.

18 «A linguagem é uma capacidade dinâmica que se desenvolve também progressivamente no próprio

processo de desenvolvimento. É pela linguagem que o mundo do já dito e a dizer vem à presença, se exprime e, ao exprimir-se, torna o homem mais maduro, mais humano. É a famosa espiral da articulação do desenvolvimento e da aprendizagem que passa pela linguagem sem a qual não é possível compreender o processo da acção educativa» in Tavares, J; Alarcão, J., Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem, Coimbra, Livraria Almedina, 1985, p. 76.

(17)

Este comportamento linguístico prova a existência de um mecanismo que permite produzir todas as frases possíveis. A construção da gramática de uma língua assenta neste mecanismo. A gramática é então a representação dos processos pelos quais a criatividade é suportada. Anexada a esta convicção vem a questão da “gramaticalidade”, isto é, é necessário distinguir entre os enunciados que pertencem à língua e aqueles que não lhe pertencem, mas que qualquer locutor possui um conhecimento intuitivo em relação ao que é gramatical e ao que é agramatical (REBELO, p. 53).

Para Chomsky, a linguagem é a origem autónoma do conhecimento, diferente de outros processos mentais e dos «mecanismos cognitivos inatos». Para o autor não existe analogia entre a gramática assimilada por uma pessoa e qualquer outro sistema cognitivo isolado. É a competência inata, a única possibilidade de se progredir na aquisição da linguagem, pois é ela a verdadeira fonte do conhecimento (REBELO, p. 53).

(18)

está exposta, transformando a Gramática universal na gramática da língua nativa a que está exposta.

(19)

Piaget e Vygotski

No campo da investigação do desenvolvimento humano, as diferenças entre vários autores, por mais subtis que sejam, proporcionam um novo olhar que, muitas vezes, surge como contraponto a outros já existentes. Lev Vygotski e Piaget são desses autores.

Vygotski e Piaget fazem parte de um número escasso de investigadores que possibilitaram uma aceleração no que diz respeito aos estudos sobre o pensamento e linguagem. Apesar de nunca se terem encontrado pessoalmente, uma vez que Vygotski morreu aos 37 anos, é certo que o investigador bielorrusso acompanhou os estudos efectuados por Piaget, servindo-se dos mesmos como contraponto às suas investigações. Tal como Piaget, Vygotski seguia um modelo estruturalista, mas ao contrário do psicólogo suíço, vai propor uma «teoria não universal»20, o que nas suas palavras sobre as teorias estruturalistas, significa que «categorizam domínios desenvolvimentais que partilham determinadas qualidades críticas com domínios universais, mas não são nem universalmente atingidos nem espontaneamente adquiridos»21.

20 Ribeiro, José Pais, in Bartolo, Paiva Campos, Psicologia do Desenvolvimento e Educação de Jovens,

Lisboa, Universidade Aberta, 1990.

(20)

Este modelo rejeita a teoria dos estádios de desenvolvimento de Piaget. Para Vygotski, nem esses estádios são universais, nem tão pouco surgem como que do nada. No percurso de desenvolvimento do ser humano, a expansão cognitiva é vista como «um processo dinâmico cheio de elevações, mudanças bruscas e inversões. Este processo, no entanto, conduz em última análise à formação de funções mentais culturais elevadas»22. Segundo Vygotski, as situações sociais, onde o indivíduo interage com os seus pares, assumem um papel importante nesta internalização de preceitos. É esta experiência gradual de vivência que leva a criança a fazer a aquisição das funções intelectuais, que o autor distingue das funções elementares como a memória, a atenção, a vontade e a percepção e as funções culturais que surgem da transformação gradual das funções elementares. São estas funções exclusivamente humanas que, no fundo, existem já em solo societário. Se Piaget colocava o papel principal no sujeito, na construção e desenvolvimento dos seus processos psicológicos, como a maturação, a experiência ou o próprio equilíbrio, Vygotski, por sua vez, considera que a construção das funções mais elevadas e intelectualmente superiores só é possível mediante a ascensão do papel da sociedade como íman de todas as aprendizagens.

Vygotski, na sua obra Pensamento e Linguagem aborda a problemática relação entre pensamento e linguagem, apresentando como ideia-chave a ligação entre ideia e palavra. Este contrato entre os dois termos foi, segundo o autor, muito mal visto pelas «abordagens atomicistas e funcionalistas, por privilegiarem a análise das funções psíquicas como entidades isoladas»23. O caso é que os psicólogos, ainda que concordem com o estabelecimento da unidade de consciência e com a inter-relação de todas as funções psíquicas acabam por «sistematicamente ignorar as relações interfuncionais».

Até à década de 30 do século XX, oscilava-se entre dois pólos que Vygotski designa como defensores da homologia, por um lado, e aqueles que advogam a dissociação, por outro. A homologia permitia a fusão entre ideia e palavra e a dissociação exigia a total separação entre as duas.

Os autores que defendiam a homologia acreditavam que a identificação palavra/ideia era completa e quem funde pensamento e linguagem «impede-se a si

22 Ibidem.

(21)

próprio de encarar a problemática da relação entre a ideia e a palavra, e torna essa questão irresolúvel a priori. O problema não é resolvido, sendo simplesmente evitado.»24 Por sua vez, os que defendem a dissociação do pensamento e da linguagem, vendo esta última como uma «expressão exterior» do pensamento, tentam «imaginar a ligação entre ambas como se a relação entre os dois processos fosse puramente exterior e mecânica»25.

A designação que o autor bielorrusso pretende é a de uma análise que possa reduzir «totalidades complexas a unidades». Estas unidades são todo e qualquer produto de análise que distintamente «possua todas as propriedades fundamentais inerentes ao todo e que, além disso, não desintegre a realidade viva e indivisível que constituí esse todo»26. Com esta pesquisa, o autor aspira à substituição do método dissociativo por um outro que possa identificar as «unidades indissociáveis» que conservam em si «as propriedades do fenómeno enquanto totalidades». No pensamento verbal, tal unidade indivisível só pode ser encontrada no significado da palavra, uma vez que é no «lado interior da palavra» que se encontra «o nó central da tal unidade a que chamamos pensamento verbal»27. A palavra constitui algo que é crucial para Vygotski, a denominada «generalização implícita». O significado da palavra é, antes de tudo, «um acto verbal do pensamento, um meio de reflectir o real de um modo muito distinto da forma como ele é reflectido nas sensações e nas percepções imediatas»28. Consequentemente, o aspecto psicológico do significado assenta em dois pólos: o da linguagem e o do pensamento. O significado, ao ser simultaneamente pensamento e linguagem, pode ser perspectivado como fenómeno de natureza verbal e como fenómeno cognitivo. Interessa ao autor um método de investigação que possa efectuar uma análise semântica exaustiva, testado nas experiências com crianças efectuadas pelo autor.

Atendendo ao anteriormente referido, o autor quer trazer à tona a estreita ligação entre duas funções da linguagem: a comunicativa e a cognitiva29. É através da

24 Idem, p. 21. 25 Ibidem.

26 Vygotski, Lev, Pensamento e Linguagem, V. N. Gaia, Estratégias Criativas, 2001, p. 25. 27 Idem, p. 26.

28 Ibidem.

29 «A função primordial da linguagem é a comunicação. A linguagem é antes de mais um meio de

(22)

conversação e da compreensão proporcionada pela partilha social que a cultura influencia o desenvolvimento humano em vários planos. É a cultura que proporciona, ou não, as circunstâncias propícias à resolução de problemas. Por fim, ela surge como entidade reguladora do nível a que a dificuldade da tarefa a desempenhar pode facilitar ou atrasar a internalização dos padrões. Assim, a análise da linguagem pecará sempre enquanto separar a função comunicativa da função intelectual, considerando-as como estradconsiderando-as paralelconsiderando-as, sem intersecções. Vygotski encontra no significado da palavra o elemento que vai constituir, ao mesmo tempo, a unidade da linguagem e a unidade do pensamento.

Ainda sobre o aspecto comunicacional sobressai a imposição das virtualidades comunicativas que dão especial ênfase à ideia de que se não é possível a comunicação sem recurso a signos também «não é possível comunicar sem significados». É certo que a comunicação, baseada na compreensão racional e na transmissão intencional de sensações e ideias, exige criteriosamente um sistema de signos, cujo protótipo é a linguagem humana, surgida da necessidade de comunicar. À luz desta premissa «só é possível transmitir a outra pessoa uma determinada sensação ou um determinado conteúdo de consciência se esse fenómeno estiver associado a uma determinada classe ou grupo de fenómenos»30. Tal pressuposto dá pelo nome de generalização: «A comunicação pressupõe obrigatoriamente a generalização e o desenvolvimento da significação verbal».31 Este vai ser o ponto de partida que Vygotski estabelece quando procede ao estudo genético do pensamento e da linguagem: «Só quando se considera a unidade formada pelo binómio comunicação/generalização é que se compreende adequadamente a verdadeira relação entre o desenvolvimento do pensamento infantil e o desenvolvimento social da criança.»32

Partindo desta fundamentação, Vygotski decide enfrentar os estudos efectuados por Piaget, especialmente a sua obra O Pensamento e a Linguagem da Criança, de 1932. Embora a sua discordância seja evidente, Vygotski não deixa, no entanto, de enaltecer o trabalho do psicólogo suíço quanto à sua metodologia clínica e pelo facto de colocar o pensamento como um problema qualitativo e não meramente

V. N. Gaia, Estratégias Criativas, 2001, p. 27.

30 Vygotski, Lev, Pensamento e Linguagem, V. N. Gaia, Estratégias Criativas, 2001, p. 27. 31 Ibidem.

(23)

quantitativo. Através do método clínico, Piaget consegue superar as tendências materialistas e idealistas. Piaget cinge-se «ao âmbito restrito dos factos» que só o método clínico é capaz e o seu ponto forte assenta «na obtenção dos factos, na cultura científica do facto psicológico, na sua análise pormenorizada, na classificação dos dados, na capacidade de ouvir o que eles dizem».33

Vejamos agora onde difere o pensamento do autor bielorrusso do autor suíço. O nó unificador da obra piagetiana reside no denominado egocentrismo, como vimos anteriormente. É desta característica fundamental que vão decorrer todos os restantes caracteres do pensamento da criança. A marca egocêntrica distintiva do pensamento infantil vai ser vista, no entanto, como uma forma intermédia e de transição que se situa «entre o pensamento autista e o pensamento racional e intencional».34 Para Vygotski, Piaget considera «o pensamento intencional e consciente, isto é, persegue objectivos que estão representados na mente daquele que pensa. É racional, isto é, adapta-se à realidade e tenta interagir com ela. O Pensamento implica a verdade ou a falácia, e exprime-se através da linguagem».35

Vejamos como é que este pensamento faz a transição entre o pólo intencional, passando pelo seu ponto mediador, o do pensamento egocêntrico.

Em primeiro lugar, o pensamento autista não é consciente, os seus objectivos e as questões que coloca não são de forma alguma acessíveis à consciência. Tal facto resulta do pensamento egocêntrico não estar ajustado à realidade exterior, já que ele «cria a sua própria realidade, a realidade do sonho. Ele não procura o esclarecimento da verdade, mas sim a satisfação do desejo, e permanece totalmente individual. Em si mesmo o pensamento autista não pode exprimir-se através da linguagem, exprime-se principalmente através de imagens».36 Por sua vez, o pensamento racional e intencional, possui já uma natureza social e, á medida que cresce e avança, «tende a reger-se cada vez mais pela experiência e pela lógica pura».37

No ponto intermédio entre estes dois pólos está, para Piaget, um tipo particular de pensamento, que funciona como um elo entre a lógica autista e a lógica da razão.

33 Idem, p. 38.

34 Vygotski, Lev, Pensamento e Linguagem, V. N. Gaia, Estratégias Criativas, 2001, p. 41. 35 Ibidem.

(24)

Este pensamento designado como egocêntrico, é um pensamento que «procura adaptar-se à realidade, apesar de não ser comunicável enquanto tal».38 Existe na criança uma «impermeabilidade à experiência». Aquilo que ela recebe do exterior é por si assimilada, na expressão piagetiana «deformado», e só dessa maneira pode ser assimilada. O egocentrismo segue este modelo e pode ser visto como «o produto da deformação das modalidades de pensamento social que imergem na substância psicológica da criança – deformação que obedece às leis que regem a vida e o desenvolvimento dessa substância».39

Vygotski não podia estar mais em desacordo com a posição assumida por Piaget. O psicólogo bielorrusso discute, desde logo, a questão da centralidade que afecta o pensamento egocêntrico. Ser considerado como o ponto que medeia o pensamento autista e as formas superiores do pensamento é algo controverso e que permite lançar dúvidas sobre a teoria do desenvolvimento. Vygotski afirma que o pensamento autista a nível genético, funcional e estrutural «não pode constituir o elemento primário ou a base a partir do qual hão-de surgir todas as formas subsequentes de pensamento»40. A ideia piagetiana de que o pensamento autista não está adaptado à realidade exterior, nem tão pouco se pode exprimir através da linguagem é rebatida pelos próprios resultados da investigação de Vygotski. A conclusão a que chega é que se trata de uma forma de pensamento «íntima e indissociavelmente ligada à realidade, operando quase exclusivamente com aquilo que rodeia a criança e com tudo aquilo com que ela se defronta no dia-a-dia»41.

Depois desta afirmação, o esquema introduzido por Piaget sofre um abalo desde as suas fundações. Se na sua base não está o pensamento autista, então o egocentrismo deixa de fazer sentido como ponto intermédio. O que acontece é que no modelo teórico de Piaget, a linguagem, na primeira infância, não está ao serviço da comunicação. Se esta linguagem é, em larga medida, egocêntrica então serve, sobretudo, para marcar e acompanhar «o ritmo, a actividade e as experiências da criança, como se fosse um acompanhamento da melodia principal. Nesse sentido, não afecta de forma significativa, nem a actividade da criança, nem as suas experiências

38 Ibidem.

39 Vygotski, Lev, Pensamento e Linguagem, V. N. Gaia, Estratégias Criativas, 2001, p. 48. 40 Idem, p. 55.

(25)

subjectivas».42 A linguagem egocêntrica vista deste prisma é uma espécie de «acessório da actividade da criança», obedecendo, no entanto, a alguns pressupostos que convêm explicitar.

O primeiro diz respeito à sua funcionalidade que, se não é nula, tem um valor residual em termos de desenvolvimento cognitivo e comportamental. A linguagem egocêntrica considerada sobre este ângulo não tem, de facto, qualquer função objectivamente útil no comportamento da criança. Trata-se de «uma linguagem de si para si, que visa a auto-satisfação e que poderia nem sequer existir, pois não exerce qualquer efeito significativo na actividade da criança»43.

Um outro pressuposto a considerar diz respeito à visão negativa que se tem deste tipo de pensamento egocêntrico: «sinal de fraqueza e imaturidade do pensamento da criança». Parte-se do princípio que este sinal de imaturidade desapareça ao longo do percurso segmentado em estádios: «funcionalmente inútil, não directamente ligado à estrutura da actividade da criança, este acompanhamento melódico começará a soar cada vez mais baixo até, finalmente, se extinguir sem deixar vestígios na linguagem»44.

Segundo Piaget, no limiar da idade escolar, a linguagem egocêntrica pura e simplesmente morre e desaparece. É neste aspecto que surgem as principais divergências entre Vygotski e Piaget. As pesquisas de Vygotski enveredaram por este caminho e concluíram que a linguagem egocêntrica desempenhava, desde muito cedo, um papel crucial e único na actividade da criança. Nas experiências levadas a cabo para averiguar como surge esta linguagem e as possíveis causas da sua origem, a equipa de Vygotski colocou as crianças em contextos similares aos produzidos por Piaget, mas com uma diferença fundamental: introduziram uma serie de obstáculos que dificultavam e perturbavam o livre fluxo da actividade da criança. Os estudos mostravam que «nos casos em que a tarefa é dificultada, o coeficiente da linguagem egocêntrica sobe rapidamente quase para o dobro em comparação com o coeficiente normal obtido por Piaget, e em comparação com o que acontece com as mesmas

42 Idem, p. 60.

(26)

crianças quando a tarefa não era dificultada»45. Os resultados alcançados legitimaram a suposição de que entre os principais factores que dão vida à natureza particular desta linguagem encontram-se «os obstáculos ao decurso natural da actividade da criança»46.

Esta tese alicerça-se em dois postulados. O primeiro, Vygotski vai buscá-lo à denominada lei de tomada de consciência, formulada pela primeira vez por Edward Claparède, mestre de Piaget, que sucintamente postula que «as dificuldades e distúrbios a uma actividade automática levam à tomada de consciência dessa mesma actividade». O segundo postulado sustenta que o aparecimento da linguagem surge sempre como «indício de tomada de consciência»47. Estes factos foram observados e confirmados por Vygotski: a linguagem egocêntrica das crianças é vista como «uma tentativa de compreensão verbal da situação e um esforço para planear as operações seguintes»48. A linguagem egocêntrica assume em Vygotski um papel de relevo no próprio desenvolvimento humano, servindo como uma das estratégias fundamentais que levam à prossecução do pensamento e da acção da criança.

A linguagem egocêntrica é então um patamar de transição, uma estratégia usada para superar obstáculos como os que a interacção social proporciona e exige, consoante os níveis etários da criança. Por terra ficam a inexpressividade e inutilidade levadas em linha de conta na teoria de Piaget quando aborda a linguagem egocêntrica da primeira infância.

A partir deste local sem retorno, os caminhos traçados por Piaget e Vygotski, ambos estruturalistas e construtivistas, serão cada vez mais divergentes. O primeiro está convencido de que a linguagem egocêntrica está condenada pela sua própria estrutura ao desaparecimento; ideia distinta do processo de desenvolvimento tem Vygotski ao apresentar uma serie de semelhanças entre a linguagem egocêntrica da criança e o discurso interior do adulto. Tais semelhanças provam que o primeiro tipo de linguagem examinada não desaparece de todo, mas antes sofre um processo de expansão e de transformação. A primeira semelhança a ser descoberta diz respeito ao

45 Idem, p. 62. 46 Idem, p. 63.

(27)

tipo de funções que ambas as línguas partilham: «uma e outra são linguagens para si, distintas da linguagem social que tem por função a comunicação e a ligação com o ambiente exterior»49. Uma outra similitude é a questão das características estruturais semelhantes que ambas possuem. Na linguagem egocêntrica verifica-se que ela é «incompreensível aos outros», já que perde todo e qualquer sentido «ao ser retirada do contexto concreto em que foi produzida». Esta característica advém da sua tendência em «suprimir aquilo que está diante dos olhos». Em suma, a linguagem egocêntrica é fundamentalmente e intrinsecamente abreviada. Paralelamente, no «discurso interior» insere-se a mesma tendência da «concisão». Vygotski acha então que «o que acontece neste caso não é a extinção da linguagem egocêntrica, mas sim a sua transformação em discurso interior ou a sua interiorização».50

Uma outra particularidade que sobressai destas investigações passa pela relação entre a linguagem egocêntrica e o carácter egocêntrico do pensamento. O que sucede é que tal relação pode puramente não existir. Vygotski argumenta que tal possibilidade de inexistência de qualquer ligação pode depreender-se do facto de que a linguagem egocêntrica da criança, «além de não ser uma expressão do pensamento egocêntrico, pode desempenhar uma função diametralmente oposta à do pensamento egocêntrico – a função do pensamento realista, aproximando-se não da lógica do sonho e da fantasia, mas sim da lógica da acção e do pensamento racional e intencional»51. Através destas palavras podemos deduzir que não existe qualquer suporte empírico que sustente e legitime aquilo que até às pesquisas levadas a cabo pelo autor eram mais ou menos consensuais: o de haver um reconhecimento do carácter egocêntrico do pensamento infantil derivado de uma linguagem também ela egocêntrica. Em contraponto está a perspectiva de Piaget, para quem a narração do pensamento infantil é «a história da socialização gradual dos processos interiores, profundamente, íntimos e autistas, que determinam o psiquismo da criança. O social aparece no fim do desenvolvimento e nem mesmo a linguagem social precede a egocêntrica, surgindo depois dela»52.

49 Idem, p. 66. 50 Idem, p. 67.

(28)

Neste trajecto evolutivo do pensamento na infância e depois das conjecturas de Vygotski, existem dois caminhos que apontam em direcções contrárias. O primeiro, recomendado por Piaget, orienta esse caminho do individual para o social e o segundo, recomendado por Vygotski, avança do social para o individual. Por este caminho, a função primordial da linguagem é a comunicação, a partilha social e a influência sobre os outros. Assim, a «forma primordial da linguagem infantil é puramente social»53. Só mais tarde, no processo de crescimento, é que a linguagem social da criança «evolui segundo o princípio da diferenciação em funções distintas, até que, numa determinada idade, se diferencia de forma acentuada em linguagem egocêntrica e comunicativa»54. A linguagem egocêntrica assume uma forma de transição entre a linguagem exterior e o discurso interior. Esquematizando, em vez da cadeia genética piagetiana do pensamento lógico-verbal alicerçada nos elos «pensamento autista não-verbal → linguagem egocêntrica e pensamento egocêntrico → linguagem socializada e pensamento lógico», temos uma disposição seguindo o modelo «linguagem social → linguagem egocêntrica → discurso interior».55

O principal resultado das investigações levadas a cabo por Vygotski tem como consequência originar um novo rumo ao trajecto evolutivo do pensamento, que deixa de estar orientado do individual para o social e passa a estar orientado do social para o individual. Sinteticamente, esta análise divide-se em quatro passos. O primeiro mostra que, do ponto de vista da evolução biológica «é inconsistente considerar o pensamento autista como uma forma primária, como o ponto inicial do desenvolvimento psíquico». O segundo conclui que, ao invés da linguagem egocêntrica considerada por Piaget como «uma expressão directa do egocentrismo», não existe «fundamento empírico para o podermos considerar como uma expressão directa do egocentrismo do pensamento, tanto a nível funcional como estrutural». No terceiro passo, esclarece que a relação entre o egocentrismo do pensamento e a linguagem auto-dirigida «não é uma grandeza constante para a definição do carácter da linguagem da criança». No quarto e último ponto vai no sentido de demonstrar que a linguagem egocêntrica não é uma actividade secundária e que a prazo desaparecerá. Pelo contrário, a linguagem egocêntrica define-se como «um estádio intermédio do

(29)

desenvolvimento da linguagem, situado entre a linguagem externa (comunicação com os outros) e o discurso interior (linguagem para si)»56.

Numa tentativa de reflectir sobre o que foi dito anteriormente podemos afirmar que a criança, ao nascer num mundo onde o acto da fala está sempre presente, vai construindo o seu conhecimento da realidade física que a rodeia e é através da presença e do contacto com o adulto que descobre o mundo físico e as suas propriedades, que desperta a atenção, que a orienta e estimula mediante a linguagem para a apreensão do real. Vygotski sublinha a importância das inter-relações específicas que se criam entre os processos cognitivos e os comportamentos verbais nas diferentes fases do desenvolvimento. Piaget fala da construção dos comportamentos cognitivos e recusa uma concepção mecanicista das relações entre o desenvolvimento operatório e a linguagem. Chomsky vê na linguagem uma fonte autónoma de conhecimento distinto de outros processos mentais. A especificidade da linguagem encontra-se no seu estatuto de sistema criativo governado por regras. É a gramática interiorizada, a única fonte verdadeira de progresso na aquisição linguística. A rapidez com que a criança se apropria da linguagem explica-se pela presença de dispositivos inatos, inscritos no potencial genético da espécie humana (REBELO, p. 61).

(30)

O papel da Escola no desenvolvimento do capital lexical

Como observamos anteriormente com os autores analisados, a criança, à medida que vai crescendo, passa por várias etapas onde vai explorando de maneiras diferentes a linguagem, desde a linguagem egocêntrica, percurso intermédio entre a linguagem introspectiva, ou interiorização do discurso como refere Vygotski, até à sua finalidade máxima, isto é comunicar com os outros. As funções organizativas da linguagem são usadas nas actividades cognitivas, nomeadamente como instrumento de representação no denominado discurso interior e quando a linguagem é usada para fins comunicativos são as actividades cognitivas que estão ao serviço da finalidade comunicativa. O locutor trabalha o material linguístico com o propósito de provocar no interlocutor mudanças nas interpretações.

(31)

operações cognitivas e operações linguísticas, onde se trabalha as características próprias da linguagem. Estas observações feitas por estudiosos ao longo dos tempos, aconselham-nos a ter prudência quanto a avaliações das performances linguísticas e intelectuais das crianças em situação escolar, onde não só os aspectos cognitivos e linguísticos intervêm, mas também onde a dimensão social da criança adquire um maior peso na aquisição da linguagem (REBELO, p. 63).

As opiniões sobre as dificuldades linguísticas relacionadas com a origem social das crianças são interpretadas de duas maneiras:

1. A criança pertence a uma classe culturalmente desfavorecida, logo não tem possibilidades de desenvolver as suas capacidades;

2. A criança, porque vive num meio pobre de estímulos culturais, fica atingida psicológica e intelectualmente. Daí sofrer de um atraso que não poderá ultrapassar. (REBELO, p. 64)

As dificuldades materiais e culturais, desde o nascimento da criança irão influenciar a sua primeira infância e os seus efeitos reflectir-se-ão na inteligência, que por sua vez influenciará a fala. Mais tarde, à criança em situação escolar ser-lhe-á difícil a aprendizagem da leitura e da escrita. No sentido mais restrito de interpretação, poderemos dizer que a escola nada terá a fazer, mas também poderemos colocar a questão de que não deveria a escola tentar combater as dificuldades dos alunos mediante aprendizagens planificadas, orientadas por objectivos bem definidos que poderiam, de certa forma, compensar as diferenças cognitivas de classes.

(32)

desigualdades naturais, as desigualdades dos dotes» (1964, p. 103, cit. REBELO, p. 64). Esta afirmação e outras puseram em evidência o aspecto sociológico do insucesso escolar, embora tenha descurado o aspecto psicológico que pode intervir durante as aprendizagens e que é de igual importância. A análise destes autores quanto às primeiras aquisições escolares também não é concisa, levando a que seja de difícil compreensão o denominado espírito de classe do docente sem primeiro precisar o que é que na linguagem funciona conforme às normas arbitrárias da classe do professor e o que é que se refere às operações cognitivas do aluno. De um modo geral, estes autores defendem que a origem social das crianças tem um papel mais importante no seu desempenho escolar do que as características psicológicas individuais.

Em segundo lugar, Baudelot e Establet (cit. REBELO, p. 65). Estes autores consideram que o instrumento do insucesso escolar é a linguagem escrita de onde resulta a divisão do sistema escolar em duas vias escolares: a do primário-profissional e a do secundário-superior. É a própria escola que produz estas duas vias, pois não aceita as práticas linguísticas ligadas às condições materiais de existência diferentes, reprimindo as expressões espontâneas que não estão de acordo com as normas da linguagem escolar. Segundo estes autores, o insucesso linguístico não é de origem instrumental (sintaxe inadequada, vocabulário insuficiente, etc.), mas resulta do facto de as crianças não se reconhecerem nos significados transmitidos pela escola: «aprender a ler e a escrever implica que se corte sistematicamente a palavra a quem a quer tomá-la sem se conformar com as leis do texto escrito. Só são autorizados a falar os que falam como os livros» (1971, p. 231, cit. REBELO, P. 65).

(33)

que haver distinção entre os instrumentos linguísticos necessários e os que caracterizam uma linguagem cultural arbitrária ligada a uma classe social.

Em terceiro lugar, Bernstein (cit. REBELO, p. 65). Este autor parte do princípio de que todas as classes sociais dispõem da mesma inteligência potencial e da mesma competência linguística, embora na organização das sociedades existam as classes que detêm o poder e as outras que o não têm. Consequentemente, as pessoas de uma determinada classe adoptarão uma forma particular de comunicação. Ao nível da linguagem, essa forma de comunicação traduz-se pelo uso do «código restrito» ou do «código elaborado», possuindo cada código as suas características próprias. Assim, as diferenças de «performance» explicam-se, não pela capacidade linguística de cada indivíduo, mas sim pelas diferenças de emprego e de usos da linguagem. Contudo, a escola privilegia o código elaborado e, por conseguinte, surge o insucesso escolar dos filhos das classes populares. Este autor recusa a tese do défice, quer linguístico, quer intelectual, considerando que os dois códigos têm o seu valor afectivo, a sua estética, as suas potencialidades. Na sua investigação, Bernstein caracteriza o «código restrito» como tendo sintaxe menos rica, vocabulário mais pobre, lógica menos marcada, etc. Deste modo, não se vislumbra claramente onde está a igualdade de linguagem que possui um utilizador deste código em comparação com as características do código elaborado.

A orientação das crianças da classe popular não é inferior à das crianças da classe média, mas não corresponde à norma exigida pela escola e pela sociedade. A apreciação da orientação cognitiva da classe popular é feita do mesmo modo, negativamente: menos abstracta, menos capaz de generalização, etc. Assim, Bernstein não consegue evitar uma comparação deficitária do código linguístico, o que por sua vez se liga a um comportamento cognitivo deficitário. O que significa que as diferenças cognitivas são determinadas pela forma de uso dos códigos linguístico e o cognitivo, confundindo-se novamente os dois planos: o linguístico e o cognitivo.

(34)

razões que fazem com que meios socioculturais diferentes apresentem formas de estruturação diferentes e desigualmente favoráveis.

Lautrey, articulando o nível psicológico com o nível sociológico, colocando-os no mesmo patamar, considera que o tipo de estruturação e sistema de valores constituem em conjunto, e pela sua interacção, o sistema educativo da família. Intervêm conjuntamente no desenvolvimento cognitivo, mas não mantêm as mesmas relações em todos os grupos sociais e estas diferenças na organização do sistema educativo têm um determinado efeito no desenvolvimento. O autor demonstra que o sistema educativo familiar mais desfavorável ao desenvolvimento era aquele que associava uma estruturação rígida a uma valorização da obediência, não devendo ser este o caminho escolhido pela escola.

(35)

Algumas teorias sobre a aquisição da segunda língua (L2)

(36)

nativistas, ambientalistas e integracionistas. Inicialmente, faremos uma breve retrospectiva da constituição do campo de pesquisa em aquisição e/ou aprendizagem de segundas línguas, relacionando-as com o programa de Análise Contrastiva e com os postulados chomskyanos. Posto isto, trataremos das teorias de aquisição/aprendizagem de línguas que, actualmente, configuram um importante campo de pesquisa.

Nos últimos anos, as pesquisas em aquisição e/ou aprendizagem de segundas línguas começaram a delinear um importante campo. Larsen-Freeman & Long57 (1994, p. 199-271) observam que há pelo menos 40 teorias de aquisição de segundas línguas e que esse número aumenta considerando-se as teorias sobre a aquisição de primeira língua, crioulização, mudanças na história da língua, entre outras.

A hipótese de Análise Contrastiva, inicialmente, era a de que, se o aprendiz tivesse uma língua similar à estrangeira, seria mais fácil a sua aprendizagem, sendo o inverso também válido. Este tipo de análise imperou nas décadas de 1950 e 1960, mas entrou em declínio pela sua inadequação empírica e incremento das investigações da sintaxe. Chomsky já tinha atacado as bases do behaviorismo de Skinner, em 1957, e, em 1965, propôs, no seu Aspects of Theory of Sintax, a aquisição da linguagem em termos inatistas, abalando as bases teóricas da hipótese da Análise Contrastiva, na sua versão original.

Iniciou-se, a partir dos anos 60, um período em que a Análise Contrastiva foi marcada por uma forte orientação gerativa, com aplicações pedagógicas dos postulados chomskyanos. Esse período de breve existência, por causa das inadequações entre a adaptação dos postulados teóricos aplicados aos objectivos pedagógicos e a Análise Contrastiva, na sua versão forte, entrou em colapso na década de 1970. Antes, em 1967, P. Corder havia proposto uma nova avaliação dos erros, que assumiram um papel fundamental para a aprendizagem, como hipóteses elaboradas para aprendizes. Iniciou-se um período conhecido como o do «análise dos erros»,

57InLARSEN-FREEMAN, D. L., LONG, M. H. (1994). Introducción al estudio de la adquisición de

(37)

derivado, inicialmente, de uma versão «fraca» da Análise Contrastiva e que nos trouxe o conceito de interlíngua e as investigações sobre a sua natureza.

Segundo Ellis (1985, p. 249), o principal objectivo de uma teoria de aquisição de segundas línguas é justamente o da descrição da natureza das categorias linguísticas que constituem a interlíngua dos aprendizes num ponto do seu desenvolvimento. Refere-se à distinção de Schumann entre dois tipos de explicação: a) a dos processos cognitivos – preocupada com o como a aquisição se dá − e b) a dos factores iniciantes preocupada com o porquê que a aquisição se dá.

Teorias nativistas

As teorias nativistas explicam a aquisição como uma aptidão biológica que permite a aprendizagem. Chomsky postula que existe uma faculdade inata para a linguagem, um conhecimento inato de substantivos universais como categorias sintácticas – sujeito, objecto, nome, verbo − e traços fonológicos distintivos e de universais formais (princípios abstractos que regem regras e parâmetros das línguas naturais). Outras teorias nativistas como as de O´Grady e a de Parker consideraram inatas as ideias cognitivas gerais, como a «dependência», a «contiguidade», a «prioridade», etc., a partir de todo o tipo de aprendizagem da língua (Ellis, 1985, p. 207). Chomsky propõe uma teoria sobre a aquisição da linguagem que acabou por estimular investigações sobre a aquisição de segundas línguas: a Gramática Universal e o DAL (Dispositivo de Aquisição da Linguagem (vista no capitulo anterior).

Larsen-Freeman & Long (1994, p. 220-31) consideram nativista a Teoria da Monotorização de Krashen. Desta teoria interessa ver as suas cinco hipóteses: a hipótese da aquisição/aprendizagem, a da ordem natural, a do monitor, a do input e a do filtro afectivo.

(38)

consciente das regras gramaticais da segunda língua. O sistema adquirido é a única fonte de conhecimento de que os falantes dispõem durante a comunicação, quando prestam atenção ao significado e não à sua forma. O sistema aprendido funciona como o «programador» e o «editor» com o qual o aprendiz se confronta ou controla o input do sistema adquirido. O aprendiz só ascende ao sistema aprendido tendo cumpridas três condições: tempo suficiente, concentração na forma e conhecimento da regra.

A hipótese da ordem natural propõe que as regras da L2 são adquiridas numa ordem predizível. A de monitorização engloba a relação estabelecida durante a actuação entre os sistemas adquirido e apreendido na L2, sendo que o primeiro activa a «expressão» e o segundo actua na «planificação», responsável pela edição e da correcção das funções.

A hipótese do input, pretende explicar como o aprendiz adquire a L2. Somente se consegue adquirir uma L2 quando se processa o input compreensível. Nota-se um progresso na L2 quando o aprendiz, seguindo-se a ordem natural, numa determinada etapa do desenvolvimento, recebe input compreensível com estruturas (lexicais, fonéticas, morfológicas, sintácticas, etc.) que ultrapassem a etapa em curso. Krashen corrobora a hipótese inatista de Chomsky e, dessa forma, o input é o componente principal tal como o DAL e a Gramática Universal.

A hipótese de filtro afectivo refere-se aos distintos factores afectivos, como a motivação, autoconfiança e ansiedade que contribuem para a aquisição da L2. Segundo Krashen, a ausência de motivação, a falta de autoconfiança, a excessiva ansiedade podem «activar o filtro» e formar um «bloqueio mental», impedindo que o input compreensível active o DAL e que esse seja utilizado na aquisição.

As Teorias Ambientalistas

(39)

A teoria neocondutista influenciou o ensino, nomeadamente no método áudio-lingual, dos quais se destaca o modelo de Processamento Distribuído em Paralelo. O PDP é uma teoria cognitiva que refuta a dotação inata, entendendo que a aprendizagem se baseia no processamento do input. Contudo, o processamento não resulta de um acumular de regras, mas sim do fortalecimento e do enfraquecimento das conexões das redes neuronais complexas em razão da frequência de estímulos do input. As redes controlam um comportamento aparentemente comandado por regras, mas que é um reflexo das conexões que se formaram na base do poder que cada modelo possui sobre o input (1994, p. 232).

Uma outra teoria que respeita alguns princípios propostos pelas teorias ambientalistas é o modelo de aculturação ou pidginização58 de Schumann (idem, p. 234). Para Schumann, o estudo longitudinal da interlíngua de Alberto59 prova a existência e a persistência da pidginização na aquisição da L2. Nos estádios iniciais, as L2 compartilham com os pidgins a ausência de morfologia flexiva e de transformações e a tendência de evitar a redundância no sistema. Compartilham traços de uma interlíngua simplificada, caracterizada pela ausência de certas regras de movimento (transformações), como a passiva. Têm léxico reduzido, ausência de marcadores temporais e preferem a ordem tema-comentário, entre outras (1994, p. 236-37). A interlíngua de Alberto seria um exemplo de pidginização e das funções possíveis para a linguagem – a comunicativa, a integradora e a expressiva; no pidgin só se emprega a primeira função. Posteriormente, a interlíngua alcança uma maior complexidade estrutural, excepto quando persiste a distância social e psicológica, tal como no caso de Alberto. Para Larsen-Freeman & Long, Schumann não considerava que os pidgins e as L2, nas primeiras etapas, fossem «iguais», mas sim que na produção de cada uma existem processos de simplificação análogos e que o alcance da simplificação e da redução estariam relacionados com a distância social e psicológica que separava o aprendiz dos falantes da língua-meta. Para Bickerton, a pidginização seria similar a

58 «A simplified form of speech that is usually a mixture of two or more languages, has a rudimentary

grammar and vocabulary, is used for communication between groups speaking different languages, and is not spoken as a first or native language. Also called contact languagein The American Heritage Dictionary of the English Language, Fourth Edition copyright ©2000 by Houghton Mifflin Company.

59 Schumann investigou durante dez meses a aquisição não controlada do inglês como segunda língua de

Imagem

Tabla 1 – nombres y verbos
Fig. estilo Exemplos Expressividade estrofes

Referências

Documentos relacionados

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

Esta pesquisa discorre de uma situação pontual recorrente de um processo produtivo, onde se verifica as técnicas padronizadas e estudo dos indicadores em uma observação sistêmica

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

utilizada, pois no trabalho de Diacenco (2010) foi utilizada a Teoria da Deformação Cisalhante de Alta Order (HSDT) e, neste trabalho utilizou-se a Teoria da

2 - OBJETIVOS O objetivo geral deste trabalho é avaliar o tratamento biológico anaeróbio de substrato sintético contendo feno!, sob condições mesofilicas, em um Reator

Após a colheita, normalmente é necessário aguar- dar alguns dias, cerca de 10 a 15 dias dependendo da cultivar e das condições meteorológicas, para que a pele dos tubérculos continue

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o

Por outro lado, os dados também apontaram relação entre o fato das professoras A e B acreditarem que seus respectivos alunos não vão terminar bem em produção de textos,