Cap´ıtulo 11
T´opicos de ´Algebra Linear. II
Conte´udo
11.1 Uma Topologia M´etrica emMat (C, n) . . . 585
11.2 Exponenciais, Logaritmos e Fun¸c˜oes Anal´ıticas de Matrizes . . . 588
11.2.1 Exponencial de Matrizes Como Limite de Potˆencias . . . 595
11.2.2 A Exponencia¸c˜ao de Matrizes e os Grupos GL(C, n) e GL(R, n) . . . 598
11.3 A F´ormula de Lie-Trotter e a F´ormula do Comutador . . . 601
11.4 Aplica¸c˜oes Lineares emMat (C, n) . . . 604
11.4.1 Alguns Fatos Gerais sobre Aplica¸c˜oes Lineares em Mat (C, n) . . . 604
11.4.2 Alguns Exemplos Espec´ıficos de Aplica¸c˜oes Lineares em Mat (C, n) . . . 609
11.5 A F´ormula de Baker, Campbell e Hausdorff . . . 614
11.6 A F´ormula de Duhamel e Algumas de suas Consequˆencias . . . 619
11.7 Continuidade do Determinante . . . 623
11.8 Exerc´ıcios Adicionais . . . 625
Opresente cap´ıtulo diferencia-se do anterior por explorar aspectos mais topol´ogicos de ´algebras de matrizes. Portanto, uma certa familiaridade com as no¸c˜oes b´asicas de espa¸cos m´etricos (vide Cap´ıtulo 24, p´agina 1245) ´e ´util. Discutiremos a defini¸c˜ao de fun¸c˜oes anal´ıticas de matrizes, em particular, a exponencial e o logaritmo. Nosso principal objetivo, por´em, ´e provar as seguintes rela¸c˜oes: para matrizesA, B∈Mat (C, n), valem: •F´ormula de Lie-Trotter1: exp (A+B) = lim m→∞ exp 1 mA exp 1 mB m . (11.1) •F´ormula do comutador: exp [A, B] = lim m→∞ exp 1 mA exp 1 mB exp −1 mA exp −1 mB m2 . (11.2) •S´erie de Lie: exp(B)Aexp(−B) = A+ X∞ m=1 1 m! hB, B, . . . ,[B | {z } mvezes , A]· · ·i
. (11.3)
•F´ormula de Baker-Campbell-Hausdorff2(sobre a convergˆencia, vide coment´ario adiante):
exp(A) exp(B) = exp
A+B+1
2[A, B] + 1 12
A,[A, B]
+ 1 12
B,[B, A]
+· · ·
. (11.4)
•F´ormula de Duhamel3:
exp(A+B) = exp(A) + Z1
0
exp (1−s)(A+B)
BexpsA
ds , (11.5)
da qual se obtem as´erie de Duhamel:
et(A+B) = etA
"
1+ Zt
0
e−t1ABet1Adt1+ X∞
m=2
Zt 0
Zt1 0· · ·
Ztm−1 0
Ym
k=1
e−tkABetkA dtm· · ·dt1
#
. (11.6)
1Marius Sophus Lie (1842–1899). Hale Freeman Trotter (1931–).
2Henry Frederick Baker (1866–1956). John Edward Campbell (1862–1924). Felix Hausdorff (1868–1942).
3Jean Marie Constant Duhamel (1797–1872).
584
Uma outra rela¸c˜ao ´util que obteremos ´e a chamadaF´ormula de Duhamel para derivadas de exponenciais: seA(λ) for uma fam´ılia de matrizes em Mat (C, n) que depende cont´ınua e diferenciavelmente de um parˆametroλ, ent˜ao vale
d dλ
eA(λ)
= Z1
0
e(1−s)A(λ) d
dλA(λ)
esA(λ)ds . (11.7)
A s´erie dentro da exponencial no lado direito de (11.4) ´e um tanto complexa, mas envolve apenas comutadores m´ultiplos de ordem cada vez maior deAeB. A express˜ao completa encontra-se em (11.68), p´agina 614. Ao contr´ario das f´ormulas que lhe precedem e sucedem, a f´ormula de Baker-Campbell-Hausdorff n˜ao ´e v´alida para quaisquer matrizes AeBpois, no caso geral, a convergˆencia da s´erie do lado direito s´o pode ser estabelecida para matrizes suficientemente
“pequenas”, a saber, tais quekAkCekBkCsejam ambas menores que12ln 2−√22
≈0,12844. . .(a defini¸c˜ao da norma operatorialk · kCde matrizes ser´a apresentada adiante). Claro ´e que, nos casos felizes em que os comutadores m´ultiplos das matrizesAeBse anulam a partir de uma certa ordem, a s´erie do lado direito ser´a finita e, portanto, convergente.
Comentamos ao leitor mais avan¸cado que as express˜oes acima (e, mutatis mutandis, suas demonstra¸c˜oes abaixo) valem n˜ao apenas para ´algebras de matrizes, mas tamb´em no contexto mais geral de ´algebras-∗de Banach com unidade.
As f´ormulas acima s˜ao empregadas em v´arias ´areas da F´ısica (como na Mecˆanica Quˆantica, na Mecˆanica Estat´ıstica e na Teoria Quˆantica de Campos) e da Matem´atica (como na Teoria de Grupos). Faremos uso delas, por exemplo, nos Cap´ıtulos 21 e 22. Suas provas ser˜ao apresentadas, pela ordem, na Proposi¸c˜ao 11.13, p´agina 601, na Proposi¸c˜ao 11.15, p´agina 610, no Teorema 11.1 da Se¸c˜ao 11.5, p´agina 614 e na Se¸c˜ao 11.6, p´agina 619. A ´unica demonstra¸c˜ao que se pode classificar como complexa ´e a da f´ormula de Baker-Campbell-Hausdorff, as demais s˜ao simples. No correr das p´aginas seguintes outras identidades ´uteis, n˜ao listadas acima, ser˜ao obtidas.
11.1 Uma Topologia M´etrica em Mat (C, n)
Discutiremos nesta se¸c˜ao uma topologia m´etrica natural em Mat (C, n) a qual usaremos na Se¸c˜ao 11.2 para definir certas fun¸c˜oes anal´ıticas de matrizes, tais como a exponencial e o logaritmo.
Recordando, Mat (C, n) ´e o conjunto de todas as matrizes complexasn×ne GL(C, n)⊂Mat (C, n) ´e o conjunto de todas as matrizes complexasn×ninvers´ıveis. Como j´a observamos, GL(C, n) ´e um grupo.
•Normas de matrizes. A norma operatorial
SejaV um espa¸co vetorial de dimens˜ao finita, comoCn ouRn, dotado de uma normak · kV. ParaCn ∋u= (u1, . . . , un), por exemplo, podemos adotarkukCn :=p
|u1|2+· · ·+|un|2. Vamos denotar porL(V) o conjunto de todas as aplica¸c˜oes lineares deV emV. ´E bem sabido queL(V) ´e igualmente um espa¸co vetorial. Por exemplo, L(Cn) = Mat (C, n) eL(Rn) = Mat (R, n).
Com uso da norma deV ´e poss´ıvel definir uma norma tamb´em emL(V). ParaA∈L(V) define-se kAkL(V) := sup
u∈V u6=0
kAukV
kukV
.
E. 11.1Exerc´ıcio. Mostre quek · kL(V)assim definida ´e, de fato, uma norma no espa¸co vetorialL(V). 6
Observa¸c˜oes. Note que
kAkL(V)= sup
u∈V kukV=1
kAukV.
ParaA∈L(V), a normakAkL(V)definida acima ´e denominadanorma operatorialinduzida pela normak · kV. Como comentaremos abaixo, h´a outras normas emL(Cn) eL(Rn) que n˜ao a norma operatorial, mas que s˜ao equivalentes `aquela. ´E uma consequˆencia imediata da defini¸c˜ao de norma operatorial que
kAukV ≤ kAkL(V)kukV, (11.8)
para todo vetoru∈V. ♣
A norma operatorial tem a seguinte propriedade importante: paraA, B∈L(V) quaisquer, tem-se kABkL(V) ≤ kAkL(V)kBkL(V).
Essa propriedade ´e denominadasubmultiplicatividadeda normak · kL(V). Nem toda norma em Mat (C, n) possui essa propriedade.
E. 11.2Exerc´ıcio importante. Mostre isso. Sugest˜ao: use (11.8). 6
Observa¸c˜ao. Em Mat (C, n) ´e poss´ıvel provar quekA∗kMat(C, n)=kAkMat(C, n)e quekAk2Mat(C, n)=kA∗AkMat(C, n)(propriedade
C∗). Vide Teorema 39.11, p´agina 2045. ♣
E importante comentar que o procedimento de constru¸c˜´ ao de normas emL(V) pode ser repetido. ComoL(V) ´e igualmente um espa¸co vetorial normado e de dimens˜ao finita, podemos definir uma norma emL(L(V)) (o conjunto de todas as aplica¸c˜oes lineares deL(V) emL(V)) definindo paraA∈L(L(V))
kAkL(L(V)) := sup
A∈L(V) A6=0
kAAkL(V)
kAkL(V)
.
E assim por diante para todos os espa¸cos de aplica¸c˜oesL(L(· · ·L(V))· · ·).
Vamos a um exemplo. TomemosV =Cn,L(V) = Mat (C, n). Seja uma matrizX∈Mat (C, n) fixa. Com ela poderemos definir um elemento denotado porad[X] deL(Mat (C, n)) por
ad[X]A:= [X, A] = XA−AX, A∈Mat (C, n).
E evidente que´ ad[X] ´e uma aplica¸c˜ao linear de Mat (C, n) em Mat (C, n), ou seja, um elemento deL(Mat (C, n)).
Note-se que
kad[X]kL(Mat (C, n)) = sup
A∈L(V) A6=0
kXA−AXkMat (C, n)
kAkMat (C, n) ≤ sup
A∈L(V) A6=0
kXAkMat (C, n)+kAXkMat (C, n)
kAkMat (C, n) ≤ 2kXkMat (C, n). Daqui para a frente denotaremos a norma operatorial de matrizes emCnpork·kCou simplesmente pork·k. Al´em da norma operatorial, h´a outras normas que podem ser definidas emL(Cn). ParaA∈Mat (C, n) podemos, por exemplo, definir as seguintes normas:
kAk∞ := max
a, b= 1, ..., n|Aab|, (11.9)
kAk1 :=
Xn
a=1
Xn
b=1
|Aab|, (11.10)
kAk2 :=
Xn
a=1
Xn
b=1
|Aab|2
!1/2
, (11.11)
kAkp :=
Xn
a=1
Xn
b=1
|Aab|p
!1/p
, comp≥1. (11.12)
A express˜ao (11.12) generaliza (11.10) e (11.11). A normakAk2´e por vezes denominada anorma de Frobenius4da matriz A.
E. 11.3Exerc´ıcio. Mostre que (11.9)-(11.12) de fato definem normas emMat (C, n). (Note que (11.10)-(11.11) s˜ao casos particulares de (11.12)). Use a desigualdade de Minkowski (p´agina 1280) para (11.12). 6
E. 11.4Exerc´ıcio. A norma de Frobenius (11.11) tem uma interpreta¸c˜ao interessante. Mostre que,
hA, Bi= Tr(A∗B) =
n
X
a=1 n
X
b=1
AabBab, (11.13)
4Ferdinand Georg Frobenius (1849–1917).
A, B∈Mat (C, n), define um produto escalar emMat (C, n). Mostre que (11.11) ´e a norma associada a esse produto escalar, ou seja,kAk2=p
hA, Ai=p
Tr(A∗A). 6
Observa¸c˜ao. E importante lembrar o Teorema 3.2, p´´ agina 235, que afirma que em espa¸cos vetoriais de dimens˜ao finita todas as normas s˜ao equivalentes. Assim, em Mat (C, n) a norma operatorialkAkCe as normaskAk∞ekAkpcomp≥1 s˜ao todas equivalentes. Note-se, por´em, que a propriedade de submultiplicatividadekABkC≤ kAkCkBkCda norma operatorial n˜ao ´e necessariamente compartilhada por outras normas. Devido `a equivalˆencia de todas as normas matriciais, tem-se em geralkABk ≤ckAk kBkpara alguma constantec >0. ♣
E. 11.5Exerc´ıcio. SejaD∈Mat (C, n)uma matriz diagonal: D= diag (d1, . . . , dn)comdk∈C. Mostre quekDkC= max{|d1|, . . . ,|dn|}, ou seja, para matrizes diagonaiskDkC=kDk∞. 6
•Equivalˆencia entre normas matriciais
Aqui denotaremos a norma operatorial de uma matrizAporkAk.
Sejamei,i= 1, . . . , nos vetores da base canˆonica deCn, ou seja, os vetores cujaj-´esima componente ´e (ei)j=δij. SeA∈Mat (C, n), ´e claro que ai-´esima componente do vetorAej´e (Aej)i=Aij. Da´ı,
kAejk2C
kejk2C
= Xn
i=1
|Aij|2.
Logo, para todoj,
kAk2 := sup
v∈Cn v6=0
kAvk2C
kvk2C ≥ max
j=1, ..., n
kAejk2C
kejk2C = max
j=1, ..., n
(n
X
i=1
|Aij|2 )
. (11.14)
Tem-se tamb´em o seguinte. Para qualquer vetorv ∈Cn, vale (Av)i =Pn
j=1Aijvj. Assim, pela desigualdade de Cauchy-Schwarz (3.17), p´agina 232,
|(Av)i|2 ≤
Xn
j=1
|Aij|2
Xn
k=1
|vk|2
!
=
Xn
j=1
|Aij|2
kvk2C.
Da´ı,
kAvk2C = Xn
i=1
|(Av)i|2 ≤
Xn
i=1
Xn
j=1
|Aij|2
kvk2C. Logo,
kAk2 := sup
v∈Cn v6=0
kAvk2C kvk2C
≤ Xn
i=1
Xn
j=1
|Aij|2. (11.15)
Como Xn
i=1
|Aij|2≥ max
i=1, ..., n
|Aij|2 , segue de (11.14) que
kAk2 ≥ max
j=1, ..., n max
i=1, ..., n|Aij|2. Logo, para todoi, jvale|Aij| ≤ kAk, ou seja,
kAk∞ ≤ kAk. De (11.15) vemos tamb´em que
kAk2 ≤ Xn
i=1
Xn
j=1
|Aij|2 ≤ Xn
i=1
Xn
j=1
kAk2∞ = n2kAk2∞. Conclu´ımos assim que em Mat (C, n)
kAk∞ ≤ kAk ≤ nkAk∞. (11.16)
A express˜ao (11.16) mostra-nos que caso tenhamos uma sequˆencia de matrizesAmcomkAmk →0 quandom→ ∞, ent˜ao cada elemento de matriz (Am)ijtamb´em converge a zero quandom→ ∞. E vice-versa: Se (Am)ij→0 para todos ijquandom→ ∞, ent˜aokAmk →0 quandom→ ∞.
Nota.Antes de prosseguirmos, comentemos tamb´em que as duas desigualdades (11.16) s˜ao optimais, ou seja, n˜ao podem ser melhoradas para matrizes gen´ericas. Por exemplo, ´e evidente quek1k∞= 1 e quek1k= 1. Assim, pelo menos nesse caso tem-se a igualdade na primeira desigualdade de (11.16). H´a tamb´em um caso em que se tem a igualdade na segunda desigualdade de (11.16). Considere-se a matrizMcujos elementos de matriz s˜ao todos iguais a 1, ou seja,Mij= 1 para todosi, j. Seja o vetorudeCncujas componentes s˜ao todas iguais a 1, ou seja,ui= 1 para todoi. ´E elementar ver queM u=nu. LogokM ukC
kukC
=n. Portanto,kMk ≥nekMk∞= 1. Assim,kMk ≥nkMk∞e, da
segunda desigualdade de (11.16), conclu´ımos que, nesse caso,kMk=nkMk∞. ♣
A desigualdade (11.15) significa quekAk ≤ kAk2. Ao mesmo tempo, a desigualdade (11.14) mostra que nkAk2 =
Xn
j=1
kAk2 ≥ Xn
j=1
Xn
i=1
|Aij|2 = kAk22. Logo, conclu´ımos que em Mat (C, n)
√1
nkAk2 ≤ kAk ≤ kAk2. (11.17)
E. 11.6Exerc´ıcio. Mostre que emMat (C, n) 1
n2kAk1 ≤ kAk ≤nkAk1. (11.18)
Sugest˜ao:Mostre primeiro quekAk∞≤
n
X
i, j=1
|Aij| ≤n2kAk∞ou seja
kAk∞ ≤ kAk1 ≤n2kAk∞. (11.19)
e, ent˜ao, use (11.16). 6
E. 11.7Exerc´ıcio. Mostre que as desigualdades (11.19) tamb´em n˜ao podem ser melhoradas. 6
Nota. As express˜oes (11.16), (11.17), (11.18) e (11.19) mostram-nos de modo expl´ıcito que em Mat (C, n) as normask · k,k · k∞,k · k1e k · k2s˜ao equivalentes (vide defini¸c˜ao `a p´agina 235). Como j´a mencionamos, em espa¸cos de dimens˜ao finita todas as normas matriciais s˜ao
equivalentes (Teorema 3.2, p´agina 235). ♣
*
A importˆancia de se introduzir uma norma emL(V) ´e que podemos dessa forma introduzir uma no¸c˜ao de distˆancia entre elementos desse conjunto, ou seja, podemos definir uma m´etrica emL(V) pord(A, B) =kA−Bk. Deixamos para o leitor a tarefa de demonstrar que isso de fato define uma m´etrica emL(V). Com isso, fazemos deL(V) um espa¸co dotado de uma topologia m´etrica. Fora isso, o importante Teorema 39.2 demonstrado `a p´agina 2025 afirma queL(V) ser´a um espa¸co m´etrico completo seV o for. Logo, comoCneRns˜ao sabidamente espa¸cos vetoriais completos, assim o ser˜ao Mat (C, n), Mat (R, n), assim comoL(Mat (C, n)) etc. ´E poss´ıvel dessa forma falar de convergˆencia de sequˆencias e s´eries de matrizes de Mat (C, n), Mat (R, n), assim como de elementos deL(Mat (C, n)) etc. Abaixo faremos uso repetido desse fato fundamental.
11.2 Exponenciais, Logaritmos e Fun¸c˜oes Anal´ıticas de Ma- trizes
No estudo da teoria de grupos e em outras ´areas ´e muito conveniente definir certas fun¸c˜oes de operadores lineares, tais como exponenciais, logaritmos etc. J´a abordamos a defini¸c˜ao da exponencia¸c˜ao de matrizes nos cap´ıtulos 10 e 14. Vamos aqui tentar uma abordagem mais geral.
•S´eries de potˆencias de matrizes
SejaA∈Mat (C, n) uma matrizn×ncomplexa e seja{am m∈N}uma sequˆencia de n´umeros complexos. A express˜ao
X∞
m=0
amAm = lim
N→∞
XN
m=0
amAm = a01+a1A+a2A2+a3A3+· · ·
´e dita ser uma s´erie de potˆencias convergente, caso o limite acima exista em Mat (C, n).
Nota.Adotaremos sempre a conven¸c˜ao queA0=1. ♣
A seguinte proposi¸c˜ao ´e fundamental:
Proposi¸c˜ao 11.1A s´eria de potˆencias X∞
m=0
amAm´e convergente se X∞
m=0
|am| kAkmC<∞. 2
A importˆancia dessa proposi¸c˜ao reside no fato queP∞
m=0|am|kAkmC´e uma s´erie num´erica e, portanto, mais simples de lidar.
Prova.Sejam as somas parciaisSN:=
XN
m=0
amAm.Teremos paraM < N,
kSN−SMkC =
XN
m=M+1
amAm C
≤ XN
m=M+1
|am| kAkmC.
Agora, como a s´erie num´ericaP∞
m=0|am| kAkmC converge,sN:=PN
m=0|am| kAkmC ´e uma sequˆencia de Cauchy. Logo PN
m=M+1|am| kAkmC pode ser feito menor que qualquerǫ >0 dado, desde que escolhamosMeN grandes o suficiente.
LogoSN ´e tamb´em uma sequˆencia de Cauchy no espa¸co m´etrico completo Mat (C, n). Portanto,SN converge em Mat (C, n) quandoN→ ∞.
•Fun¸c˜oes anal´ıticas de matrizes
A Proposi¸c˜ao 11.1 conduz `a seguinte defini¸c˜ao. Sejar >0 eDr={z∈C| |z|< r}o disco aberto de raiorcentrado em 0 no plano complexo. Sejaf:Dr→Cuma fun¸c˜ao anal´ıtica emDr. Como bem sabemos,f pode ser expressa em termos de uma s´erie de potˆencias (s´erie de Taylor centrada emz0= 0): f(z) =P∞
m=0fmzm, ondefm=f(m)(0)/m!.
E bem sabido tamb´em que essa s´erie ´e absolutamente convergente em´ Dr: P∞
m=0|fm| |z|m<∞, se|z|< r. Podemos ent˜ao definir
f(A) :=
X∞
m=0
fmAm
para toda a matrizAcomkAkC< r, pois a proposi¸c˜ao acima garante que a s´erie de matrizes do lado direito converge a alguma matriz de Mat (C, n), que denotamos porf(A), fazendo uma analogia ´obvia com a fun¸c˜ao num´ericaf.
A seguinte proposi¸c˜ao sobre essas fun¸c˜oes de matrizes ser´a frequentemente usada no que seguir´a.
Proposi¸c˜ao 11.2 I.Sejamf egduas fun¸c˜oes anal´ıticas no mesmo dom´ınioDr. Definamos(f+g)(z) :=f(z) +g(z) e(f g)(z) :=f(z)g(z),z∈Dr. Ent˜ao, paraA∈Mat (C, n)comkAkC< rteremosf(A) +g(A) = (f+g)(A)e f(A)g(A) =g(A)f(A) = (f g)(A).
II.Sejamfegduas fun¸c˜oes anal´ıticas, com dom´ıniosDrfeDrg, respectivamente, e tais que a imagem degesteja contida no dom´ınio def. Podemos ent˜ao definirf◦g(z) :=f(g(z)). Ent˜ao, paraA∈Mat (C, n)comkAkC< rg
teremosf(g(A)) =f◦g(A). 2
Prova.←→Exerc´ıcio.
Note-se que a parteIda proposi¸c˜ao acima afirma que existe um homomorfismo da ´algebra das fun¸c˜oes anal´ıticas em um dom´ınioDr⊂Ce Mat (C, n).
Vamos mais adiante usar o seguinte resultado, que essencialmente afirma que as matrizesf(A) definidas acima, com fanal´ıtica em um dom´ınioDr⊂C, dependem continuamente deA.
Proposi¸c˜ao 11.3Sejaffun¸c˜ao complexa anal´ıtica em um dom´ınioDr⊂C, comftendo a s´erie de Taylor absoluta- mente convergentef(z) =P∞
k=0fkzk,|z|< r. Seja tamb´emBm,m∈N, uma sequˆencia de matrizes deMat (C, n)tais quelimm→∞kBmkC= 0. Ent˜ao, para todoA∈Mat (C, n)comkAkC< rtem-se
mlim→∞f(A+Bm) = f(A).
2
Prova.Comecemos com um coment´ario sobre o enunciado do teorema. Para quef(A+Bm) esteja definido ´e necess´ario quekA+BmkC< r. ComokA+BmkC≤ kAkC+kBmkCekAkC< r, a condi¸c˜ao ´e satisfeita paramgrande o suficiente, pois limm→∞kBmkC= 0. Assim, estaremos supondo quem´e grande o suficiente de modo quekBmkC< ǫpara algum ǫtal quekAkC+ǫ < r. Feita essa ressalva, passemos `a demonstra¸c˜ao.
A prova da proposi¸c˜ao segue das duas observa¸c˜oes seguintes. A primeira ´e que para quaisquer matrizesX, Y ∈ Mat (C, n) e qualquerkinteiro positivo tem-se a seguinte identidade alg´ebrica, denominadasoma telesc´opicaouidenti- dade telesc´opica:
Xk−Yk =
k−1
X
p=0
Xp(X−Y)Yk−1−p. (11.20)
Para provar isso, basta expandir a soma do lado direito e mostrar, ap´os alguns cancelamentos, que obtem-se o lado esquerdo (fa¸ca!).
A segunda observa¸c˜ao ´e que sef´e anal´ıtica emDr, sua derivada tamb´em o ´e. Assim,f′(z) =P∞
k=0kfkzk−1converge absolutamente para|z|< r, ou seja,P∞
k=0k|fk| |z|k−1<∞sempre que|z|< r.
Assim,
f(A+Bm)−f(A) = X∞
k=0
fk
(A+Bm)k−Ak . Usando (11.20) comX=A+BmeY =A, teremos
f(A+Bm)−f(A) = X∞
k=0
fk k−1
X
p=0
(A+Bm)pBmAk−1−p. Logo,
kf(A+Bm)−f(A)kC ≤ kBmkC X∞
k=0
|fk|
k−1
X
p=0
kA+BmkpCkAkkC−1−p. Agora, como dissemos,kA+BmkC<kAkC+ǫ < re, obviamente,kAkC<kAkC+ǫ < r. Portanto,
kf(A+Bm)−f(A)kC ≤ kBmkC X∞
k=0
|fk|
k−1
X
p=0
(kAkC+ǫ)k−1 = kBmkC X∞
k=0
k|fk|(kAkC+ǫ)k−1.
Como comentamos acima, a soma do lado direito ´e finita. Como, por´em, kBmkC → 0 param → ∞, teremos limm→∞kf(A+Bm)−f(A)kC= 0, que ´e o que quer´ıamos provar.
•Exponenciais e logaritmos de matrizes
Com as defini¸c˜oes apresentadas acima, podemos definir exponenciais e logaritmos de matrizes. Temos, exp(A) ≡ eA :=
X∞
m=0
1
m!Am (11.21)
para toda matrizA∈Mat (C, n), pois a s´erie de Taylor da fun¸c˜ao exponencial converge absolutamente em todo o plano complexo.
Analogamente, podemos definir
ln(1+A) = X∞
m=1
(−1)m−1
m Am (11.22)
para toda matrizA∈Mat (C, n) comkAkC<1, pois a s´erie de Taylor da fun¸c˜ao ln(1 +z) converge absolutamente em D1.
Nota.ParakA−1kC<1 podemos definir ln(A) por ln(A) := ln 1+ (A−1)
. ♣
E. 11.8Exerc´ıcio. Usando a Proposi¸c˜ao 11.2, mostre que(exp(A))m= exp(mA)para toda matrizA∈Mat (C, n)e todom∈Z.
Mostre tamb´em que
exp ln(1+A)
=1+A para toda matrizA∈Mat (C, n)comkAkC<1e que
ln exp(B)
=B para toda matrizB∈Mat (C, n)comkexp(B)−1kC<1.
Note que
kexp(B)−1kC=
∞
X
m=1
1 m!Bm
C
≤
∞
X
m=1
1
m!kBkmC =ekBkC−1.
Assim, a condi¸c˜aokexp(B)−1kC<1´e satisfeita sekBkC<ln 2. 6
Sobre a exponencial de matrizes temos o seguinte:
Proposi¸c˜ao 11.4Existe uma bola abertaBr(0)de raior >0centrada em0emMat (C, n)tal que a aplica¸c˜aoexp : Mat (C, n)→Mat (C, n)definida acima ´e um homeomorfismo (em verdade, um difeomorfismo) entreBr(0)e sua imagem,exp(Br(0)), a qual ´e uma vizinhan¸ca aberta da matriz identidade1. 2
Prova. Temos que, para todoA∈Mat (C, n), exp(A)−1=A+ϕ(A), ondeϕ(A) :=
X∞
m=2
1
m!Am.E f´´ acil ver que
kϕ(A)k
kAk →0 parakAk →0. exp(A)−1´e cont´ınua e diferenci´avel em uma vizinhan¸ca de 0 (em verdade, em toda parte) e sua derivada em 0 ´e a identidade. A afirma¸c˜ao da Proposi¸c˜ao 11.4 segue ent˜ao do bem conhecido Teorema da Aplica¸c˜ao Inversa (vide, por exemplo, [256]).
Junto com o ´ultimo exerc´ıcio, isso prova a seguinte proposi¸c˜ao:
Proposi¸c˜ao 11.5Para toda matrizA∈Mat (C, n)comkA−1kC<1tem-se exp ln(A)
= A . Para toda matrizB∈Mat (C, n)comkBkC<ln 2tem-se
ln exp(B)
= B . (11.23)
2
•Exponenciais de matrizes diagonaliz´aveis e o Teorema Espectral
SeA∈Mat (C, n) ´e diagonaliz´avel, o Teorema Espectral (Teorema 10.7, p´agina 494) e o C´alculo Funcional (Teorema 10.8, p´agina 496) permitem obter express˜oes simples para a exponencial exp(A) em termos dos autovalores e dos projetores espectrais deA. De fato, sejaA=Pr
k=1αkEka decomposi¸c˜ao espectral deA, com{α1, . . . , αr}sendo seus autovalores