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LIMITAÇÕES PARA AMPLIAÇÃO DA COBERTURA PREVIDENCIÁRIA NO BRASIL E NO CHILE: UM ESTUDO SOB A ÓTICA DA ECONOMIA POLÍTICA DOS SISTEMAS-MUNDO

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Academic year: 2021

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PREVIDENCIÁRIA NO BRASIL E NO CHILE:

UM ESTUDO SOB A ÓTICA DA ECONOMIA POLÍTICA DOS SISTEMAS-MUNDO

Gustavo Fabiano da Costa

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Resumo

O propósito deste artigo é analisar as transformações que a política de previ- dência social sofreu no Brasil e no Chile após meados de 1970, relacionando- as com movimentos da economia-mundo que delineiam uma conjuntura em escala mundial com mudanças significativas nos processos de acumulação e de intervenção estatal. No território chileno os investimentos em atividades de produção e comércio líderes do processo de acumulação no pós-guerra já mostravam saturação em meados de 1970, o que, paralelamente ao potencial demonstrado por movimentos sociais em virtude do rápido crescimento da população urbana, influenciou a instauração da ditadura que impôs uma série de medidas impopulares no campo previdenciário entre 1974 e 1981. Como no Brasil os investimentos em atividades de produção e comércio apresentaram recuo significativo somente no início dos anos 1980, a vigência de governos ditatoriais até aquele momento mais produziu do que enfrentou movimentos democráticos no país. Medidas impopulares no campo previdenciário foram tomadas especificamente nos anos de 1998 e 2003, sem ligação com o autorita- rismo. Apesar das defasagens temporais das mudanças nos dois países, devidas às diferentes correlações de forças internas entre as classes, o artigo conclui que a política de previdência social passa por transformações no Brasil e no Chile em consonância com a conjuntura da economia-mundo capitalista.

Palavras-chave: Previdência Social; Seguridade Social; Previsão Social;

Capitalismo; Economia-Mundo.

Classificação JEL: I18, N36,

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Mestre em Economia e Professor Substituto no Departamento de Economia da Universidade federal de Santa

Catarina. E-mail: gustav_cost@yahoo.com

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1. INTRODUÇÃO

Há um quarto de século que a “reforma da previdência” se impõe em uma quantidade crescente de países como algo que muitos dos atores sociais julgam necessário, imprescindível ou mesmo inevitável. Esta não é uma questão menor, pois ao aderirem a tal movimento os governos mo- dificam princípios fundamentais nos programas previdenciários que em décadas anteriores pareciam ser inerentes à natureza dos próprios Estados nacionais. Ocorre que os governos não têm podido ou mesmo desejado resistir às pressões para se retirarem ou diminuírem a participação do Estado na Previdência Social. Ora, isso representa uma grande mudança em relação ao período anterior, vale dizer, aquele que vai dos anos 1930 até o início da década de 1980.

De fato, desde o imediato pós-guerra, no bojo de acordos internacionais voltados à estabilização e mesmo restabelecimento das relações sociais nos diferentes Estados nacionais, a política de previdência social passaria a ser desenvolvida como mecanismo de equiparação das condições de existência dos indivíduos no interior dos países, sob a bandeira da “justiça social”.

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Nesse momento a previdência é promovida como “direito de cidadania” no sistema de Estados nacionais, e se desde então este direito não se realizou em todas as regiões no mundo, ainda permanece como aspiração legítima por parte das populações residentes nos diversos Estados nacionais.

O presente trabalho considera a estabilidade social alcançada no interior dos países a partir do imediato pós-guerra uma condição decisiva para o investimento massivo de capitais em atividades de produção e comerciali- zação de bens materiais intensivas em força-de-trabalho, e que teve como um de seus resultados a expansão de direitos sociais garantidos através da

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Em um dos acordos internacionais que marcam o período do imediato pós-guerra, realizado ainda em 1944 na

cidade da Filadélfia nos Estados Unidos da América (EUA), vários representantes de Estado (governos) reuniam-se

por intermédio da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e concordavam com relação à necessidade de que

diversas práticas relacionadas ao trabalho passassem a ser pautadas pela “justiça social”, entre as quais “... proteção do

trabalhador contra enfermidades, sejam ou não profissionais, contra os acidentes de trabalho, proteção das crianças,

dos adolescentes e das mulheres, aposentadoria por idade e por invalidez (OIT, 1944: Preâmbulo)”. Esse conjunto

de práticas caracterizou a chamada política de previdência social implementada posteriormente em diversos países, a

qual, mesmo apresentando especificidades em cada local onde foi sendo desenvolvida, seguiu por décadas aqueles

princípios fundamentais que expressavam preocupações dos governos no imediato pós-guerra.

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política previdenciária em todo o sistema interestatal.

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Neste processo, os Estados nacionais ampliaram o contingente de pessoas beneficiadas pela previdência social (trabalhadores e seus dependentes), o que incentivava a incorporação de estratos da população nacional aos processos de acumu- lação então dominantes. Ou seja, a política previdenciária contribuía para induzir as pessoas a deixar os espaços agrários em troca da vida urbana, o que elevava a disponibilidade de mão-de-obra assalariada em atividades voltadas à produção e comercialização de mercadorias.

Seguindo a perspectiva da Economia Política dos Sistemas-Mundo (EPSM),

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a estabilidade social do pós-guerra teria sido materializada com base na reorganização, por um lado, das condições para legitimação do poder político exercido pelos Estados nacionais e por outro, nas possibilidades de obtenção de lucros por parte de corpos empresariais movidos pelo padrão Ocidental da livre iniciativa. Estes assumiram compromissos estreitos com o nível de remuneração do trabalho na expectativa de que a remuneração do capital se mantivesse elevada no longo prazo, enquanto governos vieram organizar ativamente as relações sociais no sentido de atender e controlar aspirações de trabalhadores e cidadãos em geral (ARRIGHI, 1994; WAL- LERSTEIN, 1995: 121-143).

É da natureza do Estado nacional a afirmação da soberania, o que, no contexto de uma economia-mundo capitalista, impõe a obtenção de recursos financeiros, que são produzidos pelas empresas capitalistas. Por esta razão cada Estado procura internalizar em seu territórios os elos mais rentáveis das cadeias mercantis (produtivas e financeiras)

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. A hierarquia no sistema interestatal é determinada pela capacidade de internalizar atividades econômicas com maior capacidade de absorção de exceden- tes econômicos criados no espaço mundial. Portanto, a preservação e aumento do poder de um Estado (em última instância o monopólio do

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Considera-se que as mútuas relações entre os Estados Nacionais os tornam parte deste todo que é o sistema inte- restatal, que é hierarquizado, em termos de poder e de riqueza, e ao qual, por isso, acompanha uma desigualdade nos direitos sociais.

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A EPSM toma como unidade de análise a economia-mundo capitalista, constituída por um conjunto de cadeias mer- cantis e fluxos financeiros que se estendem por todo o globo, o qual está dividido em jurisdições políticas chamadas Estados nacionais. Temos assim uma única divisão de trabalho e um grande número de unidades políticas.

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O suposto é que a rentabilidades dos vários elos (etapas) das cadeias mercantis é inversamente proporcional ao grau

de concorrência. Onde há mais concorrência, a rentabilidade é menor.

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uso da força) passa pela adoção de políticas com vistas a atrair, manter ou desenvolver em seus respectivos territórios atividades mais rentáveis na divisão social e mundial do trabalho.

O presente trabalho procura interpretar o atual quadro de crise na previdência social no Brasil e Chile a partir desta perspectiva. Histori- camente, alguns estratos da população trabalhadora residente nos dois países conseguiram o direito de receber benefícios da previdência social de forma bastante adiantada (temporalmente) e privilegiada em relação ao restante da população trabalhadora, o que se deveu a que se vinculam às atividades econômicas mais rentáveis localizadas nos dois territórios.

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O processo começa a se verificar já a partir da virada do século XIX nos dois países estudados, porém de forma mais acelerada depois das décadas de 1920 no Chile e de 1930 no Brasil, quando os respectivos aparelhos de Estado estavam mais fortes.

Tal forma de evolução da política previdenciária se verifica sem inter- rupções significativas até o início dos anos 1970, quando se observa uma mudança na conjuntura da economia-mundo e que faz com que grandes volumes de capitais deixem a produção e o comércio de mercadorias para concentrarem-se em comercio de títulos de dívidas e comércio de moedas.

Pari passu, a reprodução do monopólio do uso da força por parte dos Esta- dos nacionais passa a se fundamentar muito menos na criação de condições para acumulação de riquezas em produção e comércio de mercadorias no espaço nacional, como ocorrera em décadas anteriores, para se fundamentar principalmente na criação de condições para reprodução do valor de capitais mantidos nas respectivas jurisdições por meio de acumulação financeira.

Políticas de controle inflacionário e de minimização de gastos públicos passam a constituir-se com mais veemência do que políticas para regulação das contratações de trabalho assalariado, do que foi um exemplo a garantia de benefícios previdenciários para a população.

A primeira seção do trabalho apresenta a noção de economia-mundo como unidade de análise para o tema estudado. A segunda seção aborda a extensão da política previdenciária a estratos da população (trabalhadores e seus dependentes) ligados a atividades estratégicas para a consecução do

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Esta é uma forma daquela desigualdade que é constitutiva da economia-mundo capitalista.

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processo de industrialização nos espaços brasileiro e chileno. Na terceira seção são sintetizadas algumas considerações em relação às transformações verificadas ao início da década de 1970 nos processos de acumulação até então predominantes no espaço mundial. Na quarta seção são abordadas as formas de atuação do Estado nos dois países em matéria de política pre- videnciária diante do fenômeno da expansão financeira que ocorre a partir dos anos 1970. Ver-se-á que conforme este fenômeno torna mais escasso o volume de capitais em atividades de produção e comércio, reduz-se o nível de emprego da população trabalhadora e alteram-se as formas de sua contratação na economia-mundo como um todo. As implicações para a forma de organização dos programas previdenciários – as necessidades de reformas previdenciárias – se verificam já em meados dos anos 1970 no Chile, e no Brasil depois dos anos 1990.

2. ECONOMIA-MUNDO COMO UNIDADE DE ANÁLISE

A EPSM postula a operação de uma única e extensa divisão do tra- balho no espaço mundial, ao longo da qual são criados excedentes eco- nômicos distribuídos ao longo de cadeias mercantis

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. Como a divisão do trabalho se realiza não somente entre classes, mas também entre regiões, a distribuição dos excedentes econômicos e, portanto, o conflito de inte- resses antagônicos, não se verifica somente entre proprietários do capital e possuidores da força de trabalho, mas também entre espaços nacionais que dispõem de diferentes graus de força para internalizar excedentes econômicos em seus respectivos territórios. Ao longo do espaço mundial um grande e disperso número de indivíduos deve receber remuneração lançada como custo em registros contábeis espalhados regionalmente ao longo da cadeia, enquanto um número menor de pessoas, também disper-

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“Tome-se um item de consumo final e remonte-se à origem do conjunto de insumos que culminou no item – as

transformações anteriores, as matérias primas, os mecanismos de transporte, o insumo de mão-de-obra em cada

um dos processos materiais, os insumos de alimentação na mão-de-obra. A esse conjunto interligado de processos

chamamos de uma cadeia de mercadorias” (HOPKINS e WALLERSTEIN apud ARRIGHI e DRANGEL, 1986:145). Há

de se destacar os desdobramentos de tal estruturação em termos de alcance espacial, pois considera-se até mesmo

aquelas atividades minimamente ligadas à seqüência de atividades econômicas, contanto que estejam de alguma forma

sendo remuneradas com excedentes criados ao longo de toda a cadeia capitalista mundial.

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so, recebe de algum modo o excedente econômico criado em forma de receitas

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(WALLERSTEIN, 1995:16).

Este processo ocorre em unidades políticas, os Estados nacionais, que para melhorar sua posição na distribuição da riqueza mundial interferem constantemente no sentido de atrair para dentro de suas jurisdições os elos mais lucrativos das cadeias mercantis, o que provoca uma permanente dis- puta entre todos os Estados.

Certos grupos da população trabalhadora no espaço mundial estão vinculados a elos mais rentáveis de cadeias mercantis que recortam os Estados nacionais, obtendo assim proporções mais elevadas de assala- riamento e maiores possibilidades de organização política para realizar reinvidicações voltadas a aumentar a participação no excedente econômico mundial internalizado/nacionalizado em cada território, que comumente se denomina como “renda nacional”. A história moderna mostra que alguns Estados nacionais vêm obtendo maior sucesso que outros para manter elos mais rentáveis na divisão mundial do trabalho, o que contribui para uma posição privilegiada de certos grupos da população trabalhadora em reação a outros localizados em regiões – periferias e semiperiferias - sob domínio político de Estados mais fracos.

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Entretanto, o próprio sucesso de estratos da população trabalhado- ra em regiões centrais na economia-mundo, onde se concentra a maior quantidade de elos rentáveis na divisão mundial do trabalho e, portanto,

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Tanto a Economia Clássica quanto a crítica marxiana concentraram-se na distribuição do produto total entre os chamados fatores de produção, de modo que as atividades econômicas geram remunerações para o trabalho, para a propriedade, além de um “rendimento residual” interpretado como “lucro puro” vinculado à remuneração empresarial.

A crença na existência de competição em todo o sistema capitalista – os clássicos dando pouca atenção às imposições políticas contra a livre mobilidade dos fatores de produção, e Karl Marx dando pouca atenção aos limites impostos para a realização da “lei do valor” – os levou a ignorar a desigualdade entre rendimentos do mesmo fator de produção buscando remuneração em diferentes tipos de atividades econômicas. Na perspectiva da EPSM os fatores de produção são analisados como atores econômicos que procuram repelir pressão competitiva dos elos de atividade onde estão reunidos para outros elos, pois isso lhes permite apropriar-se de maiores fluxos de rendimentos criados nas cadeias mercantis, sendo a ação política do Estado fundamental para realização dessa busca. Assim, compreende-se a distribuição do produto total não entre fatores de produção, mas sim entre diferentes tipos de atividades econômicas que combinam

fatores de produção ao longo de diversas jurisdições políticas, ou entre atores econômicos reunidos em diferentes elos de cadeias mercantis. O conceito de “excedente” expressa justamente o rendimento diferencial criado no conjunto das

atividades econômicas que é apropriado por indivíduos (empreendedores, proprietários, proprietários-empreendedores e/ou mesmo trabalhadores) reunidos em elos de cadeias mercantis localizados em diferentes Estados.

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Segundo a EPSM, a renda dos trabalhadores de um país depende da capacidade deste Estado internalizar renda criada

no espaço mundial. Entende-se assim porque a alianças entre trabalhadores, capitalistas e Estados, cimentada pelo

nacionalismo, prevaleceu frente às tentativas de criar um movimento internacional de trabalhadores.

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a maior parte dos excedentes econômicos mundiais, faz crescer em outras regiões do sistema o grau de reinvidicação dos trabalhadores também inseridos em elos de atividade rentáveis na divisão mundial do trabalho.

Isto ocorre na medida em que alguns destes elos mais rentáveis podem estar localizados em determinados momentos do tempo em regiões fora do centro, já que os Estados nacionais tendem a praticar políticas em be- nefício dessas atividades de forma a desenvolvê-las, atraí-las e mantê-las em seus respectivos territórios.

Na medida em que são atendidas as demandas de trabalhadores mais bem posicionados na divisão mundial do trabalho que estão localizados em regiões fora do centro, o que, enfatiza-se, consiste concomitantemente em meio eficaz para Estados (semi)periféricos se legitimarem, cria-se nestas regiões uma estratificação na população trabalhadora. Com isso, alguns poucos trabalhadores com direitos garantidos perante o Estado aparecem como privilegiados diante de condições vigentes para o restante da popu- lação existente no país.

3. A RELAÇÃO DA POLÍTICA PREVIDENCIÁRIA COM OS ELOS DAS CADEIAS MERCANTIS LOCALIZADOS NO BRASIL E CHILE As medidas de proteção social implementadas no Brasil e no Chile na virada do século XIX e nos anos iniciais do século XX seriam direcionadas para trabalhadores localizados em atividades que viabilizavam o escoamento de produtos minerais e agrícolas exportáveis para o centro da economia- mundo (trabalhadores portuários e ferroviários), e para aqueles que vinham fazer parte do fortalecimento do próprio Estado nacional – militares das diversas armas e burocracias.

No momento de instauração da República no Brasil (1889) são imple-

mentadas algumas leis voltadas à obrigatoriedade dos antigos montepios

para funcionários do Ministério da Fazenda e à instituição de aposentadorias

para ferroviários do Estado. Em 1892 é aprovada lei que cria aposentadoria

por invalidez e pensão por morte para funcionários da Marinha no Rio de

Janeiro. Já no ano de 1911 seria aprovada mais uma lei que criou a caixa

de pensões para funcionários da Casa da Moeda, e no ano seguinte para

trabalhadores da Alfândega do Rio de Janeiro (MPAS, 2005).

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No Chile, seria aprovada em 1911 a primeira lei voltada à instituição de aposentadorias para trabalhadores das ferrovias do Estado, e em 1915 para a criação da caixa de aposentadoria e montepio para funcionários das forças armadas (LIZANA, 2004: 22). Faleiros destaca que essas legislações previdenciárias implementadas no Brasil e Chile e em outros países lati- no-americanos, entre a virada do século XIX e início do XX, surgem com a finalidade de proteger sistemas econômicos e enclaves mineiros locais voltados à exportação contra as instabilidades causadas por movimentos sociais nos grandes centros urbanos (FALEIROS, 1980: 101).

A Primeira Guerra Mundial abalaria a economia e a estrutura social nos dois países. Após o conflito, as medidas de proteção social adotadas no Brasil e Chile fazem parte de respostas dos respectivos Estados e capitalistas (oligarcas ou latifundiários) a uma conjuntura de grande agitação social no mundo todo, na qual grupos urbanos emergiam com relativa força para ame- açar a colocação do espaço nacional na divisão mundial do trabalho como fornecedor de bens primários e consumidor de produtos industrializados.

No que se refere ao Brasil:

A lenta diferenciação da economia urbana, intensificada com a Primeira Guerra Mundial, agregou novos protagonistas à reação antioligárquica (...); agora os grupos urbanos, isto é, os profissionais liberais, os funcionários, empregados e inclusive operários, começam a dar um novo sentido àquela reação (CARDOSO e FALETTO, 1970: 65-66)

Apesar de a classe trabalhadora não constituir ainda um grupo de pressão forte e homogêneo em um país predominantemente agrícola, juntamente à classe média, sua mobilização para combater o desemprego e para mostrar descontentamento com o aumento do custo de vida fez crescer a necessidade de extensão de medidas de caráter social por parte do Estado em formação:

Como força social, [o movimento trabalhista] tornou-se um

problema e uma ameaça potencial ao regime. Isto ficou de-

monstrado na preocupação crescente do país com a “questão

social” – uma expressão abrangente para designar os problemas

das classes média-baixa e operária (MALLOY, 1979: 41).

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É neste contexto que, em 1923, surge a lei Eloy Chaves, que figura como marco da previdência social no Brasil, ao estabelecer normas para a criação de Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP) para todos os traba- lhadores das ferrovias. Cada empresa deveria organizar CAP que seriam financiadas com contribuições dos trabalhadores, empresas e governo, me- dida que posteriormente seria estendida para portuários e marítimos. Malloy destaca que tais medidas “marcaram uma intromissão maior do governo federal nas relações trabalhistas do setor privado (Id., Ib.: 48).”

No Chile, o enfraquecimento da oligarquia agrária ocorre paralelamente à ascensão de um movimento social urbano que já ao início dos anos 1920 consegue incorporar-se ao Estado. Essa incorporação ao Estado ocorre con- forme as classes médias não negaram as vantagens em manter a economia de enclave chilena, que naquele momento era baseada na exportação do salitre sob controle da oligarquia latifundiária local associada a financistas estrangeiros. Os trabalhadores da produção de salitre, carvão e cobre, e tam- bém os ferroviários, se juntaram ao movimento social urbano liderado pelas classes médias na medida em que a ascensão destas ao Estado alimentava expectativas por melhores condições de trabalho para os operários:

A incorporação das classes médias urbanas significava também a mobilização dos setores populares; mas para estes a presen- ça da classe média no Estado, os direitos eleitorais, etc. não passavam de simples reivindicações políticas... (CARDOSO e FALETTO, 1970: 83).

No bojo dessa incorporação da classe média ao Estado foram criadas a Caixa de Seguro Operário (1924), posteriormente transformada em Serviço de Seguro Social (SSS), a Caixa de Empregados Particulares (EMPART), em 1925, e também neste ano a Caixa dos Empregados Públicos e Jornalistas (CA- NAEMPU) que ampliava os benefícios destes grupos (MESA-LAGO, 1985:

101). As caixas incluíam subsídios para cuidados médicos, aposentadorias por

velhice e invalidez, além de indenizações por acidentes de trabalho. Os empre-

gados particulares obtiveram acesso a uma caixa que funcionaria estritamente

como seguro, isto é, como poupança obrigatória para recebimento de benefícios

em caso de sinistros, enquanto a caixa dos operários incluía contribuições do

Estado provenientes de impostos gerais (ARELLANO, 1980: 128-129).

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A partir de 1929 Brasil e Chile passam a ter maior oportunidade e necessidade de articular políticas locais, conforme a crise econômica no centro da economia-mundo viria pressionar a lucratividade auferida por produtores de bens primários localizados em regiões (semi)periféricas, sendo o café e o salitre os produtos primários mais importantes no Brasil e Chile, respectivamente. A partir de então os Estados brasileiro e chileno passam a articular a política previdenciária com políticas de industrialização por substituição de importações, de modo a incentivar a adesão de trabalhadores às atividades urbano-industriais.

No Brasil as CAP foram estendidas para trabalhadores dos serviços de força, luz e bondes no ano de 1931, e para trabalhadores da mineração e do transporte aéreo em 1932. A partir de 1933 a previdência social passaria a ser organizada por institutos que centralizariam os recursos acumulados pelos trabalhadores dos setores de atividade mais importantes no país. Entre 1933 e 1938 foram criados cinco Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP), que organizavam a previdência para as atividades portuárias e marítimas, comercial, industrial, bancária e de transporte de cargas, juntamente às CAP remanescentes não transformadas em IAP.

A partir de então foi aumentando a quantidade de pessoas alcançadas pela política, na medida em que crescia o ritmo da atividade econômica e o emprego durante o processo de industrialização e também devido à incor- poração de cada vez mais benefícios no interior dos institutos. Em meados dos anos 1940 já era possível observar:

... um aumento do contingente de beneficiários em função do crescimento de trabalhadores filiados aos Institutos, da criação de novos Institutos e da extensão de alguns serviços aos fami- liares dos trabalhadores. Por outro lado, novos benefícios foram introduzidos, ao mesmo tempo em que ampliaram os serviços que já vinham sendo prestados (BARCELLOS, 1983: 56).

A organização da política de previdência social no Brasil não so- freria alterações significativas ao término da Segunda Guerra Mundial.

Não seria adotado no Brasil o aumento do grau de universalização nos

programas previdenciários, o que era uma proposição fundamental nos

acordos internacionais que eram então firmados no sistema interestatal e

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que tinham por objetivo remodelar o sistema capitalista diante da ameaça comunista que vinha do Oriente.

Exceto pela Lei Orgânica da Previdência Social aprovada em 1960, que unificaria as normas legislativas dos cinco IAP criados nos anos 1930, e pelo IAP dos ferroviários e empregados dos serviços púbicos, criado também no mesmo ano em substituição às antigas CAP dos dois setores, pode-se afirmar que a organização da previdência social no Brasil mantém-se a mesma entre 1930 e 1966. Os setores de atividade incluídos nos programas nesse ínterim são apresentados no quadro 1.

Criação do IAP Setor de Atividade

1930 Força, luz e bondes

1932 Mineração e transporte aeroviário

1934 Comerciários, trapiches e armazéns, estivadores e bancários.

1936 Industriários

1938 Servidores do Estado

1960 Ferroviários e empregados dos serviços públicos (antigas CAP) Fonte: MPAS

Notas: Elaboração própria com base em informações extraídas de MÉDICI et. al. Panorama His- tórico. In Conferência Interamericana de Seguridade Social, Série Monografias 15, 1995, México:

Secretaria Geral, 1995. p. 11-12; e MATIJASCIC, Milko. (2002). Crise e reforma do complexo previdenciário no Brasil. Campinas: Instituto de Economia, UNICAMP (Tese de Doutorado em Economia) p. 20 (Quadro 1.1)

QUADRO 1 Brasil: Setores de Atividade Econômica Incorporados à Política de Previdência Social – 1930 a 1966

Com a centralização dos IAP urbanos em um novo órgão do governo

federal no ano de 1966, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS),

e após a criação de um Programa de Assistência ao Trabalhador Rural

(PRORURAL) no início dos anos 1970, os benefícios da previdência social

no Brasil abrangiam em torno de 92% da população total do país no ano de

1974 (MALLOY, 1979: 140-141). Mas essa mensuração considera todos os

dependentes dos segurados como sendo indivíduos cobertos pela política

previdenciária no país. Um outro índice apropriado seria a porcentagem da

população segurada em relação à população economicamente ativa (PEA),

algo não disponível para o Brasil nesses anos.

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Durante o período que segue à crise de 1929 o Chile passaria por um processo de substituição do salitre pelo cobre como principal bem primário da pauta de exportações (ELGUETA e CHELÉN, 1977: 239), porém a de- manda por ambos os produtos no mercado internacional estava em baixa nos anos 1930. A queda na capacidade de importação foi um estímulo à produção nacional com vistas a produzir produtos de consumo antes importados. O Estado chileno realizaria uma série de intervenções para o estabelecimento da infra-estrutura necessária à industrialização.

A partir de 1938, durante o governo da Frente Popular, o Estado pas- saria a garantir direitos sociais e trabalhistas como o salário mínimo, ajuda familiar e indenização por anos de serviço para empregados públicos e particulares. No campo da previdência estes obtêm acesso à política de medicina preventiva, um ano após adquirirem o direito à ajuda familiar e aos subsídios contra desemprego com recursos recolhidos nas caixas de previdência (ARELLANO, 1980: 129), mudança que exige a realização de aportes do Estado como já ocorria nas caixas dos operários.

No período posterior à Segunda Guerra, quando capital e Estado norte- americano redefinem em seu favor a ordem política e econômica mundial, o Estado chileno adotaria medidas no campo previdenciário como a extensão de direitos à ajuda familiar e o subsídio contra desemprego para trabalhado- res das indústrias. A partir de 1952 os benefícios de aposentadorias e pensões pagos pelas caixas dos empregados particulares passam a ser garantidos com base em anos de serviços, e em 1958 é criado um sistema de seguro contra acidentes e enfermidades profissionais, além de um sistema específico para medicina curativa (Id., Ib.: 129).

As maiores possibilidades de reformas no Chile em relação ao Brasil

no mesmo período podem ser explicadas a partir da maior mobilização de

partidos de esquerda e movimentos operários naquele país, algo emblema-

tizado pela criação de uma Central Única dos Trabalhadores já no ano de

1953 (ELGUETA e CHELÉN, 1977: 241). Mas é de se destacar também que

a realização de reformas previdenciárias nesse período encontrou respaldo

na preponderância de forças internas em relação às externas entre o fim da

Segunda Guerra e meados dos anos 1950. Somente a partir de 1955, com

as perdas na comercialização do cobre após o término da guerra da Coréia,

é que capital e Estado norte-americanos passam a exercer maior influência

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na política de Estado no Chile. Essa influência se devia a que os Estados Unidos eram o maior mercado para o cobre e também a sede das empresas que controlavam a produção (Id.,Ib: 244).

O resultado do processo evolutivo da política de previdência social no Chile até fins dos anos 1960 seria a existência de 35 caixas previden- ciárias (ARENAS DE MESA, 2000: 12), às quais estariam afiliados 75%

dos trabalhadores chilenos, o que significava uma exclusão equivalente ao contingente de trabalhadores autônomos no país naquele momento (ARELLANO, 1980:128).

4. REPERCUSSÕES NO BRASIL E CHILE DE MUDANÇAS PÓS-1970 NOS PROCESSOS DE ACUMULAÇÃO

Na passagem dos anos 1960 para os anos 1970 ocorrem transforma- ções significativas nos processos de acumulação em escala mundial. Em países no centro da economia-mundo se verificaria uma redução do nível de investimentos em atividades que foram líderes em inovações e pilares do crescimento econômico durante os anos 1950-1960, isto é, daquelas ligadas às indústrias metal-mecânica, petroquímica e metais básicos.

Para Fernando Fajnzylber, este acontecimento associa-se a resultados do próprio crescimento em regiões mais ricas no espaço mundial: por um lado, aumentos do nível de remunerações do trabalho e da carga tributária em tais regiões fizeram cair a produtividade do capital empregado nas atividades tra- dicionais; por outro lado, ocorre uma saturação do consumo de bens duráveis como automóveis e produtos sintéticos derivados do petróleo, o que afetaria a demanda esperada pelas empresas implicando em redução do uso da capacidade instalada. Esses eventos induziriam à queda das taxas de rentabilidade, deses- timulariam a continuidade dos processos de inovação nas mesmas atividades em países industrializados, e se constituiriam ainda em fontes de inflação na medida em que as empresas tendiam a repassar para os preços o aumento dos custos com mão-de-obra e capital (FAJNZYLBER, 1983: 83-93).

Giovanni Arrighi destaca o fato de que o próprio crescimento eco-

nômico do período pós-guerra, fundamentado na transnacionalização de

atividades econômicas, criou uma situação de menor probabilidade para a

continuidade de reinvestimentos nas atividades que lideraram o processo de

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acumulação no período, pautadas pelo modo de produção em grande escala.

Por um lado, empresas localizadas na Europa Ocidental e no Japão passaram a competir com corporações norte-americanas para expandir atividades tanto dentro de seus territórios como em regiões periféricas na economia- mundo

10

. Por outro lado, o Estado norte-americano passa a usufruir poder político cada vez mais reduzido para regular a economia no espaço mundial em virtude da capacidade econômica apresentada pelas novas empresas na Europa e Japão, e também devido à elevação do poder político de Estados formados nestas regiões que atuam em prol de elos de atividades cada vez mais rentáveis localizados em sua jurisdição (ARRIGHI, 1994: 311-312).

Nesse sentido, a elevação da disponibilidade de recursos em mercados offshore – mercado de eurodólares – à época apareceu como um sintoma da própria desconcentração do processo de acumulação pautado em produção e comércio de mercadorias. Para Arrighi esta disponibilidade de eurodólares deveria estar associada com mudanças nas condições para reinvestimentos para companhias transnacionais norte-americanas, provavelmente principais depositantes nesses mercados à época (ARRIGHI, 1994: 313-314). Além dis- so, o crescimento acelerado do pós-guerra implicaria em um rápido processo de endividamento na medida em que famílias, empresas e governos tinham a possibilidade de suprir necessidades de consumo, investimentos e gastos públicos com recursos tomados como crédito no mercado financeiro, e não meramente a partir de recursos provenientes do desenvolvimento econômico vigente. O efeito disso foi uma crescente motivação para a internacionali- zação de atividades financeiras face à alternativa de reinvestir recursos em atividades de produção e comércio que foram típicas entre 1950 e 1960.

Na passagem dos anos 1960 para os anos 1970 a América Latina figurou como lugar atrativo para reinvestimentos em atividades de produção e co- mércio líderes no processo de acumulação vigente no pós-guerra. Fajnzylber destaca que o índice de produção nas atividades ligadas às indústrias de metal-mecânica, química e metais básicos continuou a crescer na América Latina até o ano de 1974. Após isso, a continuidade do crescimento em produção e o comércio de mercadorias na região durante a década não mais

10

São as empresas no Japão que passam a competir mais intensamente com processos de produção diametralmente opostos à produção em massa, isto é, voltados à rápida variação da capacidade produtiva em cada planta (flexibilidade).

Com esse objetivo passam a adotar como prioridades a formação de estoques reduzidos e a produção de volumes

suficientes para abastecer vendedores de forma just in time.

(15)

se verifica em função de reinvestimentos nas atividades de caráter mais inovativo do período pós-guerra (FAJNZYLBER, 1983: 94-98).

Mas, após meados dos anos 1970, especialmente após 1973, as regiões mais ricas do sistema-mundo passam a conviver com quadros recessivos e inflacionários em virtude do descolamento entre produção e comércio, de um lado, e o nível de endividamento alcançado por famílias, empresas e governos, de outro. A partir de então, além de ocorrer um encarecimento de recursos emprestáveis na banca internacional, Estados e empresas localizados no centro da economia-mundo (atuando por meio de organismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial) passam a definir estratégias para liberalização de mercados em regiões periféricas e semiperiféricas na economia-mundo.

TABELA 1: Brasil e Chile: Ritmo de crescimento do produto manufatu- reiro, taxas anuais – 1950-1978

PAÍS 1950-1965 1965-1973 1973-1978 1950-1978

Brasil 7,3 12,0 6,3 8,5

Chile 5,5 3,4 -1,4 3,7

América Latina 6,3 8,2 4,5 6,5

Fonte: ST/CEPAL/CONF

Notas: Extraído de FAJNZYLBER, Fernando (1983). La industrialización trunca de América Latina.

Centro de economia transnacional. México: Nueva Imagen, p. 154 (Quadro 37)

* Calculado com base no produto interno bruto a preços de mercado de 1970, em dólares ao tipo de câmbio de paridade.

Na tabela 1 os dados do produto industrial na América Latina mostram um crescimento de 4,5% entre 1973 e 1978. Mas, quando se observam os da- dos do Chile, percebe-se que já ocorre neste momento uma queda do produto relacionado à indústria, que recua 1,4% entre 1973 e 1978. Nestes mesmos anos, o produto industrial cresce no Brasil a uma taxa anual de 6,3%.

Dois elementos, um político e outro econômico, exerceram influência

determinante sobre o caminho seguido pelo Brasil a partir de meados dos

anos 1970. Por um lado, o regime militar instaurado desde 1964 passaria por

uma fase menos repressiva a partir de 1973, na medida em que o elevado

grau de autoritarismo assumido pelo governo instituído entre 1969 e 1973,

de Emílio Médici, fez surgir no interior do próprio regime um receio de que

o próximo governante se colocasse indefinidamente no poder, transforman-

(16)

do-se em um tipo de “caudilho” (SKIDMORE, 1988: 315-335). Por outro lado, o próximo governante, Ernesto Geisel, se via diante da necessidade de direcionar novos estímulos ao processo de industrialização por substituição de importações no país, na medida em que o período de Médici no poder representou um sucesso econômico no país, quando foram alcançadas taxas de crescimento anuais maiores que 10% (CASTRO, 1984: 13-47).

Desse modo, a forma pela qual o Estado brasileiro buscou legitimar-se perante os grupos sociais mais influentes no espaço interno foi procurando dar continuidade ao ritmo de crescimento econômico vigente. Em relação ao am- biente externo, o Estado procurou assumir a maior parte dos riscos envolvidos com a tomada de empréstimos mais caros no exterior, para que fosse cumprido o objetivo de dar continuidade ao processo de industrialização. Como corolário, ocorre então um afastamento de proposições de abertura dos mercados internos que passavam a ter repercussão naquele momento histórico.

No Chile, entre 1970 e 1973, o governo de Salvador Allende tomaria uma série de medidas de cunho socialista, como a nacionalização do cobre e do salitre, a expropriação de latifúndios e a intervenção estatal em mono- pólios privados. Grande parte do empresariado local tratou de repudiar tal atitude por parte do governo, valendo-se da redução dos níveis de produção, da demissão de trabalhadores e da retirada de capitais do país. Além disso, a banca internacional passaria a suprimir o fluxo de empréstimos externos (ELGUETA e CHELÉN, 1977: 284-289).

O impasse foi resolvido por um golpe de Estado no ano de 1973 que,

sob apoio do governo norte-americano descontente com a política indepen-

dente de Allende em relação à América do Norte (Id., Ib.: 275), instaura no

plano político o regime militar de Augusto Pinochet e, no plano econômico,

impõe estratégias voltadas à liberalização de mercados. Por um lado, tal

posicionamento do Estado representaria a forma de legitimação escolhida

perante outros Estados e grupos empresariais mais poderosos no sistema-

mundo. Mas a posição do Estado chileno também apareceu como meio

mais eficaz de legitimação perante grupos empresariais locais, que após a

instauração do governo ditatorial esperavam o restabelecimento das con-

dições de mercado, bem como a restituição de patrimônios colocados sob

intervenção pública e/ ou tomados por trabalhadores, algo efetivado entre

1973 e 1976 pelo governo (CORTAZAR, 1983: 4).

(17)

Diante dos rumos tomados por Brasil e Chile em função das transfor- mações nos processos de acumulação em escala mundial e comportamento das atividades localizadas no território nacional, a política previdenciária assume características distintas em cada país no decorrer da década de 1970.

No Brasil, o crescimento em produção e comércio alcançado via pragmatismo dos governos militares implicou em continuidade da expansão da política previdenciária para novos estratos da população, até porque ainda era relati- vamente grande o contingente populacional marginalizado pela política. No Chile o governo executa os ideais de abertura do mercado local que tinham origem no centro da economia-mundo, o que implicava em adoção de políticas voltadas à redução da carga tributária e à estabilidade de preços. Teve grande aceitação no governo e no empresariado a idéia de que menores taxas de con- tribuição à previdência social por parte dos empregadores os estimulariam a investir o excedente econômico internamente, o que provocaria a retomada do crescimento, a geração de mais empregos e de maiores salários.

5. MANIFESTAÇÃO DE LIMITES PARA A CONTINUIDADE DA POLÍTICA PREVIDENCIÁRIA

Como há uma distribuição de excedentes realizada entre elos de ativi- dades espalhados mundialmente, o acirramento que se manifesta em cada região da economia-mundo entre possuidores de capital e possuidores da força de trabalho em torno da apropriação de excedentes tem fundamento no espaço mundial. Na medida em que a onda da supremacia da acumu- lação financeira vai atingindo os diferentes espaços nacionais, verifica-se concomitantemente uma escassez de postos de trabalho que são gerados no âmbito da produção e circulação de mercadorias.

Esse processo vem afetar o desempenho da previdência social organi- zada pelos diversos Estados nacionais que compõem o sistema-interestatal, já que a queda do nível de emprego no período faz permanecer em atividade um menor contingente de trabalhadores que contribui efetivamente aos programas previdenciários – trabalhadores formalmente empregados.

Como pode-se verificar nos dados plotados no gráfico 1, a População

Economicamente Ativa (PEA) no Brasil e no Chile tendeu a elevar-se no

decorrer dos anos pós-1970. A PEA no Brasil, que representava 34,3% da

população em 1972 (da qual 96,9% eram empregados e 3,1% desemprega-

(18)

dos), apresenta um crescimento constante até a atualidade para atingir 49,6%

da população em 2003 (94,4% de empregados e 8,6% de desempregados).

No Chile também ocorre uma trajetória de crescimento constante da PEA no período analisado, partindo de 31% da PEA em 1975 (85,3% de empre- gados e 14,69% de desempregados) para atingir 39,13% em 2003 (92,6%

empregados e 7,4% desempregados).

(a)

(b)

Fonte: IBGE, IPEA, ERS/USDA e OIT.

Notas: Elaboração própria com dados de população no Brasil extraídos de IPEAdata. Banco de dados. Dados Macroeconômicos: População. Disponível em <http//www.ipeadata.gov.br> Acesso em 18 nov 2005; e IBGE. Estatísticas do século XX: Contas nacionais consolidadas. Disponível em <http://www.ibge.gov.br> Acesso em 20 set 2005. Dados de população no Chile extraídos de ERS/USDA. Banco de dados. Historical Population and Growth Rates in Population for Baseline Countries/Regions. Disponível em <http://www.ers.usda.gov/Data/macroeconomics/> Acesso em 03 fev 2006. Dados da População Economicamente Ativa e sua composição no Brasil e no Chile extraídos de OIT. Banco de dados. Laborsta internet: yearly data. Disponível em <http://laborsta.

ilo.org/> Acessoe m 03 dez 2005.

Gráfico 1: Brasil e Chile: PEA, Emprego e Desemprego, em percentuais

- 1972-2003.

(19)

Por outro lado, como pode ser observado no gráfico 2, a composição média da população em países no centro da economia-mundo mostra um padrão em que a PEA já está, ao início da expansão financeira, alcan- çando o mesmo nível percentual de pessoas dependentes na população, isto é, daqueles estratos que não fazem parte do mercado de trabalho – crianças, donas de casa e idosos, fundamentalmente. Em tais países a PEA passa de 44% da população em 1971 (97,1% empregados e 2,9%

desempregados) e chega às proximidades de 50% da população entre 1986 e 1997, sendo que em 2003 já representava 51% da população total (93,8% empregados e 6,21% desempregados).

Fonte: OCDE e OIT

Notas: Elaboração própria com dados de população total, população economicamente ativa e sua com- posição extraídos de OCDE: Banco de Dados. Contas Nacionais. Disponível em <http://www.oecd.

org/document/28/0,2340,en_2825_495684_2750044_1_1_1_1,00.html>. Acesso em 26 ago 2005. Para completar as mensurações da PEA e sua composição foram extraídos dados de OIT. Banco de dados.

Laborsta internet: yearly data. Disponível em <http://laborsta.ilo.org/> Acesso em 03 dez 2005.

GRÁFICO 2: Países Centrais: PEA, Emprego e Desemprego, em percen- tuais - 1971-2003

Com esse diagnóstico pretende-se destacar que o grande contingente

de assalariados no centro, com elevada capacidade de mobilização, já repre-

sentam desde o início da expansão financeira um exercício de pressão social

sobre elos de atividades econômicas aí instaladas por maior participação

no montante de excedentes criados ao longo das cadeias mercantis. E essa

elevada participação da PEA nas populações do centro vem aumentando

ainda mais até os anos recentes.

(20)

Em regiões da economia-mundo como Brasil e Chile, o movimento descrito funcionou como um limite para a continuidade do processo de assalariamento a partir dos anos 1970, em meio à expansão financeira.

Dado que, na média, os componentes da PEA no Brasil e no Chile possuem graus de organização política menores em relação aos vigentes no centro, grande parte destas pessoas é mantida afastada de postos de trabalho, isto é, mantém-se desempregadas.

Os países estudados foram adaptando a política previdenciária de forma específica diante de tal fenômeno. Reformas importantes no campo da previdência do Chile seriam tomadas já a partir de 1974, com a to- mada do poder por forças conservadoras que tinham por objetivo repelir medidas de cunho socialista implementadas entre 1970 e 1973 sob o governo de Salvador Allende. As medidas tomadas pelo Estado chileno neste momento estavam fundamentadas no entendimento de que o baixo nível de emprego na economia decorria da carga tributária vigente no país. As contribuições previdenciárias, como um dos componentes da arrecadação do governo, passam então a ser apontadas como um dos determinantes do baixo nível de emprego vigente no Chile, na medida em que representam impostos às empresas.

... efecto social de enorme importancia será el impacto de la Reforma Previsional sobre el desempleo. El impuesto al trabajo significa financiar, no beneficios individuales, sino prestaciones redistributivas con cotizaciones previsionales.

Su eliminación producirá indubitablemente un aumento em la demanda de mano de obra, que se transformará tanto en mayores remuneraciones como en menor desempleo (PIÑERA, 1980: 19-20).

Em 1981 são implementados no Chile planos individuais de previdência

em regime de capitalização, a partir dos quais cada indivíduo segurado é

responsável pelo nível de sua aposentadoria na inatividade, ou pensão de

seus dependentes em caso de morte. Esperava-se que essa reforma pudesse

contribuir para reduzir o nível de desemprego no espaço chileno na medida

em que as Administradoras de Fondos de Pensiones (AFP) passassem a

recolher contribuições incidentes somente sobre a remuneração dos traba-

(21)

lhadores segurados, sem contrapartida dos empregadores. Ainda que a partir de um nível inicial bastante elevado (quase 20%), o nível de desemprego realmente caiu no Chile entre 1982 e o início dos anos 1990 (gráfico 1 b), mas o reflexo sobre a quantidade de contribuintes à previdência social não se mostrou positivamente suficiente, desde então, para que o grau de cobertura populacional alcance níveis equivalentes aos que vigoravam em meados dos anos 1970 no Chile, antes de serem implementadas a maioria das medidas reformistas do governo Augusto Pinochet.

Comprova-se essa última constatação com os dados organizados no gráfico 3, referentes à quantidade de contribuintes para a previdência so- cial no Chile entre 1975 e 2002 considerando trabalhadores segurados, e transferidos como segurados à época das reformas, nas atuais instituições previdenciárias. São estas a Administradoras de Fondos de Pensiones (AFP), o Instituto de Normalização da Previsión Social (INP), a Caja de Previ- sión de la Defensa Nacional (CAPREDENA) e a Dirección de Previsión de Carabineros de Chile (DIPRECA)

11

. A quantidade de contribuintes é demonstrada como percentagem das PEA (cobertura efetiva), como per- centagem da quantidade de pessoas empregadas (cobertura ocupacional) e também como percentagem do contingente populacional que não faz parte da PEA (cobertura da população dependente

12

).

11

As AFP, como já foi mencionado, administram programas privados que são financiados através do regime de capitalização, os quais se destinam para os trabalhadores que passaram a participar do mercado de trabalho a partir da reforma de 1981, além daqueles que optaram por migrar-se dos antigos programas para os novos. O INP, criado também no ano de 1981, centralizou as extintas caixas de vários setores de atividade. Eram elas a Caja de Emple-

ados Públicos y Periodistas, a Caja de Empleados Particulares, Cajas de la Marina Mercante (oficiales y tripulantes), Cajas Municipales (empleados y obreros), Caja Empleados Municipales de Santiago, Caja de Empleados Municipales de Valparaíso, Caja Obreros Molineros y Planificadores, Caja Ferrocarriles del Estado, Caja Consumidores de gas de Santiago, Caja Hípica nacional, Cajas de la Empresa de Obras Sanitarias (empleados y obreros), y Servicio de Seguro Social. Já a CAPREDENA e o DIPRECA são os programas que administram benefícios previdenciários das forças

armadas e das polícias no Chile, respectivamente.

12

Criamos essa denominação para nos referirmos à relação entre pessoas com capacidade de realizar contribuições

à previdência social na sociedade e aquelas pessoas que não realizam contribuições, porém podem em determinados

momentos do tempo estar sob a dependência de recursos oriundos da previdência, como idosos amparados por progra-

mas de renda mínima, esposas(os) e filhos de aposentados(as) e pensionistas, e também portadores de deficiência.

(22)

Fonte: SSS, SAFP, ERS/USDA, INE e OIT

Notas: Elaboração própria com dados de população extraídos de ERS/USDA. Banco de dados.

Historical Population and Growth Rates in Population for Baseline Countries/Regions. Disponível em <http://www.ers.usda.gov/Data/macroeconomics/> Acesso em 03 fev 2006. Dados da população economicamente ativa e sua composição extraídos de OIT. Banco de dados. Laborsta internet: ye- arly data. Disponível em <http://laborsta.ilo.org/> Acessoe m 03 dez 2005. Dados de contribuintes à previdência social extraídos de UTHOF, Andreas (2001) La reforma de l sistema de pensiones em Chile: desafios pendientes. Santiago de Chile: CEPAL. 46 p. (Serie financiamento del desarrollo n.º 112), p. 15; e RINCÓN, Ximena; ROJAS, Luis H.;YUMHA, Labile (org) (2004) Financiamento y asignación de recursos de la seguridad social chilena: período 2000-2002. Superintendencia de la Seguridad Social de Chile. 163 p. Disponível em www.suseso.cl. Acesso em 26 abr 2006, p. 100.

GRÁFICO 3: Chile: Contribuintes à Previdência Social em Relação a Di- ferentes Condições da População- 1975-2002.

Diferentemente das outras duas mensurações, o nível de cobertura em

relação à população dependente (que não faz parte da PEA) ultrapassaria

já a partir de 1987 o nível de cobertura vigente em 1975 – somente em

1997 a cobertura efetiva, de 64,1%, chega a se aproximar da vigente em

1975, de 64,7%, enquanto a cobertura ocupacional ao início do período

analisado (75,8%) aponta um valor bastante superior à mensuração de

1997, pico da tendência.

(23)

A partir dos dados apresentados sugere-se que, passada a fase de adoção das principais reformas previdenciárias na história do Chile, ou seja, entre 1975 e 1981, o ritmo da criação de postos de trabalho não atingiu ainda um nível suficiente para recuperar o grau de cobertura previdenciária que vigorava no período pré-1970. Naquela época boa parte da população coberta não era economicamente ativa. Agora, quando o contingente da população não econo- micamente ativa passa a representar uma parte menor da população nacional no Chile (gráfico 1 b), a política previdenciária não tem se mostrado capaz de absorver pessoas que vem participar ativamente da apropriação de excedentes econômicos no espaço nacional, componentes da PEA ocupados e não ocupa- dos. Ou seja, só teria sido possível ampliar a cobertura previdenciária enquanto isso significava transferência relativamente reduzida de excedentes econômicos mundiais no interior do país, aos chefes de família (que compunham a PEA ainda pequena) e seus dependentes nas unidades domiciliares como, por exem- plo, a esposa do aposentado ou o jovem/ adolescente filho da viúva.

Fonte: IPEA, IBGE-PNAD vário números, CENSO 1980 e 2000, OIT

Notas: Elaboração própria com dados de população extraídos de IPEAdata. Banco de dados. Dados Macroeconômicos: População. Disponível em <http//www.ipeadata.gov.br> Acesso em 18 nov 2005; e IBGE. Estatísticas do século XX: Contas nacionais consolidadas. Disponível em <http://www.ibge.gov.

br> Acesso em 20 set 2005. Dados da População Economicamente Ativa e sua composição extraídos de

OIT. Banco de dados. Laborsta internet: yearly data. Disponível em <http://laborsta.ilo.org/> Acessoe

(24)

m 03 dez 2005. Dados de contribuintes à previdência social extraídos de MATIJASCIC, Milko. (2002).

Crise e reforma do complexo previdenciário no Brasil. Campinas: Instituto de Economia, UNICAMP (Tese de Doutorado em Economia) p. 57 (Tabela 1.8); e SALVADOR, Evilásio da Silva. (2003) As implicações da reforma da previdência social de 1998 sobre o mercado de trabalho no Brasil. Brasília:

Instituto de Ciências Humanas, UNB (Tese de Mestrado em Política Social), p 90 (Tabela 2)

GRÁFICO 4: Brasil: Contribuintes à Previdência Social em Relação a Diferentes Condições da População- 1973-2002.

Durante os anos 1970 e 1980 ainda vão ocorrer aumentos da cobertura previdenciária no Brasil. Apesar dos dados para este país serem mais es- cassos que os vigentes para o Chile no período analisado, percebe-se que, do ano de 1973 para o ano de 1980, as três mensurações utilizadas para caracterizar a cobertura previdenciária indicam elevação (gráfico 4).

A elevação da cobertura previdenciária nesse período é expressiva, o que certamente está associado ao fato de o país ainda vivenciar taxas de crescimento econômico historicamente elevadas, pois, diante da expansão financeira, o Estado brasileiro atuava de modo a financiar dívidas realizadas por agentes privados locais com o exterior (CARNEIRO, 2002: 121-126), que ainda apostavam em atividades de produção e comércio. Esse posi- cionamento do Estado no Brasil seria relevante para fluxo de excedentes mundiais continuar se direcionando para o espaço brasileiro, ainda que ao preço de elevar o nível a dívida pública com o exterior.

Portanto, nestes anos o Estado brasileiro ainda não está a adotar refor- mas que restringissem acesso aos benefícios da previdência social, como já ocorria no Chile. Num sentido contrário, o Estado atuava de forma a ampliar a cobertura para diversos segmentos da população antes não alcançados pela previdência. Depois de haver centralizado os antigos IAP no INPS e criado o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), o Estado criaria no ano de 1974 o novo Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), responsável pela previdência, assistência social e saúde no país.

Outra medida tomada nesta época que expressa a busca por aumento da

cobertura previdenciária seria a criação do Sistema Nacional de Previdência

e Assistência Social (SINPAS), que integrava entidades vinculadas ao MPAS,

aperfeiçoava os órgãos existentes e também criava novos, como o Instituto

Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) que ficou

responsável pela prestação de assistência médica para trabalhadores urbanos e

rurais, e também para empregadores rurais (COSTA, 2004: 16-17).

(25)

Porém, a partir dos anos 1980 o fluxo de excedentes mundiais passa a não fluir da mesma forma para o espaço brasileiro, e a expansão da política previdenciária nestes anos se desacelera. Em 1985, ao fim da ditadura mili- tar, seria votada uma nova Constituição que foi promulgada em 1988 e que teve como um dos resultados políticos mais importantes a proposição de um Sistema de Seguridade Social. Este englobava em um único orçamento obrigações para com previdência, assistência social e saúde, centralizadas no Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) que substituiria INPS.

Tais obrigações deveriam ser cumpridas com recursos de fontes alternativas à remuneração do trabalho, como faturamento das empresas e lucros dos empresários. Apesar disso, durante os anos 1980 não ocorre uma expansão concreta da política previdenciária. Os dados do gráfico 4 demonstram que em 1988 as mensurações da cobertura ocupacional e efetiva da previdên- cia eram praticamente iguais às de 1980. Entretanto, quando se compara a cobertura previdenciária em relação à população dependente, verifica-se uma elevação de mais de 9 pontos percentuais, o que sugere que na década a política previdenciária manteve o grau de cobertura sobre o contingente populacional economicamente ativo, ocupado e não ocupado, e isso num contexto de ampliação da participação destes no total da população.

Mas depois dos anos 1990 o comportamento da cobertura previdenci- ária no Brasil apresentaria traços similares ao que ocorrera no Chile mais de uma década antes. Com a exposição do espaço interno à concorrência capitalista de outros países, os pressupostos definidos em 1988 para cons- trução do orçamento da Seguridade Social começam a ser questionados tanto no interior do Estado quanto pelo empresariado local. O volume de despesas da previdência social aumentou abruptamente nos anos de 1992 e 1993, verificando-se a partir de então uma série de emendas constitucionais com o objetivo de alterar a regulamentação dos pressupostos da seguridade social. Destaca-se a criação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) no ano de 1995, que veio reservar ao Estado o “direito” de utilizar 20% da arrecadação da seguridade social. O governo Lula, que assumiu o executivo em 2003, prorrogaria a DRU até 2007.

13

13

Por meio da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 50/2007, enviada pelo Poder Executivo à Câmara dos

Deputados no dia 23 de abril de 2007, a DRU está prestes a ter seu vencimento prorrogado de dezembro de 2007

para dezembro de 2011(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2007).

(26)

O comportamento da cobertura previdenciária nos anos 1990 esteve bastante aquém do que vigorava antes da Constituição de 1988. Destaca-se a queda nas coberturas ocupacional e efetiva após 1998 (ano de reforma), e também o fato de a cobertura previdenciária em relação à população dependente voltar ao nível de 1992 (35,2%) e, em 2001, retornar ao nível de 1990 (38,7%), o que não se verifica para a cobertura ocupacional e efe- tiva. Similarmente ao que ocorre no Chile, sugere-se que, após as reformas de cunho liberal, a política previdenciária não tem se mostrado capaz de cobrir um contingente populacional que vem participando cada vez mais ativamente da apropriação de excedentes econômicos no espaço nacional, como componentes ocupados e não ocupados da PEA.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo procurou mostrar que as transformações na política de previdência social no Brasil e do Chile desde os anos 1970 têm como causa primária uma mudança no funcionamento da economia-mundo capitalista, o que foge, portanto, ao controle dos respectivos Estados nacionais. Neste sentido, as forças econômicas e políticas internas reagem às mudanças oriundas na economia-mundo de acordo com as formas particulares de sua participação nas cadeias mercantis mundiais, as quais, também em grande parte determinam as classes sociais, as relações de forças entre elas e a natureza do próprio Estado.

Concretamente, a causa primária acima referida foi a passagem de

uma conjuntura de acumulação produtiva e de grande interferência do

Estado (sintetizadas no Estado do bem-estar) para uma conjuntura em que

os capitalistas buscam preferencialmente acumular através das aplicações

financeiras. Esta mudança faz com que o Estado altere sua lógica. A busca do

pleno emprego dá lugar a políticas monetárias que priorizam a estabilidade

da moeda e a políticas fiscais que buscam reduzir os gastos do governos

e gerar superávits que possibilitem o pagamento da dívida pública. Como

conseqüência da diminuição dos investimentos em atividades produtivas e

comerciais e das mudanças nas relações de trabalho, verifica-se na economia-

mundo uma redução relativa dos postos de trabalho formais. Como parte da

economia-mundo, Chile e Brasil não puderam ficar fora deste processo. Ora,

(27)

como são os assalariados formalmente contratados aqueles que constituem a massa de contribuintes efetivos para os programas previdenciários desde os anos 1920, ocorre a partir dos anos 1970 uma pressão sobre a forma de organização da previdência social no Brasil e Chile.

Os dados aqui apresentados demonstram que a pressão exercida sobre os programas previdenciários no Brasil e Chile na atualidade decorre de uma participação maior da PEA na composição das duas populações nacionais.

Conforme cresce a quantidade de pessoas candidatas à condição de assalaria- das, maior torna-se a possibilidade de transferência de excedentes econômicos mundiais entre as populações no interior de cada território. Como nos países centrais da economia-mundo a população trabalhadora possui maior grau de organização política para reivindicar participação na “renda nacional”, as conseqüências da expansão financeira de capitais sobre o emprego formal se verificam mais intensamente em regiões (semi) periféricas como são os casos de Brasil e Chile. Nesta perspectiva, a autonomia de cada Estado nacional para adoção da política previdenciária mostra-se bastante restringida.

THE RESTRICTIONS TO SOCIAL INSURANCE SYSTEM ENLAR- GEMENT IN BRAZIL AND CHILE: A STUDY IN A PERSPECTIVE OF THE POLITICAL ECONOMY OF THE WORLD-SYSTEMS Abstract

The purpose of this paper is to analyze the changes that have been occured in the social insurance system in Brazil and Chile since mid-1970. The analyze focus on the world-economy perspective in order to explain major changes both into the processes of capital accumulation and State interven- tion. In Chle, post-Second War investments in the leading activities, such as production and commerce, have been reached their end since mid 1970.

Social movements that arose in parallel to urban population growth (due

to those investments) generated a dictatorship government which imposed

several unpopular measures in the social insurance system between 1974

and 1981. In Brazil, the investments in the leading activities undertook by

dictatorship governments only started to decrease in the beginning of 80s.

(28)

Therefore, social movements in Brazil arose as a result of the economic growth during the dictatorship era. Besides, unpopular measures came under democratic regime, mainly during the 1998-2003 years. By the end, the paper asserts that social insurance system has been changing in both countries in accordance to the capitalist world-economy conjunctions.

Key-words: Social Insurance; Social Security; Social Forecast; Capitalism;

World-Economy

REFERÊNCIAS

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