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Academic year: 2021

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TEORIA ORGANIZACIONAL E ESTRUTURA DE GÊNERO NAS ORGANIZAÇÕES

Julio Cesar Adiala

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Resumo

A partir dos anos 80 a teoria das organizações incorporou o conceito de cultura, originário da antropologia, na tentativa de compreender a influência dos valores simbólicos sobre as práticas organizacionais. Muitas vezes, no entanto, essa teoria tem dado ao conceito de cultura um uso limitado, que não permite refletir sobre a importância do gênero para a compreensão das formas de reprodução das desigualdades entre homens e mulheres nas organizações. Por gênero compreende-se não as distinções biológicas dos sexos, mas a construção social destas diferenças em termos de papéis que são vividos pelos indivíduos.

Neste artigo procuramos analisar, a partir da adoção do conceito de cultura, como a teoria das organizações, ao negligenciar a estrutura de gênero subsistente nas relações de trabalho, é um elemento complementar do conjunto de práticas, discursos e regras que mantêm a desigualdade e a dominação masculina na sociedade.

Palavras Chave

Gênero, trabalho, administração, cultura.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo é sobre gênero e trabalho. Nele procuramos demonstrar como a teoria das organizações, em suas reflexões sobre o trabalho, acaba por reforçar uma situação de desigualdade entre homens e mulheres na estrutura hierárquica das organizações. Para demonstrar este argumento, propomos uma interpretação daquela teoria e das organizações à luz de um conceito interpretativo de cultura, que destaca o seu caráter simbólico, em oposição ao uso convencional do conceito na teoria das organizações.

A sociedade industrial define uma posição de inferioridade para as mulheres que se manifesta na e a partir de sua posição na divisão sexual do trabalho. Esta inferioridade é recriada diuturnamente em práticas e crenças que, a nosso ver, são reforçadas pela teoria

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Professor da Universidade Estácio de Sá, Mestre em Sociologia pelo IUPERJ.

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administrativa em sua tentativa de esvaziar o trabalho de seu conteúdo de gênero. Daí a importância de revermos essa posição e problematizarmos a estrutura de gênero subjacente às organizações.

ORGANIZAÇÕES, CULTURA E GÊNERO

Muito antes de Frederick Taylor estabelecer as bases da Administração Científica, padrões de organização presentes na Igreja Católica e nas instituições militares serviram como objetos de estudo e modelos prescritivos para a definição de papéis e hierarquias na modelagem da empresa capitalista e de outras formas de organização burocrática.

A Administração Científica, inspirada no modelo das ciências naturais, buscou sistematizar os conhecimentos relacionados à organização do trabalho visando alcançar a rentabilidade máxima dos recursos disponíveis aos agentes econômicos e nessa busca elegeu um modelo humano utilitário, racional e masculino, o homo economicus .

A Escola das Relações Humanas, com a descoberta dos grupos informais como dado relevante, fez a crítica ao utilitarismo do homo economicus ; a Abordagem Estruturalista, oriunda da teoria sociológica norte-americana, e a Teoria da Contingência, que incorpora a visão das organizações como sistemas abertos, fizeram a crítica da racionalidade do homo economicus, porém se mostraram incapazes de ultrapassar o modelo masculino e enriquecer as análises no campo da divisão sexual do trabalho (MOTTA, 2001).

A incorporação da noção de cultura pela teoria organizacional, a partir dos anos 70, representou a oportunidade de apropriação dos conteúdos simbólicos permite revelar a estrutura de gênero que permeia a vida organizacional e sua lógica. Embora tenha origem na Antropologia, o conceito de cultura ganhou relevância nos trabalhos que tratam da mudança organizacional, principalmente após o sucesso do modelo japonês de controle da qualidade (RUBEN: 1996).

Esses trabalhos tiveram o mérito de enfatizar a existência de uma dimensão simbólica que permeia a organização, a "cultura organizacional". No entanto, ao postular a existência de uma cultura organizacional única, delimitada pelos limites de uma empresa, criaram a falsa possibilidade de administração da "cultura" com objetivos econômicos, reduzindo a dimensão simbólica a um aspecto instrumental (BARBOSA: 2001).

Na verdade, o grande ganho que a antropologia e seu conceito de cultura trazem para a

teoria da administração é a possibilidade de apreender o ser humano por inteiro, escapando de

reducionismos como o do homo economicus . Essa perspectiva possibilita que o objeto do

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analista que inicialmente era o trabalho e depois foi ampliado para a organização, agora possa voltar-se para a dimensão humana no trabalho e na organização. Assumindo a organização como uma realidade essencialmente humana, a teoria pode explorar a cultura em senso amplo, investigando a teia de significados do trabalho e da administração de empresas.

Um aspecto da dimensão humana ausente na teoria das organizações é exatamente a participação feminina nas atividades produtivas e na direção nas empresas. O ingresso da mulher no mercado de trabalho modificou a distribuição de poder e autoridade não só na família e na empresa, mas em todo a sociedade (FREITAS: 1999). Esta distribuição de poder e autoridade é feita de maneira desigual entre homens e mulheres, é para dar conta desta desigualdade foi formulado o conceito de gênero.

Por não limitarem a questão da distribuição desigual de poder entre homens e mulheres a existência natural de diferenças sexuais, os estudos de gênero introduzem a percepção de como estas diferenças são culturalmente construídas, não apenas como modelos dominantes de masculino e feminino, mas, principalmente, como uma forma de comunicação e ordenação do mundo que orienta a conduta das pessoas em suas relações específicas e que é, muitas vezes, base para preconceitos, discriminação e exclusão social. A partir do conceito de gênero podemos estudarmos a realidade organizacional sob uma perspectiva nova, capaz de revelar a estrutura oculta que possibilita a reprodução de relações de dominação masculinas no trabalho .

ESTRUTURA DE GÊNERO E REPRODUÇÃO DA DOMINAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES

Trabalhar com o conceito de cultura na análise das organizações, seja qual for o tipo de organização, implica uma mudança de atitude do analista. Essa mudança pode ser pensada em termos da noção de estranhamento, tão cara aos antropólogos. Por trabalharem primeiramente com distantes sociedades colonizadas, os antropólogos percebiam nos habitantes dessas sociedades características muito diferentes das dos habitantes de seus países de origem, que os leva a uma atitude de estranhamento e a considerar aquelas características como "exóticas" (DAMATTA, 1997), o que possibilita maior “densidade” na descrição das sociedades estudadas. Transformar a atitude com a qual observamos a vida organizacional e

“estranhar” esse universo que nos parece tão “familiar” é uma estratégia que torna possível

questionar o fato da teoria organizacional desconsiderar as relações de gênero em suas

formulações.

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A literatura sobre administração de empresas documenta as dificuldades e diferenças de oportunidades entre os sexos, porém, não oferece teorias adequadas para compreender esta desigualdade. A divisão sexual do trabalho varia de sociedade para sociedade, mas existem evidências de que a hierarquia é baseada no gênero e que gênero e sexualidade tem um papel central na reprodução da hierarquia organizacional (ACKER, 1990). Apesar de atualmente, com a introdução de novas tecnologias e a globalização das economias, aparentemente existir a possibilidade de redução da desigualdade na divisão sexual do trabalho, observa-se que, mais freqüentemente, ocorra uma reorganização, não em uma eliminação, do predomínio masculino.

O que a maioria dos analistas organizacionais não observam é a existência de uma estrutura de gênero nas organizações, que se apóia no arranjo temporal e espacial do trabalho, nas regras prescritas do comportamento no trabalho e nas relações entre local de trabalho e relações pessoais. Estas práticas e relações, codificadas em arranjos e regras criam uma realidade sustentada pela aceitação do trabalho como um universo separado do resto da vida e que é o primeiro objetivo para os trabalhadores.

A apresentação do mundo do trabalho como separado de outras esferas da vida oculta o fato de que as grandes organizações apresentam-se ligadas à família e a reprodução, dependendo destas para a produção de "trabalhadores". Como conseqüência desta separação, percebe-se a existência de dois tipos de trabalhadores: aqueles, em geral homens, que se assumidos podem aderir às regras organizacionais, arranjos e etc., e aqueles outros, em geral mulheres, que se assumidos, não podem aderir plenamente àquelas regras devido suas obrigações com a família e a reprodução.

Aprofundando um pouco nossa análise, observamos que esta não é apenas uma relação funcional. Ela reside em e recria diariamente nas atividades organizacionais ordinárias muito daquilo que parece não apontar para a questão de gênero na superfície. Na exploração de alguns destes aspectos é possível ver quanto esta estrutura de gênero é integrada às organizações modernas, e quanto permanece relativamente inacessível a mudanças.

A ruptura entre a realidade sexuada das organizações e de seus dirigentes e o

pensamento sexualmente neutro da teoria organizacional é mantido através das práticas

impessoais, objetificadoras da organização, gestão e controle de grandes organizações. Um

exemplo destas práticas é a avaliação para ocupação de um emprego, onde estes são criados

separadamente de quem os ocupará, como posições em uma hierarquia de uma estrutura

organizacional. Cria-se desta forma um trabalhador abstrato para ocupá-lo, um trabalhador

que não possui corpo e, portanto, não está enquadrado em uma estrutura de gênero.

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No entanto, quando aquele trabalhador abstrato é transformado em um trabalhador concreto apresenta-se como um homem para quem o trabalho é sua vida e cuja esposa cuida de tudo o resto. Se for uma mulher, não estará a salvo da sobrecarga da dupla jornada de trabalho (SEGNINI, 1997). Assim percebe-se que o conceito de emprego é baseado em uma definição de gênero, apesar de sua representação como sexualmente-neutro, porque, inicialmente, apenas os homens podem a satisfazer suas demandas implícitas.

Uma hipótese a ser seguida para compreensão deste fato é que a continua repetição da afirmação da neutralidade de gênero pela teoria organizacional é parte da produção de discursos que podem ser aplicados aos trabalhadores, ao processo de trabalho, à produção e ao gerenciamento para tratá-los como fenômenos gerais, mascarando culturalmente a desigualdade. Desta forma, a neutralidade sexual é construída e atualizada no ambiente organizacional, através da supressão do conhecimento sobre gênero, repousando sobre esta estrutura de gênero o controle organizacional.

O trabalho de recriação da neutralidade de gênero, como parte da construção do fenômeno geral que pode ser organizado e controlado através da aplicação de processos documentais, é evidente, por exemplo, na avaliação de emprego, um instrumento texto utilizado pela direção para racionalizar a definição de salários e a construção de hierarquias organizacionais. Deste modo, as organizações complexas desempenham um importante papel na definição de gênero e na desvantagem feminina em toda a sociedade, e em particular na ocupação de cargos de direção e chefia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACKER, J - Hierarchies, jobs, bodies: a theory of gendered organizations. In Gender e Society: 4 (1990): pp. 139-158.

BARBOSA, L. – Igualdade e meritocracia: a ética do desempenho nas sociedades modernas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.

FREITAS, M. E.– Cultura organizacional: identidade, sedução e carisma?. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.

MILLS, A.J. - Organization, gender and culture. Organization Studíes, 1988.

RUBEN, G.; SERVA, M.; DE CASTRO, M. L. - Resíduos e complementaridades: das

relações entre a teoria da administração e a antropologia. Revista de Administração Pública,

FGV, 1996.

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SEGNINI. R. P. Aspectos culturais nas relações de gênero e a questão da produtividade em tempos de trabalho flexível e qualidade total, IN Motta, F. C. P.; Caldas, M.

P. Cultura Organizacional e Cultura Brasileira. São Paulo: Atlas, 1997.

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