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CRIANÇAS, TELEVISÃO E TELEJORNAIS

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Academic year: 2021

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Duarte, Rosália | Migliora, Rita | Alegria, João PUC-Rio / Departamento de Educação

rosalia@edu.puc-rio.br

RESUMO

O Brasil é uma das sociedades mais audiovisuais do planeta e as crianças brasileiras constituem um dos maiores e mais importantes segmentos da audiência televisiva do país. Este texto, produzido por membros do Grupo de Pesquisa em Educação e Mídia GRUPEM/PUC-Rio, resulta das primeiras análises de material colhido na pesquisa “Crianças, Televisão e Valores Morais”, cujo principal objetivo é investigar como as crianças dão sentido ao que vêem pela tv. Levamos ao ar, em setembro de 2004, um spot televisivo convidando crianças, com idades entre 8 e 12 anos, a nos enviar textos ou desenhos expressando sua opinião a respeito do que vêem na tevê. Obtivemos um retorno de cerca de 300 desenhos e 450 textos. A partir da análise de alguns desses materiais apresentamos neste trabalho algumas considerações sobre as relações que essas crianças estabelecem com a tevê e nos dedicamos, em especial, a descrever o que elas pensam sobre os telejornais. Uma das questões mais evidenciadas nessa relação é o conflito que essas crianças vivenciam entre a necessidade de “saber o que está acontecendo” e o mal-estar que esse saber provoca nelas, pois a percepção de mundo que elas elaboram a partir dos telejornais parece ser, quase sempre, a de um lugar onde é impossível viver. Do que observamos até o momento, a representação da realidade veiculada pelos noticiários televisivos interfere na maneira pela qual as crianças elaborarem suas visões de mundo, provavelmente mais do que os desenhos animados que tanto preocupam professores, pais e especialistas.

Introdução:

O Brasil é considerado uma das sociedades mais audiovisuais do planeta: mais de 90% dos lares brasileiros têm pelo menos um aparelho televisão (muitos têm mais de um); em horários de maior audiência estima-se que cerca de 150 milhões de pessoas estejam diante da tela do seu televisor. Em território brasileiro as crianças compõem o maior segmento de espectadores da televisão aberta, mesmo nos horários com programação menos adequada para sua faixa etária.1 Canais especialmente

voltados para elas crianças estão disponíveis na tevê por assinatura, transmitindo uma programação destinada a atendê-las 24 horas por dia.

São as crianças que se relacionam de modo mais intenso com a televisão, por um lado, pelo reduzido tempo de permanência na escola (quando comparado às 8 ou mais horas diárias dos países

1 Estimativas realizadas pelo IBOPE – o mais importante instituto de pesquisa de audiência em atividade no

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desenvolvidos) e, por outro, pelo fato das atividades culturais e esportivas serem, em geral, restritas às classes economicamente favorecidas (pesquisa realizada em 2004 com populações de grandes cidades, pelo Instituto IPSO, indica que, entre os países pesquisados, o Brasil é o que oferece aos mais jovens menos possibilidades de acesso à prática de esportes e a outras opções de lazer, como teatro e museus - FSP, 17/10/2004/Cotidiano).

É lícito supor, portanto, que essa forte presença da televisão no cotidiano das crianças faz dela um importante agente de socialização que, ao lado da família, da escola e de outras instituições, ajuda a construir valores, identidades e imaginários. Para Martin-Barbero (2003b), dessa convivência extensa dos mais jovens com os meios emerge uma nova sensibilidade para os produtos da cultura, uma sensibilidade dotada de “uma nova e especial empatia tecnológica” que, associada à empatia cognitiva — uma maior facilidade para se relacionar com as tecnologias audiovisuais — configura “novos modos de narrar e de perceber as identidades” (p.66)

As pesquisas sobre mídia, cotidiano e identidades, realizadas na América Latina vêm configurando ao longo dos últimos 20 anos os chamados Estudos de Recepção latino-americanos, que buscam descrever, analisar e compreender os distintos modos como os receptores dão sentido ao que vêem, ouvem, lêem e o papel desempenhado nesse processo pelas diferentes fontes de mediação. Tais estudos aproximam os conceitos de comunicação e cultura e pensam a recepção como processo ativo e coletivo de produção de significados As principais referências nesse campo, no momento, são os trabalhos de Jésus Martin-Barbero (2003a, 2003b, 2004) e Néstor Canclini (2001,2003). Para estes e outros autores, os “receptores” não podem ser vistos, em nenhuma medida, como sujeitos passivos ou caixas vazias onde são depositados os conteúdos das midiás. Ao contrário, trata-se de sujeitos ativos do processo de comunicação que participam direta e indiretamente da produção de sentido em torno dos conteúdos dos produtos com os quais se relacionam.

Conceitos e teorias formulados nesse campo orientam os trabalhos desenvolvidos no GRUPEM: Grupo de Pesquisa em Educação e Mídia, entre eles a pesquisa "Crianças, televisão e valores morais", a partir da qual foi escrito este trabalho. A pesquisa tem como objetivo descrever e analisar a dinâmica das relações que as crianças estabelecem com a televisão e o modo como a prática de ver tevê se faz presente na configuração de suas identidades e valores. Buscamos entender como as crianças dão sentido ao conteúdo de produtos televisivos; como se estruturam seus esquemas de significação; como entendem os valores veiculados nesses produtos e como os articulam aos valores construídos na relação com suas famílias e em outros ambientes sociais dos quais participam. Com a parceria da TVE-Rede Brasil, levamos ao ar, em setembro de 2004, um spot televisivo convidando crianças, com idades entre 8 e 12 anos, a nos enviar cartas, desenhos ou mensagens eletrônicas expressando sua opinião a respeito do que vêem na tevê.2 Obtivemos um retorno de 750

desenhos/textos (300 desenhos e 450 textos) enviados, em grande maioria, por escolas interessadas na pesquisa: algumas professoras viram a chamada pela tevê, outras receberam uma cópia da fita, exibiram-na em sala, recolheram os trabalhos das crianças e nos encaminharam pelo correio.

2 TVE-Rede Brasil: canal de televisão público, aberto, que se define como de natureza cultural e educativa. O

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Decidimos realizar num primeiro momento uma análise descritiva e temática dos textos para, mais tarde, construir uma metodologia de interpretação dos desenhos. Nossas análises levam em conta a polissemia intrínseca a esses materiais e parte do princípio que a nossa é uma entre muitas leituras possíveis. Entendendo cultura, no sentido proposto por Geertz ( ), “como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis (...), algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos”, tomando cultura não como poder mas como “contexto”, algo dentro do qual processos, representações, valores e sistemas classificatórios podem ser descritos de forma inteligível – “isto é, descritos com densidade” (p.10), vimos procurando realizar uma descrição densa dos materiais emíricos de que dispomos. Nesse contexto de investigação, a descrição densa nos permite fazer uma interpretação aproximativa dos pressupostos, crenças e valores inscritos nas relações que as crianças estabelecem com o que vêem na TV.

Procedimentos de análise do material empírico

Diante do grande volume de desenhos e textos enviados à pesquisa, decidimos realizar três procedimentos distintos de análise:

Com apoio do software SPSS, realizamos um levantamento estatítico das variáveis quantificáveis, de modo a traçar um pefil mais ou menos geral das crianças participantes da pesquisa (idade, sexo, grau de escolaridade e cidade de origem).

Utilizando um software para análise de dados qualitativos3 vimos realizando análises descritivas dos

textos, a partir de temas e categorias que nos permitem organizar a amplitude de informações contidas neles (opiniões e reflexões sobre os diferentes canais de tevê e sua programação, programas prediletos, tv no cotidiano, reflexões sobre o real e o ficcional, influência da tevê na soceidade entre outros). Os textos e fragmentos de textos com temáticas afins — relação das crianças com os telejornais, por exemplo — são analisados, produzindo relatórios parciais que serão posteriormente integrados no relatório final de pesquisa.

Os desenhos foram digitalizados e disponibilizados em CD, para que sejam realizadas análises descritivas dos mesmos, levando-se em conta, além das temáticas abordadas, os sentidos possíveis decorrentes, por exemplo, do tamanho, da posição e do espaço ocupado pelo desenho na folha, diferentes rerpresentações do aparelho de tevê e do conteúdo da programação etc.

Primeiras análises do material empírico

No que diz respeito ao conjunto das crianças que nos enviaram desenhos e textos: tratam-se de 781 crianças; quanto à idade, a maioria delas (60 %) têm entre 9 e 11 anos; 46 % são meninos e 54 %, meninas (em 32 % dos desenhos não foi informada a idade); 64 % das crianças são oriundas de escolas públicas e 36 % de escolas particulares; 60 % residem em pequenas cidades e 22 % residem nas cidades de São Paulo (4,5 %) e Rio de Janeiro (17,5%). Não é possível verificar variáveis sócio-econômicas, pois dados referentes a estes aspectos não fazem parte das informações contidas nos textos ou desenhos enviados por correio à pesquisa.

Não observamos diferenças significativas no conteúdo dos materiais produzidos por meninos e meninas nem por crianças de escolas públicas e particulares (notamos uma grande incidência de erros gramaticais e de ortografia na imensa maioria dos materiais escritos, mas ainda não é possível

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afirmar se há maior ou menor incidência dos mesmos entre textos que vieram de escolas da rede pública e os que vieram de escolas da rede particular).

Para a realização deste trabalho priorizamos a análise dos textos e tomamos os desenhos de forma complementar. Um dos primeiros procedimentos adotados na análise dos textos das crianças foi excluir aqueles que tivessem marcas facilmente identificáveis da interferência direta de adultos na confecção dos mesmos (sobretudo professores, pois quase todos foram escritos em ambiente escolar). Houve casos em que essa interferência era “visível”: uma ficha de exercício, mimeografada, trazia no alto da página o nome da escola e a pergunta: “O que penso da tevê?”. Neste caso, todos os textos (cerca de 70) tinham a mesma estrutura e o conteúdo girava, invariavelmente, em torno do mesmo tema: “a televisão é muito ruim porque só mostra violência e pornografia”. Houve casos em que o discurso do adulto e da escola se insinuavam de forma mais ou menos implícita — “a televisão é um meio de comunicação muito importante para nós que está sendo muito mal utilizado” ou explícita — “os adultos dizem que a televisão faz mal para as crianças”, “meus pais dizem”, “a professora falou” etc.

Contudo, a grande maioria dos textos traz observações e comentários acerca da programação televisiva próprios do discurso infantil, com considerações muito pessoais sobre o que eles gostam e o que não gostam de ver, o que consideram bom e ruim e assim por diante.

Em linhas gerais, as análises realizadas até o momento indicam que:

As crianças querem muito ser ouvidas sobre o que elas pensam sobre a tevê; acham que têm muito a dizer sobre o assunto e que gozam de completa legitimidade para fazê-lo. “Foi uma boa idéia colocar esse projeto porque eu tenho muito pra falar” (menina, 12 anos) ou “adorei esse projeto o que as crianças acham da televisão. E o que eu acho é que sem a tevê eu não vivo e quem criou esse projeto está de parabéns!” (Lucas), foram algumas das muitas observações nesse sentido que recebemos, frases que expressam a importância da televisão na vida dessas crianças e a necessidade que elas têm de participar dos debates que envolvem essa temática.

Queixam-se também, insistentemente, do excesso de imagens de violência na televisão, que associam diretamente aos telejornais; afirmam que não querem mais ouvir falar em mortes, assaltos, assassinatos, tragédias — uma das cartas diz: “quando passa no jornal que uma criança sofreu abuso sexual, que crianças de 10 anos, 13, 12 estão grávidas, os acidentes em estradas por causa dos buracos eu fico triste. Isso dói muito, dói no fundo do meu coração”. Voltaremos a esse tema a seguir, quando abordarmos a relação das crianças com os telejornais.

Mesmo tendo uma visão bastante crítica da programação em geral, as crianças afirmam, de forma recorrente, que adoram ver tevê e não importa o que os adultos digam a esse respeito: “A tevê é muito boa, eu adoro a televisão, principalmente, os programas que ela passa para mim. Para os adultos, a televisão é ruim, porque eles acham que se as crianças ficarem assistindo televisão as crianças não aprendem coisas boas e nada da escola. Hoje vou chegar em casa, vou ligar minha televisão e vou assistir. Acabou a minha história” (Camila, 12 anos). È interessante observar que elas mantêm suas opiniões a respeito do veículo mesmo sob a pressão da escola e dos adultos. Elas gostam de quase tudo: novelas, desenhos animados, programas humorísticos, filmes, seriados, “programas sobre bichos” e “até de programas educativos”. Uma criança pergunta: “Oque [sic] seria da nossa vida sem a televisão?” e responde, sem hesitar: “Nada! Apenas uma vida muito chata!”.

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As crianças que nos escreveram parecem ter saberes que as habilitam a falar de tevê com muita competência, quase como “especialistas”. Muitas demonstram conhecer a tevê também pelo lado de dentro, ou seja, suas linguagens e estrutura de produção, como sugere o desenho abaixo:

Elas analisam com relativa precisão as diferenças e semelhanças entre os diversos canais e programas, tecem considerações pertinentes sobre eles, comparam as grades de programação segundo a qualidade dos produtos exibidos, não necessariamente aqueles que são endereçados a elas e tecem críticas mais ou menos elaboradas a esse ou àquele produto em especial: tal programa “não é bom porque tem muita baixaria e só ensina o que não serve”; “muitas pessoas não gostam de..., eu gosto, porque mostra as coisas que acontecem no país, na política e nas novelas, criticando”.

Identificam com relativa facilidade o endereçamento dos produtos veiculados — a que público eles se destinam, a que faixa etária etc. — e emitem suas opiniões tendo como base essa percepção: “Não gosto do programa X porque é para criancinha pequena (...), gosto de Y porque é feito para adolescentes” (menina, 12 anos); “não estou dizendo que (...) é um programa produtivo, pois tem muita baixaria, mas também não é ruim, pois nos alerta sobre coisas que irão acontecer nas nossas vidas (menina, 11 anos); “gosto de programas sobre artistas e sobre forma, porque sou mulher e as mulheres se interessam por essas coisas”.

Percebem claramente a diferença entre novelas e seriados e entre seriados “brasileiros” (A diarista, A grande família) e “seriados americanos” (OC, Friends, Kenan e Kell etc.); sabem a diferença entre um seriado “engraçado” ou “com humor” (como A diarista, por exemplo) e os programas “humorísticos” (como A Praça é nossa, por exemplo); mencionam a nacionalidade de seus desenhos prediletos (se é japonês, americano ou brasileiro) e não hesitam em dar opiniões sobre a qualidade dos mesmos: “odeio o desenho X, porque bobo”, “gosto de Y porque tem aventura e ação e é muito divertido”. Algumas crianças chegam a afirmar que certos programas podem ser “educativos” “apesar de serem apenas entreterimento[sic!]”.

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a) do convívio diário e prolongado com a televisão (iniciado muito cedo), que lhes concede um certo domínio de suas linguagens e formatos;

b) do uso recorrente e paciente do controle remoto, não para “zapear”,4 como fazem adolescentes e

adultos, mas para escolher o que desejam ver (os textos que recebemos nos informam que elas vêem diferentes canais ao longo do dia e que sabem, exatamente, o horário e o canal em que são exibidos seus programas favoritos); essa parece ser uma prática muito valorizada por elas — um número significativo de desenhos enviados a nós trazem, ao lado do aparelho de televisão, um grande, colorido e detalhado aparelho de controle remoto, o que sugere a importância deste no contexto de visualização;5

c) das muitas e constantes conversas sobre televisão que as crianças mantêm entre elas — este parece ser o assunto preferido da maioria delas quando estão juntas;

d) do que lêem e ouvem a respeito da televisão.

Do que pudemos observar, o grau de reflexão e de elaboração conceitual acerca do conteúdo da programação televisiva é proporcional à diversidade de acesso a canais e programas de tevê, isto é, ter acesso a uma programação mais diversificada parece ampliar a capacidade de diálogo com o que elas vêem: uma menina de 11 anos, comparando a programação de vários canais segundo a qualidade da programação, afirma que novelas mexicanas “não são bem produzidas e os atores não são bons”; várias crianças afirmam que preferem os desenhos exibidos por um certo canal de tevê por assinatura, porque eles são mais bem feitos, mais divertidos e mais adequados aos interesses delas. Há ainda o caso de um menino de 10 anos que lista o que considera melhor em cada um de canais de tevê (abertos e pagos) e, no final, afirma: “odeio certos programas infantis em que os apresentadores também são cantores, atores, principalmente quando cantam e dançam coisas

4 Esse é um conceito amplamente utilizado nos estudos de recepção televisiva para descrever uma certa forma

de ver que implica trocar frequentemente de canal utilizando o controle remoto, sem assitir a nenhum programa integralmente (Sarlo, 2000).

5 Em uma entrevista realizada numa escola do Rio de Janeiro perguntamos a uma menino que nos havia

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ridículas e não gosto de desenhos animados japoneses (mangás) porque mostram violência junto com comédia, o que é uma coisa horrível”.

Em boa parte dos textos enviados à pesquisa as crianças afirmam que aprendem muito com a televisão: “a televisão tem diversão mas também tem ensinagem”, escreveu uma menina de 9 anos; “televisão é algo que educa”, escreve uma outra menina (12 anos); um menino de 11 anos diz: “Assisto das 17h às 19h os desenhos japoneses pois às vezes eles nos ensinam o certo e o errado”. Para todas elas, entre as vantagens e coisas boas da televisão está o fato de que ela “traz informações sobre o mundo” e ensina “a não fazer coisas erradas”, “as partes do corpo”, “a não engravidar na adolescência” (“como a Diane de Senhora do Destino”), a “ter respeito pela natureza”; ela mostra “como é a vida dos adolescentes”, como é “a realidade” e também dá “lições de moral”.

Mas a tevê também tem “desvantagens”: mostra “violências” e “pornografias”, pode “ensinar coisas ruins e erradas” e pode mostrar coisas que não são boas e influenciar as pessoas “a fazer igual”, além de ter “muita propaganda enganosa: uma vez apareceu na televisão um tênis e um homem voando com esse tênis um menino de 4 anos comprou o tênis e pulou da sacada pensando que o tênis voava. Resultado: parece que ele morreu” (menina, 12 anos).

Para uma das crianças, o efeito da televisão “depende do ponto de vista da pessoa e do que ela irá aproveitar dos caminhos que a tv incentiva”; para outra, “a televisão estimula tanto o crescimento quanto a destruição”, “você é quem escolhe” e, para uma terceira “podemos concluir que a televisão não traz só coisas boas, mas como nada no mundo é perfeito...”

Crianças e telejornais

“Não gosto de assistir o jornal, mas meus pais me falam que é o programa mais importante e proveitoso da televisão porque nos traz todas as notícias do Brasil e do mundo. Além de nos trazer notícias, aprendemos muito sobre cultura, artes, conhecimentos em gerais etc. Apesar de tanto conhecimento não aprendi a gostar, mas tenho certeza que quando eu ficar adulto eu vou me relacionar melhor e prestar mais atenção em que eles falam, para mim ter um belo futuro pela frente”. (Gabriel, 10 anos, escola pública, Araguari/MG)

Apresentamos acima observações extraídas de uma análise mais geral do material empirico de que dispomos. Desejamos, entretanto, tecer algumas considerações a respeito da opinião expressa pelas crianças a respeito dos telejornais, tema recorrente na imensa maioria dos textos que nos foram enviados.

Os telejornais são citados por elas muitas vezes entre as “vantagens” e os “lados bons” da televisão, pois elas os identificam com a possibilidade de acesso à informações e ao conhecimento da “realidade”: “seus lados bons [da tevê] são que recebemos informações através dela”. Mesmo quando afirmam que os jornais são muito chatos e o que “eu não gostam na tevê”, porque eles “só falam de coisas tristes” e “só trazem notícias ruins”, ainda assim declaram acreditar que eles são necessários porque “nos mantém informados sobre o que está ocorrendo no mundo” e porque “televisão não serve só para diversão, também serve para a educação e a informação”.

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viver nessa sociedade ou se apenas acatam a opinião dos adultos a esse respeito, como sugere o texto em epígrafe. Contudo, é absolutamente recorrente nos textos a idéia de que é muito importante “estar informado sobre o que está ocorrendo no mundo”, “ficar sabendo das notícias do Brasil e outros países”, “compreender como é a realidade de outras crianças” para “participar de maneira figurada de tudo o que acontece no mundo”.

Elas parecem acreditar que a televisão é fonte quase exclusiva de certas informações que elas precisam ter — “eu entendo que sem a tv agente [sic] não saberia as noticias e os perigos que estão acontecendo em nossa cidade e também de outras cidades”; “A televisão é o tipo de coisa que serve também para você ficar sabendo de muitas notícias. Por isso, é preciso ter uma televisão em casa, porque você não vai poder saber das notícias. Então, para quem não tem, compra uma pra valer”(João, 11 anos).

Para elas, “os jornais” são os programas destinados a veicular esses saberes; parecem estar convencidas de que, gostando ou não, ser bem informado é uma exigência social e supõem que, para isso, terão que se submeter, em algum momento, ao modelo padrão de difusão de informações. Entretanto, afirmam com veemência que a maioria das informações que os telejornais veiculam as fazem sofrer e provocam tristeza e ansiedade; dizem que, se pudessem, preferiam “não ver nunca” ou ver somente quando forem adultos ou quando não houver mais violência no mundo.

Uma questão muito levantada pelas crianças está relacionada à quantidade de notícias sobre violência veiculada nos telejornais. A maioria das que afirmam não gostar dos telejornais, o fazem porque, segundo elas, estes produtos apresentam muitas cenas de violência: “não tenho hábito de assistir jornais, não assisto programas violentos”. Um menino de 11 anos escreveu: “Não gosto: Jornal — porque só dá notícia ruim, não fala de nada bom, só de guerra, notícia de morte, é muito triste, é muito chato. Eu não gosto; no lugar de jornal podia passar algum desenho bom. Se um dia eu gostar de jornal vai ser porque vai estar falando que não tem mais guerras, que acabou os furacões. Enfim, que acabou a violência”.

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Nas entrevistas que realizamos as crianças afirmam com muita convicção que há dois tipos de violência na tevê: uma é “real”, aquela que está presente nos telejornais e em programas policiais, outra é de “mentira”, a dos desenhos animados, principalmente os anime6. Elas acreditam que, ao

contrário da violência dos desenhos — que elas dizem sabem que é “só desenho”— a violência que aparece nos telejornais lhes faz mal, pois faz com que sintam medo e não durmam à noite. Ao mesmo tempo, defendem a idéia de que é preciso ter conhecimento dos perigos do mundo, para poder se proteger deles.

Algumas afirmam que o esforço que certos “jornais” fazem para trazer “notícias boas” ao final da edição (como as que dizem respeito à preservação do meio ambiente) não é suficiente para dissipar a sensação de medo e desconforto que as “notícias ruins” provocam.

Esse talvez seja o traço mais evidente da relação dessas crianças com os telejornais: o permanente conflito entre a necessidade de saber “o que está acontecendo em nossa cidade e nos outros países” e o mal-estar que esse saber provoca, pois, a percepção que elas têm do mundo, através do que é veiculado pelos telejornais, é quase sempre de um lugar onde é impossível viver. Do que observamos até o momento, esse tipo de distorção da realidade parece ser muito mais prejudicial para a construção da visão de mundo delas e de seus projetos de futuro do que aquela produzida pelos desenhos animados que tanto preocupam professores, pais e especialistas.

O que apresentamos neste trabalho foi tão somente uma primeira aproximação do tema em estudo. Nossas análises não são conclusivas, por um lado, em função da complexidade do problema — nosso objeto é fluido, inapreensível e multideterminado — e por outro, porque o material empírico que temos em mãos exige estudos aprofundados e de longo prazo para que outras hipóteses possam ser formuladas.

6 São chamados anime um certo tipo de desenho animado realizado no Japão que tem como referência a

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Referências

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