• Nenhum resultado encontrado

COLÓQUIO/Letras. A recepção de Camões na Galiza. Xosé Manuel Dasilva. ISSN: Página principal / Homepage:

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "COLÓQUIO/Letras. A recepção de Camões na Galiza. Xosé Manuel Dasilva. ISSN: Página principal / Homepage:"

Copied!
12
0
0

Texto

(1)

EDIÇÃO E PROPRIEDADE

COLÓQUIO/Letras

ISSN: 0010-1451 - Página principal / Homepage: https://coloquio.gulbenkian.pt

A recepção de Camões na Galiza

Xosé Manuel Dasilva

Para citar este documento / To cite this document:

Xosé Manuel Dasilva, "A recepção de Camões na Galiza", Colóquio/Letras, n.º 182, Jan. 2013, p. 58-68.

(2)

a recepção de Camões na Galiza

Xosé Manuel Dasilva

Camões nunca ha estado en Galicia. Pregunten sus se- cuaces a los que han vivido en aquel Reino, y sabrán que en ningún país se come mejor, ni hay tanta hospitalidad como en él. Pregunten a los peregrinos que les dirán lo mismo, pues les oí que en ninguna parte habían experimentado más caridad, limosna y hospitalidad que en Galicia, y en especial en los más pobres.

Nada de eso experimentó el Camões, ni entre los suyos, ni en su país. Antes bien experimentó mil desastres de la fortuna que le redujeron a la suma miseria y sordidez. Así acaba su epitafio: «Viveu pobre, e miseravelmente, e assim morreu».

Padre Sarmiento, 660 pliegos (séc. XVIII)

Não existe, por agora, uma análise diacrónica completa sobre a projecção de Camões em Espanha, nem particularmente na Galiza1. Embora este seja um assunto de consideráveis dimensões, esse facto não é justificação suficiente para a falta de tal análise. Trata -se de um estudo que está, infelizmente, à espera de ser empreendido, e assim vai ficar durante algum tempo. Na verdade, não vislumbramos por enquanto qualquer monografia mais ou menos ampla.

Por conseguinte, torna -se preciso dizer que a imagem integral de Camões em Espanha e na Galiza não está hoje ao nosso dispor. Noutros países, pelo contrário, esse estudo foi já realizado e até de forma reiterada. Muito sinteti- zadamente podemos mencionar, para o caso da Inglaterra, as contribuições de Luiz Cardim2, Carlos Estorninho3, Madonna Letzring4, Fernando de Mello Moser5, Harold V. Livermore6 e a colectânea Camões em Inglaterra, dirigida por Maria Leonor Machado de Sousa7. Para os Estados Unidos, devemos citar os estudos de Norwood Andrews8 e George Monteiro9. Para a Alemanha, há que consignar a achega de Winfried Kreutzer10 e, nomeadamente, o exce- lente volume Camões na Alemanha, coordenado por Maria Manuela Gouveia Delille11. Para a Itália, temos as investigações de Alessandro Martinengo12, Giuseppe Carlo Rossi13, José da Costa Miranda14 e a obra panorâmica O Mito de Camões em Itália, de Henrique de Almeida Chaves15. Para a França, por fim,

(3)

contamos com os trabalhos de George Le Gentil16, Rafael Ávila de Azevedo17, Claude -Henri Frèches18, Roger Bismut19, Daniel -Henri Pageaux20 e, sobretudo, a tese de doutoramento Camoens en France (1600 -1860), de Anne Gallut.

Quanto à projecção espanhola de Camões, há, sim, alguns autores que se têm debruçado sobre a questão. Recorde-se os nomes de Sousa Viterbo21, Adolfo Bonilla y San Martín22, Werner Kraus23, António Coimbra Martins24, José María Viqueira25, Eugenio Asensio26, Dámaso Alonso27, Bella Josef 28 e Xosé Filgueira Valverde29. Salientemos nesta lista de autores, com menção especial, a personalidade de Eugenio Asensio, que, por volta de 1970, estaria a preparar, ao que parece, uma obra abrangente intitulada Camoens en España.

Desditosamente, Eugenio Asensio faleceu antes de acabar essa obra, que era, e continua a ser, um projecto precioso.

A despeito do insatisfatório quadro descrito, é possível delinear, a partir dos elementos disponíveis na altura presente, os traços genéricos da irradiação espanhola de Camões. Pensamos que se trata de uma tarefa imprescindível antes de darmos atenção à recepção de Camões na Galiza. Desta feita, no atinente a Camões em Espanha, há que realçar duas características basilares.

A primeira é que Camões representa, com toda a certeza, o autor português de mais largo sucesso no âmbito espanhol. A obra camoniana propagou -se em Espanha desde cedo, como indicam estas palavras de Coimbra Martins:

«Mal Camões deixou o seu vale de lágrimas, os espanhóis o traduziram, o imitaram, o glosaram.»30 Mas a difusão de Camões em Espanha não tem sido contínua nem regular através do tempo, visto que coincidiu, frequentemente, com determinados contextos históricos propícios.

A segunda característica da vitalidade de Camões em Espanha é, em conexão com a primeira, o facto de Camões ter sido um autor, por assim dizer, de complicada digestão, sobretudo devido à sua obra Os Lusíadas. Cabe referir uma citação do escritor espanhol Juan Valera, muito eloquente, que ilustra esta circunstância:

Si Camoens no fuese tan español como Lope de Vega y como Cervantes;

si no le llamasen sus compatriotas mismos príncipe de los poetas españoles, y si Portugal y Castilla no fuesen España, creeríamos que Os Lusíadas eran el mayor obstáculo a la unión futura de ambas naciones. Los pueblos tienen un alma inmortal como los individuos; Camoens es el alma colectiva de los portugueses.

Los pueblos que no tuvieron nunca hombres así, son pueblos sin alma.31 Não podemos desenvolver aqui a tese que já sugerimos noutros trabalhos a respeito da peculiar aceitação que Camões recebeu em Espanha32. Porém devemos deixar expostos, no mínimo, os seus alicerces. Por exemplo, não passa despercebida a constatação de um desequilíbrio entre o número de versões da

(4)

obra épica — já desde 1580 — e o número de versões da obra lírica, traduzida para o espanhol pela primeira vez apenas em 1818, isto é, quase duzentos e cinquenta anos depois. Eis uma desproporção que leva a tirar duas conclusões quanto à difusão de Camões em Espanha.

Em primeiro lugar, verifica -se que é muito superior a influência do Camões lírico em comparação com a do Camões épico. Em segundo lugar, Os Lusíadas alcançaram de forma paradoxal, todavia, uma cifra mais elevada de versões do que a obra lírica, assiduamente elogiada embora menos traduzida.

À vista desses dados — e de outros que não podemos aqui desenvolver por ultrapassarem a dimensão deste artigo —, é inevitável frisar que se produziu, em território espanhol, uma espécie de vontade de apropriação de Os Lusíadas ou, quanto mais não seja, de domesticação do poema, e isso desde os primeiros momentos em que foi traduzido para a língua espanhola. Seria um trabalho longo esmiuçar os fundamentos que justificam esta ideia. Contudo, devemos esboçar, a traços largos, que o processo se desenvolveu a partir de diferentes estratégias, algumas bem subtis e outras mais transparentes.

Já no referente à projecção de Camões na Galiza, avisemos que, como atrás ficou dito, não se dispõe de um estudo pormenorizado. Assim sendo, só é possível fazer alusão a contributos esparsos, os quais conduzem, no entanto, a balizar — como acontecia no caso da Espanha — os traços principais da recepção galega do escritor. Destarte, a primeira ideia que devemos registar é que há, no espaço galego, algumas fórmulas de recepção de Camões dis- semelhantes das que são perceptíveis no resto do estado espanhol. Filgueira Valverde destacou ajuizadamente esta particularidade:

La proximidad geográfica, los vínculos históricos, la comunidad lingüís- tica… propician un entendimiento de todo lo portugués [en Galicia], de carácter muy distinto al que pueda darse en otros pueblos.33

Em termos globais, importa dizer que Camões é um autor que tem tido através da história uma presença assinalável na Galiza. Por um lado, o grande poeta constituiu para a cultura galega uma referência fulcral da literatura por- tuguesa. Por outro lado, foi uma fonte de inspiração, tanto na vertente épica como na lírica, bem palpável para vários escritores galegos. Estas duas linhas irão nortear, de maneira essencial, a nossa exposição.

Relativamente à primeira linha, um aspecto inicial a destacar é que, tal qual Cervantes, Camões possui ascendência galega, o que se tornou na Galiza motivo de orgulho. Como é sabido, Manuel Severim de Faria, no século XVII, foi o primeiro a dizer que o fidalgo galego Vasco Pérez de Camões era trisavô do escritor. Não deve espantar que, ulteriormente, muitos autores galegos tivessem aprofundado as origens do poeta. Omitiremos os nomes de todos

(5)

eles, já que conformam um copioso inventário, para ressaltar tão -só a figura do Padre Sarmiento, primeiro autor que na Galiza deu atenção, já no século XVIII, à estirpe de Camões.

Com efeito, Camões aparece repetidamente, quase como uma obsessão, em diferentes obras do Padre Sarmiento. O motivo primordial é, apesar da sua linhagem, ter consagrado aos galegos aquele verso de Os Lusíadas — «ó sórdidos galegos, duro bando» — tão cheio de ingratidão. A reflexão mais extensa do Padre Sarmiento sobre Camões aparece na obra 660 pliegos, ainda hoje inédita34. Aí, o erudito não apenas se detém na ascendência do escritor, mas fornece também um inestimável comentário de mais de cem páginas sobre Os Lusíadas, muito pouco conhecido, que mereceria a pena divulgar. O Padre Sarmiento preferia, de um modo geral, as poesias líricas à epopeia, como se verifica neste passo:

¿En qué consiste que la mayor parte de los hombres guste mucho de las poesías líricas, y de verso menor, como las de Góngora, Lope, Quevedo, Camões, y que son tan pocos los que tienen paciencia para leer un largo poema de octavas rimas? Porque este metro apelmazado no es para el genio español, como ya dije.

Es totalmente extraño, y siempre lo será a la nación. Así, siendo tan preciosas las poesías líricas del Camões, que es lo que heredó de su ascendiente el poeta gallego Vasco Perez de Camões, las Lusiadas, que tanto se ponderan, si se leen en una aldea de entre Douro e Miño apenas las entenderá el cura. ¿Qué poesía portuguesa, pues, será aquella que no la entienden los portugueses? ¿Igual será la que comprendida en un libérculo necesitó de dos tomos en folio de comentos de Faria para que se entendiese?

Dentro da primeira linha acima enumerada, o segundo aspecto a salien- tar é o conjunto de textos de homenagem que diversos autores dedicaram ao poeta. Citemos, por exemplo, as poesias «Un recuerdo a Camões», de José López de la Vega35, «A Lisboa» e «En la inauguración de la estatua A Camoens», estas duas de Francisco Añón36, e «Cantiga a Luís de Camões», de Ernesto Guerra da Cal. No entanto, o mais importante poema galego de homenagem a Camões é, certamente, o texto de Rosalía de Castro «Dende as fartas orelas do Mondego»37, publicado por ocasião do terceiro centenário da morte do escritor38:

Dende as fartas orelas do Mondego, E dende a Fonte das Lágrimas, Que na fermosa Coimbra

As rosas de cen follas embalsaman, Do Miño atravesando as augas dondas

(6)

En misteriosas alas,

De Inés de Castro, a dona máis garrida E a voz más doce e máis triste namorada, Do gran Camoens que inmortal a fixo Contando as súas desgrazas,

De cando en cando a acariñarnos veñen Eu non sei que saudades e lembranzas.

Alá deu froito a planta bendicida Con sen igual puxanza,

De aquí o xermolo saíu, sábeo Lantaño E a súa torre dos tempos afrontada.

Por iso, seica, ¡ou, desditados! sempre Levastes en vós o xermolo da desgraza.

Ti, pobre dona Inés, mártir de amor, E ti, Camoens, da envexa empezoñada.

Pesan dos xenios na existencia dura Tanto a fama e a gloria canto as bágoas.

A que cantaches en peregrinos versos Morreu baixo o poder de mans tiranas.

Ti acabaches esquecido e na miseria E hoxe es gloria da altiva Lusitania,

¡Ou, poeta inmortal, en cuxas veas Nobre sangue galego fermentaba!

Esta lembranza doce, Envolta nunha bágoa,

Che manda dende a terra onde os teus foron Unha alma dos teus versos namorada.39

Um terceiro aspecto a acrescentar é que o peso de Camões na Galiza tem sido tão significativo que certo poema, falsamente a ele atribuído, até foi con- siderado parte da literatura galega. É o caso do soneto «Alá em Monte Rey, em Bal de Leça»:

Alá em Monte Rey, em Bal de Leça, A Biolante bi beira de um rio,

Tam fermosa em berdá, que quedé frio De ber alma inmortal em mortal maça.

De um alto e lindo copo a seda lassa A Pastora sacaba fio a fio,

Quando lhe disse: — Morro, corta o fio.

Bolveo: — Não cortarei, seguro passa.

(7)

— E como passarei, se eu acá quedo?

Se passar — respondi — não bou seguro Que este corpo sem alma morra cedo.

— Com a minha, que lebas, te asseguro

Que não morras [,] Pastor. — Pastora [,] hei medo, O quedar me parece mais seguro.40

Não podemos descrever com detalhe a movimentada história deste soneto, mas resumamos pelo menos algumas informações. Como é conhecido, o poema — e também o soneto «Porque me faz Amor inda acá torto?» — foi atribuído pela primeira vez a Camões na edição seiscentista de António Álvares da Cunha41. Este avançou que os dois textos estão escritos em «lingoa gallega»42. Mais tarde, ambos os sonetos foram reeditados pelo Visconde de Juromenha e por Teófilo Braga. Por seu turno, os editores camonianos con- temporâneos, depois de os sonetos terem sido expurgados por Wilhelm Storck e Carolina Michaëlis de Vasconcelos, não aceitaram a autoria camoniana, à excepção de Maria de Lurdes Saraiva, que admitiu a autenticidade na sua Lírica Completa, embora mais tarde, na segunda edição desta obra, acabasse por assumir a apocrifia. Como é que o soneto «Alá em Monte Rey, em Bal de Leça» passou ao património literário galego? Talvez os vínculos geográficos

— Monte Rey, Bal de Leça —, para lá do testemunho de Álvares da Cunha, tivessem feito com que Florêncio Vaamonde Lores, historiador literário, constrangido pela ausência quase completa de poemas em galego do período renascentista, considerasse este poema, no século XIX, um texto da literatura galega. A partir daí, a notícia ter -se -á transmitido a outros autores.

A respeito de Camões como referência na Galiza, um quarto aspecto a examinar é a soma de traduções de textos camonianos. Efectivamente, exis- tem versões em galego de vários poemas. Há, por exemplo, duas traduções do soneto «Alma minha gentil, que te partiste», sendo uma realizada por Ramón del Valle, pai do insigne escritor Ramón María del Valle -Inclán43. Temos, tam- bém, duas traduções do poema «A Bárbara Escrava», uma delas de Curros Enríquez, autor interessante porque na sua própria obra revela ligações dignas de estudo com a literatura portuguesa44. A segunda versão galega das endechas deve -se a Alberto García Ferreiro e, além do mais, constitui uma surpreendente amostra de restituição ideológica por meio da actividade de traduzir. É que o exotismo da protagonista amorosa de «A Bárbara Escrava» desaparece por preconceitos raciais nesta tradução de García Ferreiro, onde a oriental Bárbara se transforma numa verdadeira Laura petrarquista. Veja -se o texto em galego:

(8)

Aquela cativa Que me ten cativo, Porque nela vivo Non quere que viva.

Nunca en suaves mollos De roseiras, rosa Máis fina e cheirosa Viron os meus ollos.

Nin no campo flores, Nin no ceo luceiros Son tan feiticeiros Coma os meus amores.

Cara de luar, Ollos sosegados, Doces e cansados…

¡Non de asasinar!

Refulxencia viva Nos seus ollos mora;

¡Pode ser señora De quen é cativa!

Entre os seus cabelos Busca, namorada, A luz da alborada Brillos e destelos…

Ten na cute negror Mais a neve xura Que por tal negrura Déralle a súa cor.

Para espertar a fe Co pudor se oufana;

Ela será… estraña, Bárbara… non é.

Unha real coroa Póndelle na fronte, Que o seu continente Maxestade pregoa.

Esa é a cativa Que me ten cativo;

Xa que nela vivo, Déixeme que viva.

(9)

A propósito da fortuna de Camões como referência na Galiza, um quinto aspecto, e último, é a existência de um apreciável número de camonistas galegos. Embora correndo o risco de ser considerados prolixos, não podemos omitir os nomes do Padre Sarmiento — citado já —, Ramón Otero Pedrayo45, Xosé Filgueira Valverde, Pilar Vázquez Cuesta, Julio Martínez Almoyna, José María Viqueira — catedrático da Universidade de Coimbra —, Xosé Landeira Yrago, José Ares Montes, Eugenio Fernández Almuzara…

Acabamos de ver, muito sinteticamente, que Camões é um vulto presti- giado na Galiza. Diga -se, porém, que Camões não tem sido apenas uma refe- rência medular, porquanto se trata de um autor que também exerceu influência em muitos escritores galegos. As reminiscências camonianas nas letras vizinhas começam no século XIX. À excepção da imitação de «Descalça vai para a fonte» e «Na fonte está Leonor» num poema de Rosalía de Castro — bem analisada por Jacinto do Prado Coelho46 —, e de certas composições de outros autores românticos com ressonâncias isoladas47, os ecos principais de Camões na literatura galega, durante o período oitocentista, provêm de Os Lusíadas. Eis as primeiras estrofes do poema atrás referido de Rosalía de Castro:

Roxiña cal sol dourado, Garrida cal fresca rosa, Ía polo monte fermosa Co branco pé descalzado…

Copo de neve pousado, Deslumbrando a luz do día, Tan branco pé parecía.

As longas trenzas caídas, Con quen os ventos xogaban, Ondiñas de ouro formaban Na branca espalda tendidas;

Apertadas e bruñidas, Que espigas eran coidara O que de lonxe as mirara.

Existem duas obras galegas onde a repercussão da epopeia é evidente.

No poema Os Eoas, de Eduardo Pondal, a autoridade de Os Lusíadas revela -se nos temas, na métrica, no estilo e até em elementos estruturais. Nesta obra narra -se a navegação de Cristóvão Colombo em direcção ao Ocidente, com a descoberta da América. No poema Os Calaicos, de Florencio Vaamonde Lores, o rasto de Os Lusíadas é ainda mais visível. A relação intertextual inicia -se no paralelismo do título — Os Lusíadas e Os Calaicos — e continua com a evoca- ção quase literal de passagens do texto camoniano48.

(10)

O segundo período da literatura galega em que se manifesta a influência de Camões é o primeiro terço do século XX. Nessa altura, o interesse dos escri- tores galegos concentra -se na poesia lírica, sobretudo nos sonetos, mais do que na épica. Não sendo possível aqui entrar em detalhes, lembremos apenas três poetas que apresentam traços camonianos: Antón Noriega Varela49, Fermín Bouza -Brey e Aquilino Iglesia Alvariño. O primeiro deles imita o soneto

«Alma minha gentil, que te partiste» num poema dedicado ao falecimento de uma criança, incluído no livro Do ermo:

Fillo do corazón, que nas meniñas Dos teus ollos levaches os meus amores, Descansa eternamente sobre flores,

Que eu non te hei de olvidar entre as espiñas.

Se as bágoas de túa nai e as bágoas miñas Non te resucitaron… ¡xa non acores!, Este mundo é o liñeiro das dores, E o ceo ¡fíxoo Deus para as estreliñas!…

A Virxe te acubille co seu manto E, xa que é tan cativa a miña sorte Que non me valeu nada achousar tanto,

¡Pide que a triste vida se me acurte!

Mellor quero ir parar ao camposanto, Que vivir recordando a túa morte.50

Apresentámos até aqui a recepção de Camões na literatura galega sob um olhar retrospectivo. Para lá dos dados e sugestões adiantados, torna -se inilu- dível reconhecer, no entanto, que se está perante um objecto de pesquisa que exige sem delongas mais demorada atenção.

Notas

[O Autor segue a antiga ortografia.]

1 Agradecemos a colaboração de Alexandra I. Alves Neves na revisão deste artigo.

2 Luiz Cardim, Projecção de Camões nas Letras Inglêsas, Lisboa, Editorial Inquérito, 1940.

3 Carlos Estorninho, «O Culto de Camões em Inglaterra», Arquivo de Bibliografia Portuguesa, vol. VI, 21 -22, 1960, p. 152 -69.

4 Madonna Letzring, «The influence of Camoens in English Literature», Revista Camoniana, 1.ª série, vol. I, 1964, p. 158 -80; 1.ª série, vol. II, 1965, p. 27 -54.

5 Fernando de Mello Moser, «Luís de Camões em Inglaterra», in Os Lusíadas: Estudos sobre a

(11)

Projecção de Camões em Culturas e Literaturas Estrangeiras, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1984, p. 291 -330.

6 Harold L. Livermore, «Camões in English», Revista Camoniana, 2.ª série, vol. IX, 1994, p. 51 -63.

7 Maria Leonor Machado de Sousa (coord.), Camões em Inglaterra, Lisboa, Ministério da Educação, 1992.

8 Norwood Andrews, «A Projecção de Camões e d’Os Lusíadas nos Estados Unidos da América», in Os Lusíadas: Estudos sobre a Projecção de Camões em Culturas e Literaturas Estrangeiras, ed. cit., p. 331 -450.

9 George Monteiro, «The Presence of Camões in Melville’s Poetry», in Actas da V Reunião Internacional de Camonistas, São Paulo, Universidade de São Paulo-Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 1987, p. 531 -46; The Presence of Camões. Influences on the Litera- ture of England, America and Southern Africa, Lexington -Kentucky, The University Press of Kentucky, 1996.

10 Winfried Kreutzer, «Camões in Deutschland», in Os Lusíadas: Estudos sobre a Projecção de Camões em Culturas e Literaturas Estrangeiras, ed. cit., p. 467 -94.

11 Maria Manuela Gouveia Delille (coord.), Camões na Alemanha. A Figura do Poeta em Obras de Ludwig Tieck e Günter Eich, Coimbra, Livraria Minerva/CIEG, 2000.

12 Alessandro Martinengo, «La fortuna del Camões in Italia», Studi mediolatini e volgari, vol. II, 1954, p. 97 -174; «Fortuna di Camões in Italia», in Os Lusíadas: Estudos sobre a Projecção de Camões em Culturas e Literaturas Estrangeiras, ed. cit., p. 261 -90.

13 Giuseppe Carlo Rossi, «As Traduções Italianas de Os Lusíadas», in Actas da I Reunião Internacional de Camonistas, Lisboa, Comissão Executiva do IV Centenário da Publicação de Os Lusíadas, 1973, p. 317 -35.

14 José da Costa Miranda, «Camões em Itália: para uma interpretação global dessa presença», Revista Camoniana, 2.ª série, vol. VI, 1984 -1985, p. 89 -106.

15 Henrique de Almeida Chaves, O Mito de Camões em Itália, Lisboa, Edições Colibri, 2001.

16 Georges Le Gentil, «Camões e a Literatura Francesa», Biblos, vol. IV, 1928, p. 193 -223.

17 Rafael Ávila de Azevedo, «O Culto de Camões em França no Primeiro Quartel do Século XIX», Arquivos do Centro Cultural Português, Paris, vol. 4, 1972, p. 402 -25.

18 Claude -Henri Fréches, «Camões et la France: de Voltaire a Edgar Quinet», Panorama, n.º 42 -43, 1972, p. 48 -54.

19 Roger Bismut, «Camões en France», Arquivos do Centro Cultural Português, Paris, vol. XVI, 1981, p. 723 -54.

20 Daniel -Henri Pageaux, «Camoens en France», in Os Lusíadas: Estudos sobre a Projecção de Camões em Culturas e Literaturas Estrangeiras, ed. cit., p. 187 -238.

21 Sousa Viterbo, «Henrique Garcês, tradutor d’Os Lusíadas em Espanhol», Círculo Camoniano, n.º 1, 1891, p. 316 -23; «Camões em Espanha», Círculo Camoniano, n.º 2, 1892, p. 166 -75.

22 Adolfo Bonilla y San Martín, «Camoens e Hespanha», Revista de História, vol. XIV, 1925, p. 106 -11.

23 Werner Kraus, «Die geltung der Lusieden in Spanien», Gesammelte Aufsätae, 1949, p. 278 -83.

24 António Coimbra Martins (org.), IV Centenario de Os Lusíadas de Camões (1572 -1592), Madrid/Lisboa, Biblioteca Nacional de Madrid/Fundação Calouste Gulbenkian, 1972.

25 José Maria Viqueira, Camões y su hispanismo, Coimbra, Coimbra Editora, 1972.

26 Eugenio Asensio, La Fortuna de Os Lusíadas en España (1572 -1672), Madrid, Fundación Universitaria Española, 1973; «Camões en la poesía española de los siglos XVI y XVII»,

(12)

Arquivos do Centro Cultural Português, Paris, vol. XV, 1980, p. 111 -32; «Los Lusiadas y las Rimas de Camões en la poesía española (1580 -1640)», in Eugenio Asensio e José V. de Pina Martins (org.), Luís de Camões. El humanismo en su obra poética. Los Lusiadas y las Rimas en la poesía española (1580 -1640), Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1982, p. 38 -94.

27 Dámaso Alonso, «La recepción de Os Lusíadas en España», Boletín de la Real Academia Española, vol. LIII, 1973, p. 33 -61; depois ampliado em Obras Completas, vol. III, Madrid, Editorial Gredos, 1974, p. 9 -40.

28 Bella Josef, «Projecção de Camões nas Literaturas Hispânicas», in Os Lusíadas: Estudos sobre a Projecção de Camões em Culturas e Literaturas Estrangeiras, ed. cit., p. 171 -86.

29 Xosé Filgueira Valverde, Camoens, Barcelona, Editorial Labor, 1958; há uma segunda edição publicada em Madrid, Editora Nacional, 1975, e uma terceira edição publicada em Santiago de Compostela, Xunta de Galicia, 1993; editado em português sob o título Camões, Coimbra, Livraria Almedina, 1981; «La proyección de Camões en las letras españolas», in Os Lusíadas:

Estudos sobre a Projecção de Camões em Culturas e Literaturas Estrangeiras, ed. cit., p. 5 -88.

30 António Coimbra Martins, «Aviso do Autor», in IV Centenario de Os Lusíadas de Camões (1572 -1592), ed. cit., p. XVIII.

31 Juan Valera, «Las escenas andaluzas del solitario», Revista Peninsular, vol. I, 1855, p. 433 -39;

reproduzido em Juan Valera, Obras completas, t. II, Madrid, Aguilar, 1961, p. 44. Juan Valera exprime uma ideia análoga numa outra instância: «Los pueblos que hasta cierto punto se puede afirmar que son mudos, o dígase que no han tenido grandes escritores y poetas, que no han dado a los demás hombres ningún sublime pensamiento, éstos no tienen tanta obligación de guardar su idioma; pero pueblos como el español tienen una obligación grandísima de guardarlo. El habla es el sello de nuestra nacionalidad y de nuestra raza, uno de los títulos de nuestra nobleza, y vosotros sois sus custodios y defensores. Tan cierto es que el habla es sello de nacionalidad, que para explicar el olvido del común origen hay que apelar a la confusión de la lengua. Hablando los hombres idiomas diferentes pudieron dispersarse y dispersos, olvidar que eran hermanos. Así como el olvido del habla hace olvidar la fraternidad, así la comunión del habla la conserva y hasta la crea. El pueblo griego conserva su idioma, aunque adulterado, y este idioma le sirve de signo y es despertador de su nacionalidad después de siglos de cautiverio; en Italia se crea una sola lengua, y esta lengua, a pesar de la diversidad y multitud de estados, es signo y argumento en Italia de la unidad de la nación; una lengua algo diversa de la que hablamos y un gran monumento escrito en esa lengua, Os Lusíadas, son el mayor obstáculo a la fusión de todas las partes de esta Península: Camoens se levanta entre Portugal y España, cual firme muro, más difícil de derribar que todas las plazas fuertes y los castillos todos» (Juan Valera, «La poesía popular. Ejemplo del punto en que deberían coincidir la idea vulgar y la idea académica sobre la lengua castellana», El Contemporáneo, 23, 25 e 26 -III -1862; in Obras completas, t. III, 2.ª ed., Madrid, Aguilar, 1947, p. 1055).

32 Xosé Manuel Dasilva, «Aproximação Inicial das Traduções Espanholas da Obra Lírica Camoniana», Revista Camoniana, 3.ª série, n.º 14, 2003, p. 245 -304; «As Traduções Camonianas Espanholas de José María de Cossío», Santa Barbara Portuguese Studies, vol. VII, 2003 (2006), p. 191 -211.

33 Xosé Filgueira Valverde, «La proyección de Camões en las letras españolas», in Os Lusíadas:

Estudos sobre a Projecção de Camões em Culturas e Literaturas Estrangeiras, ed. cit., p. 57.

34 Xosé Manuel Dasilva, «O Padre Sarmiento e a Estirpe Galega do Poeta Lusíada Camões», in Actas do I Congreso Internacional de Onomástica Galega ‘Frei Martín Sarmiento’, Santiago de Compostela, Asociación Galega de Onomástica/Instituto da Lingua Galega, 2007, p. 69 -86.

Referências

Documentos relacionados

Assim, o presente estudo teve como objetivo estudar a comunidade de invertebrados cavernícolas em 28 cavernas calcárias, na região de Córrego Fundo, Minas Gerais e testar as

O método comparativo utilizado para determinação de propranolol foi aquele recomendado pela farmacopéia americana (USP XXI) 55 , no qual se mede a absorbância da amostra

Vénus, que por mais fermosa lhe deu Páris a maçã, não foi quanto vós louçã. Vénus levou a maçã por vós não

Em março de 2008 foi firmado Termo de Cooperação entre a Empresa Municipal de Urbanização e a Secretaria Municipal de Habitação tendo em vista a implantação de unidades

(controle, delimitador), retorna os itens selecionados pre- parados para uso, por exemplo, em cláusulas In() de strings do SQL.Como a quantidade de períodos disponíveis tende a

A remição de pensões de valor reduzido, sem pre- juízo de fixação de um regime transitório que permitirá a progressiva adaptação das empresas de seguros, que assim não

A cultura portuguesa fica, assim, a dever ao labor da equipa liderada por Isabel Almeida, realizado no âmbito das atividades de investigação desenvolvidas pelo Centro

b) Coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos, programas e.. a) As múltiplas manifestações da questão social, sob a órbita