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A laicidade como princípio fundamental do estado de direito

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

ALFREDO ISAAC NOGUEIRA

A LAICIDADE COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO ESTADO DE DIREITO

FORTALEZA 2015

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A LAICIDADE COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO ESTADO DE DIREITO

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Msc. William Paiva Marques Júnior

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca da Faculdade de Direito

N778l Nogueira, Alfredo Isaac.

A laicidade como princípio fundamental do estado de direito / Alfredo Isaac Nogueira. – 2015. 62 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2015.

Orientação: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.

1. Direitos Fundamentais. 2. Democracia. 3. Leigos (Religião). I. Título.

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ALFREDO ISAAC NOGUEIRA

A LAICIDADE COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO ESTADO DE DIREITO

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Msc. William Paiva Marques Júnior

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Msc. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Msc. Dimas Macedo

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Mestranda em Direito Vanessa Gomes Leite

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, agradeço aos meus pais, irmãos e familiares, pelo carinho incondicional, por terem proporcionado as ferramentas que eu precisei para construir o meu caminho, e principalmente por terem criado um ambiente onde minha liberdade de pensamento nunca foi objetada ou suprimida.

Aos meus queridos amigos, dos mais antigos aos mais novos, os quais sempre serviram de fontes inspiradoras de boas ideias, tanto na concordância como na discordância. Aos sempre produtivos diálogos, no decorrer de longas noites, em que importantes discussões foram de grande relevância para a formação das minhas opiniões.

Ao Prof. Msc. William Paiva Marques Júnior, pelo seu papel de relevância única na construção de uma nova Faculdade de Direito, bem como pela aceitação em participar deste trabalho como orientador, sempre com contribuições importantes e correções construtivas.

Aos integrantes da banca examinadora, Prof. Msc. Dimas Macedo e Mestranda Vanessa Gomes Leite, por terem aceitado tão prontamente o convite, e pela valiosa colaboração.

Aos demais colegas e professores da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, bem como do Curso de Direito da Universidade Estadual do Piauí, pelo companheirismo e apoio durante essa longa caminhada.

Aos meus inspiradores literários, pela missão constantemente atingida de abrir meus olhos para realidades diversas, sempre em busca de um pensamento crítico, não dogmatizado.

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“Creio firmemente em minha verdade, mas penso que devo obedecer a um princípio moral absoluto: o respeito à pessoa alheia.”

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RESUMO

O presente trabalho busca analisar o princípio da laicidade, definindo o mesmo como princípio fundamental do Estado de Direito. Para tanto, traça-se um histórico das relações entre Estado e Igreja, ao longo da história mundial, bem como a evolução do aludido princípio em meio ao Direito Constitucional brasileiro, com a finalidade de delimitar um conceito preciso de laicidade. Segue-se para uma análise do postulado em relação à Constituição Federal de 1988, definindo-se a laicidade como princípio constitucional brasileiro. Por fim, estuda-se os conflitos existentes entre a previsão constitucional e a realidade factual, em busca de um dimensionamento prático do secularismo brasileiro, bem como propondo uma solução aos conflitos relacionados ao postulado. Conclui-se, então, que a laicidade brasileira ainda não se encontra devidamente efetivada, havendo muito espaço para evolução social do princípio em estudo. Essa evolução é circunstância essencial para a concretização de uma democracia mais condizente com os ideais de igualdade e liberdade.

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ABSTRACT

This paper analyzes the principle of laicity, defining it as a fundamental principle of the rule of law. To this end, draws up a history of the relations between state and church, along the world history and the evolution of the aforementioned principle amidst the Brazilian Constitutional Law, in order to define a precise concept of laicity. The following is a analysis of the postulate in relation to the 1988 Federal Constitution, defining laicity as a Brazilian constitutional principle. Finally, studies the conflicts between the constitutional provision and the factual reality, searching for a practical sizing of Brazilian secularism and proposing a solution to conflicts related to the postulate. Concludes, then, that the Brazilian laicity is not yet fully effective, with plenty of room for social evolution of the principle under consideration. This evolution is essential condition for achieving a more consistent democracy to the ideals of equality and freedom.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 11

2 O PRINCÍPIO DA LAICIDADE ESTATAL E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA... 13

2.1 Delimitação conceitual... 13

2.2 Evolução histórica... 14

2.2.1 Antiguidade oriental... 14

2.2.2 Antiguidade clássica... 15

2.2.2.1 Civilização grega... 15

2.2.2.2 Civilização romana... 17

2.2.3 Idade Média... 18

2.2.4 O iluminismo e as revoluções liberais... 20

2.3 A laicidade nas Constituições brasileiras... 22

3 O ESTADO LAICO BRASILEIRO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988... 25

3.1 A Definição do Brasil como Estado laico... 25

3.1.1 As liberdades de consciência e de crença... 26

3.1.2 A assistência religiosanas entidades civis e militares de internação coletiva... 27

3.1.3 A escusa de consciência... 27

3.1.4 A separação entre Estado e Igreja como regra constitucional... 28

3.2 Natureza jurídica do preâmbulo constitucional... 29

3.3 Limites da colaboração entre Estado e Igreja... 32

4 CONTRADIÇÕES DO ESTADO LAICO BRASILEIRO ... 35

4.1 A participação da Igreja no cenário político brasileiro... 36

4.2 A intervenção política direta da Igreja na atividade estatal... 38

4.2.1 O ensino religioso em escolas públicas... 39

4.2.2 O uso de símbolos religiosos em órgãos públicos... 42

4.2.3 A imunidade tributária para templos religiosos... 45

4.3 A intervenção política indireta da Igreja na atividade estatal... 46

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 50

REFERÊNCIAS... 53

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1 INTRODUÇÃO

Desde que foram formadas as primeiras civilizações humanas, a organização social relaciona-se intrinsecamente com as instituições religiosas. Ao longo da história, nem sempre foi clara a diferença entre Estado e Igreja, muitas vezes estando os poderes político e religioso centralizados na mesma figura.

Com o avanço dos ideais iluministas, ao longo dos séculos XVIII e XIX, impulsionados pela Revolução Francesa, tem-se o crescimento da figura do Estado Laico, ou seja, aquele que não confessa a um culto oficial (Estado Confessional), tendo como característica a neutralidade em relação às diferentes religiões.

Tal foi o modelo político de Estado consagrado na Constituição Federal de 1988, em conjunto com os princípios constitucionais democráticos e garantias individuais de igualdade e liberdade.

Mesmo diante do preceito constitucional, séculos de interferência da religião no Estado não são facilmente descartados, restando aspectos culturais que constantemente põem em debate a figura do secularismo estatal. Assim, aspectos culturais de um povo chocam-se com princípios e garantias constitucionais, e não é simples apontar as melhores soluções ao conflito.

No caso brasileiro, em que se verifica um cenário no qual a sociedade encontra-se sedenta de mudanças, onde os movimentos sociais a favor das categorias historicamente reprimidas conflitam com o crescimento do conservadorismo religioso, em particular, na representatividade legislativa, com a cada vez mais forte “bancada evangélica” defendendo ideais conservadores, faz-se essencial a busca por medidas que venham a provocar um diálogo positivo entre tais diferentes correntes de pensamento.

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12 as relações entre Estado e Igreja no Direito Constitucional brasileiro, focando na implantação e desenvolvimento do postulado em estudo.

No segundo capítulo, estuda-se o princípio da laicidade sob a égide da Constituição Federal de 1988, e seus desdobramentos dentro do ordenamento jurídico pátrio. Ressalta-se como nossa Carta Maior trata as relações entre Igreja e Estado, bem como do diálogo entre a laicidade estatal e as demais prerrogativas constitucionais.

Por fim, são analisados os conflitos entre o princípio da laicidade e a ordem social brasileira. Sobre a real efetividade do Estado Laico brasileiro, e os limites da liberdade religiosa. Como a influência cultural histórica católica e o crescimento evangélico pentecostal, no Brasil, influenciam o efetivo cumprimento do princípio em estudo, e quais as opções que podem ser avaliadas para dirimir as possíveis contradições entre a manifestação religiosa e a laicidade estatal.

Assim, pretende-se tratar os diferentes enfoques sobre o tema, analisando tais pontos de vista, em busca das possíveis respostas aos questionamentos apontados, bem como constatar a veracidade ou não das hipóteses propostas.

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13

2 O PRINCÍPIO DA LAICIDADE ESTATAL E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O princípio da laicidade relaciona-se muito proximamente com os princípios da liberdade e igualdade. Tal ideia é, substancialmente, a conquista da independência do indivíduo perante a imposição ideológica proveniente do Estado. Tal advento, porém, só faz sentido quando o próprio Estado encontra-se fora do domínio ideológico de uma doutrina dominante.

Assim, buscou-se delimitar um conceito preciso e atual de laicidade, reforçando a importância do postulado ao traçar um retrospecto histórico das relações entre Estado e Igreja, bem como a evolução do secularismo ao longo da história, e das constituições brasileiras.

2.1 Delimitação conceitual

Ao longo da marcha histórica, com o crescimento da diversidade social, o desenvolvimento das atividades econômicas impulsionou uma distanciação entre o Estado e a Igreja. Nascia aí a necessidade da secularização estatal, e o princípio constitucional da laicidade, que se tornou preceito básico das democracias do mundo contemporâneo.

Não obstante, a tarefa doutrinária de conceituar laicidade nunca foi simples. Antes entendida apenas como a separação política entre Igreja e Estado, marcando o momento em que este deixa de basear seu poder no sagrado, tal ideia passou a ter um entendimento bem mais geral, tornando a marcar a separação do Estado tanto de uma religião oficial, como de demais elementos filosóficos obrigatórios. Preconiza-se, então, em um princípio que invoca a liberdade individual, perante o Estado, e não mais a sujeição filosófica daquele perante este. (BLANCARTE, 2008, p. 20).

Observe-se o conceito trazido pela Declaração universal da laicidade no século XXI:

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e filosóficas particulares; nenhuma discriminação direta ou indireta contra os seres humanos.

Artigo 5º. Um processo laicizador emerge quando o Estado não está mais legitimado por uma religião ou por uma corrente de pensamento específica, e quando o conjunto de cidadãos puder deliberar pacificamente, com igualdade de direitos e dignidade, para exercer sua soberania no exercício do poder político. Respeitando os princípios indicados, este processo se dá através de uma relação íntima coma a formação de todo o Estado moderno, que pretende garantir os direitos fundamentais de cada cidadão. Então, os elementos da laicidade aparecem necessariamente em toda sociedade que deseja harmonizar relações sociais marcadas por interesses e concepções morais ou religiosas plurais.

Laicidade é, muitas vezes, admitida como um sinônimo de secularização. Na doutrina de Blancarte (2008), tal entendimento é incorreto, sendo a segunda um processo de perda de influência da religião no meio social. Diferentemente da laicidade, que pode ser entendida como o fenômeno da secularização expresso político-institucionalmente (HUACO, 2008, p. 47).

Para fins de simplificação, utilizaremos como sinônimos os termos laicidade, secularização, aconfessionalidade, entre outros que identifiquem a ideia de separação entre o Estado e Igreja.

2.2 Evolução histórica

A relação entre poder político e religioso tem sua origem confundida com a própria organização da sociedade humana, não havendo, no princípio, uma verdadeira separação entre um e outro. As primeiras civilizações humanas legitimaram o poder estatal utilizando-se, como prerrogativa, da predestinação divina, tendo na figura do líder político (rei, imperador, faraó, entre outros) também a do líder religioso.

2.2.1 Antiguidade oriental

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15 Ainda em tal civilização, a estrutura social estava dividida em classes estritamente separadas, com o Faraó e sua família no topo da escala social, seguidos diretamente dos sacerdotes (que também ocupavam posições de liderança política). Não havia representatividade ou participação popular. O poder derivava diretamente dos deuses.

Desenho social muito semelhante era encontrado em outras civilizações orientais, como os mesopotâmicos, que também possuíam uma sociedade de castas, ocupando os sacerdotes uma posição de enorme influência na conjuntura social; bem como os Persas que, como no caso do Faraó, consideravam seu representante como um verdadeiro deus. (Doberstain, 2010, p. 153)

Destaca-se, ainda, neste período histórico, o surgimento da civilização hebraica, de origem semita, cujo legado religioso gera conseqüências até hoje. Para o povo hebreu, o poder político legitimava-se integralmente em seu livro sagrado, a Bíblia. A expressão maior da lei hebraica estava contida nas Tábuas da Lei, por meio dos Dez Mandamentos. (BURNS, 2001, p. 148).

Da tradição hebraica derivaram-se as religiões que mais influenciam politicamente o mundo atual: o cristianismo, o islamismo e o judaísmo.

2.2.2 Antiguidade clássica

No que se compreende como Antiguidade Clássica, observou-se um claro avanço rumo a uma perca de influência religiosa no âmbito político. Apesar da forte religiosidade popular, ainda muito presente, o Estado buscava, cada vez mais, legitimidade na razão humana, em detrimento da predestinação divina.

2.2.2.1 Civilização grega

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16 Com o desenvolvimento das pólis gregas, cidades-Estados autônomas, o sistema religioso também foi consolidado, assumindo a forma politeísta que perdurou durante o apogeu grego. No entanto, em movimento contrário, a religião perdeu influência no Estado. Assumindo como prejudicial a cultura popular de punir os criminosos para evitar castigo divino, o Estado tomou por completo a responsabilidade por dirimir os conflitos. Tal diminuição na influência religiosa serviu para estabilizar a sociedade, que se desenvolvia economicamente e buscava contornar os obstáculos religiosos advindo das génos. (Melo, Souza, 2002, p. 37).

Aos poucos, as cidades-Estado gregas passaram a organizar-se em uma Democracia (em um padrão bastante diferente do atual), em que as decisões passaram a ser tomadas pelos cidadãos, diretamente, em praça pública, e não mais por patriarcas legitimados por uma tradição religiosa. No ensinamento de Melo e Souza:

[...] Foram essas discussões, esses debates públicos, cheios de contradições e argumentações racionais, os princípios básicos para se identificar este homem da pólis como não mais submisso aos preceitos

subjetivos da religião gentílica, mas sim um homem que fazia uso da reflexão racional para explicar sua existência e que buscava pelo uso da razão as soluções para os seus conflitos. [...] Era o uso da racionalidade na condução da vida, em oposição à crença religiosa, que distinguia o homem grego do período clássico dos demais e o definia na comunidade como um cidadão. Isso porque o homem da cidade-Estado passou a se identificar como um ser pensante em busca de respostas e soluções para os problemas que o afligiam. Tais respostas e soluções ele não conseguia mais encontrar nos desígnios da religião, nem nas previsões dos oráculos, ou na crença que tinha nos deuses. Elas eram encontradas nas reflexões feitas por esse homem e nas discussões entre os cidadãos. [...]

Importante destacar a ideia de democracia grega vinculada ao pensamento liberal. O ideal democrático está diretamente ligado ao princípio da liberdade. Mesmo que na democracia grega existissem claras limitações (participação feminina, isolamento de algumas castas sociais), ela era exercida diretamente por cidadãos em igualdade e com liberdade de pensamento. Não confunde-se, no entanto, com o modelo atual de democracia representativa, mais adaptado à conjuntura das organizações humanas atuais (embora com suas graves falhas).

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Disto segue que o estado liberal é o pressuposto não só histórico mas jurídico do estado democrático. Estado liberal e estado democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais. Em outras palavras: é pouco provável que um estado não liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte é pouco provável que um estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais. A prova histórica desta interdependência está no fato de que estado liberal e estado democrático, quando caem, caem juntos.

Foram as ideais de liberdade de pensamento grego que, futuramente, viriam a ser resgatados pelo movimento renascentista, após o obscuro período medieval. O desenvolvimento científico e filosófico da civilização helênica proporcionou o combustível necessário para a separação político-religiosa.

2.2.2.2 Civilização romana

Com forte herança cultural grega, não foi diferente o desenvolvimento político romano. Em seus primórdios, Roma também foi uma teocracia, onde o poder emanava das divindades, constituindo os sacerdotes como principais autoridades judiciárias. Os reis romanos assumiam a função de chefe político e religioso, não havendo separação.

Foi na construção da civilização romana que tivemos os maiores avanços rumo à secularização do Estado, acompanhando o desenvolvimento trazido pelo direito romano, a partir da adoção da lei das 12 tábuas. Não havia, nesse ordenamento, normas que buscassem legitimação no poder divino, mas sim na necessidade social identificada pelos cidadãos romanos. (LACERDA NETO, 2013, p. 8).

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18 Com o advento do cristianismo, que tomou força e propagou-se pelo Império Romano, aos poucos a influência religiosa em assuntos temporais voltou a crescer em meio à população. Mesmo durante o período das perseguições aos cristãos, estes já haviam criado mecanismos próprios para solução de conflitos, por meio do instituto da conciliação (CRUZ, 2007, p. 131).

Com a concessão de liberdade religiosa, pelo imperador Constantino, o cristianismo aumenta sua força em Roma, culminando na adoção da doutrina cristã como religião oficial do Império, pelo imperador Teodósio I. Nesse processo, aos poucos o Direito Romano foi ganhando elementos advindos dos preceitos bíblicos, consolidando, gradativamente, uma nova união entre Igreja e Estado.

São desenvolvidas, nesse momento histórico, as raízes do Direito Canônico, que passaria a ter um papel estratégico na solução de conflitos do Império Romano, evoluindo para, durante a Idade Média, tornar-se a principal fonte normativa para solução dos mais diversos conflitos sociais e privados.

2.2.3 Idade média

Entende-se como Idade Média o período que se estendeu entre a queda do Império Romano do Ocidente e do Império Romano do Oriente. Foi nessa época em que se consolidou, historicamente, uma união sólida entre Igreja e Estado, impulsionado mais diretamente pela já muito influente Igreja Católica Apostólica Romana, união esta que gerou consequências que repercutem ainda nos dias atuais.

Foi durante esse período histórico que o poder do clero assumiu sua maior força. Já com grande influência no fim do Império Romano, o cristianismo foi, aos poucos, aperfeiçoando seu conjunto de regramentos, até chegar a consolidar todo um grupo de normas que se tornou a principal fonte do direito medieval, a qual ficou conhecida como Direito Canônico (o direito da Igreja Católica).

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19 eram as principais autoridades, sendo o Papa, sumo pontífice católico, o principal representante do sistema judiciário religioso.

Um elemento determinante do Direito Canônico foi a Inquisição, que consistia no processo jurídico católico que objetivava averiguar e punir a prática de heresia (pensamento contrário ao cristianismo). Os chamados Tribunais do Santo Ofício possuíam uma liberdade de ação quase plena nos territórios da Europa medieval, nos quais julgavam aqueles acusados de desrespeitar a fé cristã. A confissão era considerada a prova principal de culpa, e não era incomum o uso de tortura física para obtê-la. Rocha Santos (2011, p. 1) assim sintetiza o processo inquisitório:

A inquisição foi inicialmente confiada aos bispos e posteriormente aos delegados da Santa Sé. O procedimento inquisitório, em resumo, era o seguinte: nomeava-se um inquisidor para determinada região, que fazia uma pregação geral e publicava dois editos: um de fé exigindo dos fiéis a denúncia dos heréticos sob pena de excomunhão e outro de graça, dando aos heréticos um prazo para retratação.

Esgotado esse prazo assinalado nos editos, os heréticos identificados e capturados caíam nas mãos da inquisição. Sempre se buscava a confissão, prova irrefutável da prática contrária aos cânones católicos e morais da época, sendo corriqueira a tortura como meio de se obter a confissão.

A Igreja Católica perdeu parte de sua força durante o período da Renascença, quando ideais nacionais fortaleceram o Estado por meio de reis absolutistas. Estes, no entanto, não buscaram uma separação da religião, mas um maior controle das instituições religiosas, tendo sido travadas, ao longo de anos, disputas intensas entre os soberanos e o alto clero católico. Por vezes, no entanto, sobrevieram alianças, que fortaleceram ainda mais o poder da Igreja em determinadas nações. (BARRADAS, 1998, p. 44)

Nesse momento de transição para a Idade Moderna, Estado e Igreja também se aliaram no processo expansionista europeu, utilizando-se reciprocamente para conquista dos povos nativos da América (bem como demais continentes), e a colonização do chamado Novo Mundo.

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20 sido praticamente esquecida em meio aos escombros das civilizações grega e romana.

2.2.4 O iluminismo e as revoluções liberais

Foi no século XVIII, durante o movimento denominado Iluminismo, que a ideia de Estado laico voltou a ser debatida, em meio à sociedade europeia, mesmo sob a ainda forte vigilância da Igreja Católica. Impulsionados por uma burguesia crescente, já influente desde a renascença, os iluministas levantaram ideias que resgatavam valores da antiguidade clássica e desafiavam a o poder do clero e da nobreza.

No meio iluminista, floresceu finalmente a ideia de que o indivíduo já não sujeitava-se completamente ao Estado, sendo o princípio da liberdade a principal força motriz de tais pensamentos. Neste berço, nasce a ideia de libertação também em relação à religião, tanto do indivíduo perante a imposição doutrinária do Estado, quanto deste em relação à imposição católica.

Na filosofia iluminista, coube a Rousseau (1999, p. 24) ser ao principal defensor da ideia de Estado democrático. Para o filósofo francês, toda soberania advém do povo, e deve ser exercida com o objetivo de conceber uma vontade geral. Afasta-se, assim, a ideia de que a legitimação para o poder do Estado advém de deus, ou de interesses de um grupo específico (clero ou nobreza).

No tocante à liberdade religiosa, faz-se essencial a contribuição da obra de Voltaire (1995, p. 315). Crítico tenaz da Igreja Católica, Voltaire afirmava que tal instituição buscava intervenção política apenas em busca dos próprios interesses, sem observar as necessidades da sociedade. Defendeu, ainda, uma separação plena da Igreja com o poder político, para que o Estado conseguisse atuar sem a interferência de interesses eclesiásticos.

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21 a influência do poder executivo que, caso considerado originário de Deus, teria preponderância em relação aos demais.

O pensamento iluminista inspirou a geração burguesa do século XVIII, em ascensão, que se indignava perante os abusos cometidos pelas classes sociais dominantes: a nobreza e o clero.

O primeiro passo foi dado na Inglaterra, com a Revolução Gloriosa, quando a burguesia inglesa, sem a necessidade de luta armada, submeteu a realeza, colocando o parlamento, eleito pelo povo, à frente das decisões políticas britânicas, derrubando o absolutismo inglês. Este foi o marco histórico que deu início a um passo decisivo para o avanço liberal: A Revolução Industrial.

Durante a Revolução Industrial, principalmente na Inglaterra, o poder da nobreza foi superado pela ascensão burguesa, agora consolidada com o desenvolvimento acelerado proveniente do avanço das técnicas de produção.

Dentro do contexto de avanço liberal, deu-se um evento de singular importância para o Novo Mundo: A Independência dos Estados Unidos. Em sua revolução para livrar-se do domínio da metrópole inglesa, os Estados Unidos foram às armas, e conseguiram, após uma dura guerra, conquistar sua independência.

Como legado de tal movimento, os americanos promulgaram a Constituição dos Estados Unidos da América, em 1787, consagrando os princípios fundamentais da igualdade e da liberdade, sob forte influência iluminista. Ainda, o Estado americano foi, desde o início, e ao contrário do modelo vigente na Europa, democrático e republicano.

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22 Foi no período pós-revolução que o princípio da laicidade irradiou-se mudo afora, sendo parte integrante da maioria dos países em emancipação liberal, inclusive na América.

2.3 A laicidade nas constituições brasileiras

No Direito Brasileiro, na primeira Constituição, outorgada pelo Imperador Dom Pedro I, em 25 de março de 1824, foram dados os primeiros rumos à laicidade estatal, muito embora amplamente refreada pelo estabelecimento de um Estado Confessional, tendo a Igreja Católica Apostólica Romana como religião oficial.

Em parte, estavam presentes na Constituição Imperial princípios iluministas, principalmente em seu art. 179, o qual estabelecia:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

[...] IV. Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar.

V. Ninguem póde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Publica.[...]

No entanto, a liberdade de religião trazida pelo art. 179 estava amplamente limitada pelo art. 5º do mesmo diploma: “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”.

Desta forma, tem-se estabelecido na primeira constituição brasileira um Estado Confessional, sendo a Igreja Católica Apostólica Romana sua religião oficial. Todas as outras formas de crença religiosa recebiam tratamento diferenciado, sendo proibida manifestação pública de credo não oficial, tendo em vista não desrespeitar o catolicismo.

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23 sentido de conquistar o direito à liberdade de crença. Na doutrina de Elza Galdino (2006, p. 25):

[...] Rui Barbosa sustenta a bandeira da liberdade religiosa em três frentes: nas colunas do Diário da Bahia, na tribuna dos comícios e na extensa Introdução de O Papa e o Concílio, livro por ele diretamente traduzido do alemão e com enormes dificuldades editado em 1877. Dedicava-se, portanto, ao exame crítico do assunto talvez mais vinculado ao destino das pessoas individualmente consideradas, como é a faculdade de cada qual seguir a religião de sua fé e praticar livremente o culto respectivo.

[...] Na sua campanha pela liberdade religiosa (e não contra a Igreja Católica), o escritor, político e jornalista Rui Barbosa sustentava a necessidade, socialmente sentida, da separação entre a Igreja e o Estado, separação que o Governo Provisório da República veio de fato a tornar efetiva em 1890, por decreto (lei) de inspiração de Rui, então ministro.

O Brasil avançou para uma separação entre Igreja e Estado já em sua segunda Constituição: A Constituição Republicana, de 1891. Tal diploma trazia expressa a liberdade de crença, bem como a secularização do ensino público e dos cemitérios. Datam da primeira constituição republicana as raízes do princípio da laicidade em nosso sistema jurídico.

Alcançada a separação entre Igreja e Estado, não houve retorno, em matéria constitucional, ao estágio de Estado Confessional. Todas as constituições seguintes, seja em momentos democráticos ou ditatoriais de nossa história, garantiram, juridicamente, o princípio da laicidade estatal.

No entanto, a separação entre Igreja e Estado em nível constitucional não garante, por si só, a aconfessionalidade na política. Blancarte (2008, p. 19) destaca que um país pode ser formalmente laico, mas ainda estar condicionado pelo apoio político das principais igrejas com atuação em seus territórios. Assim, uma sociedade com costume ainda muito guiado por determinadas religiões transfere poder político para as mesmas, aproximando Igreja e Estado.

Muitos brigaram, historicamente, por essa separação efetiva. Entre tais figuras, pode-se citar o trabalho de Jorge Amado (2010, p. 15), notabilizado pela luta contra a discriminação dos cultos religiosos afro-brasileiros, buscando, inclusive, traçar as semelhanças com a religião cristã:

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Menino — qual então o parentesco a ligá-los assim inti- 14 12589 - Tenda dos milagres_CIA 10/20/11 6:34 PM Page 14 mamente aos orixás de mestre Agnaldo? Há entre esses eleitos do Vaticano e aqueles curingas e caboclos de terreiro um traço comum: sangues misturados. O Oxóssi de Agnaldo é um jagunço do sertão. Não o será também o são Jorge do santeiro? Seu capacete mais parece chapéu de couro e o dragão participa do jacaré e da caapora de reisado

O trabalho do escritor baiano não se ateve ao campo literário, mas também na política, em sua atuação parlamentar, no ensinamento de Elza Galdino (2006, p. 24):

...então deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) de São Paulo, já tratava da liberdade religiosa. Ateu, Jorge sensibilizou-se com a situação dos cultos africanos, cujos integrantes eram perseguidos e sofriam violências, e também com uma cena que presenciou no Ceará, quando protestantes foram saqueados por fanáticos que ostentavam uma cruz. Propôs, então, uma emenda sobre a liberdade religiosa e saiu em busca de assinaturas necessárias à sua aprovação.

Notabiliza-se também o trabalho do paraibano Lins de Vasconcelos, autor da emenda defendida por Jorge Amado. Vasconcelos pautou sua vida à defesa do Estado leigo, atuando contra a subvenção aos bispados católicos, bem como contra o ensino religioso em escolas públicas. (GALDINO, 2006, p. 25).

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3 O ESTADO LAICO BRASILEIRO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

O Estado brasileiro encontra-se, atualmente, sob os mandamentos da Constituição Federal de 1988, também chamada de “Constituição Cidadã”. Tal dispositivo, promulgado após um longo período em que a sociedade brasileira vivia sob domínio ditatorial, consagrou diversos princípios democráticos e garantias individuais.

Destacam-se, entre os princípios albergados pela Carta Magna, o princípio da liberdade, da igualdade, da soberania popular, da dignidade da pessoa humana, entre outros. As ideias traduzidas por tais princípios representam o norte seguido em todo o texto constitucional.

Entre os princípios fundamentais elencados, implicitamente ou explicitamente, na Constituição Nacional, encontra-se o importante princípio da laicidade, herança proveniente de todas as constituições brasileiras, desde a proclamação da república. Não obstante, são diversos os momentos em que o legislador constituinte promove o diálogo entre a laicidade e os demais princípios constitucionais, sendo o embate entre tais ideias objeto de diversos estudos doutrinários.

3.1 A definição do Brasil como Estado laico

O Estado laico não está definido expressamente na Constituição Federal. A laicidade é, portanto, um princípio implícito, que deriva da análise dos princípios da igualdade, liberdade (principalmente religiosa), bem como da própria definição democrática, combinados com regramentos expressos.

É sob a égide de tais princípios fundamentais que devemos analisar os diversos mandamentos constitucionais, como no capítulo sobre garantias fundamentais, Art.5º:

[...] VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

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VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; [...]

Define-se, então, como garantia fundamental a liberdade religiosa, não podendo haver discriminação por motivo de religião, ou convicção político-filosófica. Caracteriza-se aí a laicidade brasileira, visto que não pode o Estado obstruir o direito de crença (ou não crença) do indivíduo.

3.1.1 As liberdades de consciência e de crença

O Art. 5º, VI, consagra a liberdade de consciência e de crença como garantia constitucional. Não se confunde, no entanto, com a liberdade de culto, que já foi garantida constitucionalmente (mesmo que de forma restrita) a partir da Carta Imperial de 1824, desde que em ambiente doméstico, restando reservado ao catolicismo exercer seu culto em templos e locais públicos. Na atual Constituição, a liberdade vai além do culto particular, mas para também o universo público. (CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 678).

Na doutrina de Dirley Cunha Júnior, deve-se também diferenciar liberdade de crença e liberdade de consciência:

Poder-se-ia dizer que isso não tem importância, na medida em que as liberdades de consciência e de crença se confundem, são a mesma coisa. Não é verdade! Primeiro porque a liberdade de consciência pode orientar-se no orientar-sentido de não admitir crença alguma. Os ateus e agnósticos, por exemplo, têm liberdade de consciência, mas não têm crença alguma. Segundo porque a liberdade de consciência pode resultar na adesão de determinados valores morais e espirituais que não se confundem com nenhuma religião, como ocorre com os movimentos pacifistas, que, apesar de defenderem a paz, não implicam qualquer fé religiosa. A liberdade de crença envolve o direito de escolha da religião e de mudar de religião.

Observa-se também o ensinamento de José Afonso da Silva (2005, p. 250), que afirma: “[...] não compreende (a liberdade de crença) a liberdade de embaraçar o livre exercício de qualquer religião, de qualquer crença, pois aqui também a liberdade de alguém vai até onde não prejudique a liberdade dos outros”.

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27 religioso, o indivíduo realizar, por exemplo, rituais de sacrifício humano, ou de flagelação.

3.1.2 A assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva

A Carta Maior não só atua buscando garantir as liberdades de consciência e de crença, como também protegendo o culto religioso. Não pode o cidadão ser privado de exercer sua religião, nem mesmo quando, por algum motivo, esteja privado do seu direito de liberdade de locomoção. Assim, o Art. 5º, VII, da CF/88, garante assistência religiosa em entidades civis e militares de internação coletiva, como penitenciárias e casas de detenção.

Ressalta-se a necessidade de que, ao proteger a liberdade de culto, o Estado preze sempre pela igualdade, não beneficiando uma crença em relação a outras. Isto é, deve-se haver assistência religiosa a qualquer tipo de crente, seja qual for a organização a qual está vinculado. Bem como, tal assistência deve ser prestada pela instituição religiosa e seus sacerdotes, e nunca pelo Estado, que deve preservar o seu caráter laico.

3.1.3 A escusa de consciência

Reforça-se, ainda, a proteção aos direitos individuais trazida na alínea VIII, do Art. 5º da CF/88. Não pode, o Estado, limitar direitos individuais tendo por base crença religiosa ou convicção político-filosófica. Em contrapartida, também é proibido ao indivíduo alegar tais motivos para eximir-se de deveres, ou prestação alternativa definida em lei.

Assim explica Dirley Cunha Júnior (2010, p. 679):

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28 Novamente, essa recusa não é absoluta, dependerá sempre do cumprimento de prestação alternativa imposta em lei. Cabe ao legislador regulamentar tal prestação, não podendo o indivíduo ser privado do direito de escusar-se de determinada obrigação apenas por não haver prestação alternativa fixada em lei. Caso a lei não defina a contraprestação, pode valer-se do direito à escusa de consciência sem realizar prestação alternativa. (CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 679).

Ainda, no ensinamento de José Afonso da Silva (2005, p. 242):

A prestação alternativa é que constitui a sanção, constitucionalmente prevista, para a escusa de consciência considerada nesse dispositivo. Mas se o titular do direito de escusar recusar também a prestação alternativa, é que ficará sujeito a qualquer penalidade estatuída na lei referida no artigo ora em comentário.

É, portanto, a escusa de consciência um mecanismo para aplicação direta do princípio da liberdade de consciência, possibilitando ao indivíduo que não seja obrigado a exercer atividade que contraria suas convicções religiosas ou político-filosóficas.

3.1.4 A Separação entre Estado e Igreja como regra constitucional.

No tocante à relação entre Igreja e Estado, ressalta-se, no capítulo relativo à Organização do Estado, a sua expressa separação, não impedindo, no entanto, uma possível cooperação a fim de atingir interesse social:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

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29 Assim, cabe ressaltar os efeitos da separação entre Igreja e Estado, como regra constitucional, mas também como integrante do da laicidade, princípio institucional. Faz-se necessária a observação do Art. 5º, § 2º do texto constitucional: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

Dessa forma, conclui-se que a laicidade é um princípio implícito (conforme comando do Art. 5º, § 2º) da Constituição Federal, decorrente da combinação de diversos dispositivos constitucionais. Resulta, assim, em elemento chave da democracia brasileira, que dialoga com diversos outros princípios fundamentais, como os princípios da liberdade e da igualdade.

Sendo princípio, entende-se que “[...] a laicidade deve ser compreendida como um mandamento de otimização, ou seja, como algo exigido pela constituição federal na maior medida possível dentro das possibilidades fáticas e jurídicas de cada caso concreto”. (ZYLBERSTAJN, 2012, p. 69).

Assim, a laicidade, como princípio constitucional, exerce influência em todo ordenamento jurídico pátrio, sempre que for o caso, devendo ser ponderada sua aplicação à realidade concreta.

Não se pode prescindir de observar um princípio constitucional, devendo-se, ainda, sempre ser analisada a sua aplicação quando em confronto com outros postulados. Mais comumente, no caso em estudo, confronta-se a aplicação da laicidade com as prerrogativas de liberdade religiosa.

3.2 A natureza jurídica do preâmbulo constitucional

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30 Enuncia a Constituição Federal, em seu preâmbulo:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Evoca-se tal discussão, em relação ao preâmbulo constitucional, tendo em vista posicionamento doutrinário favorável à sua interpretação de maneira que reserve ao texto constitucional um fundo ideológico teísta, tendo em vista a expressão “sob a proteção de Deus”.

Tal é o posicionamento defendido por Ives Gandra Martins (2008, p. 1), o qual afirma:

Numa democracia, todos têm o direito de opinar, os que acreditam em Deus e os que não acreditam. Mas, na democracia brasileira, foram os representantes do povo, reunidos numa Assembléia Constituinte considerada originária, que definiram que todo o ordenamento jurídico nacional, toda a Constituição, todas as leis brasileiras devem ser veiculadas “sob a proteção de Deus“, não podendo, pois, violar princípios éticos da pessoa humana e da família

Seguem esta tendência, também, outros juristas brasileiros, como Pinto Ferreira (1998, p. 71), afirmando que “[...] o preâmbulo é parte integrante da Constituição, e tem sua significação política, como uma reprodução altamente clara do conteúdo da Constituição em forma popular”, bem como Barbalho (apud Ferreira, 1998, p. 71), o qual explica não ser o preâmbulo “[...] uma peça inútil ou de mero ornato na construção dela; as simples palavras que o constituem resumem e proclamam o pensamento primordial e os intuitos dos que a arquitetaram”.

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31 O aludido posicionamento sugere um retrocesso histórico, frente a uma conquista que remonta à primeira constituição republicana, em 1891, bem como todas as constituições brasileiras que se seguiram desde então, as quais consagraram o Brasil como Estado laico, e promoveram o princípio da liberdade religiosa, sem submeter o país a uma doutrina religiosa oficial (LOREA, 2008, p. 161).

Estabelecer-se-ia, ainda, enorme contradição em relação ao regramento constitucional, que remete à liberdade religiosa em diversos momentos, conforme estudado. Na doutrina de Alexandre de Moraes (2009, p. 47): “[...] a liberdade de convicção religiosa abrange inclusive o direito de não acreditar ou professar nenhuma fé, devendo o Estado respeito ao ateísmo”.

Ocorre que, desta forma, o preâmbulo não deveria assumir qualquer valor jurídico em face de interpretação constitucional, tendo em vista não haver o choque entre o mesmo e os princípios e regras expressos ou decorrentes do corpo da Constituição. Valora-se tal dispositivo de maneira histórica e sociológica, podendo ser definido como um reflexo da posição ideológica socialmente vigente à época da promulgação da Carta Magna.

O conflito entre tais correntes doutrinárias não demorou a ser objeto de enfrentamento no Supremo Tribunal Federal, STF. Em julgamento sobre o tema, foi unânime a conclusão sobre a irrelevância jurídica do preâmbulo constitucional.

Discutia-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade, do Partido Social Liberal (PSL), contra a Assembléia Legislativa do Acre, por omissão no preâmbulo da Constituição estadual da expressão presente na CF/1988, “sob a proteção de Deus”. O partido alegava ofensa da casa legislativa à Constituição Federal, tornando o Acre o único estado brasileiro a não contar com a proteção divina.

Em face de tal tema, a Suprema Corte brasileira foi enfática em defesa do princípio da laicidade, no Estado brasileiro:

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5º), certo que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política (CF, art. 5º, VIII).

A Constituição é de todos, não distinguindo entre deístas, agnósticos ou ateístas.

A referência ou a invocação à proteção de Deus não tem maior significação, tanto que Constituições de Estados cuja população pratica, em sua maioria, o teísmo, não contêm essa referência. Menciono, por exemplo, as Constituições dos Estados Unidos da América, da França, da Itália, de Portugal e da Espanha.

[...]

O preâmbulo não cria direito ou deveres [...] não há inconstitucionalidade por violação do preâmbulo. (STF, Adin 2076-5, Acre. Rel. Min. Carlos Velloso, julg. 15-08-2002).

Destaca-se, ainda, o voto do Ministro Sepúlveda Pertence, referindo-se ao preâmbulo: “Esta alocução ‘sob a proteção de Deus’, não é uma norma jurídica, até porque não se teria pretensão de criar obrigação para a divindade invocada”. (STF, Adin 2076-5, Acre. Rel. Min. Carlos Velloso, 15-08-2002).

3.3 Os limites da colaboração entre Estado e Igreja

Dentro do contexto constitucional do princípio da laicidade, cabe uma análise mais profunda do Art. 19, I, da Constituição federal, e o regramento prenunciado pelo mesmo.

Deve-se compreender de forma mais abrangente a exceção trazida em tal dispositivo, quando trata da colaboração de interesse público, entre Estado e Igreja. Indaga-se os limites de tal colaboração, e até que ponto podem as instituições relacionar-se sem que haja uma agressão ao princípio da laicidade, bem como à liberdade religiosa daqueles que não fizerem parte da instituição que está a participar de tal parceria com o Estado.

É fundamental, antes de tudo, ressaltar que a norma constitucional não deve ser interpretada de maneira a entrar em contradição com ela mesma. No ensinamento de Canotilho (1991, p. 162):

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33 Assim, não se pode inferir que a colaboração de que trata o trecho constitucional em estudo visa, de qualquer forma, atentar contra a laicidade do Estado, criando algum tipo de vantagem a uma religião ou corrente filosófica em detrimento de outras.

Desta forma, tem-se que a aludida colaboração entre Estado e Igreja não pode, de maneira alguma, ocorrer no campo religioso, sob pena de ferir o princípio constitucional da liberdade de crença (Art. 5º, VI) e da separação entre os dois entes (Art. 19, I).

A norma enunciada funciona como regra, operando uma proibição definitiva em relação à intervenção entre Estado e Igreja, bem como às alianças entre estes e seus representantes, salvo para colaborações de interesse público previstas legalmente.

Mesmo a existência da exceção em análise não afeta a proibição enunciada. A colaboração entre Estado e Igreja, em meio público, restringe-se ao interesse geral, e não pode ser usada como meio de proselitismo religioso. Tal parceria pode ocorrer, por exemplo, em campanhas sociais para amparo dos mais necessitados, como distribuição de alimentos, vestuários, abrigo, etc. Ressalvada, sempre, a proibição do uso de tal parceria para fins religiosos.

Entender esta exceção como uma “carta branca” a qualquer tipo de relacionamento entre Estado e Igreja seria uma contradição constitucional, e uma afronta ao princípio da laicidade. Assim explana Zylberstajn (2012, p. 64):

Ao contrário do que ocorre com o princípio da laicidade, cuja aplicação requer o sopesamento sempre que houver um princípio colidente, a separação entre Estado e Igreja positivada no artigo 19, I da constituição federal não está condicionada a um juízo sobre a sua importância em relação ao valor dos demais princípios envolvidos no caso concreto, mas apenas a um juízo sobre a existência de associação entre um ente público e uma organização religiosa, bem como a verificação da ausência de uma hipótese de colaboração de interesse público ressalvada na forma da lei. Assim, todas as situações que preencherem esses dois requisitos deverão ser proibidas, independentemente de considerações sobre os demais princípios envolvidos.

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4 CONTRADIÇÕES DO ESTADO LAICO BRASILEIRO

Conceitualmente, tem-se que o processo laicizador dá-se com a transição de uma sociedade teocrática para uma democrática. Fala-se em processo, pois o mesmo não se dá quando da separação jurídica entre Estado e Igreja, mas com a efetivação, em escala social, da laicidade garantida juridicamente. Assim pode-se mensurar o verdadeiro grau de secularismo de sociedades formalmente laicas.

Na explicação de Roberto Blancarte (2008, p. 20):

Países como Dinamarca e Noruega, que têm Igrejas nacionais como a luterana (e cujos ministros de culto são considerados funcionários do Estado), são, sem dúvida, laicos na medida que suas formas de legitimação política são essencialmente democráticas e adotam políticas públicas alheias à moral da própria Igreja oficial. Existe autonomia do político frente ao religioso.

É sobre a aludida autonomia que se baseia a efetiva laicidade de uma nação. Ao contrário de países como a Inglaterra, por exemplo, que possui uma igreja nacional, mas porta-se de forma aconfessional no meio político, quando na tratativa da questão social, há países que são formalmente laicos, mas possuem governos condicionados ao apoio político proveniente das religiões influentes em seus territórios.

Nota-se essa forte influência no caso brasileiro. Muito embora seja um Estado formalmente laico, consagrado na Constituição Federal de 1988, as políticas públicas brasileiras ainda prestam referência, de forma desproporcional, às igrejas majoritárias do país. Põem-se de lado, em alguns momentos, os princípios democráticos da Carta Magna, com finalidade de utilizar-se de preceitos da moral religiosa.

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4.1 A participação das igrejas no cenário político brasileiro

Ao longo dos últimos 20 anos, deu-se, no Brasil o crescimento de um tipo particular de representatividade política, identificado diretamente com a convicção religiosa do parlamentar: a chamada “bancada evangélica”. Os representantes dessa bancada possuem compromisso direto com as igrejas das quais fazem parte, defendendo uma pauta conservadora, a favor da aproximação entre Estado e religião, e contra causas historicamente progressistas, como os direitos humanos, aborto, agendas feminista e LGBT.

É difícil apontar diretamente as causas desse crescimento. Em parte, nota-se que a tendência à concorrência de mercado apresentada pelas religiões pentecostais, sua ascensão midiática e seu apelo popular contribuíram fortemente para o acontecimento.

Tal fenômeno não ocorreu subitamente. Mesmo com a laicidade como princípio constitucional, a religião, historicamente, sempre exerceu sua forte influência política, seja diretamente, elegendo políticos identificados com seus credos, seja indiretamente, usando de lobby no poder público em favor das causas às quais se identificavam. Os traços restantes de influência religiosa na atual Constituição brasileira devem-se muito à influência católica frente aos parlamentares da Assembléia Nacional Constituinte de 1987.

Os exemplos de influência religiosa são diversos, na história do Brasil. No ensinamento de Maria das Dores Machado (2008, p. 146):

[...] o princípio de colaboração recíproca introduzido pela Constituição de 1934 sugere que as linhas demarcatórias entre a religião e a política são por demais escorregadias e que existem diversas possibilidades de arranjos entre essas duas esferas. Afinal, para além do princípio assinalado, o país assistiu logo em seguida a organização da Liga Eleitoral Católica, a criação do Partido Democrata Cristão, os movimentos de Ação Católica e, mais recentemente, a aproximação das Comunidades Eclesiais de Base da renovação Carismática com a política partidária.

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37 Nesse sentido, as igrejas evangélicas pentecostais podem ser identificadas como principais agentes dessa mudança. Com crescimento exponencial de fiéis nas últimas décadas, essas entidades possuem uma estrutura dinâmica, que incentiva a participação política de seus representantes. Ao contrário da Igreja Católica, que desincentiva os seus membros eclesiásticos a participarem diretamente da política, as igrejas pentecostais procuram encorajar o envolvimento, dando liberdade a seus sacerdotes para candidatarem-se a quaisquer cargos eletivos.

Mesmo a participação indireta é facilitada nas igrejas pentecostais. Ao contrário do que acontece em outras instituições, a influência eclesiástica é facilmente transformada em influência política, não havendo, por exemplo, objeção à ação de um pastor de angariar votos dos fiéis para um candidato determinado pela instituição.

Vários são os nomes evangélicos que despontaram na política nos últimos anos. Pedro Heitor Barros Geraldo (2012, p. 3) associa tal identidade à liderança do pastor Marcelo Crivella, da Igreja Universal do Reino de Deus - IURD. No entanto, não é factível ligar o movimento a uma só liderança, sendo esse crescimento de influência muito mais associado ao discurso das igrejas evangélicas, que é mais próximo de uma parcela significativa da população, principalmente dos mais humildes.

O crescimento de influência pentecostal vem representando um grande obstáculo à efetivação da laicidade na sociedade brasileira. Tem-se que, em uma democracia, o pensamento político há de voltar-se ao bem comum, não a preceitos religiosos e filosóficos particulares. Em linhas gerais, parlamentares vinculados às igrejas pentecostais utilizam-se de seus mandatos seguindo os interesses de suas igrejas, colocando o texto bíblico (ou uma interpretação questionável do mesmo) como prioritário ao constitucional.

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38 minoritárias, em especial das religiões afro-brasileiras. Nota-se, assim, um interesse direto em disseminar a própria crença, não a diversidade religiosa brasileira. (SANTANA, MUNIZ FALCAO, 2012, p. 5)

Esse fenômeno particulariza-se como uma consequência direta de uma crise de representatividade, como descreve Huaco (2008, p. 43). Não vendo na figura política do Estado um promotor da soberania popular, do bem comum, o povo volta-se à Igreja, dando aos valores religiosos legitimidade política. O Estado falha em representar o povo que o elegeu, e este retorna à religião.

É fácil demarcar a atuação dos parlamentares religiosos segundo suas convicções filosóficas pessoais, bem como a intenção de aproximar cada vez mais áreas do Estado com o interesse de grupos religiosos. Na doutrina de Machado (2008, p. 153), os grupos religiosos visam participar, especialmente, das áreas de educação, saúde e assistência social. Seus interesses, no entanto, irradiam-se por diversos outros campos.

Assim explica Maria das Dores Machado (2008, p. 153):

A investigação da atuação parlamentar dos evangélicos fluminenses nos cinco primeiros anos do século atual indica grande empenho na defesa do ensino confessional, dos rituais e celebrações nos templos e em espaços públicos e uma forte preocupação em barrar as iniciativas que favoreçam arranjos homo-afetivos ou levem à legalização do aborto. Assim, na contramão dos movimentos feministas e em defesa da diversidade sexual, deputados evangélicos não só tem votado contra as propostas de extensão do direito a pensão e serviços médicos aos parceiros de funcionários públicos homossexuais, como também têm apresentado projetos polêmicos e homofóbicos na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.

Assim, a representação evangélica assume uma frente clara: manter a prerrogativa de poder apoiar-se na moral religiosa para continuar a oposição pública a determinadas causas progressistas, como a liberdade sexual e a descriminalização do aborto. (Zylberstajn, 2012, p. 208).

4.2 A intervenção política direta da Igreja na atividade estatal

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39 direitos civis e questões sociais, onde a moral religiosa possa vir a chocar-se com os interesses de um determinado grupo.

Destacam-se algumas áreas de influência direta da religião, na atividade estatal: o ensino religioso nas escolas, a presença de símbolos religiosos em repartições públicas, as imunidades tributárias para templos de qualquer natureza, entre outras.

4.2.1 O ensino religioso em escolas públicas

Dentre as formas de relação entre Estado e Igreja, historicamente, é na área da educação onde os laços foram mais estreitos. Ao longo de todo período medieval, até mesmo meados da Idade Contemporânea, a educação era privilégio da Igreja (principalmente a Católica Apostólica Romana), a qual se servia também das instituições de ensino como forma de doutrinar os alunos perante a moral religiosa cristã.

Tal modelo seguiu durante anos, até o surgimento das primeiras nações laicas. No caso do Brasil, rompeu-se com tal situação na Constituição republicana de 1891, que determinava a plena separação entre Estado e Igreja, no ensino público:

Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§ 6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.

§ 7º Nenhum culto ou igreja gosará de subvenção official, nem terá relações de dependencia ou alliança com o Governo da União, ou o dos Estados. A representação diplomatica do Brasil junto á Santa Sé não implica violação deste principio.

A Constituição de 1891 não fazia alusão a qualquer tipo de exceção à regra da aconfessionalidade, sem prever o ensino religioso de qualquer espécie nos estabelecimentos públicos, e sem permitir qualquer colaboração entre Estado e Igreja (nem mesmo para assuntos de interesse social).

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40 prerrogativa que foi mantida nas constituições subsequentes, inclusive na atual Carta Maior, que prevê, no capítulo sobre educação, cultura e desporto:

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.

§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

Admite então, o Estado brasileiro, o ensino religioso em escolas públicas, de maneira facultativa. No ensinamento da autora Joana Zylbersztajn (2012, p. 150), a aludida regra é contraditória dentro da própria Constituição Federal, e atenta contra o princípio da laicidade. Ao incluir o ensino religioso nas escolas públicas, o Estado expõe a convicção ideológica e filosófica daqueles que não aderem à matéria, principalmente os integrantes de religiões minoritárias, além de ateus ou agnósticos.

Confrontado sobre o tema, o Conselho Nacional de Educação emitiu o Parecer CNE 05/97, negando haver contradição entre o Art. 210 da CF/88 com o princípio da laicidade:

A Constituição apenas reconhece a importância do ensino religioso para a formação básica comum do período de maturação da criança e do adolescente que coincide com o ensino fundamental e permite uma colaboração entre as partes, desde que estabelecida em vista do interesse público e respeitando - pela matrícula facultativa - opções religiosas diferenciadas ou mesmo a dispensa de freqüência de tal ensino na escola.

Assim, o § 1º do Art. 210 foi regulamentado pelo Plano de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a qual, com a alteração proveniente da Lei nº 9.475/97, assim dispõe:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.

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41 O ensino público religioso é, portanto, permitido no Brasil, muito embora a Carta Magna e a LDB tratem com muita clareza da vedação ao proselitismo e asseguração da diversidade cultural. Isto é, apesar da existência do ensino religioso em escolas públicas, este deve seguir uma tendência supraconfessional, tendo em vista orientar o estudante sobre a religião como fenômeno social e antropológico, ao longo da história. (CUNHA, 2008, p. 182).

O grande problema nessa abordagem é a regulação de tal ensino nos diversos Estados da Federação. Nota-se a grande dificuldade em se garantir imparcialidade dos agentes do Estado ao oferecer educação religiosa. Na doutrina de Zylbersztajn (2012, p. 160):

Quanto ao conteúdo das aulas, o Rio de Janeiro e o Espírito Santo determinam que será definido pelas autoridades religiosas e em Santa Catarina o “ensino do mistério” é um dos objetivos do ensino religioso. No Paraná, o objetivo é a busca por justiça religiosa para possibilitar o diálogo sobre as diferentes leituras do sagrado na sociedade. Por fim, no que se refere ao responsável por ministrar as aulas, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Tocantins definem que o ensino religioso deve ser oferecido por Igreja ou entidade religiosa credenciada. No Ceará, “na falta de professor habilitado, podem ministrar o ensino religioso professores que comprovem formação religiosa”. Por fim, o estudo identificou que o material didático usado nas aulas de ensino religioso tem muitas vezes conteúdo homofóbico e discriminatório.

Com a atribuição de regular o ensino, alguns estados brasileiros optaram pela modalidade de ensino religioso confessional, em confronto direto com o princípio da laicidade. É o caso do Rio de Janeiro, que estabeleceu ensino religioso seria obrigatório em toda educação básica e em todas as modalidades, não só no ensino fundamental, como prevê a CF/88, como também no ensino médio, profissionalizante, estabelecimento de reeducação (prisões), e educação especial. A modalidade seria confessional, ou seja, de acordo com a preferência de pai ou aluno (a partir dos 16 anos). (CUNHA, 2008, p. 179).

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42 também a liberdade de não expor suas convicções filosóficas (também decorrente da garantia constitucional de privacidade). (LOREA, 2008, pagina 168).

Dado o estabelecimento de algumas modalidades confessionais, em alguns estados da nação, a cidade de Ijuí/RS, resolveu ir além. Estabeleceu a Lei Municipal Nº 1.525/06 que as escolas municipais de ensino fundamental deveriam adotar leituras bíblicas diárias antes do início das aulas. A aludida lei foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta pelo Procurador-Geral de Justiça, o qual alegou clara afronta ao princípio da laicidade.

Na explicação de Roberto Arriada Lorea (2008, p. 167):

Ao enfrentar o pedido, o pleno do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo por relator o Des. Paulo Augusto Monte Lopes, afirmou, em decisão unânime, que a imposição da leitura da Bíblia nas escolas do Município constituía-se em evidente “privilegiamento de uma religião e resulta violado o princípio constitucional da liberdade de crença”. Portanto, a lei foi declarada inconstitucional por afrontar o artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal, bem como o artigo 8º, da Constituição Estadual.

O aludido julgamento faz-se importante no cenário brasileiro atual, onde o crescimento conservador impulsiona iniciativas de intervenção religiosa na educação pública. Indaga-se se a melhor saída não seja mesmo a retirada de tal prerrogativa da Constituição Federal, sob a justificativa de violação da separação entre Estado e Igreja (Art. 19, I), deixando o ensino religioso a cargo da esfera familiar, do próprio indivíduo, e da comunidade religiosa ao qual pertença. (VIANA, 2015, p. 12).

4.2.2 O uso de símbolos religiosos em órgãos públicos

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