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O ensino religioso em escolas públicas

4 CONTRADIÇÕES DO ESTADO LAICO BRASILEIRO

4.2 A intervenção política direta da Igreja na atividade estatal

4.2.1 O ensino religioso em escolas públicas

Dentre as formas de relação entre Estado e Igreja, historicamente, é na área da educação onde os laços foram mais estreitos. Ao longo de todo período medieval, até mesmo meados da Idade Contemporânea, a educação era privilégio da Igreja (principalmente a Católica Apostólica Romana), a qual se servia também das instituições de ensino como forma de doutrinar os alunos perante a moral religiosa cristã.

Tal modelo seguiu durante anos, até o surgimento das primeiras nações laicas. No caso do Brasil, rompeu-se com tal situação na Constituição republicana de 1891, que determinava a plena separação entre Estado e Igreja, no ensino público:

Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§ 6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.

§ 7º Nenhum culto ou igreja gosará de subvenção official, nem terá relações de dependencia ou alliança com o Governo da União, ou o dos Estados. A representação diplomatica do Brasil junto á Santa Sé não implica violação deste principio.

A Constituição de 1891 não fazia alusão a qualquer tipo de exceção à regra da aconfessionalidade, sem prever o ensino religioso de qualquer espécie nos estabelecimentos públicos, e sem permitir qualquer colaboração entre Estado e Igreja (nem mesmo para assuntos de interesse social).

No entanto, as constituições seguintes não mantiveram esse total rompimento, prevendo, já a partir do diploma de 1934, exceções à separação. Desta forma, foi restabelecido o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras,

40 prerrogativa que foi mantida nas constituições subsequentes, inclusive na atual Carta Maior, que prevê, no capítulo sobre educação, cultura e desporto:

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.

§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

Admite então, o Estado brasileiro, o ensino religioso em escolas públicas, de maneira facultativa. No ensinamento da autora Joana Zylbersztajn (2012, p. 150), a aludida regra é contraditória dentro da própria Constituição Federal, e atenta contra o princípio da laicidade. Ao incluir o ensino religioso nas escolas públicas, o Estado expõe a convicção ideológica e filosófica daqueles que não aderem à matéria, principalmente os integrantes de religiões minoritárias, além de ateus ou agnósticos.

Confrontado sobre o tema, o Conselho Nacional de Educação emitiu o Parecer CNE 05/97, negando haver contradição entre o Art. 210 da CF/88 com o princípio da laicidade:

A Constituição apenas reconhece a importância do ensino religioso para a formação básica comum do período de maturação da criança e do adolescente que coincide com o ensino fundamental e permite uma colaboração entre as partes, desde que estabelecida em vista do interesse público e respeitando - pela matrícula facultativa - opções religiosas diferenciadas ou mesmo a dispensa de freqüência de tal ensino na escola.

Assim, o § 1º do Art. 210 foi regulamentado pelo Plano de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a qual, com a alteração proveniente da Lei nº 9.475/97, assim dispõe:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.

§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso.

41 O ensino público religioso é, portanto, permitido no Brasil, muito embora a Carta Magna e a LDB tratem com muita clareza da vedação ao proselitismo e asseguração da diversidade cultural. Isto é, apesar da existência do ensino religioso em escolas públicas, este deve seguir uma tendência supraconfessional, tendo em vista orientar o estudante sobre a religião como fenômeno social e antropológico, ao longo da história. (CUNHA, 2008, p. 182).

O grande problema nessa abordagem é a regulação de tal ensino nos diversos Estados da Federação. Nota-se a grande dificuldade em se garantir imparcialidade dos agentes do Estado ao oferecer educação religiosa. Na doutrina de Zylbersztajn (2012, p. 160):

Quanto ao conteúdo das aulas, o Rio de Janeiro e o Espírito Santo determinam que será definido pelas autoridades religiosas e em Santa Catarina o “ensino do mistério” é um dos objetivos do ensino religioso. No Paraná, o objetivo é a busca por justiça religiosa para possibilitar o diálogo sobre as diferentes leituras do sagrado na sociedade. Por fim, no que se refere ao responsável por ministrar as aulas, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Tocantins definem que o ensino religioso deve ser oferecido por Igreja ou entidade religiosa credenciada. No Ceará, “na falta de professor habilitado, podem ministrar o ensino religioso professores que comprovem formação religiosa”. Por fim, o estudo identificou que o material didático usado nas aulas de ensino religioso tem muitas vezes conteúdo homofóbico e discriminatório.

Com a atribuição de regular o ensino, alguns estados brasileiros optaram pela modalidade de ensino religioso confessional, em confronto direto com o princípio da laicidade. É o caso do Rio de Janeiro, que estabeleceu ensino religioso seria obrigatório em toda educação básica e em todas as modalidades, não só no ensino fundamental, como prevê a CF/88, como também no ensino médio, profissionalizante, estabelecimento de reeducação (prisões), e educação especial. A modalidade seria confessional, ou seja, de acordo com a preferência de pai ou aluno (a partir dos 16 anos). (CUNHA, 2008, p. 179).

Restam constrangidos aqueles que não professam crenças majoritárias. Seja pela dificuldade de se encontrar professores de religiões com menor quantidade de adeptos, que consigam preencher os requisitos para ministrar as aulas confessionais, seja pela exposição na recusa de participar das aulas de ensino religioso. Cabe ressaltar que a liberdade constitucional de consciência abrange

42 também a liberdade de não expor suas convicções filosóficas (também decorrente da garantia constitucional de privacidade). (LOREA, 2008, pagina 168).

Dado o estabelecimento de algumas modalidades confessionais, em alguns estados da nação, a cidade de Ijuí/RS, resolveu ir além. Estabeleceu a Lei Municipal Nº 1.525/06 que as escolas municipais de ensino fundamental deveriam adotar leituras bíblicas diárias antes do início das aulas. A aludida lei foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta pelo Procurador-Geral de Justiça, o qual alegou clara afronta ao princípio da laicidade.

Na explicação de Roberto Arriada Lorea (2008, p. 167):

Ao enfrentar o pedido, o pleno do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo por relator o Des. Paulo Augusto Monte Lopes, afirmou, em decisão unânime, que a imposição da leitura da Bíblia nas escolas do Município constituía-se em evidente “privilegiamento de uma religião e resulta violado o princípio constitucional da liberdade de crença”. Portanto, a lei foi declarada inconstitucional por afrontar o artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal, bem como o artigo 8º, da Constituição Estadual.

O aludido julgamento faz-se importante no cenário brasileiro atual, onde o crescimento conservador impulsiona iniciativas de intervenção religiosa na educação pública. Indaga-se se a melhor saída não seja mesmo a retirada de tal prerrogativa da Constituição Federal, sob a justificativa de violação da separação entre Estado e Igreja (Art. 19, I), deixando o ensino religioso a cargo da esfera familiar, do próprio indivíduo, e da comunidade religiosa ao qual pertença. (VIANA, 2015, p. 12).

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