Abertura Comercial e Inserção Externa
Paulo César Morceiro (*)
1 Introdução1
A partir do argumento de que o Brasil é pouco integrado à econo-mia global, há um intenso debate favorável a um aprofundamento da abertura comercial do país. Ao re-duzir custos com a importação de insumos, componentes e tecnolo-gias de última geração, a abertura comercial aumentaria a competi-tividade exportadora e reduziria o viés antiexportador do Brasil. Este texto trata desse assunto ao avaliar se os segmentos industriais que mais importaram insumos in-termediários são também aqueles que apresentaram melhor
perfor-mance exportadora, isto é, se o
argumento utilizado pelos defenso-res da abertura comercial se aplica ao caso brasileiro.
2 Teoria Sobre Abertura Comer-cial e Inserção Externa
Nos últimos anos, tem-se debatido se o Brasil ainda é um país fechado às importações (BACHA, 2013; CA-NUTO; FLEISCHHAKER;
SCHELLE-cos insumos e componentes e se passasse a importá-los em maior quantidade teria melhor competi-tividade exportadora. Realmente, há evidências de que a maior im-portação de insumos intermediá-rios aumenta a produtividade das empresas (MIROUDOT; LANZ; RA-GOUSSIS, 2009; HALPERN; KOREN; SZEIDL, 2015). A lógica da argu-mentação é que, ao importar insu-mos e componentes num mercado mais competitivo, haveria redução nos custos de produção e acesso a tecnologias de última geração embarcadas nos bens intermedi-ários, além de aumentar as com-binações no processo produtivo com a ampliação da variedade de insumos importados. A Embraer é uma empresa de sucesso e importa praticamente todos os insumos e componentes comercializáveis e exporta praticamente toda a sua produção (BACHA, 2013; WORLD BANK, 2018). Nesse sentido, a re-ceita é realizar em outros setores o que esta empresa faz no segmento de aviação regional (BACHA, 2013). A literatura internacional partilha de argumentação semelhante.
Pa-ou simplesmente maior conteúdo importado embarcado na produção direcionado às exportações (JOHN-SON; NOGUERA, 2017).
Embora o debate sobre se o Brasil é ou não fechado não seja o foco central, este estudo colheu infor-mações que contribuem para essa discussão. Ressalta-se que essa discussão abrange a temática das tarifas de importação, barreiras não tarifárias, acordos comerciais, entre outras que não serão aqui abordadas. A presente contribui-ção é específica e capta variáveis de resultado ao levar em conta todo o ambiente de competição no Brasil no período recente.
3 Evidências Empíricas para o Brasil
Dessa forma, procura-se verificar se as importações geraram com-petitividade para as exportações brasileiras no biênio 2013-2014, isto é, no biênio auge do ciclo de crescimento recente que antecedeu a grave crise político-econômica do Brasil. Será que as classes
Para fazer essa avaliação, 33 classes pouco comercia-lizáveis com o exterior foram excluídas, restando ao final 225, da indústria de transformação. O Gráfico 1A apresenta a correlação entre o coeficiente importado de insumos e componentes comercializáveis (eixo y) e o coeficiente de exportação (eixo x) para as 225 classes da manufatura; o Gráfico 1B exibe as mesmas informações para as 130 classes de baixa e
média--baixa tecnologia (BT-MBT); e o Gráfico 1C para as 95 classes de alta e média-alta tecnologia (AT-MAT). Os três gráficos a seguir exibem de modo claro que não há correlação positiva, para o caso brasileiro, de que as classes que mais importaram insumos e componen-tes comercializáveis são as que mais exportaram, nem para as classes de alta e média-alta tecnologia que tendem a ser mais ativas no comércio internacional.
Na verdade, as classes que mais importaram insumos e componen-tes comercializáveis exportaram pouco. As classes com maiores percentuais de insumos e compo-nentes importados são de AT-MAT e possuem baixo coeficiente de exportação, com exceção da classe que fabrica aeronaves.
Algumas classes de BT-MBT pos-suem coeficiente de exportação razoavelmente elevado, apesar de importarem poucos insumos e componentes comercializáveis (Gráfico 1B). O país tem vanta-gens competitivas na produção de matérias-primas e insumos mais elaborados no mercado doméstico oriundos da exploração de recur-sos minerais e energéticos e da produção agropecuária; por isso, as importações desses insumos
de produção industrial com coefi-ciente de exportação razoavelmen-te elevado (acima de 20%) e elas são oriundas das indústrias de BT--MBT, que importaram pouco. Dessa forma, o Brasil segue na di-reção oposta das recomendações de vários estudos que defendem maior abertura do mercado interno e integração da produção domésti-ca nas domésti-cadeias globais de valor (CGVs). Nas classes industriais de alta e média-alta tecnologia, que possuem grande dinamismo no comércio internacional, o Brasil importa percentual razoavelmente elevado de insumos intermediários comercializáveis, porém exporta pouco. Parece que o país importa insumos intermediários para com-petir com as importações de bens
4 Fragmentação Introvertida: In-tegração às CGVs pelas Impor-tações, Não Pelas Exportações
A maioria das classes de AT-MAT não conseguiu pagar as importa-ções de insumos e componentes comercializáveis com suas expor-tações (Gráfico 2B). O Gráfico 2 é mais uma evidência de que as im-portações de insumos e componen-tes comercializáveis não geraram, sozinhas, competitividade no mer-cado externo. Certamente, a indús-tria de transformação brasileira importa insumos e componentes para concorrer com as importações de bens finais no mercado domés-tico. O Brasil é integrado nas CGVs pelas importações, mas não pelas exportações; logo, vai na
Gráfico 2 – Capacidade de Pagar as Importações de Insumos, Média de 2013-2014
Isso é um paradoxo porque o Bra-sil possui elevado estoque de IDE; logo, tem muitas empresas mul-tinacionais (BACHA, 2013) que deveriam ser mais ativas no co-mércio internacional (HALPERN; KOREN; SZEIDL, 2015), sobretudo nos setores mais tecnológicos em que as filiais de empresas multi-nacionais se concentram. Contudo, o comportamento dessas filiais no comércio exterior depende da função desempenhada nas cadeias globais de valor e das decisões da matriz. Em alguns países, como do leste asiático e México, elas operam como plataforma de exportação e em outros atuam para explorar o mercado interno ou, no máximo, o regional. No Brasil, por sua vez, tais filiais estão mais voltadas para o mercado doméstico – e o mer-cado regional em poucos setores – e não mudaram esse perfil nem mesmo após a abertura comer-cial. Hiratuka (2003), ao avaliar o desempenho comercial dessas filiais instaladas no Brasil durante e imediatamente após a abertu-ra comercial da década de 1990, verificou que foram agravados os desequilíbrios na balança comer-cial devido ao foco preponderante no mercado interno em detrimento das exportações. A busca de merca-dos, modo predominante no Brasil, é uma das formas mais passivas de atuação das empresas multi-nacionais para o país hospedeiro (DUNNING; LUNDAN, 2008, cap. 3). O fraco desenvolvimento tecno-lógico das filiais estrangeiras
ins-2014), evidencia a atuação passiva dessas empresas. Tessarin (2018) apresentou evidências empíricas de que as filiais de empresas multi-nacionais inovam no Brasil predo-minantemente pela adaptação de tecnologia desenvolvida por outra empresa do grupo localizada no ex-terior. Dessa maneira, essas filiais utilizam o mercado brasileiro como uma extensão dos mercados de ori-gem (onde os produtos inovadores foram desenvolvidos) para amorti-zar custos tecnológicos afundados e para fugir dos mercados em que o consumo está saturado.
Os Gráficos 1 e 2 sugerem que o padrão de especialização brasileiro é interindustrial, isto é, os segmen-tos industriais que mais importam insumos e componentes diferem daqueles que mais exportam. Essa é uma característica de país menos desenvolvido. Países desenvolvidos têm um tipo de especialização pre-dominantemente intraindustrial, em que as importações de insumos e componentes e exportações ten-dem a se concentrar nos mesmos segmentos industriais. A própria dinâmica das CGVs tornou o co-mércio intraindustrial ainda mais relevante. Essa é outra evidência de que o Brasil está pouco integra-do às CGVs.
5 Considerações Finais
O argumento utilizado pelos defen-sores de um aprofundamento da
exportadora do país não se confir-mou. Não foi encontrada correla-ção positiva entre importações de insumos intermediários e exporta-ções para as classes industriais da manufatura brasileira nem para as classes segmentadas por categoria tecnológica. De um lado, as classes que mais exportaram foram de baixa e média-baixa tecnologia (BT-MBT) que tiveram coeficiente importado de insumos e compo-nentes comercializáveis (CIICC) pequeno e, de outro, as classes industriais que mais importaram insumos intermediários comercia-lizáveis são de alta e média-alta tecnologia (AT-MAT) e tiveram co-eficiente de exportação baixo, com exceção da classe “aeronaves”. Além disso, há uma fragmentação passiva e introvertida, em que o Brasil se mostra integrado às CGVs apenas pelas importações, pois as importações de insumos in-termediários são realizadas, mas os bens finais são comercializa-dos no mercado doméstico e não são exportados. Dessa maneira, a fragmentação da produção é pre-dominantemente doméstica, não internacional: os insumos inter-mediários importados não voltam para o exterior. Esses resultados evidenciam que o Brasil ainda não superou o modelo de industriali-zação voltado para dentro, porém agora com maior viés importador. Para melhorar a inserção nas CGV, as exportações necessitam ser
de sobreapreciação cambial como defendem os macroeconomistas da linha novo-desenvolvimentis-ta (BRESSER-PEREIRA; OREIRO; MARCONI, 2015) é importante, assim como é necessária uma po-lítica industrial para elevar as ex-portações das classes industriais tecnológicas, pois não será apenas importando mais insumos e com-ponentes que o Brasil irá automa-ticamente obter competitividade para exportar. Além disso, nas negociações de acordos comerciais, as classes industriais em que as importações de insumos interme-diários já são elevadas deveriam receber tratamento diferenciado, levando em conta não transformar segmentos produtivos inteiros numa maquila reversa – isto é, que importa muito e não exporta –, como o ocorrido no setor de infor-mática e eletrônicos.
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1 Este texto é oriundo da tese de
doutora-do doutora-do autor (MORCEIRO, 2018b, cap. 3) e foi matéria do Jornal Valor Econômico (04/03/2019).
2 Classe industrial é a desagregação a quatro dígitos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) do Ins-tituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A indústria de transformação pos-sui 258 classes industriais na CNAE versão 2.0, sendo este o maior detalhamento nas estatísticas de atividades econômicas do Brasil.
(*) Doutor em Economia pela FEA-USP, pesquisador da FIPE e do NEREUS, editor e autor do Blog Valor Adicionado. O
au-tor agradece à CAPES e à FIPE pelo financiamento da pesquisa. (E-mail: paulo.morceiro@gmail.com)