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A compreensão da compreensão

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Academic year: 2021

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Resenha

Comunicação, diálogo e compreensão. São Paulo: Plêiade, 2014, 309 p.

A compreensão da compreensão

Everton de Brito Dias

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O significado das palavras costuma ser algo a que cada vez menos temos dado atenção no dia-a-dia corrido. A agilidade da vida “corrida” e permeada pelas mídias nos coloca muitas vezes a repetir palavras seguindo modismos ditados por eventos recentes de redes sociais, falas de personagens de novelas, mundo esportivo, músicas que estão nos

“top hits”, e até mesmo as falas mais recentes de políticos e eminências. Costumamos usar as palavras sem muitas vezes pensar no seu real significado e muito menos na sua origem. Quando se trata de vocábulos que parecem ter sentido óbvio, esse “descuido” passa ainda mais despercebido. O quanto isso nos impede de ir mais fundo ou mesmo nos coloca em julgamentos precipitados? É o caso da palavra

“compreensão”, que é parte do título da obra Comunicação, diálogo e compreensão e que, certamente, passará a tomar um significado mais amplo do que até então vinha tendo na vida do leitor.

O título logo chama a atenção e inquieta: não seriam o diálogo e a compreensão inerentes à comunicação? O que difere diálogo de comunicação? Pode haver diálogo sem compreensão? Ou compreensão sem diálogo?

Os organizadores, Dimas A. Künsch, Guilherme Azevedo, Pedro Debs Brito e Viviane Regina Mansi, reuniram na coletânea diferentes gêneros de textos, desde o ensaio até o artigo, a crônica e reportagem, como resultado do projeto de pesquisa “Conversando a gente se entende”, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero, concluído em dezembro de 2014. A obra conta com a participação de cinco autores colombianos, como resultado de um convênio de cooperação acadêmica

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celebrado, em 2014, entre a Cásper Líbero e a Universidade de Antioquia, de Medellín, Colômbia.

O exercício da compreensão é praticado e experimentado de forma coerente, coesa, equilibrada, diversa. A história do guerrilheiro colombiano e seu cachorro Dólar, o resgate da conexão do homem com os céus na Astrologia, o diálogo entre consciente e inconsciente por meio da história de Pinóquio, os infortúnios indígenas em sua relação com a Usina Hidrelétrica de Belo Monte são alguns exemplos da busca por diálogo como propõe o pensamento compreensivo. No conjunto, integram a coletânea 22 textos, sendo 23 os autores (um dos textos é assinado a quatro mãos).

O leitor não passará por essas páginas sem, ao menos, se sentir provocado e convidado a parar e a refletir. E a viagem começa muito bem prefaciada pelo Prof. Dr. Luís Mauro Sá Martino, que, em "A compreensão como método", estabelece claramente a rica base teórica, filosófica e histórica que sustenta a obra e o pensamento compreensivo, além de apontar caminhos para o novo projeto do grupo de pesquisa “Compreensão, Jornalismo e Epistemologia da Compreensão”, que traz por título “A compreensão como método:

suas teorias e práticas”, iniciado em 2015.

Referências que sustentam o chamado pensamento compreensivo mostram a capacidade de “prosear” de maneira conexa com autores como Edgar Morin, Martin Buber, Emmanuel Levinas, Hugo de São Vitor, Paulo Freire, Carl Gustav Jung, entre outros, que constituem a base teórica sobre a qual os diferentes textos, em maior ou menor medida, se sustentam.

A obra procura levar o leitor a pensar a compreensão em três contextos, sempre com uma proposta de abertura, no melhor sentido da compreensão: “O Pensamento da Compreensão”, “A Pesquisa Compreensiva” e “A Prática da Compreensão”. A primeira parte traz a abertura aos modos de ser e conhecer. A segunda propõe o diálogo entre ciências e singulares e, por fim, a terceira leva à abertura para o Outro, pensado de forma relacional e dialógica.

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Logo em destaque, a proposta equilibrada de se dar o peso real e merecido à Razão, chamando a atenção para não supervalorizá-la ao ponto de tê-la como única dimensão do ser humano. Ponto sensível, bem colocado, de forma clara, direta e sensata, dando o tom do embasamento que vem a seguir. Martino escreve a respeito: “Abdicar da racionalidade é deixar de lado a própria condição humana, no sentido de deixar de lado um dos traços distintivos de nós mesmos que a natureza teve tanto trabalho para criar”.

O autor prossegue: “No entanto, é justamente no sentido de não desvalorizar a razão que ela não pode ser superdimensionada” (p. 19).

O pensamento compreensivo vai além de reconhecer o fato de que há outras visões de mundo, mesmo diante da totalidade inapreensível da natureza e do ser humano. Quer compreender como se chegou a uma determinada visão, à construção do mecanismo de pensamento peculiar a ela. Essa proposta é uma mudança de paradigma, pois nos leva além de nos colocarmos no lugar do outro no momento presente.

O questionamento e autoquestionamento da possibilidade de separação da vida intelectual em relação às outras instâncias do ser é frequentemente apresentado na obra como um aspecto marcante do pensamento compreensivo. Compreender é incluir, considerar possibilidades de construção.

Intriga e encanta na obra e no pensamento compreensivo a própria visão do até onde vai essa abertura à multiplicidade de todos os saberes e considerar “todo e qualquer” ponto de vista. Enfim, seria uma possibilidade de reintegração dos saberes uma vez perdida em função da especialização levada ao extremo? É saudável a sensação de sair da zona de conforto com uma angústia leve e vislumbre de “perda de produtividade” numa visão utilitarista. Sim, o primeiro pensamento que vem à mente ao pensar em uma reunião de busca de entendimento, é inevitável: quanto tempo se tomaria para chegar a um consenso através método compreensivo? Esta visão cabe em qualquer contexto?

O lançamento do livro ocorreu na noite de 24 de abril na Faculdade Cásper Líbero.

Participaram, entre outros, o professor Luís Mauro Sá Martino, destacando que o espaço

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de pesquisa é um espaço plural de diálogo. Em sua fala, o professor reforçou a importância da obra como um marco de um trabalho de investimento de cerca de quinze anos de pesquisa no meio acadêmico privado, destacando a “cara de dialogia” e pluraridade que a Faculdade Cásper Líbero tem conseguido desenvolver. Grupos de pesquisa com focos de estudo e projetos de investigação, como a “Cultura do Ouvir”,

“Sociedade do Espetáculo” e “A Compreensão como Método”, demonstram a maturidade da proposta de se fazer a teoria dialogar com a sociedade, a ciência vista como algo vivo.

O professor Dimas Künsch, por sua vez, falou sobre os modelos em crise: progresso, cidades, trânsito, lixo, água e – por que não dizer? – nossa própria alma. As pressões dessas mudanças dos modelos trazendo a questão da abertura a novas possibilidades de pensamento. A não ser que mudemos nossa forma de pensar e comecemos a dialogar mais, a fragilidades dos modelos leva a rupturas bruscas. Foi citado como exemplo a percepção do aumento de consumo de antidepressivos, e a medicalização de nossas vidas e para onde o modelo de pensamento tem nos levado. O professor chamou a atenção para a proposta de renúncia ao modelo de causas e efeitos e pensarmos na construção de um modelo de “democracia do saber” (Morin) e sobre o incômodo e a intersubjetividade e da dificuldade do “compreendamo-nos uns aos outros”.

O novo projeto de pesquisa, “A compreensão como método”, ponderou Künsch, tem um caráter epistemológico de “pensar como nós pensamos o outro” pois este esforço nos leva a rever os modelos que estão em crise. O professor reforça a importância de achar caminhos, ao invés de achar respostas e verdades. Falou de sua emoção junto à dos colegas de ter estado na Univeridade de Antioquia em Medellin, em março de 2015, e de ver o olhar voltado para a América Latina, de perceber a visão de que conhecimento não é algo de “Primeiro Mundo”. Emocionante a descrição do professor sobre o diálogo entre brasileiros e colombianos durante o processo da construção compreensiva desse projeto.

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Na cerimônia, em um modelo de “conversa livre”, alguns dos autores relataram suas pesquisa individuais, cujas descobertas resultaram em capítulos do livro, além e expressar o sentido intelectual e humano de sua aproximação com o grupo e o projeto de pesquisa.

O Prof. José Eugênio de Oliveira Menezes fez uma analogia do projeto em suas diversas formas com o eixo de pensamento de Vilém Flusser: a tridimensionalidade do encontro real, a bidimensionalidade da obra em si, a unidimensionalidade do texto, e chegando à nulodimensionalidade do digital, lembrando que a obra foi elaborada em Creative Commons e também está disponível em formato eletrônico no site da Faculdade Cásper Líbero (www.casperlibero.edu.br/mestrado/publicações).

Enfim, o pensamento compreensivo traz algo novo. Inquieta porque parece mesmo trazer algo novo para o íntimo do ser, algo que parece preencher um espaço que havia sido esvaziado. Provoca nosso modo de pensar e ver o mundo além da abordagem comunicacional, midiática, publicitária, corporativa. E parece não aceitar ser nomeado com palavras já desgastadas no passado, com o mero objetivo de se criar mais um modismo. E, até aí, o pensamento compreensivo parece ser compreensivo, pois não se vende como um novo modismo. E não é mais um modismo, certamente.

Um ponto de possível luz do pensamento compreensivo lembra que, talvez, nosso melhor encontro seja no reconhecimento de que todos temos muitas sombras. Como recorda Jung (p. 18. Obras Completas: Petrópolis, Vozes, 1999), “as pessoas quando educadas para enxergarem o lado sombrio de sua própria natureza, aprendem ao mesmo tempo a compreender e amar seus semelhantes; pelo menos assim se espera”.

Referências

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