• Nenhum resultado encontrado

Mistérios báquicos e perseguição no Governo de Augusto (31 a.c.-14 d.c.): Tito Lívio e os fatores da opressão

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Mistérios báquicos e perseguição no Governo de Augusto (31 a.c.-14 d.c.): Tito Lívio e os fatores da opressão"

Copied!
94
0
0

Texto

(1)

REBECA SUÊZ LIMA DOS SANTOS

MISTÉRIOS BÁQUICOS E PERSEGUIÇÃO NO GOVERNO DE AUGUSTO (31 a.C.-14 d.C.): TITO LÍVIO E OS FATORES DA OPRESSÃO

NATAL/RN 2017

(2)

MISTÉRIOS BÁQUICOS E PERSEGUIÇÃO NO GOVERNO DE AUGUSTO (31 a.C.-14 d.C.): TITO LÍVIO E OS FATORES DA OPRESSÃO

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientação da professora Dra. Lyvia Vasconcelos Baptista, para avaliação da disciplina Pesquisa Histórica II.

NATAL/RN 2017

(3)
(4)

PERSEGUIÇÃO E MISTÉRIOS BÁQUICOS NO GOVERNO DE AUGUSTO (31 a.C.-14 d.C.): TITO LÍVIO E OS FATORES DA OPRESSÃO

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para avaliação da disciplina Pesquisa Histórica II.

Aprovado em: ___/___/___.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Lyvia Vasconcelos Baptista (Orientadora / UFRN)

Prof. Dr. Roberto Airon Silva (UFRN)

Prof. Me. Wicliffe de Andrade Costa (UFRN)

(5)
(6)

À professora Dra. Lyvia Vasconcelos Baptista, com toda sua dedicação, compreensão, paciência, ajuda, atenção, cuidado, experiência e entendimento com que me conduziu nesses meses de produção do trabalho; e, por meio, de seu excelente exemplo como professora e também como aluna, me inspirou e me fez andar por caminhos tão maravilhosos no mundo da História.

Aos professores Roberto Airon Silva e Wicliffe de Andrade Costa por terem aceito a solicitação para estarem na banca avaliadora.

A João Carlos Nascimento de Alencar por toda sua disposição e ajuda nos processos protocolares para efetuação do presente trabalho.

À minha irmã Anny Rafaella que por meio do seu apoio, amor e amizade, me fez permanecer firme, constante e fortalecida durante toda a caminhada.

Aos meus pais que sempre acreditaram em mim e me apoiaram.

A todos os meus amigos que nunca economizaram palavras de ânimo e força para me ajudar nessa jornada.

(7)
(8)

uma uniformidade, neles também continham peculiaridades de cada um por meio da realidade vivenciada. Um desses historiadores é Tito Lívio que, em sua obra Ab Urbe Condita Libri, apresenta uma abordagem sobre toda a história de Roma. No entanto, em nosso trabalho, utilizamos apenas o livro trinta e nove, o qual contém o relato histórico sobre o evento das Bacanálias – como ficou conhecida a medida proibitiva dos romanos aos cultos de mistério do deus Baco. Evidentemente, em sua escrita não havia apenas um simples retrato do acontecido, mas também continham suas próprias impressões e argumentos do porquê desses cultos terem sido perseguidos. Esse é o cerne do nosso trabalho, entender por que das ações romanas contra os mistérios báquicos. Para chegarmos a este ponto, veremos um pouco sobre o contexto histórico – da sua origem ao início do Império com a imagem de Augusto –, sobre a religião romana – sua importância naquela sociedade e que implicações ela trazia ao cotidiano –, e sobre os cultos de mistérios.

Palavras-Chave: Mundo Romano; Historiografia Latina; Tito Lívio; Bacanálias; Religião Romana; Estranhamento.

(9)

uniformity, they also contained peculiarities of each through the environment and reality experienced. One of these historians is Livy. In his books, he wrote about all the history of Rome; it started in the beginning of its fundation until the end of the Empire. But we are not going to talk about of all his book, we have chosen the thirty-nine book of his work called Ab Urbe Condita Libri. In this book there is the narrative about the event of Bacchanalia – known by the roman prohibition to the misteries cults of the Bacchus god. Evidently, in his writing there is not only a review of the occured, but also Livy’s impressions and justifications of why these cults were persecuted. This is the mean of our work, understand why the roman actions were against the Bacchic misteries. To get this question, we took ways to better understand the roman world: the historical context – start at the fundation of Rome until the beginning of the Empire; the roman religion – its importance on that society and how it acted in the daily life; and the misteries cults.

Keywords: Roman World; Latin Historiography; Livy; Bacchanalia; Roman Religion; Strangeness.

(10)

1 RELIGIÃO ROMANA...18

1.1 CONTEXTO HISTÓRICO...18

1.2 RELIGIÃO NO MUNDO ANTIGO………...25

1.3 A RELIGIÃO ROMANA: ESTRUTURA E CONCEITOS...27

2 OS CULTOS DE MISTÉRIO...43

2.1 PRIMEIROS APONTAMENTOS...43

2.2 ORIGEM...46

2.2.1 OUTROS CULTOS DE MISTÉRIOS………..52

2.3 BREVE APANHADO SOBRE OS MISTÉRIOS DIONISÍACOS NO CONTEXTO ROMANO...57

3 TITO LÍVIO E AS PERSEGUIÇÕES AOS MISTÉRIOS BÁQUICOS...67

3.1 A FONTE...68

3.2 A NARRATIVA DE TITO LÍVIO SOBRE OS MISTÉRIOS BÁQUICOS...…70

3.3 DESENVOLVIMENTO DA CRÍTICA...77

CONSIDERAÇÕES FINAIS...…………...86

(11)

1 INTRODUÇÃO

As fontes documentais, pelas quais é possível apresentar a história das sociedades na Antiguidade, estão a nossa disposição de forma mais rara que as de épocas mais recentes. Embora elas sejam mais conhecidas e mais utilizadas, é por meio de traduções que sua acessibilidade a leitores interessados no estudo da tradição literária se torna possível (CABANES, 2009, p. 63-65). Encontramos isso, especificamente, na nossa fonte e objeto de estudo.

O livro XXXIX da História de Roma, escrito pelo historiador Tito Lívio, não está disponível com tradução em língua portuguesa. Portanto, entendemos que, sua utilização é determinada pelas formas em que se encontra ao público. A especificidade do nosso objeto – os cultos báquicos – se apresenta por meio de sua pouca abordagem. Como fontes disponíveis sobre o tema, temos a tragédia grega de Eurípedes, intitulada As Bacantes que data de 405 a.C.. Ela se encontra no contexto dos mistérios báquicos por trazer a imagem das bacantes, que eram mulheres iniciadas nos mistérios que atuavam no canto, na dança e com instrumentos.

Além dessa tragédia, teremos o Senatus Consultum de Bacchanalibus, datado de 186 a.C., já localizado no contexto romano no período do fim da República Romana. Esse decreto emitido pelo Senado consistia em proibições relacionadas ao que ocorria nos cultos voltados ao deus Baco. O terceiro suporte documental (nossa principal fonte) seria o livro XXXIX de Tito Lívio que, além de trazer em pauta o evento do escândalo da bacanália, contextualiza o antes e depois do ocorrido.

O historiador da atualidade tem à sua disposição uma avalanche de informações apresentadas de diferentes formas – textos impressos, vídeos, filmes, reportagens, fotografias, arquivos – e seu trabalho de seleção é árduo. Já o historiador do mundo antigo terá como problema, não o excesso de documentação, mas por serem escassas, sendo que muitas vezes é possível saber apenas algumas peças de um enorme quebra-cabeça que se apresenta. Por exemplo, o período ateniense do século V até o Alto Império são favorecidos por informações geográficas e cronológicas bem pontuadas; em contra partida, grandes lacunas são encontradas em outras regiões do mundo grego e até mesmo em outros séculos da história ateniense e do período arcaico.

O Império Romano e a República não ficam de fora, pois caracterizam-se por uma pobreza documental em relação às províncias do império – parecem surgir incidentalmente quando por um propósito de guerra ou a visita de um governador a um ilustre destino – e uma

(12)

ignorância sobre as motivações das opções políticas e as crises sociais no período republicano. Essa pobreza nos faz dar ainda mais valor as informações que temos a nosso dispor (CABANES, 2009).

A partir dessas questões, consideramos como objetivo deste trabalho o estudo voltado à religião romana. Um assunto que, na modernidade, para a historiadora Cláudia Beltrão (2006), é abordado, em diversas análises, como sendo uma religião altamente ritualizada e com poucas concessões à expressão religiosa, apesar de seus meios de análises serem diversos. Além disso, pelo fato da religião romana apresentar suas complexidades e se inserir em um imenso período de tempo – da sua fundação em 753 a.C. até fins do Império no século III d.C., delimitamos o nosso tema ao período do século I a.C. e século I d.C. (apesar de trazermos ao longo do trabalho eventos anteriores a esse período, mas utilizamos disso para contextualizar) no tempo imperial na figura de Augusto.

Para tanto, os estudos foram voltados aos cultos báquicos, na especificidade das perseguições que lhe ocorreram em 186 a.C., por meio do decreto senatorial, buscando entender as motivações romanas que desencadearam essa ação. Utilizamos, com essa finalidade, o livro XXXIX de Tito Lívio como fonte para estudar e tentar compreender os possíveis porquês das decisões de proibição romana aos mistérios voltados ao deus Baco.

Ao tratarmos sobre religião romana, encontramos uma gama de autores de obras gerais, como: Pedro Paulo Funari (2001); Fustel de Coulanges (2006); Edward McNall Burns (1982); e Patrick Le Roux (2009). Eles tratam, em seus livros, da história de Roma desde sua origem até a decadência do Império. Trazendo questões como: a mitologia envolvida na construção da história romana; comprovações arqueológicas de mitologias, por meio de artefatos e documentos; a família como o núcleo das futuras cidades do mundo romano e núcleo também da religião; a sociedade na sua diversidade ao longo da história; a economia e política centrados nas ações de seus diversos governadores; e cultura e religião. Esses três últimos aspectos não são menos relevantes, pelo contrário, eles são o elo entre os demais aspectos, ou seja, esses autores utilizam uma lógica de construção da história romana em que todos os tópicos abordados, a questão da cultura e religião sempre estão presentes. Por isso foram de suma importância para embasar todo o nosso trabalho no contexto romano e em todos os aspectos supracitados.

Especificamente sobre as querelas religiosas (não apenas a religião oficial, mas todo o conjunto religioso, inclusive os cultos de mistério), há autores de obras específicas como Cláudia Beltrão da Rosa (2006), Michael B. Cosmopoulos (2003), Richard Seaford (2006), o compêndio escrito por Mary Beard, John North e Simon Price (1998), Jörg Rüpke (2007) e

(13)

Andrew Erskine (2009). Este último apresenta, em seu livro, não só um estudo aprofundado da religião na antiguidade e em Roma, mas também mostra profundidade em aspectos historiográficos, das fontes e em outros componentes da história antiga.

Para além dessa exceção de Andrew Erskine, todos os outros autores trazem estudos aprofundados em religião romana. Sem generalizações conceituais, cada autor, apesar do tema em comum, possui suas próprias definições e determinantes sobre seu objeto. Em seus trabalhos, eles trazem escrupulosas análises do que seria a religião romana, ou seja, como ela se consiste e o que podemos chamar de religião romana.

Além disto, esses autores também fazem um estudo minucioso dessa religião, no decorrer da história romana, incluindo: os diferentes deuses e suas adorações por meio de banquetes, festas, sacrifícios, e outros rituais; como essa religião regeria todas as ações das cidades e das pessoas; como em tudo que ocorria envolviam ritos, sacrifícios, adoração e petição aos deuses; e o resultado positivo dessas ações era diretamente relacionado com a satisfação dessas deidades, por exemplo.

Rüpke (2007), Mary Beard (1998) e Cláudia Beltrão (2006), são autores que apresentam estudos detalhados na religião romana. Em seus livros, textos, artigos, publicações são os que maior profundidade demonstram nessa área e os que mais contribuem para aqueles que procuram estudar sobre a área. A historiadora Cláudia Beltrão (2006) também vai apresentar, em suas composições, trabalhos sobre os cultos de mistério e, também, sobre os relacionados a Baco – trabalhos focados tanto no evento do escândalo das bacanálias, em 186 a.C., como o extenso relato de Tito Lívio em sua obra. No entanto, nessas especificidades dos mistérios gregos, dos cultos báquicos e da fonte de Lívio, utilizamos: Dwayne Meisner (2008), Richard Seaford (2006) e Marco Antônio Collares (2010).

Dwayne Meisner aborda, em seu trabalho, uma análise profunda sobre o escrito de Tito Lívio e a Bacanália. O objetivo de seu trabalho não é entender as motivações romanas das perseguições ao culto báquico, apesar de, no decorrer do seu estudo, apresentar aspectos embasadores dessa questão. A autora analisa, de forma detalhista, tudo que ele escreveu sobre essa questão, destrinchando toda a fonte, ponto por ponto, em um tom analítico e rico em exemplificações literárias.

Abordando a fonte de Tito Lívio, também temos o autor Antônio Collares. Em seu trabalho, ele vai tratar especificamente das representações do senado romano na obra de Lívio, não sendo especificamente no texto das bacanálias. No entanto, a riqueza de sua introdução nos proporciona informações referentes à obra como um todo. O autor trabalha um pouco, também, o aspecto da moral de Tito Lívio – valoriza a tradição romana existente desde

(14)

a época dos antepassados e nos contextualiza no mundo em que esse historiador da antiguidade viveu.

Já Richard Seaford traz uma obra voltada totalmente para o deus Dionísio – como Baco era chamado na religião grega. Seu estudo não se limita apenas ao contexto romano, ele trata desse deus desde suas primeiras aparições historiográficas até a atualidade. Assim, ele nos concede um excelente sobre Dionísio e principalmente os cultos de mistério voltados a ele. Destrinchando cada quadro que, por fontes, é possível saber, ele nos serve para entendermos a fonte em seus possíveis aspectos equivocados.

Como é possível observar, quando tratamos da história de Roma, temos um bom número de trabalhos escritos, tanto nacionais quanto internacionais, ao nosso dispor. Quando partimos para religião romana, tem-se uma diminuição considerável dos escritores brasileiros, principalmente dos que especificam bem o tema deste trabalho.

Quando tratamos do evento das perseguições báquicas na historiografia, o número é considerável. Estudantes e pesquisadores escreveram sobre ela, mas, em sua maioria, utilizando a fonte senatorial de 186 a.C.. Assim, além de não abordarem o nosso questionamento do porquê essas perseguições ocorriam, eles também se localizam em fonte e tempo diferentes da nossa.

Dentro dessa historiografia, os trabalhos utilizando a fonte de Tito Lívio em relação a esses cultos diminui, sendo Cláudia Beltrão e Dwayne Meisner as autoras que apresentam um foco de pesquisa mais aproximado e de maior contribuição para o nosso trabalho. Esses aspectos fazem com que nosso trabalho encontre algumas dificuldades em seu caminho, mas, paralelamente a isso, são fatores causadores de maior interesse de estudo.

No que diz respeito à essas “dificuldades”, entendemos que são causadoras também do nosso problema. Pois, é sabido que os cultos foram reprimidos e o que sabemos sobre isso vem de fatos escritos pela elite e não pelo povo, além de não se saber exatamente o que ocorria nesses cultos. Outro fator está veiculado ao fato de que os cultos que são reconhecidos não condizem com as formas depreciativas com que todos estão caracterizados. Portanto, surge um questionamento: baseado na ausência de informações, o que motivou a perseguição aos cultos?

Para estudá-las precisamos de atenção, não negligenciando nada proporcionado pela fonte e não fazendo-a dizer mais do que podem. É claro que esses apontamentos não devem ser colocados sobre o estudo da Antiguidade de forma a classificá-la apenas por suas dificuldades. Essa dificuldade da fonte, por exemplo, pode ser vista neste presente trabalho.

(15)

Utilizaremos como fonte primária o livro trinta e nove, da obra de Tito Lívio, e este documento está a nossa disposição em latim, italiano e inglês – este último é o que usaremos.

Existe um conjunto considerável de possibilidades documentais para o estudo da História Antiga (textos, moedas, monumentos, colunas, estátuas etc) e todos os registros do passado são enriquecedores, cada um em sua especificidade. Por isso a necessidade de abordar cada tipo de documento escrito de acordo com sua natureza e sua originalidade, explicitando quais as preocupações a tomar quando for utilizá-los.

Além de encontramos uma maior dificuldade para as fontes da história antiga, paralelamente algumas dessas fontes ainda não possuem nenhum tipo de tradução, pois, segundo Pierre Cabanes, essas traduções muitas vezes ocorrem por demanda de interesse. Ou seja, algumas delas se encontram na língua em que foi encontrada por talvez não ter sido objeto de interesse para estudo.

Apesar disto, trabalhos já teêm sido feito – há fontes que se encontram total ou parcialmente traduzidas e publicadas, disponíveis em vários idiomas. Essas querelas nos fazem compreender um pouco mais o contexto da fonte primária a ser trabalhada neste trabalho.

Com frequência, ao escrever, o autor tem em vista um objetivo determinado e nem sempre se apresenta isento do espírito partidário, mesmo afirmando, explicitamente, o contrário. O contexto de produção influencia o autor em níveis muito diferentes, fazendo com que se escreva para determinado (s) grupo (s) de leitores. Tito Lívio no prefácio da obra Ab Urbe Condita Libri não esconde seu intento de exaltar a glória de sua pátria, uma ação visando a perpetuação das lembranças dos feitos gloriosos do que ele chamava “o primeiro povo do mundo” (CABANES, 2009, p. 71).

Tito Lívio foi um historiador latino do século I a.C., provinciano da cidade de Pádua, local no qual se matinha o culto as antigas virtudes de Roma. Sua obra foi escrita por volta do ano 27 ou 25 a.C. e compreendia cento e quarenta e dois livros, dos quais hoje temos apenas trinta e cinco, sendo eles: do I ao X, do XXI ao XLV, sendo o último incompleto (MITRAUD, 2007, p. 09). Para compor sua História, o ponto de partida foi a fundação de Roma em 753 a.C, estendendo-se até o começo do século I d.C. A obra possui um cunho moralizante, em que as concepções religiosas e as ideias relacionadas ao destino de Roma funcionam como fios condutores da narrativa. Dessa forma, os acontecimentos políticos, bélicos, públicos e privados se encontravam num objetivo claro.

A moral a que nos remetemos, vista em Tito Lívio, se encontra no contexto que ele vivia. Quando falamos desse cunho moralizante, na realidade, tratamos dos acontecimentos

(16)

políticos, belicosos, públicos e privados que, de acordo com Tito Lívio, levava a uma teia chamada o Destino de Roma, seu engrandecimento. O meio que ele vivia, os costumes sociais, sua própria educação, a população, o governo de Augusto, os deuses, as tradições, todos são fatores interventores nessa moral de Tito Lívio.

Segundo Shyrlaine Costa Querino (2010, p. 123-125), sua fascinação por Roma – onde provavelmente foi morar aos vinte anos de idade –, o deslumbramento pelos monumentos e pela população, os hábitos sociais e a própria educação, achavam-se respaldados em ensinos gregos. A figura do príncipe de Roma, Augusto, também estava nesse contexto e isso pode ser claramente observado quando ele patrocinou um grupo de literários com o objetivo de criar vínculos entre a origem romana e o povo grego. E ainda que Lívio não tenha sido patrocinado pelo governo, todo o cenário o fazia seguir as vontades de Augusto, porque Tito Lívio tinha grande respaldo em ensinamentos gregos, com grande influência estoica. O contexto, em questão, era que Augusto tinha patrocinado um grupo literário com o objetivo de criar vínculos entre a origem romana e o povo grego. Dessa forma, mesmo não recebendo nada do Império, ele decidiu seguir essas pautas ditas pelo imperador já que muito tinha, dentro de si, da cultura grega. Assim, a produção literária visava atender a necessidade de justificar o destino de Roma, sua origem predestinada pelos deuses e sua ligação com a Grécia, comungando também uma visão que apontava como causador dos problemas sociais o abandono as tradições e os ritos (QUERINO, 2010).

As fontes usadas por Tito Lívio foram numerosas, apesar de muitos escritores daquela época optarem por fazer uma história continuada. Ou seja, eles partiam do ponto que os outros autores tinham acabado, mas Tito Lívio não escolhe esse caminho. Ele vai produzir sua obra a partir do “zero”, do início da história de Roma e, para isso, vai utilizar fontes de autores anteriores a seu período, como: Gaius Licinius Macer, Quintus Claudius Quadrigarius, Servius Tullius. Esses autores relatam, a história de Roma antes do presente período de Tito Lívio. Com isso, para a parte que continha a história mais antiga de Roma, Tito Lívio tinha, ao seu dispor, um número reduzido de fontes literárias (Licínio Magro e Fábio Pictor, por exemplo), dos quais hoje pouco resta.

Na sua escrita, muitas vezes, a verdade histórica pode ser ignorada; ele utiliza de fatos, lendas e acontecimentos fantásticos como fatos úteis para um argumento, como prova: a persistência oral sólida. Além disso, esse historiador também é um cidadão que, entre outros fatores, se preocupa em evidenciar a dignidade de seu povo. Os laços profundos com seus antecessores estavam ainda mais enraizados e localizado dentro de sua própria tradição, que

(17)

por ele é repetido e renovado, volta para aquele passado do certo ou não certo a fazer (MITRAUD, 2007).

Em Tito Lívio é realizado críticas a degradação da moral do Império que está também relacionada com a degradação da tradição (citada acima). Esses elementos nos fazem perceber que, na construção de seu texto histórico, ele vai realizar um confronto entre o que ele idealiza como maus e bons exemplos. Ele vê, ainda, na história uma utilidade importante, a possibilidade de reencontrar os modelos esquecidos, isso em função da busca de uma consciência romana na retomada das raízes profundas dos valores humanos e políticos. Uma história que contribui para a construção de uma imagem monumental e grandiosa de Roma, possuidora de virtudes espetaculares (MITRAUD, 2007, p. 10).

Muitos são os livros compostos na obra e estes apresentam-se de forma extensa. Tendo isso em vista, nossa fonte primária se encontra no livro trinta e nove. A princípio, iremos utilizá-lo todo, pois nele está contido todo o contexto e história, segundo o autor, do nosso objeto de estudo que são os cultos báquicos. No entanto, para um estudo aprofundado em busca de apontamentos para nossa problemática, durante a análise da fonte procuraremos entender qual era a visão de Tito Lívio, e subtende-se do Império, sobre os mistérios báquicos. Como ele definiu, os argumentos que utilizava, culminando assim no nosso foco problemático: quais fatores influenciaram a perseguição romana aos cultos?

No livro trinta e nove de Tito Lívio, ele dedica algumas páginas para apresentar os relatos que, segundo o autor, englobam os motivos, características, observações pessoais e aspectos da vida romana, todos esses voltados para os famosos cultos de mistério ao deus Baco. É evidente que a perspectiva ali concedida sobre estes não se apresenta de forma positiva. Ele recorda o fato antecedente ao tempo que escrevia, o chamado escândalo das bacanálias. Este ocorreu no ano de 186 a.C., evento marcado por um decreto senatorial chamado Senatus Consultum de Bacchanalibus.

Mesmo resgatando um fato o qual não viveu, o historiador romano, apresenta suas próprias impressões sobre este fato, seu próprio entendimento em relação a esses cultos – tanto no que consistiam como em sua origem/entrada no seio romano – apresentando sua própria análise dessa parte da história. Claramente não podemos reduzir seus apontamentos a um simples resumo da construção de uma história, mas como vimos Lívio tinha um objetivo, intuito ao escrever os fatos contidos em sua obra. Ele possivelmente procurava trazer a consciência romana, aquilo que considerava bom ou mal e o que deveria ser mantido como parte ou não do cotidiano, caráter e tradição romana.

(18)

Tendo a nossa disposição tal fonte, a utilizaremos na tentativa de analisar e trazer a luz pontos que nos auxilie na seguinte problemática: quais fatores influenciaram a perseguição romana aos cultos? Em virtude disto, nosso objetivo geral consiste em entender o motivo da pressão romana aos cultos báquicos. O culto báquico é o nosso objeto de estudo/estudo de caso e muito embora trataremos sobre o que ele consistia. Nosso foco, dentro desse objeto, são as motivações a perseguição.

A partir disso, para chegarmos ao nosso objetivo principal – entender quais os fatores influenciadores da perseguição romana aos cultos báquicos – trilharemos um caminho, buscando: a) compreender o contexto político romano que no nosso trabalho se encontra na linha tênue entre um império recém-constituído e uma república desfeita; b) entender como a religião romana funcionava – desde sua origem até a época imperial e também os aspectos conectados a ela; c) analisar como esses cultos de mistério surgiam e seu contexto na sociedade romana; d) estudar a especificidade dos cultos de mistério ao deus Baco; e) e problematizar as motivações políticas e sociais para a pressão a esses cultos. Esses pontos serão destrinchados, no decorrer dos três capítulos que comporão este trabalho, desencadeando em uma melhor abordagem do objetivo geral e da problemática contida no terceiro e último capítulo.

No primeiro capítulo, faremos uma discussão geral sobre alguns aspectos da religião romana, focando no período imperial, sem deixar de disponibilizar informações para entender a sua formação histórica. Nosso objetivo é trazer ao leitor uma compreensão do contexto religioso do império romano. Evidentemente, essas informações não serão aleatoriamente apresentadas, ao descrever a religião romana procuramos entender esse sistema para questionar e problematizar nosso objeto de pesquisa. Podemos, então, questionar: por que a religião é tão importante nesse processo? É essencial compreendermos que Roma – assim como outras cidades do mundo antigo – possuía muitos deuses e deusas, estando todos eles estritamente relacionados com a vida cotidiana (NORTH, 1998, p. 227). Tudo estava conectado, era regido e ditado pela religião.

O sistema religioso romano era complexo e diversificado, desdobrando-se em calendário (para festivais em honra as deidades), sacrifícios, narrativas mitológicas, adorações públicas e privadas, protocolos religiosos e ritos de adoração. Esse sistema religioso, que conectava o cidadão romano com os seus deuses, foi, com frequência, retratado na documentação arqueológica e nos textos dos autores latinos. O argumento central da obra de Tito Lívio, por exemplo, atribui o sucesso dos romanos – na conquista do “mundo” – ao zelo na relação ritual com os deuses (BELTRÃO, 2006, p. 137). Assim, veremos, no primeiro

(19)

capítulo, elementos que permitem compreender o contexto religioso da perseguição imperial aos cultos báquicos, destacando a grande importância da religião naquela sociedade e, consequentemente, o alcance das suas perturbações.

O segundo capítulo consistirá um desdobramento mais pontual da problemática desenvolvida no primeiro. Intitulado “Os cultos de mistério”, nele daremos continuidade ao assunto da religião romana – que, na realidade, persistirá por todo o trabalho – aprofundando no aspecto que engloba nossa temática. Veremos que, apesar da diversidade de cultos, no contexto romano, oriundos das mais diversas tradições locais – aqui entendemos locais como regiões de maioria romana e regiões estrangeiras que foram incorporadas ao território romano no decorrer de sua história – e muitas vezes eram agregados a religião romana –, ocasionando conflitos entre a religião romana e as práticas estrangeiras.

Os cultos de mistério ou, como também ficaram popularmente conhecidos no império como, “cultos orientais” podem ser considerados como um desses motivos que resultaram em conflitos. Eles se apresentavam de forma helenizada ou não, se expandiram pelo ocidente sem gerar hostilidade, eram uma expressão religiosa que inspirava novidade e estranheza. Porém, como em todo sistema religioso, tinham-se contornos delineados daquilo que era aceitável e inaceitável – esse inaceitável estava justamente ligado a fidelidade à religião dos ancestrais (ROUX, 2009, p. 65). É justamente nesse contexto – de uma religião romana diversificada, que se apresenta em sua maioria tolerante e das linhas do inaceitável – que os cultos de mistério ao deus Baco se localizam. Assim, após introduzir sobre aspectos gerais desses cultos, adentraremos especificamente aos báquicos e finalizaremos com eles situados no mundo romano.

No terceiro e último capítulo, trataremos especificamente da fonte primária, o livro trinta e nove da obra de Tito Lívio. Ele faz parte do grupo de fontes textuais sobre os primeiros séculos romanos e também tempos posteriores. Fontes que em sua maioria são oriundas de sacerdotes – aqueles que podiam ser sacerdotes eram pertencentes à elite romana (senadores, patrícios, cônsules, por exemplo), responsáveis por redigir todos os apontamentos relacionados a religião (ritos, como proceder, os dias que ocorreriam, quem podia participar, qual o objetivo da ação sacrificial, entre outras especificidades) e o mais importante, esses documentos continham impressões da religião oficial romana –, ou são documentos oficiais, como editos, decretos, leis, documentos que no geral foram escritos ou por autoridades romanas ou por escritores (como Tito Lívio e Flávio Josefo, por exemplo) aprovados pelo governo.

(20)

Dessa forma, fica claro que esses documentos geralmente não expressam a experiência das massas romanas, mas as atividades religiosas que afetavam o Estado e suas atividades. Ao mesmo tempo é um mundo que proporciona uma imagem mais voltada à atividade pública, em contrapartida da privada. Tito Lívio apresentou sua narrativa como o cônsul, em 196 descobriu as conspirações dos cultos báquicos e suas ações dramáticas para suprimi-la da cidade de Roma e de toda a Itália. Perseguição essa, segundo Cláudia Beltrão, sem antecedentes em Roma que implicou na percepção pelas autoridades de uma grande ameaça no caráter do culto.

Tendo isso em vista, não encontramos melhores palavras que a de Cláudia Beltrão, quando analisa a ação romana aos cultos báquicos: “Mas de que ameaça se trataria?” (BELTRÃO, 2006, p. 152). Essa pergunta faz com que tudo se ligue – apesar de a historiadora apresentar possíveis respostas para ela, deixamos para abordar isso melhor no decorrer do trabalho –, pois nosso objetivo na fonte e no capítulo vai ser tentar buscar, em Tito Lívio, os fatores influenciadores que desencadearam as perseguições aos cultos báquicos pelos romanos.

Dado o exposto, vemos o quão laborioso será para nós ultrapassarmos as dificuldades e desenvolvermos o que foi proposto. No entanto, não seremos os primeiros nem os últimos. Muitos pesquisadores nos últimos anos têm realizado grandes pesquisas sobre as religiões do Mediterrâneo antigo e de forma paulatina estão conseguindo ultrapassar diferentes dificuldades teóricas, preconceitos e afirmações generalistas abusivas, o que é bastante marcante no estudo das religiões antigas e em especial a religião romana (BELTRÃO, 2010, p. 185). Historiadores não satisfeitos apenas com a tentativa de relatar algo, mas dispostos a problematizar seus diversos elementos constitutivos.

(21)

1 RELIGIÃO ROMANA

1.1 CONTEXTO HISTÓRICO

Quando ouvimos falar da história romana, diversos aspectos são levantados: arquitetura, estilo artístico, política, literatura, teatro, religião, economia, cultura, sociedade, a extensão de suas fronteiras geográficas e cronológicas na Antiguidade, bem como sua ligação com a atual identidade italiana. Isso porque ora se fala da cidade, ora fazemos referência a um império diversamente constituído.

O marco de fundação da cidade de Roma é tradicionalmente datado de 753 a.C. Dentre suas lendas de fundação, a mais popular talvez seja a dos irmãos Rômulo e Remo, quando Amúlio destronou seu irmão Numítor e obrigou sua sobrinha Réia Sílvia a se tornar uma sacerdotisa, fazendo com que ela se desfizesse de seus filhos gêmeos, Rômulo e Remo, lançando-os no rio Tibre1.

De forma milagrosa os meninos sobreviveram e foram criados por uma loba, logo depois passaram aos cuidados do pastor Fáustulo e sua esposa. Ao crescerem, restauraram o seu pai ao reino de Alba Longa e pediram permissão para construir uma cidade as margens do rio Tibre. No entanto, entre os irmãos houve desavenças e Rômulo acabou matando Remo. Refugiou-se no Capitólio (uma das colinas da cidade de Roma)e para conceder esposas aos habitantes, raptaram-se mulheres sabinas (neste ponto é feita uma ligação da presença dos povos sabinos entre os romanos). Não é conhecida somente essa lenda do surgimento de Roma, porém ela é classificada como a mais popular (FUNARI, 2002, p. 51).

Paralelamente ao mito, a arqueologia e a etnologia nos proporcionaram informações sobre a fundação da cidade. A Itália já seria povoada no período de trinta mil anos antes da fundação de Roma. Desse “começo” em diante foram-se estabelecendo diversificados povos, povoados e cidades. Por volta do ano 1000 a.C., a vila de Alba Longa (capital do Lácio) se destacou dentre as demais localizadas entre a foz do rio Tibre e a baía de Nápolis. Deste fato, presume-se que os jovens fundadores de Roma, que migraram quilômetros em direção ao norte, eram albalonguenses (MONTANELLI, 2010, p. 16).

Muitos povos, antes dos romanos, teriam habitado a Península Itálica (região Centro-Ocidental) desde o período do Paleolítico Superior. (BURNS, 1977, p. 266). Sua área

1Esses mitos de fundação também podem ser encontrados na historiografia latina, a qual pode ser achada em Tito Lívio. Para uma leitura mais aprofundada: TITO LÍVIO. Historia de Roma desde su fundación. Libro I. Introdución general de Angel Sierra. Traducción y notas de José Antonio Villar Vidal. Madri : Editorial Gredos, 1997, 1ª reimpressão. 1ª Edição 1990.

(22)

proporcionava aos que nela habitavam um clima ameno e com chuvas regulares. Ao longo dos vales dos rios e do litoral, o solo era muito fértil, proporcionando ambiente favorável à agricultura e a criação de gado. Toda essa região foi povoada por diferentes povos desde o primeiro milênio a.C., denominados indo-europeus.

Nas planícies alagadas (pantanosas), viviam os latinos, região bem estratégica quanto ao comércio do interior da península com a costa (região Centro-Oriental). Outros ainda como os sabinos, gregos e, mais ao sul e os etruscos ao norte, formaram suas civilizações. A cidade de Roma teria surgido em meados do século VIII a.C. Devido à escassez de detalhes quanto a sua formação, hipóteses foram levantadas. Uma delas defende que Roma teria sido fundada pelos etruscos na região do Latium, na ocasião da união de duas diferentes comunidades, os sabinos e latinos. (FUNARI, 2002).

Entre os anos de 753 a.C. e 504 a.C., Roma desenvolveu-se e passou de um pequeno povoado a uma cidade composta por calçadas, fortificações e sistema de esgoto, além de possuir o latim como língua corrente. Nesse mesmo período, nobres romanos se revoltariam contra seus dominadores etruscos e deporiam o rei. Segundo relatos romanos, Brutus teria sido o líder da revolta que tiraria os Tarquínios (reis etruscos) e que após a instauração do sistema republicano se tornaria o primeiro magistrado da República. (FUNARI, 2002)

Comumente, vemos a história de Roma ser dividida em três etapas: monarquia, da fundação da cidade em 753 a.C. ao ano 509 a.C. (segundo a tradição); república, de 509 a.C. a 27 a.C.; e império, de 27 a.C. a 395 d.C. Roma, no período da realeza, abrigava uma sociedade, na qual a figura do pater estava no topo da hierarquia. Essa característica própria das relações familiares também estaria presente na formação posterior da cidade (COULANGES, 1961, p. 48).

Nos primeiros séculos que se seguiram de sua história, os romanos entraram em conflitos, dominaram e fizeram alianças. Como consequência, suas terras foram se expandindo, “primeiro, em direção ao Lácio (região vizinha à cidade) e, depois, à Itália central, meridional e setentrional” (FUNARI, 2002, p. 54).

Roma via a necessidade de expandir o seu território para fronteiras cada vez mais distantes e mais exigentes de recursos e de soldados. (ROUX, 2009, p. 07). Essa expansão levou a geografia romana a apresentar-se de forma extensa, agrupando conjuntos de cidades e comunidades locais que, de certa forma, estavam ligadas a uma rede de relacionamentos sociais, buscando seguir um modelo das estruturas sociais romanas. No entanto, cada uma possuía suas próprias sociedades, hierarquias e mesclagens, obedecendo, em parte, as tradições locais e revelando as variedades específicas de cada (ROUX, 2009).

(23)

Diante desses fatos, se pode dizer que Roma era, na realidade, uma união de povos e isso ficava claro na sabedoria que utilizavam para convivência com as diferenças. Suas táticas eram diversificadas em relação à prevenção de oposições e quanto à agregação de possíveis inimigos. Utilizavam, principalmente, da persuasão às elites aliadas, incluindo-os na órbita romana, podendo receber direitos totais ou parciais de cidadania; não apenas isso, mas também auxílio militar e a outras necessidades. Quanto aos não aliados, podiam ser subjugados de diferentes modos, como, por exemplo, serem massacrados. Muitas vezes eram vendidos como escravos, outros acabavam sendo tratados com desigualdade que proporcionavam a Roma grandes rendas sobre impostos e tributos, bem como podiam perdiam suas terras que eram divididas entre os romanos e seus aliados (FUNARI, 2002).

No século III a.C., a expansão romana alargou seus limites ultrapassando o território da Itália. Nesses processos de alargamento, o soldado era uma imagem irrevogável. Foi-se notando uma atitude de lealdade dos soldados, mais para com seus generais, que pagavam pelo serviço, do que ao Estado romano. Assim, passou-se a ter muitas disputas entre os generais pelo poder, acarretando inúmeras guerras civis aos romanos (FUNARI, 2002).

Essas disputas continuaram até o fim do período republicano que, em conjunto com a política de dominação imperial (essa política, de acordo com Patrick Le Roux, eram atitudes já presente nos poderosos romanos ainda na República), provocaram questionamentos as instituições republicanas sustentadoras desse sistema. Assim, o poder monárquico foi surgindo lentamente das lutas civis, com protagonistas pouco dispostos a contemporizar com um Senado que não se encontrava capaz de reatar a unanimidade entre os cidadãos (ROUX, 2009).

Passando esses períodos de luta interna, no século I a.C., um general chamado Caio Júlio César, cujas conquistas tinham sido grandiosas, foi vetado pelo Senado para não comandar mais suas tropas. Não aceitando a exigência, tomou Roma em 49 a.C. na posição de ditador, mas em 44 a.C. acabou sendo assassinado por um grupo de senadores. Essa atitude contra Caio Júlio César não teria sucesso, tendo em vista que outros generais sucederam a César. Em 31 a.C., Otávio, sobrinho de Júlio César, lutaria pelo lugar que foi do tio e venceria seus opositores, logo foi reconhecido pelo Senado que o denominou de o “principal” (devido a isso também era chamado de príncipe) e ainda recebeu o título de Augusto (“o venerável”). Este ponto na história de Roma passou a ser conhecido como Principado ou Império (FUNARI, 2002, p. 56).

A ascensão de Otávio Augusto ao mundo romano fez os territórios se estenderem para os dois lados do Mediterrâneo, abrangendo territórios provinciais. Nestas ocasiões se

(24)

formavam os “estados-clientes” (eram reis, chefes tribais e outros aliados), considerados integrantes do Império apesar de conservarem uma imagem de liberdade (ROUX, 2009, p. 09).

Augusto governou a Itália e as províncias conquistadas por quarenta e quatro anos (31 a.C. a 14 d.C.). Para a historiografia latina, Augusto proporcionou renovo e, erguendo Roma, concedeu um novo início, com resultados positivos e agradáveis, diferente do que antes estava sendo vivenciado – pois para eles, antes do império augustano, Roma se encontrava em constantes conflitos e atritos no seu sistema, porém com Augusto e suas medidas um período de paz se estabeleceu, a chamada Pax Romana. Vejamos o seguinte trecho da obra de Virgílio, a Eneida:

Ele [Augusto] estenderá os limites de seu império além do país de Garamantes e das Índias, situado além dos signos do zodíaco, além das rotas do ano e do sol, até aonde Atlas, que sustenta o céu, vira sobre as costas o reino ardentes das estrelas. E já, ao ouvir os sons de sua chegada, preces horrorizadas aos deuses são feitas nos reinos dos Cáspios e nas fronteiras da Meótica; e as sete embocaduras do Nilo se agitam confusamente e trepidam. Nem Alcides percorreu tantos países, apesar de ter perseguido a cerva de patas de bronze, pacificar a floresta de Erimanto e estremeceu com seu arco o pântano de Lerna; nem mesmo Baco vingador, dos altos cumes da Nisa, conduzido atrelado por tigres sob as dóceis rédeas de vinha. E ainda duvidam de apoiar seu valor! O temor se fixou nas terras da Ausônia! [Grifos do autor Thiago de Almeida Lourenço Cardoso Pires] (Virg. Eneida. VI, 794-807).

Nesse trecho, Virgílio compara a extensão do império de Augusto a dois heróis da mitologia grega: Hércules e Baco. Frisando na circunstância de que nem essas duas deidades teriam percorrido tantos territórios quanto Augusto havia de conquistar e sendo a extensão do poderio romano, estendido a todo um mundo habitado, sobre o qual exerciam uma dominação. Essa peculiaridade de coligar o nome de Augusto ao de Enéias, Rômulo e César ocorre em diversos momentos na obra de Virgílio (PIRES, 2013, p. 142-143). Como vimos, a figura de Augusto, na historiografia latina, é apresentada de forma grandiosa a elevar o mundo romana até acima dos feitos dos deuses, trazendo a glória romana sobre os povos e cantos povoados.

A reorganização realizada, tanto no final da república quanto no regime imperial, tinha como fundamento uma nova perspectiva intelectual e racional quanto ao exercício do poder universal e a ordenação política no mundo. Ou seja, Roma seria a senhora2 de todas as terras

2Essa postura (de associar Roma a uma senhora) é encontrada nos textos latinos ainda na Antiguidade. A exemplo disto temos o historiador que escreveu durante o fim do Império Romano (fim do século IV d.C.) Amiano Marcelino, como segue em sua fala: “No momento em que Roma começou a subir para uma posição de esplendor em todo o mundo, a fim de que ela pudesse atingir uma estatura imponente, Virtude e Fortuna, normalmente em desacordo, formaram um pacto de paz eterna; [...] Seu povo, desde o berço até o final de sua infância, um período de cerca de 300 anos, sustentaram guerras sobre seus muros. Em seguida, entrando na vida adulta, depois de muitas guerras cansativos, cruzaram os Alpes e o mar. No momento em que Roma começou a subir para uma posição de esplendor em todo o mundo, a fim de que ela pudesse atingir uma estatura imponente,

(25)

habitadas, tendo que assumir o papel de mantenedora da paz e da civilização em relaão aos bárbaros, tanto externos ao Império quanto os internos, causadores de caos e desordem (ROUX, 2009). Complementando as palavras do próprio Patrick Le Roux, ao mesmo tempo que Roma expandia-se

ela atribuiu a si própria a tarefa de proteger seus interesses por toda parte em que isso lhe parecesse necessário. À medida que seu poderio se expandia, os cidadãos romanos foram se envolvendo com a exploração e o controle dos territórios submetidos. Os exércitos romanos eram encarregados de garantir a ordem e afastar quaisquer perigos cuja propagação pudesse trazer conseqüências graves para Roma. (ROUX, 2009, p. 08).

Assim, como a guerra ocupava uma centralidade no Império Romano, a paz serviria igualmente como motor na expansão do poder imperial. O período de 31 a.C. a 235 d.C., inaugurado por Otávio Augusto, seria um tempo de relativa paz interna, conhecidamente denominado de “Paz Romana” (FUNARI, 2002, p. 56). Essa paz consistia na habilidade de Roma em conceder paz a um mundo que nunca viu o cessar das hostilidades, ou seja, as pessoas devotavam o Império e em troca recebiam uma vida livre do medo da guerra e da morte (BUNSON, 2002, p. 439).

No período imperial, houve uma reforma na forma de administração dos domínios romanos, procurando uma maior centralização do poder. Nisso, o imperador passou a acumular todos os poderes, porém as instituições estabelecidas na República continuaram a existir. O imperador possuía uma imagem divina, era reverenciado e adorado como os deuses romanos, o que somava à sua autoridade maior temor (FUNARI, 2002).

Nesse “período de paz”, novas conquistas foram realizadas e atividades na economia e na cultura ganharam grande impulso, como o surgimento de novos e portentosos edifícios, monumentos, aquedutos, pontes, circos e anfiteatros (FUNARI, 2002). Exemplificando, a filosofia tomou forma – a influência do estoicismo3 era muito forte e a influência do epicurismo4 persistente; houve, também, um despertar pela ciência.

Virtude e Fortuna, normalmente em desacordo, formaram um pacto de paz eterna; [...] Seu povo, desde o berço até o final de sua infância, um período de cerca de 300 anos, sustentaram guerras sobre seus muros. Em seguida, entrando na vida adulta, depois de muitas guerras cansativos, cruzaram os Alpes e o mar. [...] agora ela é aceita como senhora e rainha; em todos os lugares o cabelo branco dos senadores e a sua autoridade são reverenciados e o nome do povo romano é respeitado e honrado” (Amiano Marcelino 14.6.3).

3Importante movimento filosófico fundado no século III a.C. por Zeno de Citium. Sua ideia consistia que a vida humana fosse tão ordenada quanto o cosmo, utilizavam o princípio orientador da natureza. Estoicismo in

(26)

Pouco se tem quanto as realizações dos romanos nessa área, segundo o autor Edward McNall Burns (1977), uma das razões seria devido a uma maior preocupação com os problemas do governo e da conquista militar. Voltando-se mais para o direito, a política e estratégia. No entanto, apresentariam realizações na engenharia, nos serviços públicos (construção de estradas, pontes, aquedutos e instalações de hospitais com sistema de medicina pública para os menos privilegiados) e, ainda através da presença de cientistas helenísticos na Itália e nas províncias, apresentou um desenvolvimento na ciência pura, desenvolvimento de uma arte característica – pela primeira vez assumiria um formato especial característico da vida nacional, o que antes era trazido do Oriente helenístico.

Nisso, as artes que melhor demonstraram o poder e grandeza romana foram a arquitetura e a escultura (como edifícios públicos, anfiteatros, estádios e outros) apresentando resquícios helenos em suas composições; e a escrita de obras literárias – as realizações literárias romanas eram ligadas a sua filosofia, como, por exemplo, Horácio em suas famosas Odes apresentava uma abundância de ensinamentos epicuristas e também estoicos; um interesse que se limitou muito mais em respeito a conduta da vida do que o conhecer da natureza do mundo (BURNS, 1977, p. 291-293).

Apesar da centralidade, cada área do Império tinha sua especificidade e suas características. Ainda no início do Império, era possível identificar dois tipos de províncias: a primeira, denominada senatorial, devido os governadores delas serem apontados pelo Senado: e a segunda, que era chamada de imperial, pois seus administradores eram militares colocados pelo imperador. Esta última, se encontrava em regiões de fronteira ou em áreas não pacificadas.

Cada uma dessas províncias possuía uma capital com um governador que era observado pelo conselho provincial (formado pela elite dos romanos locais e por funcionários administrativos). Sendo divididas, cada uma, em regiões administrativas com suas respectivas capitais como forma de facilitar ações, como cobrança de impostos, manutenção das estradas, dos aquedutos e de aspectos gerais. Como fundamento de todo o modelo territorial, tinha-se as cidades, possuidoras de grande autonomia na gestão de seus assuntos, de uma própria constituição, câmaras municipais e magistrados locais (FUNARI, 2002, p. 57).

4Escola filosófica fundada séculos antes do Império pelo filósofo grego Epicuro (342 a.C. a 270 a.C.). Os epicuristas acreditavam em um mundo físico em que os sentidos eram a fonte do prazer. Defendiam uma vida de simplicidade, retiro dos assuntos do mundo e prudência como um meio sadio de alcançar a felicidade. Epicurismo in Encyclopedia od the Roman Empire. New York: Facts On File, Inc., 2002.

(27)

Quanto as divisões sociais, ao longo da história da civilização romana, algumas características se mantiveram ainda que transformadas. A exemplo disto, duas estratificações se mantiveram: o cidadão e o não-cidadão; os livres (podiam ter nascido livre ou podiam ter sido libertos) e os não livres. Para os livres, ainda podiam se classificar em cidadãos ou não e um cidadão de nascimento livre podia individual ou coletivamente receber sua cidadania5. Criava-se, assim, uma sociedade romana que apresentava estratificações sociais, porém não sendo impossível o ato de ascensão (FUNARI, 2002).

No período das grandes conquistas, tinha-se outra forma que os romanos utilizavam para classificar os diferentes agrupamentos, geralmente feito pela medida de riqueza e também pelo reconhecimento social. Três eram as principais: a plebeia – cidadãos comuns em sua maioria pobres; a equestre – ou cavaleiros, eram aqueles que possuíam posses o suficiente para serem cavaleiros do exército e mais a frente pessoas possuidoras de uma renda mínima como os comerciantes; e a senatorial – eram os nobres, únicos com direito a participação no Senado. No entanto, apesar das restrições e querelas quanto à situação social romana, no decorrer dos séculos I e II d.C., alguns imperadores acabaram ampliando a rede de direito de cidadania para muitos provincianos (FUNARI, 2002).

Todas essas divisões e composições do império eram de extrema importância. No entanto, a imagem do imperador era o laço unificador e era onde tudo culminava e começava. Era o imperador que determinava a forma como o poder seria exercido. Todas as instituições exerciam seus papéis em prol do imperador e de sua vontade. O tribuno da plebe, as magistraturas tradicionais que trabalhavam com os “recenseamentos

,

à moralidade dos costumes, à preservação da religião e à apresentação de propostas de leis, além do controle dos bens de domínio público na urbe e nas províncias, e ainda a decisão final em todas as questões de justiça”(ROUX, 2009, p. 18). Inclusive, a função de Sumo Pontífice, por meio de Augusto, passou a ser função imperial, trazendo com isso, para a função do imperador, o centro das decisões referentes à religião pública e consequentemente o tinham como modelo de homem piedoso, o escolhido pelos deuses, responsável pela paz com estes (ROUX, 2009).

Na elaboração de leis, que era tradicionalmente uma função do magistrado, o Senado também podia publicar decretos, os conhecidos “senatus consultum”. Eles eram publicados

5Dentro das querelas sociais temos a imagem da mulher. Essas nunca foram reconhecidas como cidadãs, não

podendo exercer nenhum cargo público. Porém, segundo Funari, por uma provável influência dos costumes etruscos, as romanas não viviam reclusas socialmente. Eram presentes tanto fisicamente na vida doméstica como na vida pública. Elas recebiam educação, podendo tomar parte de campanhas eleitorais e também escrever poesias. (FUNARI, 2002, p. 58)

(28)

por um cônsul ou por tribuno da plebe, sendo válidas apenas depois de aprovadas pelo povo e assim tornando leis no termo técnico, ou seja, decretos lidos em público. Essas questões foram mudando e, de uma crescente, os menores (de menor função no império) iam perdendo algumas de suas atribuições de uma forma que quem estava acima incorporava sua atribuição. Entende-se que, no final de tudo todas as funções, finalizariam no imperador e na sua vontade de acordo, cada uma dessas questões, com o governo em vigência (ROUX, 2009).

Assim, como vemos a imagem do imperador como um ponto que liga e interliga todos os outros, paralelamente e em confluência com o poder político estava a religião. Não apenas durante o Império, mas desde suas origens na Roma Antiga e da mesma forma em todo o Mundo Antigo. Como Fustel de Coulanges (1961, p. 42) colocou, “a religião ditava tudo que ocorria no cerne da cidade, da família, de todas as práticas e seu desenvolvimento ocorreria ao mesmo tempo que a sociedade”.

1.2 RELIGIÃO NO MUNDO ANTIGO

A religião desde os primórdios da história de Roma ocupava um lugar de destaque no seio da família. Nesse ambiente, ela se encontrava centrada em um altar com o fogo sagrado, o qual representava a divindade central da religião doméstica, sendo a responsabilidade do pai ou, no caso da ausência desse, do filho manter esse fogo aceso. Era isso que mantinha a ordem do seio familiar e de todos os aspectos da vida. No entanto, a religiosidade não se limitava a isso. As famílias costumavam cultivar oferendas e tributos a uma divindade em troca de proteção à casa e às terras. Eram diversificadas as formas de oferta (flores, frutas, incenso, vinho) e sua realização era acompanhada de preces para conseguirem saúde, riqueza e felicidade. A esse ambiente familiar e todas as práticas religiosas inseridas nela, chama-se religião doméstica (assim como também as divindades adoradas nesse âmbito eram denominadas de deuses domésticos). (MOURA, 2009, p. 28-29)

É importante entendermos que em meio as diversidades das religiões, cultos e divindades, alguns aspectos se apresentavam comum entre os povos da antiguidade. Um ponto característico dos povos antigos, era a crença na sobrevivência da alma, na qual o ponto fundamental era a oferenda de comidas, flores e libações de vinho, pois caso isso não fosse realizado, os mortos não deixariam os vivos em paz. (MOURA, 2009)

Apesar dos encontros culturais entre os diversos povos antigos terem sido constantes e suas semelhanças serem reconhecidas, foi entre os gregos e romanos que as semelhanças se

(29)

tornaram maiores. Os escritores antigos da Grécia e Roma Antiga, em suas obras, apresentam claramente como o homem era atormentado pelo medo de, chegando a morte, os procedimentos relacionados aos ritos funerários – a questão ia além do repouso do corpo na terra, deveriam ser obedecidos ritos e fórmulas após o sepultamento – não ocorrerem corretamente.

Menor era a preocupação com o dia da morte, de como ela “viria” do que com a privação da sepultura, porque, da última, dependia o repouso e a felicidade eterna. Como a sepultura era uma espécie de morada subterrânea onde o morto viveria sua segunda vida, não acontecendo isso a alma não possuiria morada, sendo condenada a ficar errante. Não somente isso, no entanto também lhe era privado as ofertas e alimentos de que necessitava. Sendo assim, uma alma infeliz passava a ser perversa com os vivos por meio de tormentas, doenças, destruição de colheitas e aparições, objetivando que lhe concedessem uma sepultura. (COULANGES, 2006, p. 20-23)

Antes da crença na existência do Tártaro ou dos Campos Elísios, a opinião desses povos antigos era de que uma vez sepultado, a alma permaneceria com o corpo (mesmo quando só os ossos restavam, ela permanecia unida à parte do solo onde eles se encontravam) e não havia a necessidade de prestar conta nem tendo recompensas ou suplícios. Tempos depois, somado as concepções quanto ao destino da alma e para onde ela iria, aconteceu que para eles esse espaço onde o morto é sepultado seria muito maior do que o túmulo. Não sendo apenas uma alma, mas todas elas estariam no mesmo ambiente, reunidas em gozo ou em pena de acordo com sua conduta durante a vida. Como falamos, era da responsabilidade do vivo manter as necessidades de comida e bebida do morto. Essa ação passou a ser uma regra de conduta, não era possível negligenciar o morto depois de sepultado. Estabeleceu-se, assim, uma verdadeira religião aos mortos, mais comumente conhecida como “o culto dos mortos”, na qual eram considerados criaturas sagradas (COULANGES, 2006).

Especificamente para os gregos antigos, o culto era centrado nos mistérios da vida, da morte e renascimento, que comportava ritos de iniciação. Nesse período específico, localizado entre 2700 e 1400 a.C., essa forma de culto adentrava na denominada Religião Minoica. Uma divindade principal era representada por uma deusa que, às vezes, era acompanhada por um deus (como parceiro), essa característica era muito comum nas religiões agrárias e de mistérios.

(30)

A celebração cultual ocorria em montanhas, em capelas do palácio ou nos lares. No período de 1400 a 1200 a.C., com a invasão dos povos micênicos, foi deixado panteões com escritos que revelaram divindades cultuadas posteriormente, como Zeus, Poseidon, Ártemis e Dionísio. Dos anos 800 a.C. a 380 d.C., a religião grega teve mudanças. As cidades-estados se tornaram autônomas, sendo assim em cada cidade ou mesmo nos altares domésticos achavam-se uma religiosidade grega. Seu culto era politeísta, achavam-seus deuachavam-ses estavam inachavam-seridos em aventuras fantásticas com a participação de heróis (Hércules e Perseu, por exemplo). Essas divindades eram possuidoras tanto de virtudes como de defeitos, o que as assemelhava a personalidade dos mortais. O altar de sacrifícios era o centro de tudo e cada ato de sacrifício envolviam rituais que, para os gregos, provinham sorte ou maldição (caso não fosse realizado). (BEZERRA, 2013, p. 18-19).

Essas influências religiosas ocorriam principalmente por meio da evocatio, ou seja, quando conquistavam uma cidade era feito um pronunciamento e os deuses da cidade inimiga eram convidados a abandoná-la e se dirigir à Roma. As suas divindades eram muitas e se encontravam relacionadas a vários aspectos da vida. Para manter a paz entre deuses e homens, eram utilizados ritos que eram temorosos, pois qualquer anomalia poderia causar uma crise nessa relação do ser humano com o divino. A religião se encontrava em todos os aspectos da vida romana, mas sua externalização formal se deu por meio do culto público (subordinado ao estado) e do culto privado ou doméstico (destinados aos antepassados – como falamos) (BEZERRA, 2013, p. 20).

1.3 A RELIGIÃO ROMANA: CONCEITOS E ESTRUTURA

As religiões, expressões religiosas ou religiosidades se apresentam de formas diferenciadas entre elas e também no próprio decorrer de suas trajetórias. Cada uma como produto do seu meio, com suas respectivas verdades, atendendo suas diversidades de crentes. (BEZERRA, 2013, p. 04). Muitos já tentaram explicar como elas surgiram e qual foi o primeiro indício delas na história da humanidade.

Um dos apontamentos revela que uma das contribuições seria a visão do homem em relação as coisas ao redor como animadas. Ou seja, a crença de que coisas como animais, plantas, rios, sol, lua, estrelas continham espíritos, os quais precisavam ser apaziguados para manter a ordem. Estudiosos e pesquisadores tentaram lançar teorias para entendê-las.

(31)

Analisaram-nas como algo que desenvolveu-se paralelamente ao avanço da humanidade, partindo de uma diversidade muito grande de deuses até chegar a um só (teoria darwinista, a qual influenciou outros estudiosos) (GAARDER, 2000, p. 16).

Na atualidade, essa teoria já foi rejeitada devido ao seu caráter preconceituoso em relação as sociedades tribais. Outros pesquisadores veem a religião como produto de fatores sociais e psicológicos. Uma teoria não muito aceita também, pois reduz a religião a uma questão social de espiritualidade humana. Apenas nas modernas ciências da religião, o elemento religioso seria considerado independente, o qual mesmo ligado a fatores externos possui sua própria estrutura e existência. A maioria dessas definições buscavam adequar todos os tipos de crenças e atividades religiosa em uma única fórmula (GAARDER, 2000). Sabemos que, desde os tempos modernos, a perspectiva religiosa é informada pelo cristianismo (RÜPKE, 2007, p. 06). No entanto, aqui entenderemos religião de acordo com a visão do sociólogo francês Émile Durkheim, quando fala:

Pois sabemos hoje que religião não necessariamente implica em símbolos e ritos, uma fala apropriada, ou templos e sacerdotes. Todos esses aparatos exteriores é apenas a parte superficial. Essencialmente, não é nada mais que um corpo coletivo de crenças e práticas dotado de uma certa autoridade. (DURKHEIM, 1973, p. 191).

Complementando essa ideia ao nosso contexto de estudo, Jörg Rüpke (2007, p. 06) coloca: “religião é como ações humanas e comunicação”. Exemplificando, essas ações e comunicação teriam sido performados na pressuposição da existência dos deuses, os quais faziam parte do próprio grupo social ou político de seus devotos e com a existência no mesmo espaço e tempo (RÜPKE, 2007).

Para além dessa definição do termo religião, precisamos deixar claro o que é a religião romana quando tratamos dela. Usando as palavras do historiador Jörg Rüpke (2007, p. 01), religião romana “é uma abreviação para sinais religiosos, práticas e tradições na cidade de Roma” – partindo de uma perspectiva local. Apesar disso, ela não se encontrava restrita a essa cidade, mas também estava presente em centenas de cidades na região mediterrânea. Diferente de outras religiões da antiguidade – judaísmo, cristianismo, a religião romana enfatiza muito menos em questões relacionadas ao dogma, a salvação, a vida após a morte, a vocação sacerdotal, moralidade e textos revelados. Ao mesmo tempo, os seus templos eram casas para as imagens dos deuses e não lugares de congregação como nas sinagogas, igrejas ou mesquitas. Para além disso, as inúmeras divindades do antigo politeísmo continuam em rígido contraste com sistemas religiosos que expressão singularidade com

(32)

Yahweh, Deus ou Alá. Por esse motivo, devemos sempre estar atentos a questões que tentam denegrir a importância das religiões antigas (ERSKINE, 2009, p. 302).

A religião romana foi a religião de centenas de cidades do Mediterrâneo e se apresentava como uma religião helenizada – assim como a cidade de Roma também o era. Isso deveu-se a razões como a localização geográfica, as tradições locais, os imigrantes e o mais importante: o sucesso militar. Esse era um sistema organizado com aparatos agressivos e eficientes a manejar a hegemonia e expansão primeiro na Itália e depois muito mais adiante. No que essa característica militar poderia contribuir para nosso entendimento a religião romana? Segundo Jörg Rüpke (2007, p. 03), esses caracteres contribuiriam para uma religião com grande ênfase no controle e na centralização.

Os rituais públicos eram dirigidos pelos magistrados, por posições sacerdotais ocupadas por membros da elite política. Ao mesmo tempo, a religião tinha seu caráter independente em algumas peculiaridades: os deuses poderiam ser chamados a se mover, mas não ordenados a fazê-lo; o sacerdócio podia ser apresentado aos candidatos, mas eles se agregariam por direito próprio; a transferência de bens públicos para deuses estrangeiros, que de certa forma foram importados, eram sujeitos das decisões políticas, mas seus rituais não eram. Assim, não sendo sujeito direto das decisões políticas, a religião se apresentava como uma poderosa fonte para legitimar decisões desse cerne, atuando como uma “terceira autoridade”. Ou seja, o governante no poder utilizava sua própria vontade como forma de legitimação. Em conjunto, tinha a elite romana, que também podia conceder ao governante argumentos de legitimação e, por último, se teria essa terceira autoridade, a religião, para tornar o poder legítimo (RÜPKE, 2007).

O modelo dominante romano de religião não era expansionista, mas era bastante absorvedor. As numerosas deidades em formas de estátuas, imagens ou apenas nomes, eram importadas em conjunto com suas histórias, práticas de veneração, moldes para multiplicá-los, conhecimento em relação a construção dos templos e mesmo especialistas religiosos, sacerdotes acompanharam esses deuses ou foram criados no local. As práticas religiosas romanas faziam parte das práticas culturais de quase todos os domínios da vida cotidiana. Os banquetes geralmente eram seguidos de sacrifícios, a construção de uma casa ou o começo de uma jornada implicava pequenos sacrifícios e orações – assim como em reuniões do senado ou de guerra. A religião não estava confinada a templos e festivais, mas em todas as áreas da sociedade (RÜPKE, 2007).

Entendendo que a religião romana era intimamente ligada aos princípios norteadores da base da sociedade romana, também nos é possível compreender sua atuação decisiva na

(33)

formação das identidades – sejam individuais ou coletivas. Marcada por uma extrema ritualização, a ela era permitido a atribuição de papéis e funções aos muitos agentes compostos na comunidade. Como já foi dito, apesar de ser muito enraizada na tradição, ela era aberta a novos cidadãos e deuses o que fazia sua interação com novos elementos ser bem maior.

Uma religião politeísta cujos deuses participavam da comunidade, a crença era separada da prática religiosa – não havia um dogma, doutrina ou um código moral a ser seguido. As posições dentro da religião romana estavam intimamente interligadas a posição social e política. Essas distinções estavam, inclusive, aos papéis distintos entre homens e mulheres – não só no âmbito social, mas também no ritual. (ALONSO, 2011, p. 01-02)

Os estudos e pesquisas relacionados a religião têm sido realizados desde os mais antigos tempos. Nessas realizações, podemos ver teorias ultrapassadas, preconceitos, dificuldades teóricas, generalizações e posições abusivas, que encontram no pesquisador dos dias atuais a missão de renovar, analisar, questionar e, de certa forma, ultrapassar com “novidades” mais firmemente embasadas.

Essas questões e generalizações também estão presentes no estudo das religiões do Mediterrâneo antigo e, inclusive, na religião tradicional da cidade de Roma. E quais seriam esses aspectos? Uma tendência cristianizante nos estudos das religiões do Império romano. É possível observar essa caracterização por meio de termos como paganismo (algo surgido no meio cristão), utilizado recorrentemente na historiografia para denominar tudo aquilo que na religião se encontra fora do cristianismo e as tentativas de substituição por termos como politeísmo ou cultos tradicionais não encontram sucesso.

A implicância do termo paganismo vai além da cristianização das religiões antigas, agindo também de forma a impedir o reconhecimento delas. Até mesmo a denominação de “cultos orientais”, feita pela sociedade romana nos primeiros séculos do “cristianismo oficial”, eram formas de generalizar as outras religiões. Também nos é conhecido a incessante busca por aspectos monoteístas nelas, como no culto a Ísis e a Mitras em cidades imperiais romanas. Inclusive, o próprio cristianismo as classificou como religiões mais “verdadeiras”, pois se apresentavam mais aptas a atender as necessidades religiosas – algo segundo o julgamento deles – dos indivíduos (BELTRÃO, 2010, p. 185-186).

Em paralelo com a premissa cristianizante, as religiões antigas, em especial a romana, passaram por uma cosmovisão secularizante e racionalista do século XIX d.C. que analisavam-as como um fenômeno de caráter apenas político, traçando uma religião de aspecto frio e manipulador. A interpretação em relação ao culto imperial, por exemplo, era

Referências

Documentos relacionados

Como resultado dessa incompetência, Schumpeter (1984) e Sartori (1965) argumentam que a úni- ca forma de considerar a possibilidade de uma democracia é a partir da representação,

Os dados descritos no presente estudo relacionados aos haplótipos ligados ao grupo de genes da globina β S demonstraram freqüência elevada do genótipo CAR/Ben, seguida

O documentário também foi o veículo cada vez mais escolhido durante os anos 1990 na Argentina para estudar eventos do passado histórico e do presente social, eventualmente

Para finalizar, Webster 2002 aponta três razões para o uso ainda pouco influente das tecnologias pelos professores de música: i os professores são lentos a adoptar as novas

É possível estabelecer um elo de ligação e comparação entre o sangue periférico e a saliva, no que concerne a diferentes estados fisiológicos e patológicos

Na medida das nossas capacidades, poderemos colaborar em iniciativas que concorram para o conhecimento do teatro greco‑latino, acompanhar o trabalho de dramaturgia (de

b) Na Biblioteca da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto coexistiram no tempo preocupações com a gestão física dos documentos e com o processamento de dados;

Como cada município teve a APAA quantificada de forma absoluta (em hectares) e relativa (em porcentagem da área do município), para testar a adequação desta