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REVISÕES & REVANCHES: A HISTORIOGRAFIA DO RESSENTIMENTO COMO ANÁLISE DA IDENTIDADE PAULISTA CONTEMPORÂNEA

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REVISÕES & REVANCHES: A HISTORIOGRAFIA DO RESSENTIMENTO COMO ANÁLISE DA IDENTIDADE PAULISTA CONTEMPORÂNEA

Douglas André Gonçalves Cavalheiro Mestrando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte E-mail: douglas.cavalheiro@gmail.com

INTRODUÇÃO

Os efeitos duradouros do ressentimento entre os indivíduos fazem com que essa emoção seja um dos sentimentos mais investigados por meio da análise histórica. Revoltas, rebeliões e até revoluções são decisivas no processo de criação de discursos chauvinistas, revanchistas que moldam o espaço das identidades sociais. Usualmente, ignora-se nas narrativas históricas o principal motor das ações dos personagens, como os afetos e sensibilidades. É comum que as causas das transformações na sociedade sejam explicadas a partir de aspectos econômicos, políticos e sociais em detrimento das emoções, afetividades e sensibilidade dos personagens que nela atuaram. Em contrapartida, a história das sensibilidades, afetos e emoções focaliza no indivíduo-humanizado, em subjetividades que sentem raiva, medo, dor e alegria, e ressignifica as identidades existenciais nos espaços em que ocupam ao longo da sua trajetória temporal. Assim, o ressentimento será reavaliado em seus efeitos sociais a partir de uma abordagem da história das sensibilidades, tal como no trabalho da psicanalista Maria Rita Kehl, O Ressentimento (2007), e com o historiador Marc Ferro em O Ressentimento na História: compreender o nosso tempo – uma análise original do fenômeno da violência na história (2007). Portanto, na propagação de discursos políticos, propondo o revisionismo histórico e atividades de revanchismo, identifica-se o ressentimento como sentimento causador da construção de uma ideologia identitária na sociedade contemporânea, como no caso da relação conflituosa entre o sentimento de orgulho paulistano em relação a identidade brasileira durante as eleições de 1929. O ressentimento foi explorado nas disputas políticas entre a aliança liberal, liderada pela elite gaúcha em oposição à elite paulista, que atribuía que os intelectuais paulistas afirmariam que São Paulo seria a locomotiva

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que conduzia vinte vagões vazios, esses representando os demais estados brasileiros da época. Posteriormente, mesmo com a autoria do lema de São Paulo como locomotiva ainda permanecesse como uma incógnita, a elite paulista passou a adotá-lo em seus discursos, pois com a deposição do presidente Washington Luís durante a Revolução de 1930 e com a derrota militar da Revolução Constitucionalista de 1932, observava-se a influência reduzida na representatividade do poder público federal. Dessa maneira, a elite paulista ressignificou a identidade regional por meio do bandeirantismo, ícones anteriormente utilizados como responsáveis pela unidade territorial brasileira, e que se tornaram o símbolo da identidade secessionista paulista contemporânea

1 - As sensibilidades e os Espaços de Representação: o ressentimento na construção cartográfica de São Paulo entre 1922 e 1932.

o ressentimento é uma das emoções que mais impulsiona motivações em uma escala de longue durée. Revoltas, rebeliões e até revoluções são decisivas no processo de criação de discursos chauvinistas, revanchistas que moldam o espaço das identidades sociais. Em uma definição conceitual, Maria Rita Kehl, descreveu: “O ressentimento é uma constelação afetiva que serve aos conflitos característicos do homem contemporâneo, entre as exigências e as configurações imaginárias próprias do individualismo, e os mecanismo de defesa do eu a serviço do narcisismo” (KEHL, 2007, pág. 11). Indo muito além da definição clínica, e partindo das reflexões filosóficas de Nietzsche1, Kehl traça o conceito do ressentimento como um fenômeno social.

O ressentimento transforma a situação de dor trazida pela tristeza em uma situação de impotência, em indignação e raiva, diante do agente se considerar incapaz de reação

1 O ressentimento foi investigado por Nietzsche como uma emoção recorrente dos que se submeteram

durante o processo de relação mestre-escravo, portanto, o ressentimento ocasionou na criação da

moralidade dos escravos. Em Genealogia da Moral (1887), Nietzsche propõe uma historicidade, por meio

da genealogia, como forma de crítica a teoria dos sentimentos morais de Paul Rée em The Origin of the

Moral Sensations (1877) que seguia os princípios do Iluminismo escocês, no caso: David Hume

(Investigação sobre os Princípios da Moral, de 1751) Adam Smith (A Teoria dos Sentimentos Morais, de 1759). Posteriormente, o conceito do ressentimento será revisado por uma análise fenomenológica de Max Scheler em Zur Phänomenologie und Theorie der Sympathiegefühle und von Liebe und Hass (1913), distanciando-se das definições éticas abordadas por Nietzsche em que relaciona o ressentimento à moralidade cristã. A partir dos estudos culturais na abordagem da história das sensibilidades, o ressentimento terá centralidade nos trabalhos da psicanalista Maria Rita Kehl, O Ressentimento (2007) e o historiador Marc Ferro em O Ressentimento na História: compreender o nosso tempo – uma análise original do fenômeno da violência na história (2007).

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contra as agressões externas. Diferente de um instantâneo contra-ataque ou de uma vingança em que se realiza num curto espaço de tempo, o ressentimento é uma atitude que nunca se concretiza plenamente na realidade. “O ressentido é tão incapaz de vingar-se quanto foi impotente em reagir imediatamente aos agravos e às injustiças sofridas. Voltando à constelação ‘maligna’ enumerada acima, nenhum desses afetos por si só é suficiente para produzir ressentimento.” (KEHL, 2007, pág. 14).

A formação de uma identidade regional, por parte de movimentos sociais no Brasil, torna-se mais evidente devido ao desenvolvimento da imprensa, em especial surgimento do rádio, cinema e as maneiras modernas de publicações gráfica, tanto quantitativamente como qualitativamente. Os festejos comemorativos organizado pela Comissão organizadora do IV Centenário do aniversário da cidade de São Paulo são parte dessas manifestações reativas, tal como é descrito por Kehl. Paradoxalmente, o evento comemorativo ocorreu nas primeiras semanas de julho em 1954, data da Revolução Constitucionalista, apesar da data oficial de fundação da cidade ter sido em 26 de janeiro. A organização do evento mobilizou as emoções do ressentimento da população em São Paulo, fazendo alusão aos ícones de memória da fundação de São Paulo, como os jesuítas e bandeirantes, junto aos mortos da derrota militar paulista na Revolução Constitucionalista de 1932. Organizado inicialmente pela elite paulista, representada pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP) e posteriormente somando-se as forças de políticos, recriou-se a identidade do espaço paulista movida por um sentimento de ressentimento, pois ao mesmo tempo que a cidade crescia economicamente, a elite econômica sentia-se perdendo a sua representação política nacional. “O ressentimento, nesse caso, pode ser base para a criação de um forte sentimento identitário – o que põe em causa o caráter pretensamente progressista das atuais micropolíticas identitárias surgidas na segunda metade do século XX.” (KEHL, 2007, pág. 233).

A identidade espacial das regiões é construída por fortes laços de afetividades, no caso das elaborações relacionadas ao ressentimento serão os espaços que representam a memória da dor e do sofrimento coletivo. Esses espaços da dor foram edificados durante as comemorações do Quarto Centenário da cidade de São Paulo. Espaços de representação que tornaram o passado um constante presente na cidade-locomotiva que crescia pelos trilhos dos trens e bondes, mas sem deixar de olhar para trás. “O

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reavivamento da dor do passado é mais forte do que qualquer vontade de esquecer. A existência de ressentimentos mostra o quão artificial é o corte entre o passado e o presente, que assim vivem um no outro, tornando o passado um presente, mais presente que o presente.”2 (FERRO, 2007, pág. 14, tradução livre). A memória é a sutura realizada no ferimento causado por um corte temporal entre passado e presente; a cicatriz é o monumento histórico marcas do passado fazendo-se presente, tal como aponta o historiador Marc Ferro (2007) na construção da memória nacional. É na forma de preservar o ressentimento3 que as ideologias nacionalistas como suas variações regionalistas formam resultados de um conjunto simbólico que compõem a memória patrimonial, seja em objetos ou em discursos.

Os agentes sociais na produção do ressentimento, reproduzidos por tropos da retórica, são resultado de um processo histórico, no qual, sentem-se excluídos dos seus espaços sociais. Tal como observa Maria Rita Kehl: “As classes decadentes que sentem humilhadas com a perda de sua posição se ressentem, acima de tudo, contra os que situados em um lugar inferior a eles na hierarquia social, não se deixam humilhar”. (KEHL, 2007, pág. 223). Em termos sociais, as classes ressentidas sentem-se incapazes de reagir as suas perdas de espaço na sociedade, seja fisicamente por uma dominação territorial ou simbolicamente com a retirada de prestígios. Marc Ferro (2007) identifica que o ressentimento é explosivo, forma uma identidade que mobiliza as populações em revoltas e revoluções. “Na origem do ressentimento, tanto no indivíduo como no grupo social, encontramos sempre uma lesão, uma violência sofrida, uma afronta, um trauma.

2 Cf. “La reviviscence de la blessure passé est plus forte que toute volonté d´oubli. L´existence du

ressentiment montre ainsi combien est artificielle la coupure entre le passé et le présent, qui vivent ainsi l'un das l'autre, le passé devenant un présent, plus présent que le present. Ce dont l'Historie offre mainst témoignages.” (FERRO, 2007, pág. 14 tradução livre).

3 Esse é o título do terceiro ensaio de Marc Ferro, no qual, se aborda as relações do ressentimento na

modernidade, em especial, com a produção de memória para as identidades nacionais. Se atendo ao caso histórico inicial, no caso os conflitos franco-germânico pela região da Alsácia-Lorena, desde 1870 e que culminaram na I Guerra Mundial em 1914. Ferro avalia que as ambições territoriais das dinastias reais eram objetivos que atingiam poucos indivíduos, contudo, com o advento das ideologias nacionalistas, o sentimento de ressentimento contra o Outro mobilizado pela retórica na propaganda atinge a população numa escala muito maior do que ao público restrito da sociedade palaciana. Cf. Marc Ferro, Le

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Quem se sente vítima não pode reagir, por impotência.” (FERRO, 2007, pág. 14, tradução livre)4

2. São Paulo é a locomotiva do Brasil? a locomotiva paulista e o ressentimento na ressignificação da narrativa de identidade paulista (de 1922 até 1947).

Entre os meses de janeiro e julho de 1954 os festejos comemorativos do aniversário da cidade de São Paulo foram consagrados com a edificação do protagonismo imaginado pelas máximas metafóricas que circulava no primeiro quartel do século XX, cuja afirmação comparavam o desenvolvimento do estado paulista com a velocidade de uma locomotiva. Mesmo como o passar dos anos, a polêmica frase: “São Paulo é uma locomotiva que arrasta vinte vagões vazios” permanece sem uma autoria definida, e, as discussões geradas sobre o seu enunciado lançam numa nebulosa cortina de fumaça sobre as verdadeiras intenções e sobre a sua utilidade no debate público.

Na segunda-feira, dia 2 de setembro de 1929, numa tumultuada sessão da Câmara Federal, o deputado gaúcho João Neves Fontoura fez um longo discurso que, no dia seguinte, foi reproduzido no Diário Carioca n’O Jornal e posteriormente pelo Diário Nacional, órgão que publicava a orientação política oposicionista de grupos minoritários de paulistas ligados ao Partido Democrático Nacional (PDN). Na semana patriótica, marcada pelos sentimentos nacionais registrados na memória da independência do Brasil em 7 de setembro de 1822, o deputado Fontoura, apoiado pelos seus correligionários, recorreu ao apelo emocional de que as eleições de 1930 houvessem uma unidade nacional e que cada grupo político abandonassem as suas miudezas e aspirações diante de um projeto que unificasse todo o país. Em letras garrafais, o editorial do Diário Nacional, oposicionista das decisões hegemônicas paulistanas, estampava logo na segunda página: “O brilhante discurso do deputado João Neves da Fontoura na Camara Federal: o Rio Grande do Sul sempre admirou São Paulo”.

A temperatura política descrita pelas manchetes esquentava tal como os dias iniciais de setembro findavam o inverno rumo à primavera de 1929. As letras chamaram

4 Cf. “À l'origine du ressentiment chez l'individu comme dans le groupe social, on trouve toujours une

blessure, une violence subie, un affront, un traumatisme. Celui qui se sent victime ne peut pas réagir, par impuissance.” (FERRO, 2007, pág. 14).

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notória atenção da opinião pública, que apesar de haver numericamente poucos leitores alfabetizados, muitos já se aglomeravam nas ruas das grandes metrópoles, sejam em revoltas militares ou em passeatas, greves e piquetes que clamavam por alterações no sistema político instalado durante a primeira fase republicana. Das 13 horas e 12 minutos às 18 horas e 12 minutos, totalizaram-se 5 horas de sessão com extraordinários discursos e vibrações políticas. A ordem do dia era direcionar a pauta da votação que definiria o orçamento da Agricultura, contudo, os apaixonados correligionários da Aliança Liberal impediram e transformaram a sessão em um grande comício. A repercussão da sessão não esperou o porvir do registro da imprensa, no mesmo dia em que ocorria a sessão encontravam-se transbordando pelas dependências e pela escadaria do Palácio Tiradentes, as tribunas e galerias superlotadas por pessoas provenientes de todas camadas populares.

- “Felonia!” – Tal palavra ao ser ressoada pelos tímpanos ouvintes foi respondida com sonoros aplausos de jubilo pela multidão de expectadores. Essa foi a acusação introdutória do deputado gaúcho João Neves Fontoura contra a decisão do presidente Washington Luís, apoiado pelos paulistas, em optar por escolher seu sucessor como candidato à presidência o governador de São Paulo, e também paulista, Júlio Prestes. De etimologia francesa, félon, o elegante termo medieval era para designar o crime de quem rompia o contrato de vassalagem com o seu suserano. Pasmem, a acusação de um crime medieval parece soar uma verdadeira ironia aos olhos e ouvidos dos leitores contemporâneos, afinal, enquadra o opositor na estratégia política medieval, o acusador que procurava tanto ser vanguardista e revolucionário, não se percebia como a função de Sancho Pança numa cavalgada marcada pela euforia em estágio da mais pura frenesia.

- “Felonia é também de v. ex.!” – Apesar da erudição de termos históricos da oposição, a bancada baiana e governista, liderada pelo deputado Sr. Ernesto Simões Filho, com astúcia de uma raposa, retornou o argumento da acusação contra a própria oposição e demonstrando que o bacharel possivelmente aprendeu as avançadas técnicas da retórica renascentista durante os estudos na Faculdade Livre de Direito da Bahia, talvez ele também teria sido um ávido leitor d’ O Príncipe de Maquiavel. Com as garras e dentes, era necessário defender a chapa governista, afinal ela também contava com a candidatura do baiano Vidal Soares à vice-presidente junto na chapa de Júlio Prestes.

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Após uma breve retomada de acusações, o Fontoura saltou da tribuna em direção ao deputado baiano, para solucionar os problemas caminhado pelas vias de fato. Aglutinaram-se demais deputados, uns apartando e outros agravando ainda mais o pugilismo público que era apreciado pelo auditório irascível, encolerizado pelos instrumentos de luta de Marte, tal como uma verdadeira arena romana. Porém, a metáfora da antiguidade se encerra com a chegada abrupta da modernidade realizada por um paraibano, mas que era deputado do carioca distrito federal, o movimento rápido o clímax do episódio tumultuoso com um habitus coronelista de sua terra natal: sacou logo um revólver.

Tardou alguns instantes, entre sopapos e empurrões, até que o lógos da apatia estoica se acomete os ânimos e gera-se a pacificação. O triunfo da pax seguiu o lema latino da preparação prévia para guerra, pois era visível a mão que escorria o rubro líquido do deputado Paulo Morais Barros, que era paulista, mas oposicionista, feriu-se e ainda assim tentava ferir outros deputados com o metal da caneta tinteiro de sua bancada, mostrou o seu aprendizado da máxima cristã adaptada ao senso comum: “quem com o ferro fere também será ferido”.

Ao retomar as posições iniciais na tribuna, a sessão foi reiniciada e o deputado gaúcho conseguiu seguir seu discurso sem sinais alheios de belicosidades, apenas com interrupções da euforia dos aplausos do público. Entre muitas acusações, incluindo até analogias greco-romanas, afinal, o discurso de Fontoura perdurou pela maior parte do tempo da sessão. Ao conduzir o discurso para as considerações finais, o desfecho foi arrematador como um toureiro, Fontoura deflagrou um tercio de muerte como uma declaração que foi como uma muleta que perfurou a espinha dorsal do bovino agonizante e que não podia contra-atacar, devido a imperiosa retirada da bancada paulista do plenário. “Abandonem certos dirigentes paulistas esse inocultável desprezo pelos demais Estados, consubstanciado na injuriosa e injusta afirmativa do sr. Arthur Neiva de que: “São Paulo é uma locomotiva, que arrasta 20 vagões vazios”. (FONTOURA, 1929, p. 02).

Médico, diretor do Instituto Butantan (1919 – 1921), Diretor do Museu Nacional (1923 – 1926) e Diretor do Instituto Biológico do estado de São Paulo (1927 – 1929), Arthur Neiva foi um importante cientista e intelectual da primeira fase republicana.

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Influenciado por uma concepção do sanitarismo e da eugenia, Neiva em suas incursões sobre o interior do Brasil, realizava observações raciais tecendo defesas favoráveis ao clareamento populacional através da promoção de imigrantes europeus. Neiva era entusiasta dessa onda de imigrantes que era inserida no estado de São Paulo e que poderia ser a solução para o desenvolvimento social e econômico do Brasil. Apesar dessas considerações entusiasmadas sobre o estado paulista, nós fomos deparados com uma curiosa e surpreendente informação ao conferir sobre o seu adjetivo gentílico: soteropolitano.

Independentemente das considerações racialistas e eugenistas de Arthur Neiva, será que seria da sua autoria a famigerada frase que centraliza São Paulo diante dos demais estados do Brasil? A investigação foi realizada pela equipe de jornalista d’O Jornal, em uma entrevista realizada por telefone, causando um hiato em meio aos árduos trabalhos do chefe do Instituto Biológico num dia de sábado e em meio ao feriado nacional do dia 7 de setembro. Ao tomar ciência da interpelação sobre a máxima bairrista atribuída pelo deputado Fontoura, Neiva foi extremamente categórico: “Eu nunca afirmei isso.”5 A voz permitia que se fosse observada a indignação da testa franzida, que se somava a calvície do entrevistado ampliavam a margem de sua preocupação com a difamação contra sua honra. “Já me havia até esquecido de que uns nove ou dez annos, escrevera, em artigo para o “O Estado de S. Paulo”, uma frase semelhante e essa é de cujos termos nem me lembro exatamente. Mas affirmo categoricamente que não escrevi “vagões vasios”. (NEIVA, 1929, apud. S. PAULO, 1929, p. 04.)

Ainda no mesmo telefonema, Neiva afirma que o deputado gaúcho deveria está assegurado de uma fonte para sustentar essa informação, segundo seu círculo íntimo de amigos, seria o livro Brasil Anedótico6 escrito por Humberto de Campos em 1927. Neiva afirmou desconhecer sobre o conteúdo do livro, mas que seria muito fácil acessá-lo e verificar a veracidade das informações. Em alguns instantes, tal como os jovens

5 Cf. “S. PAULO é uma locomotiva que arrasta vinte vagões vasios”: Teria o dr. Arthur Neiva emitido a

frase citada na Camara Federal? O Jornal. Rio de Janeiro. 8 de setembro de 1929. p.04. (Hemeroteca Digital).

6 A obra de Humberto de Campos não é uma sátira social que mescla importantes personagens históricos

reais inseridos em um enredo de causos que demonstra de maneira irônica os bastidores da política e da vida cotidiana do Brasil durante a primeira fase do período republicano. Em momento algum Humberto de Campos procura conferir um valor de veracidade aos acontecimentos narrados, mas apresenta de forma irônica uma profunda crítica social aos tipos sociais e mentalidades que existiam em sua época.

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atualmente pesquisam em plataformas de pesquisa digital, a produção jornalística consegue o livro e inicia a leitura para Neiva do capítulo intitulado O Comboio. O capítulo tratava de um encontro entre o presidente paulista, Rodrigues Alves com um dr. Aloisio Neiva, diretor da Hygiene de São Paulo em 1918, pouco após a sua vitória eleitoral. O presidente eleito, que não chegou a assumir, pois foi vítima da gripe espanhola, indagava se o dr. Neiva gostaria de ser parte do seu governo na gestão da saúde pública. De forma respeitosa, e agradecendo ao convite dr. Neiva nega o pedido afirmando que permanecer no cargo em São Paulo seria de maior realização do que ocupar um posto no governo federal, afinal, teria finalizado: “S. Paulo, Sr. Conselheiro, é uma locomotiva poderosa arrastando vinte vagões vazios”. (S. PAULO, 1929, p. 04). Após a leitura do curto trecho anedótico, a indignação de Neiva então tornou-se ainda mais evidente, “Veja o senhor no que se transformou a pobre phrase de um artigo” (NEIVA, 1929, apud. S. PAULO, 1929, p. 04.). E o Dr. continuou:

Em primeiro lugar, trocaram o meu nome pelo de meu irmão Aloísio, que é formado em direito, nunca tendo exercido cargo nenhum na Hygiene Publica de S. Paulo.

Refere depois o que o Dr. Aloísio Neiva, que ele queria dizer Arthur Neiva, é um fanático por seu estado natal: S. Paulo. Segundo engano: eu sou bahiano, embora lhe possa garantir que, se tivesse nascido em S. Paulo, não amaria mais essa terra. (NEIVA, 1929, apud. S. PAULO, 1929, p. 04.)

As proximidades entre Arthur Neiva com a elite política paulista foi o que tornou alvo de uma extensa campanha difamatória durante o processo eleitoral conturbado de 1930. Mesmo com sua defesa, até os dias atuais, Arthur Neiva é sempre utilizado como autor da comparação de que o estado de São Paulo tem o fardo de carregar sobre os trilhos o peso dos demasiado inútil dos demais estados da federação.7 Naquele período, já na

7 No segundo semestre de 2007, ocorreu a 20ª Reunião Anual do Instituto Biológico de São Paulo, em que

ocorreu a mesa-redonda que debateu sobre a trajetória de Arthur Neiva que foi coordenada pelo historiador André Felipe Cândido da Silva e também teve a colaboração do historiador Vanderlei Sebastião de Souza, ambos pesquisadores doutores em história da ciência pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Segundo Silva (2007), Arthur Neiva teria dito a frase ufanista: “São Paulo é a locomotiva que arrasta vinte vagões, constituídos pelos estados, e cujos passageiros bramam e reclamam da máquina, quando esta solicita dos poderes combustível para arrastar o trem pesadíssimo que ela, a arfar, vai puxando em rampa forte” (BORGMEIER, 1940). (SILVA, 2007, p. 109). Realizando uma referência indireta, Silva, apresenta o texto do padre entomologista alemão Thomas Borgmeier, que trabalhou no Brasil junto com Neiva no Instituto Biológico. Diferente da referência atribuída pelos seus detratores, Neiva não teria dito que os estados eram

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segunda-feira, no dia 9 de setembro de 1929, em uma palestra do Coronel Raymundo Brasil com o jornal O Paiz8, há uma exposição sobre os dados estatísticos do desenvolvimento da capital paulistas em comparação com os demais estados, o estatístico militar tenta defender a tese da superioridade do desenvolvimento paulista em relação aos demais estados da federação, contudo, defende Arthur Neiva das acusações difamatórias ao afirmar:

Já o notável patrício Dr. Arthur Neiva desmetiu que tivesse emitido a phrase: “São Paulo é uma locomotiva que arrasta vinte vagões vasios”, e ninguém que conheça o notável scientista poderá afirmar que ele tivesse usado dessa phrase grosseira. Mas, o que ninguem poderá contestar é, que São Paulo dá para a economia da Nação de 35 a 50% do total do que concorrem todos os outros vinte Estados da Federação. (BRASIL, 1929, apud. O PROGRESSO, 1929, p. 05).

Apesar dos esforços na defender Arthur Neiva contra as difamações, foram iniciativas que se perderam com as reviravoltas políticas do Brasil, com a Revolução de 1930. A relação estreita com os paulistas fez com que Neiva tivesse sido eleito governador do estado da Bahia, mas, o desfecho foi o exílio político devido o seu grupo político ter saído derrotado pelas mobilizações militares que transferiu o poder para Getúlio Vargas. Após a vitória os líderes revolucionários sempre vão achar necessário manter o discurso de que os intelectuais paulistas defendiam para si a característica de desenvolvimento de uma locomotiva. Tal como em uma entrevista do na época Major Juarez Távora para O

vagões vazios, mas, tenta justificar que a união deveria suprir ainda mais as demandas pelo estado de São Paulo, visto que o desenvolvimento seria em prol de um bem comum. Supostamente, essa poderia ser a frase original na qual Neiva se referia no telefonema durante a entrevista ao O Jornal em 1929, no caso, ele teria publicado em um artigo no jornal O Estado de São Paulo comparando São Paulo com uma locomotiva, aproximadamente no ano de 1920, que poderia ser semelhante a descrição realizada por Borgmeier na publicação comemorativa dos 60 anos de Neiva em 1940. Cf. SILVA, André Felipe Cândido. Arthur Neiva, cientista, político e intelectual: novos elementos para a compreensão do processo de criação do Instituto Biológico de defesa agrícola (1927). Biológico, São Paulo. V. 69, n2, p. 107 – 111. Jul./dez. 2007. Porém, em contrapartida, Souza (2009) ainda atribui a frase difamatória, que refere aos demais estados como vagões vazios, para a autoria Arthur Neiva, porém, sem apresentar nenhuma fonte primária para essa sustentar essa declaração. Cf. SOUZA, Vanderlei Sebastião de. Arthur Neiva e a ‘questão nacional’ nos anos 1910 e 1920. História, Ciências, Saúde –Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, supl.1, jul. 2009, p.249-264.

8 Cf. O PROGRESSO de São Paulo através as informações das estatísticas: o coronel Raymundo Brasil,

delegado da associação commercial do Pará, em palestra, com o “O PAIZ”, resume a sua ultima e interessante conferencia na capital paulista e os seus esforços para augmento das relações commerciaes entre São Paulo e os estados do norte. O Paiz. Rio de Janeiro. Ano XLV, Nº16395, 9 de setembro de 1929 (Hemeroteca Digital).

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Jornal e republicado no Diário Pernambucano, em 21 de julho de 19319, ao comentar sobre a situação instável do interventor federal, João Alberto, em relação a insatisfação dos grupos políticos de São Paulo, Távora tece os seguintes comentários sobre a renúncia do colega de farda do cargo da administração paulista: “Si é verdade que não comparo o papel de S.Paulo dentro da Federação a uma locomotiva puxando vinte vagões vazios, não é menos exato que eu nunca fiz ao grande Estado a injustiça de considera-lo um polvo da economia nacional.” (TÁVORA, 1931 apud. DECLARAÇÕES, 1931, p. 03).

As críticas dos revolucionários aos líderes paulistas, agora na oposição em relação ao novo governo, foram muitas vezes utilizadas por meio de um discurso satírico. O orgulho paulistano foi ridicularizado pela imprensa crítica aos governantes decaídos que precisavam de uma política de valorização artificial do preço do café realizado pelo governo federal. Tal como os versinhos publicados no periódico Correio da Manhã, na coluna Pingos & Respingos, em 11 de janeiro de 1931, como o interventor João Alberto lutava contra as elites regionais pela influência no Instituto do Café de São Paulo, afim de estabelecer uma solução para o problema da superprodução de café decorrente da crise de 1929. A bancarrota paulista deveria ser rateada com a contribuição de todos os demais estados. Tal como o famoso prato da culinária regional, a virada paulista, a locomotiva descarrilhou e a sua virada tombo todos os vagões, que agora, deveriam ergue-se e auxiliar na recuperação de sua antiga maria fumaça.

Há nessa frase uma estrutura dialética que possibilita verificar como ocorrem as relações assimétricas no desenvolvimento regional brasileiro. A analogia entre os vagões e a locomotiva que inicialmente surgiu como uma justificativa de Neiva de demonstrar que São Paulo necessitava de mais apoio dos estados para desenvolver-se e assim, auxiliar todos os estados em rumo ao progresso, a metáfora foi interpretada pelos críticos como uma sátira, na qual, a elite paulista parecia reclamar do fardo de carregar nas costas o desenvolvimento de todo o Brasil. Ao buscar uma reaproximação do poder, constantes sátiras e ataques contra os grupos paulistas eram realizados, sempre se valendo da máxima da visão de que os paulistas se observam como uma locomotiva que conduzia vagões vazios. Dessa forma, o lema tornou-se uma profecia autorrealizável, pois o discurso

9 Cf. DECLARAÇÕES do major Juarez Távora a “O JORNAL”: aplaudido a escolha do Sr. Plinio Barreto

o general da revolução no norte diz não ver motivos para que ela seja combatida pelos revolucionários paulistas. Diário de Pernambuco. Recife. Ano 106 Nº 163. 21 de julho de 1931. (Hemeroteca Digital).

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acusatório criou um ressentimento que mobilizou o conflito da Revolução Constitucionalista de 1932. Tal episódio impulsionou definitivamente o discurso identitário paulista em direção ao ressentido político, sendo metamorfoseado em uma forma de secessão regional, se separando dos ideais de brasilidade.

A máxima original de Neiva que outrora buscava aproximar a identidade paulista da brasilidade, por meio de uma declaração que demonstravam uma dependência da locomotiva paulista que era alimentada pelos suprimentos que existiam nos vagões, teve o significado revertido pelos críticos ao domínio político dos paulistas, posteriormente a Revolução de 1930, com a perda do poder, a releitura da máxima foi adotado devido ao ressentimento da elite paulista que perdeu sua influência no governo federal, e assim, agora busca acusar que os demais estados são dependentes de São Paulo, sendo até mesmo possível supor que essa nova perspectiva sugere a necessidade de retirara-se desses vagões que são desnecessários encargos para máquina locomotiva.

Com o breve período democrático, em 1934, novamente os críticos ressurgem com as sátiras em relação as tentativas de lideranças paulistas no congresso nacional. Em um artigo publicado no periódico satírico nomeado por A Manhã: Órgão de Ataques... de risos, afirma sobre a velha imagem da relação entre o desenvolvimento de São Paulo ao de uma locomotiva: “E essa, em resumo a tradução para o vernáculo da imagem hyrogiiphica desse trem puxado por S.Paulo, que actualmente vae muito de vagar, porque ao longo do leito da estrada, há muitas bandeirinhas vermelhas que é aviso de perigo” (SÃO PAULO, 1934, p. 02). Nem mesmo o dominical suplemento infantil d’O Jornal de 13 de junho de 1937 não deixava de escapar em comentar sobre as críticas em relação à máxima da locomotiva paulista. Em uma coluna Cousa de Crianças, intitulada Aposta Ganha10, direcionada ao público de 11 anos, relata um debate ocorrido no carnaval entre Chiquinho, que era nortista, maneira de designar os estados tantos do norte como principalmente do nordeste, e Benjamin que era um paulista, no meio da prosa, Chiquinho alude ao triunfo da Revolução de 1930 na região atual do Nordeste: “Rum.. rum... o paulista que conduzir os vagões vazios... e foi por isso tão bela a victoria do nortista, pois a união é que faz a força”. (APOSTA, 1937, p. 07).

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Porém, as falas sobre a comparação de São Paulo com um trem não se centraram apenas em Arthur Neiva, mas era algo já era um discurso que estava presenta no debate público entre outros intelectuais paulistas. Na seção A Nota Paulista, do jornal paranaense O Dia11, uma coluna assinada apenas pelas inicias de J. M.12 declara sobre um vibrante artigo publicado pelo escritor, jornalista e professor Francisco Damante teria afirmado: “São Paulo é a locomotiva do Brasil, que arrasta atraz de si os vinte vagões que são os outros Estados do Paiz”. (A NOTA, 1923, p. 02). Ao longo da escrita, o autor apresenta a superioridade numérica do estado de São Paulo em relação aos demais nas estruturas culturais civilizadoras, como: bibliotecas, associações científicas, jornais, escolas de ensino primário e de ensino profissionalizantes. Ainda detalhando sobre aspectos demográficos e tecnológicos, em especial o avanço da malha ferroviária. Dessa maneira, o autor conclui: “O Prof. Damante tem razão: nós somos, de facto, uma locomotiva e tão forte, tão possante, tão rigorosa, que nem os machinistas ordinários e os foguistas ordinaríssimos que a conduzem, tem conseguido faze-la descarrilhar... (J.M., 1923, p. 02).”

Definitivamente, é uma realidade de que durante os anos de 1920, sendo Arthur Neiva, ou demais intelectuais paulistas como Francisco Damante, procuravam representar o desenvolvimento de São Paulo associado com uma locomotiva que necessitava dos recursos dos demais estados. O discurso identitário paulista sobre o crescimento econômico é interpretado como algo necessário e inexorável para o desenvolvimento de todo o Brasil. O lema buscava sustentar um sentimento de regionalidade paulista como algo crescente associado aos ideais criados para identificar a nacionalidade brasileira. Contudo, os críticos reinterpretaram e satirizaram a máxima como uma soberba paulistana que findou devido a crise de 1929.

Diante disso, a elite paulista adotou a sátira reinterpretação como parte da explicação de uma justificativa sobre a crise econômica em que o estado se encontrava: a culpa seriam os vagões vazios. A partir desse momento, principalmente após as derrotas militares que a elite paulista enfrentou, seja na Revolução de 1930 como na Revolução

11 Cf. J.M. A Locomotiva do Brasil. O Dia. Curitiba. Nº 44. 19 de agosto de 1923, p.02 (A Nota Paulista) 12 Não há referências sobre quem seria o autor dessas iniciais J. M. Em outras colunas de outras edições do

mesmo periódico há referências escritas por João da Matta, mas como poderia se tratar de outro nome ou de um pseudônimo preferimos optou-se pela referência da maneira como encontra-se na fonte jornalística.

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Constitucionalista de 1932, ocasionaram na formação de um ressentimento que se verifica através dos discursos da historiografia sobre os ícones paulistas: os bandeirantes. Esses aspectos serão concretizados nas construções e nas exposições artísticas que ocorreram durante os festejos comemorativos do quarto centenário do aniversário da cidade de São Paulo em 1954.

Outrora, as concepções da identidade paulistana eram mobilizadas pelos intelectuais ligados ao Museu Paulista, centrando-se no discurso historiográfico que evidenciava o protagonismo dos bandeirantes como ícones da formação da identidade nacional brasileira. A predominância dessa abordagem histórica é evidente nas comemorações durante o centenário da independência do Brasil, durante os festejos que ocorreram em 1922. Contudo, após a Revolução de 1930 e a Revolução Constitucionalista de 1932, a elite paulista iniciou um processo de ressignificar a identidade paulista, apresentando perspectiva de superioridade ressentida, buscando distinguir-se dos demais estados da federação brasileira. Tal aspecto já é identificado com a escolha para a data comemorativa dos festejos, que ocorram em duas ocasiões; em janeiro, data oficial da fundação de São Paulo; e em julho, data do estopim da Revolução Constitucionalista de 1932. A escolha de duas datas realizada pelos organizadores permite que se verifique uma finalidade específica: ressignificar a identidade paulista para a contemporaneidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo de meia década, entre 1948 até 1953, inúmeros grupos paulistanos – em especial a elite política ligada ao Partido Social Progressista (PSP) do governador Adhemar de Barros e a elite industrial do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP) - se contrapunham aos dissidentes políticos de partidos minoritários e intelectuais universitários, pois todos rivalizaram-se para canalizar os recursos públicos em divergentes opiniões sobre diferentes projetos para os festejos. Os intelectuais universitários tentarão direcionar os eventos para a cidade universitária, sede da Universidade de São Paulo, que tinha suas construções dificultadas pela escassez de financiamento. Porém, essa proposta será silenciada diante da definitiva liderança da Comissão, a elite industrial, que optará por direcionar os recursos na construção do Parque

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do Ibirapuera em uma área de crescente valorização imobiliária. Até mesmo, estilo de arquitetura sobre as construções no Parque Ibirapuera serão causas de acirradas disputas entre projetos mais clássicos e mais modernos que se rivalizavam para atrair a opinião dos mecenas do setor político e industrial que financiavam o projeto comemorativo do IV centenário do aniversário da cidade de São Paulo.

Dentre meio essas diversas discussões, também haverá uma revisão historiográfica acerca das concepções sobre os bandeirantes13, temática central para os intelectuais paulistas desde o século XIX, por meio de artigos de jornais, Sérgio Buarque de Holanda, diretor do Museu Paulista e ligado ao setor dos intelectuais da Universidade de São Paulo, apresentava críticas as visões consideradas idealistas sobre as atuações históricas dos bandeirantes. Holanda distanciava-se da concepção defendida pela gestão do Museu realizado pelo seu antecessor, Afonso Taunay, mas que ainda continuaria presente em meio aos organizadores da Comissão dos festejos para o IV Centenário da cidade de São Paulo, sendo por isso, contratado para curadoria da exposição dos festejos um intelectual português, Jaime Cortesão. O processo de construção discursivo sobre a nova identidade paulista foi marcada pelo ressentimento não apenas em relação ao Brasil, mas na medida em que a Comissão optava por viabilizar financeiramente seja um determinado projeto arquitetônico ou discurso historiográfico houve simultaneamente o silenciamento de diversas vozes destoantes, sejam dos intelectuais acadêmicos, políticos de partidos minoritários, ou as camadas mais populares da cidade da garoa, afinal, durante o processo de organizar os festejos a Comissão, paradoxalmente, em nenhum momento houve uma consulta à população da própria cidade, afim de mapear quais seriam os seus desejos e anseios sobre o direcionamento administrativo da cidade, como deveriam orientar os gastos do erário durante os festejos, afinal, muito mais do que um festejo para

13 Desde o final do período imperial, no último quartel do século XIX, com a criação do Instituto Histórico

e Geográfico de São Paulo, 1894, e depois com a criação do Museu Paulista, em 1895, a identidade paulista é construída por meio do discurso de resgate das figuras e ações do bandeirantismo. Durante a hegemonia política dos grupos paulistas no poder do governo federal, durante a primeira fase da república brasileira, foram criados quadros e estátuas dos bandeirantes, construindo uma memória e que será importante para ser consolidado durante os festejos comemorativos do centenário da independência do Brasil, em 1922. Porém, o discurso sobre a identidade paulista tomou novas dimensões após o primeiro quartel do XX, com a derrocada econômica, em 1929, e política, em 1930, a ressentida elite paulista resinificou a identidade paulista que tomou o direcionamento das comemorações do quarto centenário da cidade de São Paulo em 1954.

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elite desfrutar, as comemorações deveriam ter como finalidade máxima promover o bem-estar social da maioria das pessoas que habitavam a cidade de São Paulo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FONTES DE PERIÓDICOS

J.M. A Locomotiva do Brasil. O Dia. Curitiba. Nº 44. 19 de agosto de 1923, p.02 (A Nota Paulista)

UM grande dia de vibração civica na camara: entre incessantes e estrondosos applausos das tribunas e galerias, os srs. João Neves, Luzardo, Bergamini e Josó Bonifácio Verberam a política de oppressão e de suborno do Cattete - um ruidoso incidente entre os srs. João Neves e Simões Filho e alguns minutos de tumulto no recinto. Diário Carioca. Ano II, Número 341. 03 de setembro de 1929. p. 01 (Hemeroteca Digital).

O BRILHANTE discurso do deputado João Neves da Fontoura na Camara Federal. O Rio Grande do Sul sempre admirou São Paulo. Diário Nacional. São Paulo. 05 de setembro de 1929. p.-3 (Hemeroteca Digital).

“S. PAULO é uma locomotiva que arrasta vinte vagões vasios”: Teria o dr. Arthur Neiva emitido a frase citada na Camara Federal? O Jornal. Rio de Janeiro. 8 de setembro de 1929. p.04. (Hemeroteca Digital).

O PROGRESSO de São Paulo através as informações das estatísticas: o coronel Raymundo Brasil, delegado da associação commercial do Pará, em palestra, com o “O PAIZ”, resume a sua ultima e interessante conferencia na capital paulista e os seus esforços para augmento das relações commerciaes entre São Paulo e os estados do norte. O Paiz. Rio de Janeiro. Ano XLV, Nº16395, 9 de setembro de 1929 (Hemeroteca Digital). DECLARAÇÕES do major Juarez Távora a “O JORNAL”: aplaudido a escolha do Sr. Plinio Barreto o general da revolução no norte diz não ver motivos para que ela seja combatida pelos revolucionários paulistas. Diário de Pernambuco. Recife. Ano 106 Nº 163. 21 de julho de 1931. (Hemeroteca Digital).

SÃO PAULO é a locomotiva do Brasil. A Manhã. Rio de Janeiro, ano VI, No. 19. 22 de junho de 1934, p. 02. (Hemeroteca Digital).

APOSTA ganha. O Jornal - suplemento infantil. Rio de Janeiro. 13 de junho de 1937. (Cousa de Criança).

REFERÊNCIAS HISTORIOGRÁFICAS

ANDRADE, Manuella Marianna C. R. O processo de formação do Parque Ibirapuera. Revista do Arquivo Municipal (São Paulo), v. 204, p. 49-66, 2006.

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ANHEZINI, K. Museu Paulista e trocas intelectuais na escrita da História de Afonso de Taunay. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, [S. l.], v. 10, n. 1, p. 37-60, 2003. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/anaismp/article/view/5380. Acesso em: 28 out. 2020.

FEBVRE, Lucien. La sensibilité et l’histoire. Comment reconstituer la vie affective d’autrefois. In: Annales HSS, numéros 1-2, janv.-juin 1941, p. 5-20.

FERRO, Marc. Le ressentiment dans l’histoire, Paris, Odile Jacob, 2007. KEHL, Maria Rita. Ressentimento. 3ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo. 2007

Referências

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