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O fim de uma era: de “país da juventude” à terra de idosos

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Academic year: 2021

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O fIM DE UMA ERA:

DE “PAíS DA JUVENTUDE”

à TERRA DE IDOSOS

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O fim de uma era – de país da

juventude à terra de idosos

Maria Helena Henriques Mueller

Gostaríamos de começar por questionar o título da sessão. Se o Brasil foi alguma vez o “país da juventude”, o que isto significou para a própria juventude brasileira? E se o foi, por que deixou de sê-lo se ainda em 2010 se mantêm expressiva, em termos absolutos e relativos, a população de jovens (50,5 milhões de pessoas, que representam 17% do total de habitantes, contra 6,9% dos ido-sos)? Na verdade, poucos exemplos existem da transformação do conceito de bônus demográfico em política social. Nós demógrafos ainda não conseguimos sensibilizar e mobilizar adequadamente os atores que se ocupam da formulação de políticas, no sentido de transformar a oportunidade em política social.

Em matéria de política social para os jovens, começamos tarde e com pouco. Esta escassez não se deu por falta de estudos de diagnóstico. uma série deles foi produzida entre 1997 e 2007, sob a égi-de da unesco e outras agências das Nações unidas. Do lado nacional, a Fundação Seaégi-de, o Ipea, o IBGE e o Instituto Cidadania elaboraram perfis e importantes análises de diferentes aspectos da população jovem. Finalmente, os estudos do Ibase1 e do Sesi2 levantaram questões que tocam mais diretamente

os jovens, tais como sua participação nas esferas política e pública, além das suas agendas, preferências e caminhos de inclusão. No entanto, até recentemente, contamos com programas isolados, voltados para prioridades pontuais, como emprego e educação, e que não deram conta do recado.

Por que a ausência de política pública quando havia argumentos para que ela acontecesse tanto do lado positivo – o bônus demográfico – como do lado negativo – as enormes necessidades da população jovem ilustradas nos vários diagnósticos? A meu ver influenciaram aí alguns fatores que já vinham aparecendo em sociedades com problemáticas semelhantes. Em primeiro lugar, a imagem do jovem na mídia. Alienado, irresponsável, viciado, arriscando sempre e violento, que

1 IBASE. Juventude brasileira e democracia: participação, esferas e políticas públicas. Jan. 2006. 2 DARELL, J. T.; GOMES, N. L. A juventude no Brasil., Sesi.

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196 Demografia em Debate v.4 Maria Helena Henriques Mueller O fim de uma era – de país da juventude à terra de idosos

apoio social esta imagem pode convocar? A esta imagem, associa-se a presença marcante na juven-tude de uma subcultura diferente, veiculada nas letras do funk e do rap, e que, mesmo tendo nascido numa sociedade sumamente autoritária, questiona a sua ordem e valores sociais e defende relações horizontais e informais. Por outro lado, a adaptação da juventude à intensidade e velocidade das mudanças tecnológicas e a sua familiaridade com formas de comunicação à distância reforçam a dificuldade da convivência pessoal com o jovem por parte das gerações anteriores, evidenciando diferenças fundamentais nos agentes e padrões de socialização entre adultos e jovens. Esta caracte-rização leva a um isolamento do jovem enquanto ator social e interlocutor político, o que dificulta bastante sua organização para pleitear políticas sociais que atendam aos seus anseios.

E agora, quando já se anuncia o final do bônus demográfico e a preocupação com o cresci-mento do grupo de 65 anos e mais, será tarde para que se possa recuperar a dívida social com os jo-vens? O que fizeram outros países que enfrentaram mudanças demográficas na direção do envelhe-cimento da sua população? Olhemos, por exemplo, a natureza do diálogo entre estruturas políticas e de juventude na Europa, terra de idosos, onde existe uma boa documentação das suas políticas e onde a política de juventude é vista como uma política de Estado.

Existem políticas de juventude em 27 países da união Europeia, que possuem como pilar o princípio da cidadania ativa que se materializa em diferentes programas, entre os quais o de vo-luntariado juvenil. O conceito de cidadania ativa implica amplas modalidades de participação dos jovens nas decisões políticas, ilustradas no modelo de cogestão, e atualmente privilegia os temas de cultura e desenvolvimento sustentável. Por seu lado, os jovens se organizam como interlocutor e parceiro das estruturas políticas da união Europeia, por meio do Fórum Europeu da Juventude (FEJ), que engloba conselhos nacionais de juventude e ONGs internacionais que trabalham com ou para os jovens.

um exemplo da presença política do FEJ aconteceu em 2009. Na ocasião da renovação por voto direto do Parlamento Europeu, o FEJ publicou sua lista de demandas e a enviou a cada candi-dato a deputado, solicitando seu posicionamento com respeito às questões apresentadas. Quando chegaremos lá?

A meu ver faltam três passos importantes para fortalecer a capacidade dos jovens de agir como interlocutor político, demandando mais políticas e mais espaços de participação:

1. pressionar mais por políticas de juventude, especialmente as que tocam as questões de educação e participação. Para isso, é fundamental estabelecer novos pactos nos âmbitos local, estadual e federal;

2. fortalecer a organização da juventude nos seus espaços de expressão e representatividade; 3. montar ambientes de informação e aconselhamento por meio de parcerias com

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Demografia em Debate v.4

Maria Helena Henriques Mueller O fim de uma era – de país da juventude à terra de idosos

um exemplo do que se pode lograr é visível no Centro de Informação e Documentação da Juventude (CIDJ), uma parceria entre os setores público e privado, localizado em Paris a 100 m da torre Eiffel. Ali, conselheiros especializados atendem todos os dias adolescentes, jovens, pais e profis-sionais na área da juventude para oferecer informações, identificar documentação relevante e pres-tar aconselhamento. Muitas são as áreas consideradas de interesse direto dos jovens: educação, tra-balho, engajamento e iniciativa pessoal, mobilidade internacional, direitos, moradia, cultura e lazer, saúde. O CIDJ também dispõe de um ponto Internet, um centro de documentação, uma biblioteca e um canto de imprensa onde podem ser consultados jornais e revistas.

Vale destacar que, se as áreas cobertas pelo CIDJ são as tradicionais, o enfoque como se de-senvolve a consulta com o jovem não o é. Na área de educação, por exemplo, e em parceria com o Mi-nistério da Educação, ajuda-se o aluno a preparar projetos escolares e profissionais. Já em emprego/ trabalho, além de mostrar ao jovem como procurar oportunidades de trabalho, ensina-se a preparar um CV, uma carta de apresentação e se aparelha o jovem para uma entrevista de trabalho. Na área de engajamento/iniciativa pessoal, ajuda-se a elaborar um projeto artístico, cultural, empresarial da escolha do jovem. Na área de mobilidade internacional, presta-se apoio para participar do Serviço de Voluntariado Europeu, que articula oportunidades de estudo e trabalho no estrangeiro. Também é mantida uma reunião mensal para praticar conversação numa língua estrangeira. No campo dos direitos humanos, informa-se sobre os direitos do jovem nas questões de família, trabalho, moradia, consumo, condição de migrante, direito penal e ajuda às vítimas. um dos serviços mais populares é aquele relacionado às atividades culturais e de lazer. Proporciona-se ali a programação cultural corrente, assim como a distribuição gratuita ou venda subsidiada de entradas para as mesmas. Fi-nalmente, na área de saúde, panfletos e conversas sobre temas de interesse direto dos jovens (amor, sexualidade, Aids, doenças sexualmente transmissíveis, drogas, infelicidade, alimentação) têm lugar sob a condução de uma das competentes ONGs trabalhando no tema.

Todas as informações e aconselhamentos são feitos em parceria com ministérios e órgãos es-pecializados no tema específico no âmbito do setor público, com associações profissionais e ONGs. Este modelo vem sendo empregado em outros países da comunidade europeia e vem surtindo mui-tos efeimui-tos positivos.

Alem do acesso à informação e aconselhamento nos temas importantes para os jovens, o in-tercâmbio permite um bom diálogo entre adultos e jovens, em que cada qual está no seu papel. Não se vê nesta parceria uma procura por parte do adulto de imitar os jovens nos seus comportamentos e os jovens buscam, respeitam e avaliam a informação como o que os adultos têm de melhor a pro-porcionar, ou seja, a sua experiência. Multiplicar espaços como este é fundamental para estabelecer um diálogo mais saudável entre gerações e se constitui em uma das medidas necessárias para pre-parar a sociedade para o momento em que os idosos aparecerão como uma nova maioria.

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Todos os caminhos levam à vida adulta?

Evidências qualitativas para jovens de camadas

populares em seis municípios mineiros

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Paula Miranda-Ribeiro

Sair da escola, entrar no mercado de trabalho, sair de casa, casar-se ou unir-se e ter filhos. Independentemente da ordem em que ocorrem, são estes os eventos que caracterizam a transição para a vida adulta. Estudos feitos para o Brasil, com dados de Censos Demográficos e PNADs, su-gerem que a transição para a vida adulta é distinta para homens e mulheres (CAMARANO; KANSO; MELLO, 2006; VIEIRA, 2008), brancos e negros (CAMARANO; MELLO; KANSO, 2006), residentes no Nordeste e no Sudeste (CAMARANO; MELLO; KANSO, 2006), de maior e menor renda (VIEIRA, 2008). Estes resultados indicam que a transição para a vida adulta varia segundo as especificidades de cada grupo e as realidades nas quais os jovens vivem.

O objetivo deste trabalho é contribuir para esta discussão, apontando diferentes formas de transição para a vida adulta entre jovens de camadas populares nos municípios mineiros de Alperca-ta, Belo Horizonte, Esmeraldas, Governador Valadares, Marilac e Ribeirão das Neves, na perspectiva dos próprios jovens. Os dados originam-se de 16 grupos focais2 conduzidos em junho e julho de

2009. Os 192 participantes, estudantes de 14 escolas públicas estaduais e, na sua maioria, cursando o 3º ano do ensino médio, foram selecionados pelas diretoras dessas escolas, que foram escolhidas entre as 433 amostradas para a “Pesquisa Jovem”, survey conduzido pelo Cedeplar/uFMG com alunos do

ensino médio da rede estadual de Minas Gerais, entre 2007 e 2010.

1 Pesquisa financiada pela Sedese/MG – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais.

2 Moderadoras: Paula Miranda-Ribeiro e Andréa Branco Simão (Cedeplar/uFMG e PuC-MG); assistentes: Marília Gomes, Pamila Siviero e Vanessa Franceschini (doutorandas em Demografia no Cedeplar/uFMG).

3 Foram amostradas 20 escolas em Ribeirão das Neves e região (que inclui Belo Horizonte e Esmeraldas) e 23 escolas em Governador Valadares e região (que inclui Alpercata e Marilac).

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Organizado em torno dos cinco eventos que caracterizam a transição para a vida adulta e recheado de relatos, este texto revela possíveis trajetórias, sempre na perspectiva dos jovens dos seis municípios estudados (Figuras 1 a 3). Os resultados sugerem que há uma série de caminhos que levam à vida adulta e, mais do que uma promessa de futuro, a vida destes jovens precisa ser pensada no presente. Das falas dos participantes, ficam cinco desafios para aqueles que elaboram as políticas públicas voltadas para este segmento populacional.

FIGURA 1 Locais pesquisados

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Demografia em Debate v.4

Paula Miranda-Ribeiro Todos os caminhos levam à vida adulta?

FIGURA 2

Belo Horizonte, Esmeraldas e Ribeirão das Neves

Fonte: Google maps, 2011.

FIGURA 3

Alpercata, Marilac e Governador Valadares

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202 Demografia em Debate v.4 Paula Miranda-Ribeiro Todos os caminhos levam à vida adulta?

Escola

Diante da exigência, cada vez mais frequente, de ter o ensino médio completo, a educação formal é vista pelos participantes como crucial para a entrada no mercado de trabalho. Nesse sentido, quando questionados, os jovens associaram o estudo com futuro, emprego, responsabilidade, conhe-cimento e oportunidades. No entanto, as falas revelam que estudar exige sacrifícios, o que faz com que o estudo também esteja associado a cansaço, esforço, sofrimento e monotonia. O cansaço é, muitas vezes, causado pelo fato de o jovem trabalhar e estudar, enquanto a monotonia está claramente rela-cionada à má qualidade das aulas e à falta de didática e entusiasmo dos professores. Foi recorrente a menção de que parece que muitos professores estão na escola por obrigação. Como melhorar as aulas e o ânimo dos professores? Fica aqui o primeiro desafio para os formuladores de políticas.

Participante: A maioria dos empregos pede o ensino médio e se a gente não tem o

ensino médio, num vai ter um bom emprego. [E.E. 1, Governador Valadares e região]

Participante: Aqui, eu não gosto de estudar não, mas é obrigado estudar. Eu tenho que

estudar senão se não estudar você não vai ser ninguém na vida. [E.E. 2, Ribeirão das Neves e região]

O ensino superior é entendido, por alguns, como a garantia de uma vida melhor. A tese é cor-reta, mas, na prática, ter um diploma esbarra na questão do vestibular. Muitos alunos afirmaram que “faculdade” não é para eles, enquanto vários revelaram planos de fazer vestibular. No entanto, é pre-ciso cautela, pois, diante de pesquisadoras identificadas com a uFMG, é possível que os participantes tenham tentado, de alguma forma, agradá-las – o conhecido viés da desejabilidade social. Ainda as-sim, fica claro que o curso superior não é percebido enquanto a panaceia que resolveria a questão do emprego no futuro. Os jovens mencionaram outras duas alternativas: cursos técnicos e concursos públicos, os quais substituiriam o diploma de ensino superior no sentido de garantir o futuro. um segundo desafio para os formuladores de políticas seria, portanto, a ampliação do ensino técnico de nível médio com qualidade, a fim de aumentar as chances de empregabilidade dos jovens.

Participante: A maioria das escolas particulares aí, você faz um curso técnico e você

forma em técnico químico, técnico mecânica. Você já sai com um gatilho de dentro da empresa. Têm muitas empresas que procuram dentro do Senai pessoas pra lá. Acontece que pra você entrar lá no Senai é muito difícil pelas provas de seleção. Se eles fizessem um trabalho parecido com o de lá, dentro das escolas públicas, porque espaço tem demais, então assim, se fizessem um trabalho parecido com esse do Senai, dentro das escolas públicas, seria...

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Demografia em Debate v.4

Paula Miranda-Ribeiro Todos os caminhos levam à vida adulta?

Moderadora: Em geral, jovens como vocês querem passar no vestibular? Participante: Eu acho que sim.

Participante: Hanhan.

Participante: Depende. Eu acho que muita gente nem vai inventar isso não.

Participante: Hoje em dia tem muito recurso. Igual, tem concurso também, aí você

termina o 2º grau e você não precisa fazer faculdade. [E.E. 4, Governador Valadares e região]

Trabalho

Segundo os participantes, o trabalho permite conquistar independência, ter liberdade para escolher o que comprar, criar responsabilidade e acumular experiência. Além disso, é o trabalho que dá orgulho de colaborar em casa e ajudar a mãe, em uma tentativa de mudança da realidade em que se vive e, ao mesmo tempo, um gesto de gratidão por todos os sacrifícios feitos pela mãe.

No entanto, trabalhar durante a adolescência tem, na visão dos adolescentes, um custo ele-vado. O trabalho é cansativo, os impede de estudar adequadamente e, muitas vezes, os leva a parar de estudar. Em suma, o trabalho na adolescência impede que os jovens vivam esta fase da vida em sua plenitude.

Participante: Quanto mais cedo a gente começa [a trabalhar], a gente perde toda a

adolescência, a melhor parte da vida da gente que, na minha opinião, é a adolescência. Eu acho entendeu, às vezes a gente perde as melhores coisas que tem na vida, né?! [E.E. 1, Governador Valadares e região]

Quando perguntados sobre o que incentivaria o jovem a querer se formar no ensino médio, uma das citações mais recorrentes diz respeito ao estágio, que possibilita adquirir experiência, uma exigência cada vez maior do mercado de trabalho, além de ser uma fonte de renda alternativa – de-sejável na perspectiva dos jovens – ao trabalho. um programa de estágios é, portanto, o terceiro desafio para os formuladores de políticas.

Participante: Eu acho que o que ia incentivar mesmo era falar, tipo, se desse curso

profissionalizante na escola e já a escola começasse a fazer uma interação com as empresas que precisam de pessoas.

Participante: Estágio.

Participante: Fazer estágio, essas coisas... Participante: Você já saía daqui formado.

Participante: ...você já saía daqui formado e com um lugar pra você ter uma base pra

você ir trabalhar ou fazer estágio. Eu acho que isso seria fundamental, todo aluno ia formar. “Eu vou formar! Eu vou formar! Eu vou formar! Eu vou sair empregado, uê!” [E.E. 3, Ribeirão das Neves e região]

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204 Demografia em Debate v.4 Paula Miranda-Ribeiro Todos os caminhos levam à vida adulta?

Sair de casa

Tradicionalmente, sair de casa é um evento associado ao casamento ou união. Em geral, um indivíduo deixa o domicílio de origem para constituir um novo domicílio com companheiro ou com-panheira. Os planos dos jovens participantes, de maneira geral, seguem este script. Como exceção à regra e ainda que de forma tímida e com críticas por parte dos colegas, aparece o desejo de um rapaz de morar sozinho.

Participante 1: Eu penso que eu não quero casar, quero sair da casa dos meus pais Participante 2: Você é um caso à parte.

Participante 3: Ou, você vai sair sozinho? Vai morar sozinho? Participante 1: É. Meu sonho é morar sozinho.

Participante 3: Você é doido? Participante 4: Isso daí é cabeça.

[E.E. 5, Ribeirão das Neves e região]

Casamento/união

O casamento continua fazendo parte da lista dos sonhos de muitos participantes. No caso das mulheres, à primeira vista pode parecer que nada mudou com relação ao passado. Ledo engano. As jovens de hoje almejam um casamento com independência financeira, em uma visão bastante crítica da geração das suas mães e com mudanças nas relações de gênero.

Participante: Hoje em dia, muitas meninas querem trabalhar pra não ser sustentada pelo

marido.

[E.E. 4, Ribeirão das Neves e região]

Participante: ...tipo assim, igual lá em casa minha mãe sempre dependeu do meu pai, aí

eu já vendo aquilo, eu já não quero depender sempre de quem eu vou casar, eu quero ter o meu dinheiro pra gastar e não ficar... assim, 18 anos, formou, vou casar. Hoje eu já penso. Eu que quero casar, mas primeiro eu quero estudar, quem sabe ter minha própria casa pra depois eu pensar em casar. Antigamente não, a mulher formou e qual que é o futuro? Casar. Aí ficava dependendo do marido. Agora, hoje não, a maioria das mulheres pensa primeiro conquistar seu futuro pra depois ver se realmente ela vai casar.

Participante: Ser independente.

Participante: Primeiro ser independente, né? Participante: Independente.

[E.E. 6, Ribeirão das Neves e região]

Pensando nas políticas sociais, apesar da reversão do hiato de gênero na educação, ainda fica a necessidade de que as aspirações femininas sejam levadas em consideração, de forma a garantir às jovens mulheres as condições para que elas possam, no futuro, fazer escolhas e gerenciar suas vidas de forma independente.

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Demografia em Debate v.4

Paula Miranda-Ribeiro Todos os caminhos levam à vida adulta?

filhos

A gravidez na adolescência costuma ser apontada como uma das razões pelas quais as jo-vens saem da escola. Os participantes confirmam. Há vários relatos sobre ex-colegas de ambos os sexos que saíram da escola devido à gravidez ou ao nascimento de um filho. Além disso, diferente do que costuma ser dito, a fecundidade na adolescência pode funcionar como um incentivo a perma-necer na escola, uma vez que concluir os estudos é visto como condição necessária para conseguir um bom emprego e dar melhores condições de vida ao filho. Entretanto, continuar estudando só é possível se a família puder cuidar da criança enquanto a jovem está na escola. O que acontece com aquelas adolescentes cujas famílias não podem ou não querem assumir mais esta tarefa? Este é o quinto e último desafio para aqueles que formulam políticas pública para os jovens: oferecer cre-ches, de forma que as estudantes que são mães não precisem abandonar a escola.

Participante 1: Às vezes dá desânimo mesmo de parar. Tem dia que não tô [**] de vir à

escola, mas venho porque eu tenho que passar né, porque eu já tenho uma filha e se eu não estudar o que que vai ser de mim e dela? Nada!

Participante 2: Tem que pensar no futuro. Questão de futuro. Você já tem uma filha, eu

vou parar de estudar só porque eu arrumei ela? Eu tenho que pensar em crescer pra mim dar ela um futuro melhor. Pra mim ter condições de ela chegar e me pedir as coisas e eu falar assim: “Não, eu posso te oferecer isso. Eu posso te dar isso”.

Participante 1: Igualzinho, eu também tenho condições mesmo de vim, o que não fez

desistir, foi minha família que me ajudou muito e tá me ajudando até hoje com minha filha, pra cuidar dela, alguma coisa assim, porque fora isso, eu acho que já tinha parado. É muito cansativo.

[E.E. 4, Ribeirão das Neves e região]

Considerações finais

Os relatos dos jovens participantes dos grupos focais sugerem que, em muitos casos, as aspi-rações com relação à transição para a vida adulta parecem seguir um caminho tradicional. Indepen-dentemente da ordem dos eventos, vários planejam se formar, entrar no mercado de trabalho, sair de casa, se casar e ter filhos.

Moderadora: Qual é o maior sonho dos jovens daqui? Participante: Sair da escola. Formar logo.

Participante : Trabalhar, arrumar a casinha é um objetivo. Participante : Casar.

Participante : Eu também.

Moderadora: Os meninos também têm sonho de casar?

Participante : Eu também. Eu também tenho meu plano de casar, ter meus filhos, ter

minha casa, ter meu carro, minha moto e tá pela ordem. [E.E. 7, Ribeirão das Neves e região]

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206 Demografia em Debate v.4 Paula Miranda-Ribeiro Todos os caminhos levam à vida adulta?

No caso das adolescentes do sexo feminino, há planos distintos que sempre envolvem a conclusão dos estudos, o trabalho e a formação de novo domicílio, mas não necessariamente o ca-samento e a maternidade. Em um dos grupos, o cuidado com o idoso é colocado como análogo ou substituto ao cuidado com os filhos, reforçando o papel feminino de cuidadora e revelando uma ligação clara e direta entre o país da juventude e a terra dos idosos.

Participante: Pelo menos eu, no meu caso, eu sempre idealizei a minha vida o seguinte:

eu vou estudar, vou começar a trabalhar, vou ter a minha casa com as minhas coisas. Eu nunca idealizei um futuro glorioso demais, aquela coisa “eu vou ficar rica, eu vou ter um marido bonitão, eu vou ter milhares de filhos...”. Eu não quero marido, não quero filhos, eu quero ter a minha vida.

[E.E. 6, Ribeirão das Neves e região]

Participante: Eu quero ser muito feliz, solteira, sem filhos, zero filhos. Participante: Eu também não quero casar não.

Participante: Não, eu quero cuidar da minha mãe, daqui a uns anos que eu tenho certeza

que ela vai ficar velhinha...

Moderadora: É?

Participante: Aí ela vai ser minha filha.

Participante: E quando você [*ruídos*] [envelhecer] quem vai cuidar de você? Grupo: [*ruídos*]

[E.E. 8, Governador Valadares e região]

Por fim, é possível extrair dos relatos cinco desafios para os formuladores de políticas: melhoria da qualidade das aulas, o que passa pelo aumento da motivação, qualificação e remuneração dos pro-fessores; aumento da empregabilidade do jovem que se forma, a partir do aumento da oferta de vagas em cursos técnicos; possibilidade de fazer estágios; ações voltadas especificamente para as adolescen-tes do sexo feminino, que garantam independência e autonomia financeira no futuro; e incentivo à permanência das jovens mães na escola, por meio da oferta de creches aos seus filhos. Estas lacunas, se preenchidas pelas políticas públicas, certamente contribuirão para que os jovens e as jovens de cama-das populares transitem para a fase adulta e lá tenham uma vida verdadeiramente melhor.

Referências

CAMARANO, A. A.; MELLO, J. L.; KANSO, S. Semelhanças e diferenças nas transições ao longo do ciclo da vida por regiões e cor/etnia. In: CAMARANO, A. A. (Org.). Transição para vida adulta ou vida

adulta em transição? Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2006, p. 61-93.

CAMARANO, A. A.; KANSO S.; MELLO, J. L. e. Transição para a vida adulta: mudanças por período e coorte. In: CAMARANO, A. A. (Org.). Transição para vida adulta ou vida adulta em transição? Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2006, p. 95-135.

VIEIRA, J. M. Transição para a vida adulta no Brasil: análise comparada ente 1970 e 2000. Revista

Referências

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